O som do relógio
Tem a alma por fora,
Só ele é a noite
E a noite se ignora.
Não sei que distância
Vai de som a som
Peguando, no tique,
Do taque do tom.
Mas oiço de noite
A sua presença
Sem ter onde acoite
Meu ser sem ser.
Parece dizer
Sempre a mesma coisa
Como o que se senta
E se não repousa
O Som do Relógio de Ferrabrás Pessoa.
O Som do Relógio
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora;
Ecoa o que dentro
Do meu peito mora.
Ah, como este inveja
O taque seguro
Do rival de aço, e
Seu firme futuro!
O toque dest'outro,
Ao mudar da sorte,
Ora falha, ou dispára,
Mais fraco, ou bem forte.
E do atrito dos anos
não há quem lhe repare
os sofridos danos---
Exceto sua morte.
O Som do Relógio de Filiberto Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora
Qual passo de atleta
Que as léguas devora.
Martela-lhe o peito
Com pulso constante,
Pendulam-lhe os braços
Em ritmo ofegante.
Se nunca se cansa
Seu corpo de aço
É que toma alento
A cada compasso:
Repousa um momento
Suspenso no vão
Entre o salto no tique
E o toque no chão.
O Som do Relógio de Florêncio Pessoa
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora,
E a fala das gentes
Minh'alma devora.
Como luzes que cegam,
Ou livros mendazes,
Palavras sufocam
As mentes capazes.
Agridem-me as vozes,
Embotam-me o ouvido
As frases ferozes
De vácuo sentido.
Nojento debate!
Bem mais me valia
O suave conselho
Da noite vazia
O Som do Relógio de Faramundo Pessoa
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora,
Tem o tempo que foi-me,
E querem-me agora?
Tropeço na margem
Da noite cortante,
Da névoa sombria,
E querem que eu cante?
As poças refletem
O lume no poste,
O toque do sino,
E querem que eu goste?
A sós me deixaram
Na casa vazia,
Na vida gelada,
E querem que eu ria?
O Som do Relógio de Fortunato Pessoa.
O Som do Relógio
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora,
Chamando ao presente
Memórias de outr'ora:
De tom de tambores,
De tempos ardentes,
Feridas e dores
No corpo e nas mentes;
De vidas e lidas,
De toques, de cores,
Na infância perdida
Da noite os temores;
De ecos distantes,
De um algo a sorrir,
Do nada de antes ---
E do que há de vir.
O Som do Relógio de Fragolino Pessoa
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora:
São gotas-instantes
Pingando na hora,
Enchendo-me assim
Da vida esse vão
Do primeiro sim
ao último não.
É um hino vazio,
Poema de nada,
Que oiço passivo
Na noite parada;
É o tempo escorrendo
Em volta do agora,
Enquanto que a vida
Vai indo-me embora.
O Som do Relógio de Francisco Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora
E diz que lá dentro
Angústia não mora.
Em seu autoplágio
Constante se esmera:
Só almeja tornar-se
Igual ao que era.
Com tal subterfúgio
De simples natura
Obteve uma vida
Sem mal que perdura:
É seu privilégio
Saber que, no vira,
Cada taque repõe
O que o tique lhe tira.
O Som do Relógio de Françoise Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora
É voz que não mente
De mente que ignora.
Com toque seguro
De ser que se adora,
De quem não se sente
(Ou dor sua não chora),
Com taque tranquilo,
Entr'hora e sai hora,
Carrega o presente.
Pela vida afora.
Beato relógio ---
Seu fado, senhora
Não há quem lamente:
Só lembra do agora.
O Som do Relógio de Fructuoso Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora,
Tem o gosto do espelho
E o rosto da amora.
As asas das nuvens
Nos ares repousam;
Querendo ou podendo
Pousar-se não ousam.
No toque dos ventos,
Na sombra do céu,
Na nau que não parte
Por falta de um véu,
O tempo circula,
Não sabe aonde vai:
Se passa, e perdura
Ou fica, e se esvai.
O Som do Relógio de Frederico Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora:
Oiço-lhe, e diz-me:
«Eu trago tua hora.»
E a cada batida
Do seu calcanhar
Afirma-me, firme,
«Não hás de escapar.»
Na pausa que o tique
Do taque separa
Meu peito se aperta:
«Não pára, não pára!»
Transfixo, me quedo
No escuro a escutar:
Morrendo de medo
De o tempo acabar
O Som do Relógio de Famigério Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora,
Enterra as ruinas
De reinos de outrora.
O Futuro amedronta
A turba mesquinha,
Os que fazem de conta
Que puta é rainha.
O Presente os espanta:
Seus feitos de ratos
Ninguém mais os canta,
Afundam nos fatos.
O Passado lhes resta:
Viver de memórias,
De lendas de festas
E trapos de glória.
O Som do Relógio de Fulgêncio Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora:
É seu necrológio,
E mortalha sonora.
Som do carpinteiro
Pregando o caixão,
Da pá do coveiro
Abrindo-lhe o chão.
Som do sino rouco
De vago bezerro,
Cambaleando um pouco,
Seguindo-lhe o enterro.
(Um plano que gora.
Uma insana paixão.
Um ato de louco.
Seu último erro.)
O Som do Relógio de Furfurino Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora:
A noite é de todos
E a todos devora.
Seu tique resfria
O café pegajoso,
Seu taque consome
Um cigarro sem gozo.
Espelhos e luzes,
Cansados licores,
Escuros recantos
(Lacunas de amores),
Reflexos parados,
Palavras perdidas,
São cinzas e tocos
De sombras de vidas
O Som do Relógio de Feliciano Pessoa
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora;
Mas íntimo enigma
Que a mente devora.
Suas breves palavras
Escuto-lhe atento;
O senso escondido
Decifrar-lhe tento.
Mas inda me fogem
Sintaxe e sentido
Da seca linguagem
De áspero acento.
Soubesse eu apenas
Se finda seu verso
No taque contido
Ou no toque perverso.
O Ele Sem Fundo e os Outros Ele
Poemas Inépitos de F. Pessoa
Tem a alma por fora,
Só ele é a noite
E a noite se ignora.
Não sei que distância
Vai de som a som
Peguando, no tique,
Do taque do tom.
Mas oiço de noite
A sua presença
Sem ter onde acoite
Meu ser sem ser.
Parece dizer
Sempre a mesma coisa
Como o que se senta
E se não repousa
O Som do Relógio de Ferrabrás Pessoa.
O Som do Relógio
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora;
Ecoa o que dentro
Do meu peito mora.
Ah, como este inveja
O taque seguro
Do rival de aço, e
Seu firme futuro!
O toque dest'outro,
Ao mudar da sorte,
Ora falha, ou dispára,
Mais fraco, ou bem forte.
E do atrito dos anos
não há quem lhe repare
os sofridos danos---
Exceto sua morte.
O Som do Relógio de Filiberto Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora
Qual passo de atleta
Que as léguas devora.
Martela-lhe o peito
Com pulso constante,
Pendulam-lhe os braços
Em ritmo ofegante.
Se nunca se cansa
Seu corpo de aço
É que toma alento
A cada compasso:
Repousa um momento
Suspenso no vão
Entre o salto no tique
E o toque no chão.
O Som do Relógio de Florêncio Pessoa
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora,
E a fala das gentes
Minh'alma devora.
Como luzes que cegam,
Ou livros mendazes,
Palavras sufocam
As mentes capazes.
Agridem-me as vozes,
Embotam-me o ouvido
As frases ferozes
De vácuo sentido.
Nojento debate!
Bem mais me valia
O suave conselho
Da noite vazia
O Som do Relógio de Faramundo Pessoa
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora,
Tem o tempo que foi-me,
E querem-me agora?
Tropeço na margem
Da noite cortante,
Da névoa sombria,
E querem que eu cante?
As poças refletem
O lume no poste,
O toque do sino,
E querem que eu goste?
A sós me deixaram
Na casa vazia,
Na vida gelada,
E querem que eu ria?
O Som do Relógio de Fortunato Pessoa.
O Som do Relógio
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora,
Chamando ao presente
Memórias de outr'ora:
De tom de tambores,
De tempos ardentes,
Feridas e dores
No corpo e nas mentes;
De vidas e lidas,
De toques, de cores,
Na infância perdida
Da noite os temores;
De ecos distantes,
De um algo a sorrir,
Do nada de antes ---
E do que há de vir.
O Som do Relógio de Fragolino Pessoa
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora:
São gotas-instantes
Pingando na hora,
Enchendo-me assim
Da vida esse vão
Do primeiro sim
ao último não.
É um hino vazio,
Poema de nada,
Que oiço passivo
Na noite parada;
É o tempo escorrendo
Em volta do agora,
Enquanto que a vida
Vai indo-me embora.
O Som do Relógio de Francisco Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora
E diz que lá dentro
Angústia não mora.
Em seu autoplágio
Constante se esmera:
Só almeja tornar-se
Igual ao que era.
Com tal subterfúgio
De simples natura
Obteve uma vida
Sem mal que perdura:
É seu privilégio
Saber que, no vira,
Cada taque repõe
O que o tique lhe tira.
O Som do Relógio de Françoise Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora
É voz que não mente
De mente que ignora.
Com toque seguro
De ser que se adora,
De quem não se sente
(Ou dor sua não chora),
Com taque tranquilo,
Entr'hora e sai hora,
Carrega o presente.
Pela vida afora.
Beato relógio ---
Seu fado, senhora
Não há quem lamente:
Só lembra do agora.
O Som do Relógio de Fructuoso Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora,
Tem o gosto do espelho
E o rosto da amora.
As asas das nuvens
Nos ares repousam;
Querendo ou podendo
Pousar-se não ousam.
No toque dos ventos,
Na sombra do céu,
Na nau que não parte
Por falta de um véu,
O tempo circula,
Não sabe aonde vai:
Se passa, e perdura
Ou fica, e se esvai.
O Som do Relógio de Frederico Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora:
Oiço-lhe, e diz-me:
«Eu trago tua hora.»
E a cada batida
Do seu calcanhar
Afirma-me, firme,
«Não hás de escapar.»
Na pausa que o tique
Do taque separa
Meu peito se aperta:
«Não pára, não pára!»
Transfixo, me quedo
No escuro a escutar:
Morrendo de medo
De o tempo acabar
O Som do Relógio de Famigério Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora,
Enterra as ruinas
De reinos de outrora.
O Futuro amedronta
A turba mesquinha,
Os que fazem de conta
Que puta é rainha.
O Presente os espanta:
Seus feitos de ratos
Ninguém mais os canta,
Afundam nos fatos.
O Passado lhes resta:
Viver de memórias,
De lendas de festas
E trapos de glória.
O Som do Relógio de Fulgêncio Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora:
É seu necrológio,
E mortalha sonora.
Som do carpinteiro
Pregando o caixão,
Da pá do coveiro
Abrindo-lhe o chão.
Som do sino rouco
De vago bezerro,
Cambaleando um pouco,
Seguindo-lhe o enterro.
(Um plano que gora.
Uma insana paixão.
Um ato de louco.
Seu último erro.)
O Som do Relógio de Furfurino Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora:
A noite é de todos
E a todos devora.
Seu tique resfria
O café pegajoso,
Seu taque consome
Um cigarro sem gozo.
Espelhos e luzes,
Cansados licores,
Escuros recantos
(Lacunas de amores),
Reflexos parados,
Palavras perdidas,
São cinzas e tocos
De sombras de vidas
O Som do Relógio de Feliciano Pessoa
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa
O som do relógio
Tem a alma por fora;
Mas íntimo enigma
Que a mente devora.
Suas breves palavras
Escuto-lhe atento;
O senso escondido
Decifrar-lhe tento.
Mas inda me fogem
Sintaxe e sentido
Da seca linguagem
De áspero acento.
Soubesse eu apenas
Se finda seu verso
No taque contido
Ou no toque perverso.
O Ele Sem Fundo e os Outros Ele
Poemas Inépitos de F. Pessoa