sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

história - mídia 2003 - A nova velha imprensa, ano I

Luciano Martins Costa (*)

Inicia-se o ano de 2004, o 196º ano depois que Hipólito da Costa trouxe para o Brasil seu Correio Braziliense, impresso em Londres, momento histórico em que a imprensa brasileira prepara sua rendição, que se anunciará nas primeiras semanas do ano através do Diário Oficial da União. Nada mais lacônico, nada mais repetitivo depois que o português Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, príncipe regente do Brasil, concedeu ao país certa imprensa livre ao decretar, em 1821, o fim da censura prévia: mais uma vez, caberá ao Estado, desta vez por meio do seu Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES, decretar a alforria dos meios informativos.

Nem tudo, porém, é celebração. Há quem diga, alto e claro, que não se trata da salvação da imprensa, mas de seu atrelamento aos interesses do Estado e seus eventuais gestores. Já o disse Octávio Frias de Oliveira, patriarca da família que possui um dos mais importantes diários do país, a Folha de S. Paulo [veja remissões abaixo].

Também não concordam com a solução, embora espreitem qualquer oportunidade de lançar mão de dinheiro barato, os donos de conglomerados de comunicação que se beneficiam do dinheiro catado miudamente, mas aos milhões, em sessões de exorcismo, e os empresários que emprestam concessões públicas de rádio e TV para a máfia do bingo se defender de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga as ações do crime organizado.

Estruturas enxutas

Como se vê, há pelo menos duas possibilidades na afirmação de que se anuncia a rendição da imprensa nacional a partir de 2004: ela ressurge com o auxílio da mão redentora do governo, mas corre o risco de se render à mão que a resgata. A controvérsia, que freqüenta este Observatório há muitas semanas, não tem fim. O próprio presidente da República, talvez inadvertidamente, tratou de aquecê-la em um de seus pronunciamentos de final de ano [veja artigo "A notícia e o coração de mãe" (remissão abaixo), ao repetir o ditado cínico segundo o qual "Notícia é aquilo que não queremos que seja publicado. O resto é publicidade"].

Afora o mau hábito presidencial – talvez adquirido no longo processo de aproximação do poder – de fazer blague com temas sérios cujo alcance talvez lhe escape –, há o risco adicional de sua suposta anedota vir a contribuir para tisnar a credibilidade dos veículos pertencentes a empresas que sejam beneficiadas pelo BNDES.

De qualquer modo, o simples anúncio da disposição governamental de socorrer as empresas de mídia tem sido suficiente para reverter processos de administração que haviam lançado no pântano da crise organizações tradicionais, algumas delas transformadas em corporações gigantescas e de múltiplos interesses. O anúncio formal da família Mesquita, retirando-se oficialmente da condução dos negócios do Grupo Estado, em 19/12/03, foi acompanhado pela celebração de um ajuste de caixa que vinha sendo perseguido há pelo menos três anos. Embora seja lícito duvidar que a família esteja de fato se afastando das atribuições profissionais de administração – pela obviedade, aqui já observada, de que o corpo de gestores nomeado para seu lugar não tem o perfil de independência necessário a iniciativas realmente inovadoras – é de se registrar que se trata de momento solene na história da imprensa nacional.

Da mesma forma, é razoável advertir que fazer um bom fluxo de caixa não representa motivo para grandes comemorações, dada a brutal distância que separa as práticas de gestão na maioria das empresas de comunicação nacional e aquilo que se convenciona chamar de governança transparente: a estrutura, os processos e os ativos de tecnologia predominantes nas empresas de mídia não representam salvaguardas suficientes contra malversações e desvios de rota capazes de botar a perder a saúde financeira tão duramente conquistada – principalmente à custa de centenas de empregos e da implantação de um regime de terror e sobrecarga para os remanescentes. Aliás, é nas chamadas estruturas enxutas que proliferam as práticas da terceirização descontrolada, por baixo das quais se consolida o vício do superfaturamento e da remuneração dissimulada de acionistas, executivos ou simples apaniguados.

Lição única

Há quem considere um mal o remédio que se está para ministrar ao paciente. Representantes da chamada imprensa alternativa – que de fato nunca se ofereceu como alternativa real à grande imprensa que o professor Bernardo Kucinski gosta de chamar de imprensa burguesa – prefeririam ver a mídia dominante sucumbir até um ponto de não-retorno, que conduzisse ao obrigatório surgimento de novas estruturas empresariais e modelos de negócio mais transparentes e ao alcance do controle público. Mas essa inovação radical depende mais de tecnologia do que de vontade política. E haveremos de nos confrontar com a vertente segundo a qual "imprensa alternativa" não significa necessariamente "imprensa livre".

Desde que o periódico O Socialista da Província do Rio de Janeiro se lançou em Niterói, em 1845, com edições a cada três dias, poucas experiências do tipo fizeram uma história tão consistente como a do Coojornal, nascido na Rua Comendador Coruja, em Porto Alegre, em 1976. No entanto, o "jornal dos jornalistas" durou apenas oito anos e não sobreviveu à divisão das esquerdas, maldição histórica que se repetiu durante o processo de redemocratização do país.

Não se pode esperar que, com tantas dificuldades para cumprir promessas de campanha, o atual governo venha a se preocupar com a oportunidade de corrigir distorções históricas que fazem da imprensa brasileira uma instituição apenas formalmente democrática. Já ajudaria se, na mesma mala do dinheiro do BNDES, o governo acrescentasse a obrigatoriedade do cumprimento da legislação existente, especialmente no que se refere ao uso das concessões de serviço público de comunicações. Se o processo de solução da crise permitisse desestimular a apropriação da mídia por empresários portadores maus antecedentes, já estaríamos bem servidos. Da mesma forma, e em prazo mais longo, o governo poderia aproveitar a definição do padrão de transmissão digital de imagens e dados para colocar um pouco de ordem na barafunda de concessões.

Mas seria até cândido supor que, em pleno ano eleitoral, a coalizão no poder aceitaria correr o risco de se comprometer com exigências que, no mínimo, poderiam estremecer suas relações com a mídia. Por sua própria conta, a imprensa não é capaz de se reerguer independente e soberana. Se o ano nasce sob o signo do otimismo para as grandes empresas de comunicação, isso não significa necessariamente que passaremos a contar com uma imprensa mais voltada para os interesses da coletividade e menos atrelada à vontade de seus donos.

Por enquanto, a única lição que os empresários do setor demonstram ter aprendido é sobre como fazer o mesmo produto com menos jornalistas. Portanto, o que podemos esperar é uma nova velha imprensa, esperta o suficiente para mudar e continuar a mesma.

"O governo quer a mídia de joelhos"

Jorge Felix

Publicado originalmente no AOL Notícias, em 21/10/03, em 2003/10/21/0004.adp>

Ele é o último barão da imprensa. Neste ano de 2003 viu seus congêneres morrerem: os donos de O Globo, O Dia e Jornal do Brasil. O Estado de S. Paulo há muito é administrado por herdeiros. Aos 91 anos, o jornalista Octavio Frias de Oliveira, há mais de 40 anos à frente da Folha de S. Paulo, é o único dos históricos donos de jornais em atuação no país.

Filho de família rica, descendente dos barões de Itaboraí e Itambi, Octavio Frias de Oliveira teve uma adolescência pobre depois que o pai e um tio quebraram e foi obrigado a empregar-se como office-boy aos 14 anos. Aos 21, no entanto, já era um próspero funcionário público da Receita Federal. Depois, seguiu a tradição da família e fundou um banco, o BNI, mais tarde comprado pelo Bradesco. Foi com o dinheiro de uma aventura, a construção de uma rodoviária em São Paulo, que ele e o sócio Carlos Caldeira compraram a Folha de S.Paulo, em 1962. Com mais de 50 anos, descobriu a carreira de jornalista e transformou seu jornal em um forte concorrente do Estado de S. Paulo, que fazia feroz oposição a seus negócios. De lá para cá, o jornal cresceu, tornou-se um dos mais influentes do país.

Simples, low-profile, "Seu" Frias, como prefere ser chamado, recebe pouca gente no nono andar do prédio da Rua Barão de Limeira. Quem tem esse privilégio nem precisa usar crachá de visitante ou passar pela catraca. Na ampla sala de reunião, anexa ao seu gabinete, mobiliada com mesa com oito cadeiras, poltronas e decorada com capas históricas da Folha, ele concedeu entrevista à AOL por quase uma hora. Lembrou dos colegas donos de jornais mortos neste ano e disse que assiste à maior crise financeira já enfrentada pela imprensa brasileira.

Sobre a operação de socorro financeiro criada pelo governo para sanear as empresas de comunicação com dinheiro do BNDES, Frias disse que é contra. Segundo ele, o chamado Promídia – analogia com o Proer, o programa de socorro aos bancos feito no primeira mandato do presidente Fernando Henrique – é uma estratégia do Palácio do Planalto para comprometer os veículos. "O governo quer a mídia de joelhos", afirmou o dono da Folha.

***

Como o senhor vê a discussão sobre um socorro especial para a mídia por meio de empréstimos concedidos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)?

Octavio Frias de Oliveira – Eu tenho receio. Eu tenho um receio muito grande. Isso tende a interferir. Para falar claramente... [Pausa, olhar perdido] nem sei se deveria dizer isso... [olha no olho no repórter e fala firme] em todo caso vou arriscar: o que interessa ao governo é a mídia de joelhos. Não uma mídia morta. Uma mídia independente não interessa a governo nenhum. Dentro desse princípio é difícil ver essa questão do BNDES. Por que criar um sistema assistencial, preferencial para os jornais, para mídia? Por quê? Se todo o empresariado está endividado, nunca vi uma situação tão difícil em toda a minha vida e estou apenas com 91 anos. Nunca vi uma situação igual. Mas nós vamos sair dela.

O senhor acredita no espetáculo do crescimento?

O.F.O. – Não, não. Isso está mais distante do que se supõe.

O senhor é contra, então, que os jornais recorram a esse socorro oficial?

O.F.O. – Acho lícito que eles recorram, mas devem ter o mesmo tratamento de todos os demais ramos da atividade industrial. Não entendo porque distinguir a mídia.

O senhor certamente teve grandes encontros com personagens do poder. Como foram os presidentes da República como interlocutores?

O.F.O. – O que eu tive relações melhores foi o Fernando Henrique, que foi nosso colaborador por mais de dez anos escrevendo no jornal. Eu sempre me mantive afastado do
poder. Para ser independente você tem que estar um pouco distante porque senão entra numa situação moral difícil. A independência no Brasil é muito mal compreendida ainda. Então não tenho histórias para contar a este respeito porque sempre procurei manter uma distância entre a posição do jornal, a minha pessoal e os dirigentes do país.

O senhor já teve alguma conversa com o presidente Lula?

O.F.O. – Nunca tive nenhuma conversa com ele. Só um incidente que houve aqui na Folha.

Eu gostaria que o senhor contasse a sua versão para este episódio porque o senhor nunca falou e foi um encontro importante com quem está hoje na Presidência da República. Todo o meio jornalístico comentou muito sobre isso, mas pouco se sabe do que realmente ocorreu

O.F.O. – Nós o convidamos para almoçar aqui na Folha [durante a campanha eleitoral], ele veio. Na conversa, o Otavio, meu filho [Otavio Frias Filho, diretor de redação do jornal] perguntou a ele como ele se sentia no que dizia respeito ao preparo para exercer a presidência uma vez que ele não tinha curso superior. Ele não gostou da pergunta. Achou a pergunta impertinente. Não entendi porque tinha respostas facílimas a serem dadas, não? E se levantou da mesa no meio do almoço e saiu. Eu tive que acompanhá-lo até a porta. [Ri] Foi isso. Até hoje não entendi. Depois eu sei que ele mandou recado para esquecermos isto.

E o senhor esqueceu?

O.F.O. – Eu, da minha parte, esqueço. [Ri]

Voltando à questão do BNDES. O jornalista Alberto Dines, do Observatório de Imprensa, chegou a comentar que os jornais noticiaram o anúncio do socorro de uma forma muito tímida. Como o senhor vê essa postura dos jornais? Houve um tratamento privilegiado da mídia para com ela mesma?

O.F.O. – É normal da parte dos jornais. Eu creio que eles pretendem isso [o tratamento especial] e eu sou contrário.

Nunca vi a mídia
tão endividada como hoje"

Jorge Felix

Publicado originalmente no AOL Notícias, em 21/10/03, em aol/2003/10/22/0008.adp>. No pé desta página, clique em TEXTO ANTERIOR para ler a primeira parte da entrevista de Octavio Frias de Oliveira

Nesta segunda parte da entrevista exclusiva [ao site AOL Notícias] com Octavio Frias de Oliveira, o último barão da imprensa brasileira faz uma análise sombria da situação econômica do país. O dono do jornal Folha de S. Paulo também fala com admiração de Roberto Marinho, relembra histórias engraçadas de Assis Chateaubriand, o polêmico jornalista que se manteve influente durante décadas ao erguer um conglomerado de jornais, emissoras de rádio e de TV pelo país afora. Além de mencionar repetidas vezes a palavra "independência" ao se referir ao seu jornal, Octavio Frias de Oliveira alerta para as intenções de Nelson Tanure, empresário que é o atual dono do Jornal do Brasil. A seguir a entrevista, concedida à reportagem da AOL, no nono andar do edifício da Alameda Barão de Limeira, em São Paulo:

Como o senhor analisa para a imprensa a perda, este ano, de empresários como Roberto Marinho (dono das Organizações Globo), Nascimento Brito (ex-proprietário do Jornal do Brasil) e Ari de Carvalho (dono do jornal O Dia). O senhor acredita que o desaparecimento deles muda o cenário da imprensa?

Octavio Frias de Oliveira – Não acredito. Acho que Roberto Marinho tinha uma posição ímpar. Admirava muito o Roberto. Nascimento Brito, menos. Ari de Carvalho... tinha um jornal menor em importância. Eu tinha muito boas relações com o Roberto Marinho. Quase cometo uma indiscrição aqui, contando isso, mas uma vez fomos ao Pará, uma inauguração de uma indústria de alumínio, e voltamos juntos. Na volta sentamos lado a lado no avião. Conversando com ele, lá pelas tantas, ele disse: "Seu Frias, um dia ainda vou fazer um jornal como o seu". Foi o maior elogio que já recebi na minha vida.

E o senhor acha que ele conseguiu?

O.F.O – Tentou fazer. O que caracteriza a Folha é a independência, né? E disso, nós não abrimos mão. A razão maior da existência da Folha é a independência e eu atribuo à independência o sucesso que o jornal tem tido. Somos hoje o maior jornal da América do Sul. No Hemisfério Sul temos uma posição bastante confortável. E isso se deve à independência que a Folha cultiva sempre. O Globo procura ser hoje um jornal independente, mas a situação financeira da Globo hoje é muito difícil. Isso atrapalha muito.

Por que o senhor disse que admirava menos o doutor Nascimento Brito?

O.F.O – Não, menos importante como dono de jornal, quis dizer. Roberto Marinho fez um trabalho fantástico. Construiu, de longe, o grupo de maior expressão no país. Já o Nascimento Brito pegou um jornal já feito, ainda que tenha fortalecido a posição do Jornal do Brasil. Mas acabou mal. O Jornal do Brasil hoje está em posição muito difícil.

Como o senhor analisa o papel do empresário Nelson Tanure [empresário dono de empreiteira que ganhou notoriedade do período Collor, depois de ficar amigo da ex-ministra da Economia, Zélia Cardoso] que tem surpreendido com um fôlego...

O.F.O – Eu tenho para mim que ele quer ser o Chateaubriand moderno [ri]. Eu me dava bem com o Chateaubriand. Uma vez também, eu vinha do Rio, o Chatô sempre sentava no último banco do DC3, daqueles antigos. E no aeroporto Santos Dummont eu entrei e ele estava lá no último banco. "Seu Frias sente-se aqui", falou. Eu não tinha jornal ainda. Acho que foi em 60 e eu comprei a Folha em 62. Conversamos, o avião decolou e imediatamente ele começou a dormir. Fomos voando baixo, como faziam os DC3s antigos e quando chegou aqui em São Bernardo o avião começou a agitar um pouco, a balançar um pouco. O Chatô acordou, olhou para baixo e imediatamente me disse "Seu Frias precisamos organizar uma expedição punitiva contra esses paulistas aqui" [risos]. Ou seja, precisamos tomar o dinheiro deles. Achei engraçado porque foi instantânea a reação.

E o senhor acha que o Tanure quer fazer também um conglomerado?

O.F.O – [Sério] Eu acho, acho. Não conheço o Tanure. Mas acho que sim. O Chatô fez um império que, depois, não resistiu à morte dele. Mas fez um império. Mas lembro do Chatô com as coisas curiosas. O Edmundo Monteiro, o homem dele em São Paulo, me contava algumas passagens. Chatô comprou muitos objetos de arte. Ele comprava viajando pela Europa, telegrafava para o Edmundo e falava que precisava pagar tanto no dia seguinte. Chegou ao extremo de um dia chegar aos Diários Associados e falar: "Edmundo preciso de
dinheiro". E o Edmundo: "O que tem aí seu Chatô é pagar a folha de salários amanhã". E o Chatô falava: "Então você me dá e depois você se vira".

Foi um sonhador irresponsável?

O.F.O – Não, de sonhador, não tinha nada. Era muito prático. Audacioso.

Tem que ter muita audácia para se construir um jornal?

O.F.O – Creio que não.

O senhor fez essa comparação do Nelson Tanure, o que o senhor diria para um empresário que está se aventurando no segmento com essas dificuldades todas?

O.F.O – Ele está querendo comprar a Gazeta Mercantil. Comprou já o JB, então, acho que tem outros objetivos. Não sei, não o conheço.

Mas o que move um empresário a comprar um jornal e o que o senhor diria para ele?

O.F.O – Depende dos objetivos dele. Ele quer exercer influência política ou não? Quer usar essa alavanca para arranjar dinheiro ou não? Depende disso. Se for com esse objetivo já está condenado a não ter grande sucesso, acho eu.

Depois de três anos, como o senhor avalia a sua inusitada sociedade com as Organizações Globo para criação do jornal Valor Econômico?

O.F.O – Muito bem. Nossa relação sempre foi cordial. Nenhum problema maior.

Mas como negócio. O jornal Valor passa por uma grande dificuldade...

O.F.O – Está passando. Nossa expectativa é que o jornal Valor alcance o equilíbrio financeiro no ano que vem. O mais difícil já passou e nós dividimos as dificuldades. Cada um arcou com a sua parte.

O jornal está à venda?

O.F.O – O jornal não está à venda. Nós temos a combinação de admitirmos um sócio, com 30% do capital. Dentro disso têm sido feitas algumas gestões mas até agora, sem
nenhum resultado prático.

Essa questão dos 30% é muito polêmica porque no setor de mídia só se permite este percentual. A lei diz isso porque os donos de jornais nunca querem abrir mão do controle?

O.F.O – É uma questão legal que impede uma participação maior, estrangeira. E eu acho correto. Não sei se interessa ao país ter uma abertura completa da mídia. Não sei se isso é conveniente.

Isso não afasta o capital estrangeiro?

O.F.O – Afasta da atividade de mídia, mas os outros setores estão abertos.

Como o senhor avalia o ensaio das Organizações Globo de entrar no mercado de São Paulo com a compra do jornal Diário de S. Paulo?

O.F.O – Acho um direito sagrado deles. O problema é deles. Graças a Deus não é meu, é deles. Mas acho normal. Nada contra, não.

Falaram que isso tinha arranhado um pouco as relações da sociedade...

O.F.O – De jeito nenhum. É um direito sagrado deles.

Se o senhor trabalhasse no telemarketing da Folha e tivesse que convencer uma pessoa a assinar o jornal, qual argumento o senhor usaria?

O.F.O – A independência do jornal. Tenho um fanatismo pela independência da Folha. Tenho um episódio curioso. Na época da ditadura, acho que no governo Médici, o chefe da Casa Militar, com quem eu tinha certa relação, não me lembro o nome dele, me telefona e diz: "Ô Frias aqui quem fala não é o seu amigo não, é o chefe da Casa Militar Ou você muda esse jornal aí ou nós vamos fechar." Eu mudei. O Cláudio Abramo era nosso diretor de redação. Eu chamei o Cláudio e disse: "Cláudio, vai pra Paris como nosso representante e depois você volta". Chamei o Boris Casoy, que era um homem tido mais como conservador para diretor de redação. Foi o que eu fiz. Depois o Cláudio voltou. Gostava muito do Cláudio, nos ajudou muito aqui, foi um homem muito importante na Folha. Ele veio do Estado, você sabe, né? Também saiu do Estado por causa daquele lado esquerdista dele, em 1964, quando se preparava o movimento revolucionário aqui e o Estado achava que com a direção esquerdista dele não era possível e o demitiram da função. Eu, então, o contratei e foi um passo acertadíssimo que eu dei porque ele ajudou muito. Uma figura muito importante aqui. De uma correção exemplar. Divergíamos politicamente, mas nunca tivemos nenhum atrito. Nunca. Foi sempre corretíssimo, corretíssimo.

O senhor já teve que fazer outras substituições por causa de questões políticas?

O.F.O – Não, só essa.

As pessoas falam muito do seu vigor e do fato de o senhor manter sua rotina até hoje aqui no jornal.

O.F.O – Continuo trabalhando aqui normalmente. Os médicos me dizem "não pare senão você se estrepa". Estão estou aqui todos os dias até oito e meia, nove horas da noite. Se tem almoço, chego uma e meia, se não tem, chego duas e meia, três horas. Tenho meu filho na redação, o Otavio, que é ótimo. E o Luís na parte comercial, que é o presidente da empresa. Graças a Deus são vocações diferentes e não há atrito.

Já que o senhor falou em família, como o senhor analisa a situação do seu principal concorrente, o Estado de S.Paulo, que também passa por uma reestruturação? Como o
senhor avalia esse tipo de administração familiar que caracteriza tanto a mídia brasileira?

O.F.O – Eu procuro fazer aqui uma administração independente de família. Como disse, tenho dois filhos aqui comigo, o resto não se interfere. Aqui é tudo independente de família. Acho que o Estado não fez isso, acho que se arrependeu. Está numa situação hoje extremamente difícil, deve 500 milhões. Estão lutando, estão lutando.

Como o senhor, como jornalista, analisa esses casos na imprensa nacional e internacional de repórteres que mentem, como o Jayson Blair, o caso Kelly, na Inglaterra, e aqui esse episódio do apresentador Gugu Liberato?

O.F.O – Acho muito bom porque é um progresso [o fato de os casos virem a público]. O caso do Gugu é menor, televisão não é uma coisa muito... é complicado. Eu já tive televisão, mas o meu sócio, meu querido amigo Caldeira não gostou. Afinal decidimos vender. Era a maior televisão da ocasião, não me lembro o nome... é Excelsior.

Vamos falar do boom da internet. A Folha entrou nessa onda quase como pioneira, depois assistimos ao estouro da bolha que criou conseqüências para os jornais...

O.F.O – Acho normal. Não nos arrependemos, não. Acho que para o futuro será um negócio mais importante de todos. Estamos satisfeitos. No ano que vem o UOL alcança o equilíbrio. Os resultados são bastante animadores e não nos trazem preocupação maior.

Quem o doutor Frias...

O.F.O – [Interrompe] Eu não sou doutor, o senhor está me dando um título que eu não tenho.

Quem o "Seu" Frias nunca deixa de ler no seu jornal?

O.F.O – Eu leio todo o jornal, todos os dias.

Mas não tem um colunista, um articulista de sua preferência?

O.F.O –Não, leio todos sem distinção. Aqui e o restante da mídia. Leio quatro jornais todos os dia. Leio a Folha, óbvio, leio o Agora, que também é nosso, leio o Valor e o Estado de S.Paulo. Leio o Globo aqui na Folha, quando posso.

Nessa crise toda da mídia, a distância entre os departamentos comerciais e a redação...

O.F.O – [Interrompendo] Aqui é sagrado. Sagrado! Tem um muro de Berlim. Intransponível. A publicidade não interfere no jornal de jeito nenhum.

Mas outro dia, só para citar um exemplo, a Revista da Folha saiu com uma edição especial sobre escolas e quase todos os anunciantes eram instituições educacionais privadas, então ali, para qualquer leitor minimamente...

O.F.O – Esclarecido.

Exato. Percebe-se essa troca de informações...

O.F.O – Entendi. Apenas a redação informou à publicidade que iria fazer um especial de escolas. E as escolas quiseram participar.

O senhor acha que esse é um limite aceitável?

O.F.O – Aceitável não, ideal. Às vezes o comercial chora as mágoas, mas paciência.

Em meio à crise econômica, como o senhor analisa o atual momento para a mídia brasileira?

O.F.O –Nunca vi a mídia tão endividada como hoje. Mas acho que é fruto da situação geral que não é fácil. Não só nacional, como mundial. O mundo atravessa uma crise econômica. Os Estados Unidos beiram uma situação de indecisão. Não se sabe ainda se vai entrar num período de recuperação ou se a recessão se agrava. A Europa vai mal, a Alemanha vai mal, o Japão vai mal. Aqui no Sul, não vou nem falar. E o Brasil não pode ser exceção, vai mal também. Então eu vejo um quadro difícil.

O senhor já vê algum tipo de conseqüência dessa crise econômica para a liberdade de imprensa e para a democracia?

O.F.O – Esse risco ainda não vejo. Acho que vai ser um fim de ano difícil, mas no ano que vem ainda continuará sendo. Talvez um pouco menos difícil, mas ainda difícil. Não vejo um futuro róseo, não, a luta vai continuar.

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