PRESIDENTE ENFATIZA IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DE SER PRIMEIRA MULHER PRESIDENTE
PETISTA DIZ NÃO TER "ARREPENDIMENTO" NEM "RANCOR" PELA ATUAÇÃO NA LUTA ARMADA
Alan Marques/Folhapress
Dilma é esperada por Lula na subida da rampa do Planalto
DE SÃO PAULO
Dilma Vana Rousseff, 63, tomou posse ontem como a primeira mulher e a 40ª pessoa a ocupar a Presidência da República do Brasil.
Num longo discurso no Congresso Nacional, em que citou o escritor mineiro Guimarães Rosa (1908-1967), Dilma fez várias menções à questão de gênero, louvou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e prometeu erradicar a miséria e transformar o Brasil num país de "classe média sólida e empreendedora".
A presidente chorou no final da fala, ao mencionar sua participação na luta armada contra a ditadura e homenagear os que "tombaram pelo caminho". Ela fez menção à tortura ao dizer que suportou as "adversidades mais extremas" infligidas a quem "ousou" "enfrentar o arbítrio". "Não tenho qualquer arrependimento, tampouco ressentimento ou rancor".
Dilma prometeu ser "rígida" no combate à corrupção. "Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito." Ministros de Lula afastados sob acusação de envolvimento em escândalos, como José Dirceu e Erenice Guerra, foram à posse no Palácio do Planalto.
A forte chuva em Brasília impediu o desfile em carro aberto até o Congresso, mas cessou no trajeto até o Palácio do Planalto e no momento em que Dilma subiu a rampa para receber a faixa presidencial de Lula.
O público que foi à Esplanada dos Ministérios era estimado em 30 mil pessoas pela Polícia Militar. Lula quebrou o protocolo e foi cumprimentar as pessoas.
Amanhã, Dilma comanda a primeira reunião de coordenação de governo. Sete ministros tomam posse hoje. A primeira tarefa é definir o corte no Orçamento, estimado em pelo menos R$ 20 bilhões.
Em São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) defendeu parceria com Dilma e elogiou a gestão de José Serra.
Dilma diz que será "rígida" com corrupção
No primeiro discurso, presidente afirma que pobreza "envergonha o país" e defende reformas política e tributária
Ao prometer combate à miséria, petista repete promessa de campanha de entregar um país de "classe média sólida"
DE BRASÍLIA
Dilma Rousseff tomou posse ontem como a primeira presidente mulher do Brasil afirmando que a pobreza extrema "envergonha o país". Repetiu a promessa do antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, de erradicar a fome, e prometeu entregar um país de "classe média sólida e empreendedora".
Aos 63 anos, a ex-militante de esquerda e ex-presa política foi declarada empossada às 14h52 por José Sarney (PMDB-AP), antigo apoiador da ditadura militar.
Ela dedicou a vitória aos que "tombaram pelo caminho" durante a repressão. "Não tenho qualquer arrependimento, tampouco ressentimento ou rancor."
Escolhida por Lula para ser a candidata à sucessão depois do principal escândalo de corrupção do governo, o mensalão, Dilma prometeu ser "rígida" e disse que "não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito".
O discurso de 40 minutos de Dilma no Congresso foi basicamente uma repetição dos temas da eleição, além da elegia dos anos Lula.
O traço pessoal apareceu na saudação: "Queridas brasileiras e queridos brasileiros". Sarney usava "Brasileiros e brasileiras". Fernando Collor (1990-1992) cunhou o bordão "Minha Gente".
O primeiro discurso teve como mote a afirmação de que seu antecessor e padrinho político promoveu o "despertar de um novo Brasil" e "o maior processo de afirmação" que o país viveu.
Mas o maior afago a Lula aconteceu no discurso de 12 minutos, também lido, que ela fez no parlatório do Palácio do Planalto, pouco depois de receber a faixa presidencial das mãos do petista às 16h48 e se tornar a 40ª pessoa a ocupar o cargo.
"Lula estará conosco. Sei que a distância de um cargo nada significa para um homem de tamanha grandeza e generosidade."
Lula ficou no Planalto até o final e desceu a rampa de braços dados com ela e com a ex-primeira-dama, Marisa.
ERRADICAR A MISÉRIA
Uma das principais promessas de campanha de Dilma foi a de erradicar a miséria absoluta. Ontem ela enfatizou a diretriz no discurso.
"Ainda existe pobreza a envergonhar nosso país e a impedir nossa afirmação plena como povo desenvolvido. Não vou descansar enquanto houver brasileiros sem alimentos na mesa", disse.
Dilma afirmou que sua "luta mais obstinada" será "a erradicação da pobreza extrema e a criação de oportunidades para todos". Prometeu melhorar educação, saúde e segurança.
Ela também fez referência ao ambiente, área com a qual teve atrito no tempo de chefe da Casa Civil. "Considero uma missão sagrada do Brasil a de mostrar ao mundo que é possível um país crescer aceleradamente, sem destruir o meio ambiente."
Ela afirmou, no entanto, que não pretende tolerar pressões externas: "O Brasil não condicionará sua ação ambiental ao sucesso e ao cumprimento, por terceiros, de acordos internacionais".
O trajeto que levou a presidente da Granja do Torto até o Congresso durou 30 minutos e ocorreu sob forte chuva, o que a impediu de desfilar em carro aberto na primeira parte do evento.
Ao chegar ao plenário da Câmara, foi recebida por gritos de "olê, olê, olê, olá, Dilma". Sua fala teve duas referências ao escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967), seu conterrâneo.
Na economia, prometeu a estabilidade de preços. "Podemos ser, de fato, uma das nações mais desenvolvidas e menos desiguais do mundo -um país de classe média sólida e empreendedora."
Defendeu, genericamente, reformas política e tributária. Destacou a descoberta das reservas do pré-sal.
Dilma também enfatizou a importância histórica de ser a primeira presidente mulher. "Meu compromisso supremo é honrar as mulheres, proteger os mais frágeis e governar para todos."
Além de Lula, fez homenagem ao ex-vice-presidente José Alencar, internado.
Dilma reafirmou compromissos com as liberdades individuais, religiosas, de imprensa e opinião, que provocaram polêmicas na campanha. "Reafirmo que prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras."
Os comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica não acompanharam o aplauso no trecho de homenagem aos militantes anti-ditadura e referências à tortura.
Dilma disse que "estende a mão" à oposição e deu as linhas gerais de sua política externa, dizendo que atuará de forma dura contra "protecionismo de países ricos" e que não tolerará "a proliferação nuclear e o terrorismo".
Prometeu continuar junto aos "irmãos africanos e da América Latina", mas também "aprofundar" as relações com EUA e Europa.
Na leitura dos discursos, engasgou algumas vezes, recorrendo à água. Chorou pela primeira vez quando disse que seria a "presidenta de todos os brasileiros", e depois em outros dois momentos.
E encerrou homenageando a família, adotando um tom maternalista: "É com este mesmo carinho que quero cuidar do meu povo, e a ele -só a ele- dedicar os próximos anos da minha vida."
Após o discurso no parlatório, Dilma acompanhou Lula na saída, empossou o Ministério e, às 18h45, desceu a rampa pela primeira vez como presidente
ANÁLISE A POSSE DE DILMA
Discursos acenam com o fim da crispação
Estava evidente que se produziria razoável distensão na política
TALVEZ SEJA TAMBÉM APENAS "UMA SAUDAÇÃO À BANDEIRA" A AFIRMAÇÃO DE QUE PREFERE "O BARULHO DA IMPRENSA LIVRE AO SILÊNCIO DAS DITADURAS"
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O discurso de posse de Dilma Rousseff não ofereceu luzes sobre como será exatamente a sua gestão, mas deixa aberta uma ampla avenida para trocar a crispação que foi a grande marca da campanha eleitoral por um ambiente político razoavelmente distendido.
Pode até ser que seja apenas retórica seu "estender a mão" aos partidos de oposição e aos que não estiveram com ela durante a campanha. Mas já estava evidente, nos dias entre a vitória e a posse, que se produzira uma razoável distensão.
Evidência reforçada no discurso no Parlatório do Planalto, em que deu ainda mais ênfase ao congraçamento, repetindo uma e outra vez a palavra "união".
Na mesma linha, talvez seja também apenas "uma saudação à bandeira" a afirmação de que prefere "o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras".
Mas é sempre um sinal positivo, depois de anos em que seu antecessor e padrinho às vezes também dizia preferir o "barulho", ora condenava-o com estridência e vitimismo.
Na economia, não haverá inflexão, o que já se intuía, mas foi reafirmado com vigor no discurso de posse, ao defender "a estabilidade econômica como valor absoluto".
Na política externa é que ficou mais claro o caráter excessivamente genérico do discurso. Disse Dilma: "Seguiremos aprofundando o relacionamento com nossos vizinhos sul-americanos; com nossos irmãos da América Latina e do Caribe; com nossos irmãos africanos e com os povos do Oriente Médio e dos países asiáticos. Preservaremos e aprofundaremos o relacionamento com os Estados Unidos e com a União Europeia".
Ou seja, o mundo é o parceiro prioritário, embora com mais ênfase na imediata vizinhança, especificamente o Mercosul e a Unasul.
No mais, uma agenda que tem sido repetida à exaustão por todos os presidentes do período democrático e nunca foi levada a cabo, a saber: a reforma política e a reforma tributária.
É claro que a ênfase no social não poderia faltar. Chegou a afirmar que, sob a liderança de Lula e do ponto de vista social, "o povo brasileiro fez a travessia para uma outra margem da história".
Menos mal que não citou a empulhação da queda da desigualdade, empulhação que ficou ainda mais clara na antevéspera da posse, quando esta Folha noticiou em manchete que os ganhos em Bolsa, nos oito anos Lula, foram de 295%. Quando se sabe que o poder de compra do salário mínimo, medido em cestas básicas, avançou apenas 58% (um quinto, portanto), fica evidente que a desigualdade entre a remuneração do trabalho e a remuneração do capital continua sendo tão obscena quanto o era quando Lula assumiu
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