O que será do conteúdo digital produzido hoje daqui a décadas ou séculos?
Como os historiadores e antropólogos do futuro poderão usar esse material para melhor nos entender?
Qual é o valor histórico ou cultural desses milhares de exabytes (1 exabyte = 1.152.921.504.606.846.976 bytes)?
Essas são algumas das questões que os especialistas que conversaram com a Folha tentaram responder.
CONHECIMENTO
EM CONSTRUÇÃO
EM 2011
1.800
exabytes será a quanti- dade de informações acumuladas pela humanidade, estima relatório da Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos
Material digital constrói história humana
Vídeos, posts em blogs e tuítes são parte importante da composição da identidade contemporânea, diz historiador
No entanto, quantidade enorme de dados cria um novo problema: exige seleção e edição pelos pesquisadores
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Em 5 de novembro de 2008, pouco depois de confirmada sua vitória nas urnas, o recém-eleito presidente americano Barack Obama postou em seu Twitter (twitter.com/BarackObama): "Nós acabamos de fazer história. Tudo isso aconteceu porque vocês dedicaram seu tempo, talento e paixão. Tudo isso aconteceu por causa de vocês. Obrigado".
Não só o fato virou história, mas as palavras escritas no microblog também.
Isso porque a Biblioteca do Congresso dos EUA (www.loc.gov) firmou um acordo com o Twitter e passou a arquivar todas as mensagens enviadas desde a entrada do serviço no ar, em março de 2006. Além de tuítes, na seção de coleções digitais (tinyurl.com/2knoku) a biblioteca também se dedica a guardar outras informações em forma digital.
Para o historiador Pedro Puntoni, professor da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador da Brasiliana, a biblioteca on-line da instituição, o material digital produzido hoje representa parte importante da construção da cultura e da identidade contemporânea. No entanto, a quantidade enorme de dados cria um novo problema: exige seleção e edição.
"Todo problema arquivístico passa por uma questão física, de descarte. A biblioteca é uma extensão da memória humana. E a memória exige o esquecimento. Se não, é uma patologia não esquecer. Guardar tudo que se escreve no Twitter para quê?", questiona Puntoni.
Rita Amaral, professora de antropologia urbana na USP e pesquisadora de cultura on-line, corrobora a opinião de seu colega. Segundo ela, o conteúdo digital "representa um gigantesco espelho de nossas capacidades e nossa diversidade". Sobre a separação do joio do trigo, a professora afirma que "cabe ao pesquisador saber diferenciar a qualidade da informação que encontra".
FILTRO
Jonatas Dornelles, pesquisador com mestrado e doutorado envolvendo antropologia e internet, concorda. "O pesquisador digital tem tanta informação que, além de ser capaz de analisar, ele tem que ser capaz de filtrar muitas coisas."
Na tentativa de melhor aproveitar o potencial da internet para pesquisas, um novo campo de conhecimento está emergindo, chamado digital humanities (humanidades digitais). "São estudos que aproximam a tecnologia das humanidades. Na Brasiliana, estamos atraindo pesquisadores com esse interesse. É muito legal, junta uma parte do ofício antigo com essa dimensão digital contemporânea", explica Puntoni.
"É um novo material que exige novos instrumentos de pesquisa e interpretação", finaliza. (DIEGO BRAGA NORTE
"Rede é arquivo da humanidade", diz pesquisadora
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Leia a seguir trechos das entrevistas que Rita Amaral e Jonatas Dornelles concederam à Folha. (DBN)
Folha - Fazendo um exercício de prestidigitação, como um pesquisador do futuro poderá utilizar o nosso conteúdo digital produzido hoje?
Jonatas Dornelles - Tudo indica que os pesquisadores do futuro serão ainda mais especialistas e focados em profundidade em áreas restritas do conhecimento. Eles terão em suas mãos uma ferramenta já em um estágio muito avançado de seu desenvolvimento: a informação automática. Há alguns anos uma informação tinha um "tempo de acesso" bem maior que hoje em dia.
Como vocês veem a iniciativa da Biblioteca do Congresso dos EUA de guardar tuítes e sites?
Rita Amaral - Mais importante que as bibliotecas e os museus é que a rede toda é um arquivo da humanidade, que decide isso sem a interferência de grupos econômicos, ideológicos, religiosos. Isso é útil porque favorece a percepção crítica.
Há valor cultural ou histórico nos milhões de blog, tuítes e horas de vídeos caseiros espalhados pela rede?
Amaral - Representa um gigantesco espelho de nossas capacidades, nossa diversidade, nosso ambíguo potencial. É possível fazer bricolagem, aprender tai-chi-chuan, fazer guerra, comédia, arte. Empresas como Google e Microsoft estão investindo pesado na organização desse "caos", considerado uma mina de ouro.
Dornelles - A importância é que quem criou essa mídia foram pessoas comuns. Significa que cada um de nós, em tese, possui hoje o poder de criação de conteúdo, assim como sua vinculação para o resto do mundo. Em um segundo momento ocorrerá a seleção desse conteúdo
Índios registram em vídeo seus rituais e cotidiano
Vincent Carelli/Divulgação
Wevito Piyanko, da aldeia Ashaninka Apiwtxa, no Acre; ONG ensina linguagem audiovisual
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Enquanto boa parte da população brasileira ainda está distante da internet, algumas minorias indígenas não apenas acessam a rede, mas também produzem conteúdo.
A ONG Vídeo nas Aldeias (videonasaldeias.org.br) funciona desde 1987 e ensina aos indígenas técnicas e linguagem audiovisual.
O secretário-executivo da ONG, Vincent Carelli, é documentarista e indianista experiente. Com mais de 20 documentários produzidos, ele diz que antigamente "levar uma ilha de edição para uma aldeia era quase impossível, uma operação de guerra".
Atualmente, com as novas tecnologias, os índios participam de todo o processo. Já há etnias que fazem tudo sozinhas, como os Hunikuis, do Acre. "Essa autonomia proporciona novos olhares. Às vezes, mais interessante que os rituais e as festas são os registros cotidianos. O dia a dia é muito interessante do ponto de vista cinematográfico".
RITUAIS E DIA A DIA
As filmagens são abrigadas no próprio site da entidade e estão separadas por etnias. Xavantes, Nambiquaras, Guaranis-Kaiowás e outras dezenas de etnias mantêm vídeos no YouTube e no portal da ONG.
Os filmes mais interessantes são os feitos pelos próprios índios, com imagens de rituais, festas, danças e outras manifestações culturais.
Os Kuikuros, etnia que vive na região do Alto Xingu, no Mato Grosso, têm um vídeo chamado Kidene (tinyurl.com/26zxg9j), mostrando a preparação de guerreiros para a luta. Com exceção da edição, feita por um "homem branco", tudo foi produzido pelos próprios índios.
Para a antropóloga especialista em internet Rita Amaral, o baixo custo da produção digital abriu novas oportunidades para os indígenas se expressarem e valorizarem sua cultura.
"É muito bom que eles estejam inseridos nesse contexto falando por si mesmos, mostrando sua autoimagem sem ter que passar pelas peneiras do exotismo ou mesmo da antropologia", afirma Amaral. "Essa independência vem do baixo custo financeiro da presença on-line", conclui a pesquisadora
http://culturadigital.br/simposioacervosdigitais/
Biblioteca digital europeia reúne mil instituições
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Financiada pela Comissão Europeia, a biblioteca digital Europeana (www.europeana.eu) estreou na rede em novembro de 2008.
Hoje seu acervo já abriga mais de 7 milhões de itens, entre livros, mapas, figuras, material de áudio e vídeo. As coleções são provenientes de mais de mil instituições de 26 países europeus.
Somente no biênio 2009-2010, 69 milhões serão investidos em digitalização de acervos e na criação de novas bibliotecas digitais que possam contribuir com a Europeana.
Dá para pesquisar sobre Leonardo da Vinci e obter desde quadros no Louvre até raridades em museus de pequenas cidades italianas e estudos da Eslovênia.
A atual versão da biblioteca, ainda que fabulosa, é um protótipo. A versão 1.0 será lançada ainda em 2010, e promete oferecer mais de 10 milhões de objetos digitais
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
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