terça-feira, 28 de julho de 2009

O DIABO É O CARRO OU O CARRO É O OUTRO, QUE DIABO!

Nós, o Diabo e o automóvel

JORGE WILHEIM


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O triunfo do egoísmo sobre a reflexão cidadã revelar-se-á desastroso em curto prazo, mormente na próxima crise: a do estacionamento--------------------------------------------------------------------------------


O DRAMATURGO italiano Luigi Pirandello (1867-1936) disse, na década de 1930, que "o automóvel é uma criação do Diabo".

Mas qual seria a estratégia empregada pelo Diabo e qual o seu objetivo?

Por meio do mecanismo da sedução,
o Diabo tornou o automóvel um objeto de desejo do ser humano,
pois o carro nos dá um onipotente sentimento de liberdade:
locomovo-me quando quero, para onde quero e com quem eu quero!

Contudo, o automóvel não nos seduz só ao agir sobre a natural aspiração de liberdade, mas também ao nos distinguir de quem não tem um:

somos diferentes, melhores, com mais recursos
ao revelar aos demais que temos um carro.
Finalmente, e o Diabo nos conhece bem,
o carro seduz porque é um objeto bonito,
sensual e poderoso.


Mas qual seria o real objetivo do Diabo?

Utilizando a sedução irresistível,
o egoísmo e a ambição por status dos seres humanos,

alcança o objetivo diabólico de gerar o caos nas cidades,
o congestionamento das vias,
a impossibilidade de estacionar,
tudo seguido da paralisação da vida urbana.


Perante Deus, o anjo caído
sempre se mostrará inocente,
pois são os seres humanos que,
em sua imprevidência, cupidez e estupidez,
provocam o caos.

Segundo as principais religiões monoteístas,
o homem foi criado à imagem de Deus,
sendo vital sua controvérsia com o Diabo.
Porém, segundo outras religiões, o
os deuses, cuja biografia constitui mito,
foram moldados a partir de características (boas e más) do ser humano.

Donde sua ambivalência multiuso.

Não nos admiremos, portanto, se, no caso do automóvel,
nos entregamos ao mal com prazer,
sorriso nos lábios.


Será preciso muito esforço para dominá-lo,
reduzindo-o a um objeto útil e bonito,
mas com menos poder demoníaco sobre nossas mentes,
retirando-lhe o poder de obliterar nosso pensamento e ofuscar realidades.

...
CÚMPLICES DO SILÊNCIO E DO EGOÍSMO

Compreende-se que ninguém seja contra o próprio carro.
Nem sequer os que não o têm, mas aspiram um dia a tê-lo.
Detestamos a existência do carro dos outros na nossa frente.

Porém, o triunfo do egoísmo primitivo sobre a reflexão cidadã,
do imediato sobre o definitivo, revelar-se-á desastroso em curto prazo
(mormente quando da próxima crise: a do estacionamento).

Será que o silêncio
em torno dessas "entregas" ao automóvel
faz parte do projeto do Diabo?

Nem instituições responsáveis pela preservação
e órgãos de classe que deveriam defender projetos,
nem editores da mídia e governantes manifestam-se
a respeito dessas obras.

Elas vão avançando envoltas no silêncio cúmplice
em busca da conveniência egoísta e urgente,
levando a melhor sobre o planejamento,
sobre o futuro da cidade
e a vida de todos nós.



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JORGE WILHEIM , 81, é arquiteto e urbanista. Foi secretário municipal de Planejamento Urbano de São Paulo (governo Marta Suplicy), secretário-geral da Conferência Habitat 2 da ONU, secretário estadual de Economia e Planejamento (governo Paulo Egydio) e secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo (governo Quércia).

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