Futuro ministro das Comunicações propõe partilha do Plano Nacional de Banda Larga entre operadoras e Telebrás
Governo recua de monopólio estatal, mas exigirá preços razoáveis e serviços de qualidade a regiões desconectadas
Daniel Marenco - 7.ago.2010/Folhapress
Usuários navegam na internet em lan house no centro de São Paulo; governo quer universalizar banda larga
VALDO CRUZ
DE BRASÍLIA
JULIO WIZIACK
DE SÃO PAULO
O futuro ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse à Folha que o governo vai propor às teles a divisão do comando do PNBL (Plano Nacional de Banda Larga) com a Telebrás.
Para isso, impõe condições: as operadoras terão de apresentar uma proposta com preço "razoável" e serviço de "boa qualidade".
Em sua opinião, hoje acontece exatamente o contrário: "Os preços não são nada razoáveis e o serviço é pouco razoável, a banda larga deles é "estreitinha'".
O ministro admite que as teles poderão ficar com a maior parte do serviço de banda larga no país, mas têm de mudar de posição.
"O setor privado deveria prover a universalização da banda larga, mas não o fez. Por isso é que ressuscitamos a Telebrás. Agora, se as teles fizerem uma boa proposta, que atenda os consumidores, o problema está resolvido."
Ontem, Paulo Bernardo tratou do assunto com a presidente eleita, Dilma Rousseff. Segundo ele, caso as teles apresentem uma proposta convincente, a ideia é manter a Telebrás operando em parceria com o setor.
Há duas semanas, o ministro se reuniu com os principais executivos das operadoras, que se comprometeram a retirar ações questionando a forma de atuação da Telebrás e a estudar uma forma de aumentar sua participação no plano federal para a internet.
CONTRATOS OFICIAIS
O PNBL prevê a cobertura de 68% dos domicílios do país com internet até 2014. O pacote mais básico seria oferecido a R$ 15 por uma velocidade de conexão de até 512 Kbps (kilobits por segundo). Outro, com velocidade de conexão entre 512 Kbps e 784 Kbps, custaria até R$ 35.
No passado, a Oi chegou a pedir R$ 37 bilhões em benefícios para arcar com os custos necessários para levar esse tipo de oferta a municípios sem potencial comercial.
Esse foi o motivo que levou o governo Lula a ressuscitar a Telebrás e entregar à estatal o comando do PNBL. Nos três primeiros anos, seriam destinados R$ 3,2 bilhões em investimentos para reativar a rede da estatal. Outros R$ 5,7 bilhões seriam gastos nos cinco anos seguintes.
As operadoras temiam também perder os contratos de prestação de serviços de comunicação com os órgãos públicos. A Folha revelou que as perdas chegariam a R$ 20 bilhões por ano.
A falta de clareza nas condições em que a Telebrás atuaria no mercado levou o SindiTelebrasil, sindicato que reúne as operadoras, a mover uma ação na Justiça para evitar que a estatal tivesse exclusividade na prestação de serviços ao setor público federal.
Paulo Bernardo afirmou que a Telebrás "não terá exclusividade" nesse serviço e que haverá licitação.
O pedido de autorização da Telebrás para operar como fornecedora em banda larga foi suspenso pela Anatel na quinta passada.
A negociação será retomada no início do ano, logo após a posse da presidente Dilma Rousseff.
Outra negociação foi a das novas metas de universalização que serão impostas às teles. Para adiar essa negociação, as teles tiveram de retirar outra ação da Justiça (essa contra o plano de metas).
As conversas serão retomadas em maio e o governo poderá subsidiar boa parte dos custos para que as teles instalem novas centrais de dados em municípios menos populosos.
MEMÓRIA
Dirceu ajudou empresa por trás da Telebrás
DE SÃO PAULO
A reativação da Telebrás foi uma medida que começou a ser definida no início do governo Lula e envolveu José Dirceu, deputado cassado no escândalo do mensalão, em 2005.
Em fevereiro passado, a Folha revelou que as ações da estatal foram as que tiveram mais valorização, 35.000%, entre 31 de dezembro de 2002 e 8 de fevereiro de 2010.
A Comissão de Valores Mobiliários conduz uma investigação para apurar o suposto uso de informação privilegiada. O regulador suspeita que investidores sabiam da futura reativação da estatal pelo PNBL.
José Dirceu, que conhecia os planos do governo, acabou sendo contratado, após sua cassação, pelo empresário Nelson dos Santos, maior sócio da Eletronet, empresa de quem o governo conseguiu reaver as fibras ópticas após uma disputa judicial. Ainda não se sabe se elas serão usadas pelo PNBL. (JW
E EU COM ISSO?
Plano aumenta oferta e pode derrubar preços
DE SÃO PAULO
A principal vantagem que o PNBL oferece ao consumidor é o aumento da oferta e a possível queda de preço. A velocidade dos pacotes (entre 512 Kbps e 784 Kbps) nem é mais considerada banda larga em países desenvolvidos.
Mesmo assim, é um avanço. Hoje, somente 8,5% dos habitantes têm acesso à internet fixa e móvel no país, segundo pesquisa da Cisco.
É pouco para o país que, mesmo sem abundância de oferta, é que o mais passa conectado à rede na média por ano.
Mesmo assim, as operadoras privadas dizem que não conseguem chegar a todos os lugares do país. Motivo: a desigualdade de renda torna algumas localidades inviáveis comercialmente.
O problema não fica aí. Empresas interessadas em alugar a capacidade ociosa das redes dessas operadoras para levar internet a localidades "inviáveis" também enfrentam dificuldades: preço alto e oferta nem sempre garantida.
Justamente por isso, o governo Lula quis reativar a Telebrás. A ideia é que, com mais um prestador na praça, as teles seriam pressionadas a melhorar a qualidade do serviço e a derrubar o preço dos pacotes.
Isso deve ocorrer nos próximos anos, mas, para as teles, a história é mais complicada. Ao tentar favorecer o consumidor via Telebrás, o governo não pode descuidar do equilíbrio financeiro das concessionárias, como Telefônica e Oi.
Essas operadoras -que têm metas de universalização do serviço telefônico e de qualidade- não podem, em nome da oferta de internet (um serviço prestado no regime privado), ter prejuízos que comprometam a prestação de telefonia (serviço do regime público). Para elas, a conta dos custos tem sempre que fechar. (JW)
ANÁLISE
Novo governo deve valorizar Ministério das Comunicações
ELVIRA LOBATO
DO RIO
O Plano Nacional de Banda Larga da Telebrás não decolou, e a estatal enfrenta várias dificuldades para levar a proposta adiante. Por isso, já era esperada a sinalização dada pelo ministro Paulo Bernardo, de que as teles privadas poderão ser incluídas no projeto.
A Telebrás não conseguiu instalar o serviço nos cem primeiros municípios antes do final do ano, como havia prometido, e nem há previsão realista sobre quando isso se dará.
A licitação para a compra dos equipamentos de transmissão -chamados estações de radiobase- foi questionada pelo TCU (Tribunal de Contas da União), que viu indícios de superfaturamento de preços. Com isso, a encomenda dos equipamentos vai atrasar.
Há consenso, entre os especialistas da área, de que construir uma rede nacional pública de banda larga, paralela às das operadoras privadas, é gastar dinheiro público com investimentos em duplicidade.
Dos 100 municípios escolhidos pela Telebrás para serem atendidos ainda em 2010 -o que ela não conseguiu cumprir-, 97 já contam com banda larga privada.
O ministro Paulo Bernardo já havia dado sinais de que um acordo com as teles para a execução do PNBL seria costurado pelo próximo governo.
Recentemente, ele declarou que a Telebrás não fará nada ao arrepio da lei.
A declaração amainou os ânimos das operadoras privadas, que estavam na Justiça cobrando explicações da Telebrás sobre se ela teria exclusividade no uso das redes de fibras de empresas estatais.
Paulo Bernardo sinalizou que a Telebrás não terá exclusividade sobre essas redes nem será fornecedora exclusiva de serviço ao governo. O grande receio das empresas é que o setor público contrate os serviços da Telebrás, sem licitação pública, e elas percam um mercado de R$ 20 bilhões por ano.
INTERLOCUÇÃO
A indicação de Paulo Bernardo para o Ministério das Comunicações foi bem recebida no setor. A avaliação é que a indicação de um petista, com amplo acesso ao Palácio do Planalto, devolverá ao ministério o papel de formulador das políticas públicas de comunicação e de telecomunicação.
O PNBL foi gestado pela Casa Civil da Presidência da República, e não pelo Ministério das Comunicações, que tinha proposta diversa.
Nos últimos tempos, a Casa Civil passou a interferir em todos os temas relevantes do setor
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