CRÍTICA PSICANÁLISE
Livro sobre Freud entrelaça psicanálise e teoria social
Safatle aborda teoria do fetichismo à luz da atualidade e do "mito individual"
UIRÁ MACHADO
DE SÃO PAULO
A ideia de "fetichismo" apareceu pela primeira vez em 1756 como crítica de sociedades primitivas, migrou para a psicologia em 1887 dentro de estudos sobre a perversão e, hoje, torna-se conceito importante para a compreensão de certos traços ordinários da sociedade.
O argumento é de Vladimir Safatle, professor de filosofia da USP, e serve de guia para o livro "Fetichismo: Colonizar o Outro", que a Civilização Brasileira lança dentro da coleção "Para Ler Freud".
Segundo Nina Saroldi, coordenadora da coleção, a ideia é apresentar textos de Freud de forma didática, fazendo a ponte entre o contexto original e temas atuais. Quem buscar nas 154 páginas sobre o fetichismo uma leitura fácil vai se frustrar logo na introdução. Mas também ali vai perceber que o livro que tem em mãos oferece muito mais do que uma simples apresentação de um conceito utilizado por Freud.
O projeto de Safatle, na verdade, ultrapassa o livro. Como afirma na conclusão, "este pequeno livro" é "apenas um momento de um estudo mais amplo sobre a recuperação da relação entre psicanálise e teoria social". Daí por que Safatle olha para as elaborações do fetichismo em Freud como "sintoma de uma outra teoria geral da mente que aos poucos procurava firmar-se", mais do que como uma teoria psicanalítica das perversões.
O texto central do livro é "O Fetichismo", de 1927, mas as outras (poucas) obras em que Freud toca no tema também são analisadas. Mais que isso, Safatle busca o primeiro uso de "fetichismo" pelo francês Charles de Brosses, em cuja obra o conceito aparecia como elemento definidor de limites entre sociedades esclarecidas e sociedades primitivas.
Esse resgate é fundamental, pois permitirá compreender em que sentido "o fetichismo nos lembra que é possível dissociar crença e saber, criando uma estrutura dual de organização psíquica". Safatle defende, como fizera em outro livro de sua autoria ("Cinismo e Falência da Crítica"), que talvez tenha se tornado ordinária a situação em que o indivíduo mantém na mente duas ideias opostas sem deixar de funcionar.
A última ponte que Safatle faz é com o fetichismo da mercadoria, de Marx, como que para arrematar o argumento de que o verdadeiro problema do fetichismo está na manutenção de um "mito individual" em sociedades desencantadas.
Como se fôssemos todos um pouco fetichistas
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário