Carta Maior
29 de outubro de 2010 às 15:54h
Pesquisadora da Universidade Federal Fluminense explica como são trabalhadas as imagens dos presidenciáveis nos programas eleitorais. A Ricardo Carvalho
Pesquisadora da Universidade Federal Fluminense explica como são trabalhadas as imagens dos candidatos nos programas eleitorais
Luiz Inácio Lula da Silva disputou e perdeu a presidência da República em todos os pleitos de 1989 a 1998. Para a mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, Maria Izabel Muniz Ferrari, a campanha eleitoral vitoriosa de 2002 marcou a transformação da imagem política do candidato. “Antes de 2002, os programas eleitorais apresentavam um Lula muito mais ligado ao PT e a questões partidárias, expondo muito pouco sua intimidade. Lula não teve sua história de vida alterada em 2002, mas sim a forma de contá-la”, diz Maria Izabel. Nesta entrevista à CartaCapital, a pesquisadora traduz a “gramática das eleições” existente tanto na campanha de José Serra quanto na de Dilma Rousseff e mostra a importância dos dispositivos melodramáticos na construção da imagem dos candidatos.
CartaCapital: O que é o conceito do melodrama e como conseguimos identificá-los nas campanhas eleitorais?
Maria Izabel: O melodrama dramatiza a vida das pessoas tanto na esfera cotidiana quanto na política. Esse modo de ver o mundo parte de uma lente permeável de valores sociais moralizantes, ou seja, aspectos intimistas do sujeito são trazidos à cena e deixam de ser privado. De que forma a gente encontra isso nas campanhas? De maneira geral, o primeiro programa é a apresentação do candidato, chamado pelo marketing de construção de imagem. É um programa exibido até mesmo antes do período eleitoral e retoma histórias de vida, a trajetória política e as virtudes do homem público. Esses elementos trazem forte apelo melodramático, como o uso de fotografias, flashbacks, depoimentos, narração em terceira pessoa, melodia, tudo isso trabalhado para conseguir o engajamento afetivo do eleitor, que, futuramente, pode transformar-se em engajamento político. Enfim, o melodrama é um código compartilhado pelos eleitores e telespectadores, o que permite aos candidatos explorarem uma gramática das eleições.
CC: De que forma podemos identificar esses conceitos na campanha de José Serra?
MI: José Serra, no primeiro programa, conta a sua história de vida. Como plano de fundo, aparece sua família sentada no sofá. Ou seja, a vida privada do candidato é trazida como exemplo moralizante de família ao eleitor. Cria-se um modelo moral naquela cena de pai, avô, chefe de família, tudo trabalhado por meio de uma estética melodramática. Ele cria, através de sua privacidade, uma intimidade com o telespectador. Toda a montagem é feita com base em uma das categorias do melodrama, a reiteração. Ou seja, quando o narrador fala da origem humilde de Serra, aparecem fotos de um pai vendedor de frutas, uma mãe dona de casa, a casa humilde. Em seguida, ocorre a construção da figura de um herói com conceitos moralizantes de superação, liderança, dedicação aos outros. Aí são utilizadas, para reiterar, imagens dele na UNE (União Nacional dos Estudantes), fotos da ditadura militar. Por último, Serra traz a história de vida de seus eleitores para criar uma identificação. São escolhidas pessoas que reiteram o apresentado anteriormente, como aposentados, donas de casa, como sua mãe, feirantes, como o pai, uma mulher grávida representando a família, etc.
CC: E quanto ao programa de Dilma Rousseff?
MI: A história de vida da candidata Dilma foi introduzida de forma similar. No programa apresentado em 9 de outubro ela traz um exemplo de melodrama que é a representação de uma família. Ela diz: “esse é o modelo de uma família brasileira” e apresenta uma família Silva. Ou seja, o programa faz uma representação moral do que seria uma família brasileira, mostrando a imagem de um marido, de um filho, uma nora, netos, todos dividindo a mesma casa. A candidata entra nessa intimidade do eleitor e diz que todos somos a favor da família e da vida. Esse recurso passa pelo emocional porque ela está representando milhares de outras famílias dentro daqueles Silva. Ela entra na casa, conversa com os moradores, transmite uma a ideia de intimidade e aproximação com a realidade do eleitor. Já no dia 8 de outubro Dilma Rousseff começa agradecendo a Deus pelos votos recebidos no primeiro turno. Essa exposição de um sentimento de gratidão a Deus, geralmente uma manifestação mais resguardada, é trazida para a tela e torna-se uma manifestação pública.
CC: É possível analisar como o aborto foi abordado nestas eleições pelo aspecto do melodrama?
MI: Houve o agendamento midiático, que trouxe o tema para as conversas cotidianas dos eleitores. A questão do aborto, que envolve, entre outras coisas, a religiosa, tem tudo a ver com a pedagogia moralizante. Ou seja, valores morais são trazidos ao debate, cabendo ao eleitor o julgamento. A partir daí, as imagens nos programas eleitorais reiteram o modelo de família e de mulher em defesa da vida. Então, quando são usados vários discursos na tentativa de legitimizar a discussão do aborto, a campanha deixa de ser um espaço para o debate de temas e propostas para se tornar um espaço de valores simbólicos e moralizantes. Como se fosse possível existir apenas uma verdade e uma forma correta em relação ao aborto. Não tem como dizer que foi uma discussão racional. No caso da campanha os eleitores passaram a julgar não apenas as propostas para o tema aborto, mas a questão do aborto com base em valores morais.
CC: Você centra sua pesquisa na campanha de Lula em 2002. Ela foi um marco?
MI: Outras campanhas já tinham usado apelos emocionais, mas eu vejo como marco a campanha de 2002. Primeiro, porque trabalhou muito bem a imagem do Lula enquanto um operário, construída pela narrativa do primeiro programa. Do ponto de vista de identificação com o público, aquilo foi muito bem feito.
CC: Qual foi a diferença do Lula pré 2002 e após sua vitória?
MI: Antes de 2002 o Lula tinha uma postura muito mais ligada ao partido. Enxergava-se ele muito mais ligado ao PT, à questões partidárias, uma postura que expunha muito pouco a sua intimidade. Era um Lula muito mais candidato, com a trajetória enquanto político e sindicalista muito mais forte. Em 2002, já ocorre a transição para a figura do homem Lula. A história de vida dele no programa vem gravada antes da sua história política, tanto que o próprio narrador do programa falava: “O Lula candidato vocês já conhecem de outras eleições, agora eu vou apresentar agora o Lula homem”. A aceitação foi muito boa, tanto que ele foi eleito. E isso se deve a uma estratégia de marketing, a mudança estética das campanhas nas TVs, que pediam a integração de outros elementos. Além de uma maior profissionalização da campanha, com profissionais de diferentes áreas fazendo parte. Tanto que hoje há cineastas nas equipes eleitorais, não apenas jornalistas e publicitários
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