Por Douglas Lambert em 18/1/2011
O que aconteceu no Rio de Janeiro é, sem dúvida alguma, uma catástrofe. Ruas, casas, prédios, igrejas, praças, lojas... tudo debaixo de lama. Mais de 600 pessoas morreram e uma quantidade certamente considerável ainda aguarda para se juntar a essa estatística assim que seus corpos forem localizados debaixo do barro. A julgar pelas imagens da TV, Teresópolis, Petrópolis, Nova Friburgo, Sumidouro e São José do Vale do Rio Preto precisarão de muito tempo para se reerguer. São Luís do Paraitinga sofreu com situação semelhante ano passado e ainda está em reconstrução.
Nunca passei por nada como isso. O mais próximo que estive de uma enchente foi nos anos 1990, quando morava em Guarulhos e observava da varanda do apartamento o rio/canteiro central da avenida transbordar e atingir as casas construídas em sua várzea. Nessa época meu pai trabalhava na região da Luz, em São Paulo, e não foram poucas as vezes em que ele precisou dormir no trabalho por não conseguir voltar para casa. Hoje, morando em Campinas, só vejo pela TV. A Grande São Paulo, São Luiz do Paraitinga, Angra dos Reis, Rio Grande do Norte, região serrana do Rio... O local muda, mas a notícia não.
Apresentadores e repórteres, em nome da população, cobram das autoridades públicas explicações, ações e soluções para que o problema não torne a ocorrer. Falam do desmatamento de encostas e matas ciliares, da tolerância com construções em áreas irregulares, da falta de zoneamento e planejamento urbano, da falta de infraestrutura de saneamento e esgoto, da falta de aviso diante da catástrofe eminente... Da falta de tudo. Sempre responsabilidade exclusiva do poder público e, às vezes, da consciência dos pobres coitados que jogaram lixo nas ruas ou insistiram em construir suas casas em encostas.
Respeito às peculiaridades locais
Diferentemente daqui, as TV locais norte-americanas produzem conteúdo. Infelizmente, não possuo dados gerais em "horas de programação", mas comparando rapidamente a programação do último dia 14 das emissoras WoodTV 8 (escolhida aleatoriamente. É ligada à NBC e com cobertura sobre a região oeste do estado de Michigan) e EPTV (uma das maiores afiliadas da Rede Globo, com cobertura regional sobre boa parte de São Paulo e do Sul de Minas Gerais), temos os seguintes números:
** EPTV: Bom Dia Cidade (jornal, 15 min.); Jornal da EPTV (jornal, 30 min.); EPTV Esporte (esporte, 15 min.) e Jornal Regional (jornal, 25 min.). Total: 85 minutos. Equivalente a 6% da programação.
** WoodTV 8.1: News 8 Daybreak Early Edition (jornal; 60min.); News 8 Daybreak (jornal; 60 min.); eightWest (natureza; 60 min.); News 8 @ Noon (jornal; 60min.); News 8 @ Five (jornal; 30 min.); News 8 @ 5:30 (jornal, 30 min.); News 8 @ Six (jornal, 30 min.) e News 8 @ Eleven (jornal; 35 min.). Total: 365 minutos. Equivalente a 25% da programação.
Pode-se argumentar que eu não fui justo nessa comparação. A WoodTV 8 é digital há mais tempo que a EPTV e opera em três canais diferentes (8.1, 8.2, e 8.3), o que permite uma grade consideravelmente maior. No entanto, somando o tempo de grade destes três canais (sem considerar possíveis conteúdos locais no 8.2 e no 8.3), o conteúdo local ainda é maior que o da EPTV, aproximadamente 8,5% desse total.
Essa discrepância absurda entre o cenário americano e o brasileiro mostra o interesse das emissoras em permitir o crescimento regional de suas afiliadas, mas não só. Representa também o nível de respeito às peculiaridades locais.
Previsão do tempo
A previsão do tempo, algo fundamental para ajudar o cidadão a planejar seu dia, tanto em situações corriqueiras (com ou sem guarda-chuva?) quanto de excepcionalidade (enchente ou não?), é certamente afetada por essa divisão de grade.
O vídeo do link abaixo foi apresentado durante um jornal dentro da programação local da WoodTV 8, ou seja, comeu tempo de grade. Mesmo separando quase cinco minutos para que fosse apresentado o mapa da região com seus diferentes graus de aproximação, imagens produzidas por radares doppler etc., ainda lhe restavam outros 360 para o restante do noticiário: http://www.youtube.com/watch?v=6e6fHtnojqM&feature=player_embedded
Já esse outro vídeo foi produzido para o site da EPTV, ou seja, não comeu o curto tempo de grade. Se esperaria, portanto, uma previsão bem feita, com mapas, radares, zoom e conteúdo separado para cada região da cobertura da emissora, no entanto o resultado é esse: http://eptv.globo.com/emc/VID,0,1,28858;1,previsao+do+tempo.aspx
TV tem sua parcela de culpa
As emissoras de rádio e televisão se esquecem que são, antes de tudo, concessões públicas. Que acima de seus estatutos, códigos e regulamentos internos, devem seguir as orientações presentes na Constituição Federal. Dela, destaco o seguinte artigo:
Título VIII - Cap. V - Art. 221:
A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.Da mesma maneira que Campinas é obrigada a assistir a quase 22 horas e meia de programação elaborada no eixo Rio-São Paulo, certamente também são as cidades da região serrana do Rio. Uma previsão do tempo bem feita e devidamente regionalizada ajudaria a prevenir as mais de 600 mortes nas chuvas da última semana.
O poder público, sem sombra de dúvida, tem responsabilidade direta sobre os cidadãos, que pagam impostos e esperam que estes sejam revertidos em melhorias na infraestrutura básica de saneamento e na aquisição de radares e computadores para a previsão do tempo, como os que foram adquiridos recentemente pelo INPE/CPTEC, capazes de realizar previsões mais precisas. No entanto, de nada adianta fazer uma previsão meteorológica fantástica se ninguém consegue ficar sabendo dela.
A maioria dos brasileiros tem como fonte principal de informação os telejornais noturnos, principalmente o Jornal Nacional, e, infelizmente, qualquer tipo de detalhamento regional a respeito da previsão do tempo só acontece após uma tragédia como esta. Enquanto as emissoras de televisão, capazes de alertar mais pessoas do que a Defesa Civil, se limitarem ao "Pode chover forte na região X", também terão sua parcela de culpa.
A irresponsabilidade e o sensacionalismo
Por René Amaral Junior em 18/1/2011
Amigos e colegas blogueiros, está na hora de unirmos forças para impedir que a irresponsabilidade e o sensacionalismo dos nossos jornais e telenoticiários continuem a prejudicar os municípios da Serra com sua sede de sangue e de imagens chocantes. Desde a quarta-feira (12/1), no amanhecer da tragédia consumada, tudo que os jornais fizeram foi tentar jogar alguma parcela de culpa no governo Lula, esquecendo de informar com idoneidade e apego aos fatos.
Nesse meio tempo, a sanha carniceira dos jornais da grande imprensa tem feito de tudo para criar um clima de terror e medo que vem espantando turistas e veranistas da cidade de Petrópolis (onde vivo), a menos atingida pela tragédia, com menos de 3% de sua população afetada diretamente pelas chuvas. Na Globo News foi dito e repetido várias vezes durante a quinta-feira e a sexta (13 e 14/1) que Petrópolis e Teresópolis foram "arrasadas" ou "devastadas" – uma mentira cruel, cretina e irresponsável que já vem causando graves prejuízos ao comércio local. Teresópolis, apesar de severamente atingida, manteve o centro a as principais áreas turísticas intactas. A única cidade onde a catástrofe realmente inviabiliza qualquer atividade é Friburgo, onde a calamidade afetou milhares de pessoas e arrasou o centro da cidade.
A vida segue normal
Em Petrópolis, por exemplo, o maior transtorno têm sido os engarrafamentos na região central de Itaipava, graças a milhares de carros que vêm ao local deixar seus donativos e às filas para doar sangue – quando cheguei ao hospital, ali estavam mais de 350 candidatos. A vida aqui segue normal, entristecida e cabisbaixa, mas normal, e a população, principalmente o comércio, se ressente do pouco movimento, graças ao terrorismo de "jornalistas" como os incompetentes da Globo News e, decepcionantemente, até o Ricardo Boechat, no Jornal da Band, já andou patuscando e lucrando audiência em cima do sofrimento alheio.
Todos os restaurantes e pousadas fora da área do Vale do Cuiabá estão ativos e funcionando, porém às moscas, graças à incompetência e irresponsabilidade de jornais e TVs que insistem em mostrar só imagens de terror e destruição. A pior coisa que se pode fazer agora é evitar a cidade de Petrópolis e repetir o crime de anos atrás, quando um carrapato e os urubus de sempre estragaram toda uma temporada turística com falsos alarmes de epidemia da doença do carrapato (por conta de um único caso), que quebrou muitos pequenos negócios justamente na época de maior movimento turístico.
Espalhe por aí, principalmente se você é do Rio de Janeiro ou de Niterói, origem maior dos veranistas que vêm aqui, que a vida por aqui segue normal e que a melhor forma de ajudar Petrópolis é visitar a cidade para se divertir e consumir
O que não pode ser contabilizado
Por Luiz Claudio Ferreira em 18/1/2011
"Já é a maior tragédia natural da história", mancheteiam os jornais. O governador Sérgio Cabral disse... O governador Geraldo Alckmin afirmou... A presidenta Dilma lamentou... A cobertura dependente dos discursos oficiais e da contabilidade fúnebre não é novidade em mais esse janeiro, de chuvas e mortes. Parecem tão pegas de surpresa como prefeitos e governadores. Como poderiam imaginar que isso fosse ocorrer? Como, como? O fato é que a imprensa brasileira perdeu, mais uma vez, a oportunidade de trazer o assunto à tona antes do primeiro pingo d´água e prestar serviço público. Estava ocupada com as despedidas do presidente, com a possível roupa de Dilma, com o caso Cesare Battisti, com a novela Ronaldinho. Com tanto barulho, não foi possível ouvir. O morro já estava em deslizamento, mas em silêncio.
Como não é possível calcular quanto vale uma omissão, fica mais simples contar os milímetros de chuva e até os cadáveres no meio da rua misturados ao lamaçal. De microfones em punho, lá estamos nós esperando uma declaração. "Quantos morreram?", "Já é a maior tragédia?", "Quanto de dinheiro vai ser liberado agora?" Pronto, já com a manchete do dia, nem é necessário mais saber como evitar que outros acidentes ocorram. A prestação de serviço não é apenas contar a história daquele pai que perdeu a filha. Mas como outros pais não perderão as suas. Ao que nos conste, obras contra cheias ocorrem fora do período de chuvas. Se ocorrem ou não, agora já é tarde para saber. Conscientização com moradores de encostas deveria ser feita todos os dias. Mas jornalista não vai para encosta quando o morro está seco.
Dengue e febre amarela
Mais uma vez, as dimensões da apuração jornalística encostam no factual e no drama. As causas ficam em um espaço sombrio, tecnicista e até fatalista. Coitado de São Pedro. Na hora da chuva, apurar os rastros desse crime ocorre de forma atropelada. Ou por se tratar da ligação com o desrespeito ao meio ambiente, ou porque os discursos apontam para a vítima, perdoem-nos, a vítima (mesmo!) como culpada.
Para a maioria dessas pessoas, o Estado se apresenta pela primeira vez nessas horas. Não teve, antes, escola, nem ônibus, nem médico, nem luz, nem polícia. A vítima, antes, era estorvo. Agora, é número. E todos nós, jornalistas, fomos ensinados a destacar os números. Só que deveriam ser os números de antes. Antes de dezembro ou janeiro chegar. Já pensou a pauta em outubro: quanto foi usado nas obras contra cheias na cidade, quantas pessoas moram nas encostas, quantas foram removidas, o desassoreamento do rio, a barragem, quanto ainda pode ser feito? Na hora da lama, tão somente nesses dias, é que se tenta explicar para uma comunidade o que faz uma cidade ficar debaixo d´água. Pior: vidas inundadas em cenários de desassistência e terror. Ao final da coletiva, alguém pergunta: "Essa é a maior tragédia, ou não?"
As redações ficam em bairros longe da lama. Os carros da reportagem entram no trânsito. Mas, os colegas chegam à redação. Ar condicionado, pé lavado, um café e a consciência limpinha. Como se fosse a primeira vez.
Mas atenção. Outras novidades quentíssimas podem vir por aí: a dengue e a febre amarela. Mas, por enquanto, não estão na pauta
O poder do jornalismo colaborativo
Por Samira Moratti em 18/1/2011
A tragédia ocorrida no estado do Rio de Janeiro vem reforçar um fato que está sendo consolidado no jornalismo brasileiro: a importância da colaboração dos anônimos que vivem direta ou indiretamente o problema. Por intermédio das novas mídias, como celulares, câmeras fotográficas e de vídeo, além do acesso a redes sociais como blogs, chats ao vivo com webcam e principalmente o Twitter, pessoas de várias idades e classes sociais passam a atuar não só como fontes, mas correspondentes de fatos importantes, apresentando ao público a notícia como ela é, sem edições ou revisões.
Bastante se discute no meio acadêmico e profissional a legitimidade da ação de blogueiros e demais indivíduos que tentam enveredar pelo jornalismo, mesmo sem diploma, registro ou vivência profissional. A discussão leva à divisão de opiniões: uns colocando-se a favor da medida, outros clamando que haja o veto a este tipo de prática. No entanto, o contraditório é que diante de situações extremas, nas quais os jornalistas são impedidos por força maior a ir de encontro à notícia, os profissionais acabam sendo pautados por quem não domina a técnica.
O ponto essencial da discussão, todavia, é a importância de se levar informação ao público, seja leitor, telespectador, ouvinte ou internauta. Não se quer, contudo, motivar ou promover qualquer tipo de debate em torno ou não da obrigatoriedade do diploma ou questões referentes à problemática. Educação foi e sempre será fundamental para a capacitação de profissionais, em qualquer área de atuação.
Era pautado e passou a pautar
Com a popularidade das redes sociais, sobretudo os blogs e meios como o Twitter, por exemplo, nota-se a proatividade dos usuários em não só manter-se informados, como levar informação. Os jornalistas, então, passam a adotar outro critério de noticiabilidade, antes desconhecido nas Teorias de Jornalismo: os temas mais populares em destaque na web. Por meio do Twitter, os trending topics (ou TTs) passaram a ser termômetros guiadores de grande parte dos veículos.
Um exemplo claro e recente do tema foi a experiência vivida pelo jovem carioca Renê Silva, responsável pela atualização do perfil "Voz na comunidade", no Twitter, quando do conflito entre traficantes e policiais no conjunto de favelas do Alemão, em novembro do ano passado. Em entrevista ao site G1 o rapaz narra sua motivação em repercutir os fatos e a forma como o fez:
"Sempre tive vontade de fazer alguma coisa pela minha comunidade. As pessoas que vivem aqui são sofridas, não têm direito a nada, tudo é precário. Pedi ajuda no colégio para fazer um jornalzinho e para reproduzir com xerox. Me ajudaram. Depois, ganhei um laptop usado e comecei a postar tudo no Twitter. Não pensei que ia ter tanta repercussão."
Com a iniciativa, Renê era pautado e passou a pautar outros jornalistas, de forma rápida e simples, desprendida de qualquer conhecimento técnico. O seu olhar foi o ponto de partida de entrevistas e reportagens.
A técnica ainda se faz necessária
Os veículos passaram a criar e incentivar o público a participar efetivamente do chamado "jornalismo colaborativo", também intitulado como open source, cidadão ou participativo. Por meio de seções como "Eu-Repórter", de O Globo ou o "Vc repórter", do site Terra, ou ainda considerando as perguntas enviadas pelo público por meio de enquetes ou e-mail, fatos são construídos, investigados, ampliados. Quanto maior a riqueza dos detalhes, maior a chance do grande público dar atenção à informação.
Apesar de confiar em dados de qualquer fonte, mesmo levando em consideração sua relevância, a constatação dos fatos jamais é descartável. Neste ponto a técnica se faz necessária, sendo responsabilidade do profissional de imprensa verificar os dados antes de divulgá-lo, pelo bem do veículo e, sobretudo, pela credibilidade da notícia. Infelizmente a medida nem sempre é considerada, levando aos erros, barrigas, retificações por parte dos veículos ou até indenizações em esfera judicial em casos mais extremos.
Quem sabe com a implementação efetiva da TV digital no Brasil – e com ela os canais de retorno criados pelas emissoras – o jornalismo colaborativo ganhe mais força? Para quem discorda ou não, um ponto é indiscutível: "A voz do povo é a voz de Deus".
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