segunda-feira, 28 de março de 2011
Paulo Bernardo - Ministro prevê debate “bastante acirrado” - observatório da imprensa
Por Lilia Diniz em 24/3/2011
A polêmica questão da regulação da mídia no Brasil voltou a ser tema do Observatório da Imprensa. O programa exibido ao vivo na terça-feira (22/3) pela TV Brasil recebeu no estúdio de Brasília o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, em sua primeira entrevista longa concedida a um canal aberto, para tratar das propostas do governo para o setor de telecomunicação e de radiodifusão. O programa contou com a participação dos jornalistas Aluízio Maranhão, editor de Opinião do jornal O Globo, e Elvira Lobato, repórter especial da Folha de S.Paulo, especializada
na área de telecomunicações, no Rio de Janeiro. Completou o time, em São Paulo, o diretor de Conteúdo do Grupo Estado de S.Paulo, Ricardo Gandour.
Durante o governo Lula, a regulação da mídia esteve no foco de diversas discussões. O anteprojeto de criação de um novo marco regulatório da mídia, elaborado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), então chefiada pelo ministro Franklin Martins, foi encaminhado para a pasta das Comunicações e, segundo o ministro Paulo Bernardo, só deverá ser enviado ao Congresso Nacional no segundo semestre. Antes, passará pelo crivo de outros ministros, pela presidente Dilma Rousseff e será submetido à consulta pública. Um dos pontos mais controvertidos do texto original, que não foi divulgado oficialmente, é a criação de uma agência reguladora do conteúdo da mídia eletrônica.
Na semana passada, a representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, em parceria com a Fundação Ford, divulgou um estudo sobre o sistema midiático brasileiro. A publicação comparou a regulação da mídia no Brasil com outras dez democracias, como África do Sul, Alemanha, Chile, França, Estados Unidos, Reino Unido e Tailândia.
O trabalho sugere a criação de uma agência reguladora independente; a adoção de regras e padrões para a regulação de conteúdo, de preferência por autorregulação; a avaliação do desempenho das emissoras de rádio e TV para a renovação das concessões e retirada do Congresso Nacional do processo de concessão de outorgas. Para a Unesco, a regulação e a autorregulação da mídia devem levar a um sistema midiático livre, independente, plural e diversificado.
(Baixe aqui os documentos da Unesco: "O ambiente regulatório para a radiodifusão: uma pesquisa de melhores práticas para os atores-chave brasileiros", Toby Mendel e Eve Salomon; "Liberdade de expressão e regulação da radiodifusão", T.M. e E.S.; e "A importância da autorregulação da mídia para a defesa da liberdade de expressão", de Andrew Puddephatt.)
Antes do debate ao vivo, na coluna "A Mídia na Semana", Dines comentou o início da cobrança pelo acesso ao conteúdo online do jornal The New York Times e a visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Brasil. Em outra coluna, o Observatório mostrou uma seleção de charges publicadas ao longo da semana em todo o Brasil sobre as conseqüências do terremoto que atingiu o Japão em 11 de março. O jornalista Maurício Menezes contou uma bem humorada história ocorrida no Jornal do Brasil sobre a prestação de contas de um repórter que passara um mês trabalhando em uma favela. Nesta semana, a historiadora Isabel Lustosa relembrou a trajetória do primeiro jornal em língua portuguesa livre de censura, o Correio Braziliense (1808-1823), redigido por Hipólito da Costa, patriarca da imprensa brasileira.
Concorrência em xeque
Em editorial, Alberto Dines comentou o tom ácido do debate ocorrido no ano passado em torno da questão da regulação: "Todos queriam mais democracia e esgoelavam-se defendendo os seus pontos de vista, mas ninguém percebeu que a extremada politização de um debate, que deveria ser eminentemente técnico, produzia um perigoso impasse e sinalizava para um retrocesso", disse. Dines criticou a paralisação do Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar do Congresso Nacional previsto na Constituição de 1988 que funcionou apenas durante dois anos. "Um conselho ativo seria o fórum natural para abrigar um debate esclarecedor, já que a sua função é consultiva e não deliberativa."
A reportagem exibida pelo Observatório entrevistou Guilherme Canela, coordenador de Comunicação e Informação da Unesco. Canela explicou que a idéia do estudo é apresentar como a regulação funciona em outros países: "Felizmente, ou infelizmente, não há fórmula mágica para se regular a mídia, não há produto de prateleira que [se] comprar e implementar. Então, a gente acha que a contribuição que foi dada pode ajudar a sociedade brasileira a tomar uma decisão com um maior volume de opções". Venício A. de Lima, professor aposentado da UnB e colunista do Observatório online, ressaltou que boa parte das normas e princípios da Constituição de 1988 nunca foi regulamentada. Outro fator importante, na sua avaliação, é a defasagem da lei básica que regula o setor no Brasil, elaborada em 1962. Entre as questões mais recentes, está a profunda mudança tecnológica ocorrida nas áreas de telecomunicação e radiodifusão nos últimos anos.
De Londres, o correspondente Silio Boccanera sublinhou que o documento preparado pela Unesco demonstra que regulação da mídia existe no mundo inteiro. Para o jornalista, há um debate "histérico" que tenta igualar regulação da imprensa à censura. Silio explicou que no Reino Unido há regulação tanto da mídia eletrônica, quanto impressa. "Da mídia eletrônica, existe um órgão chamado Ofcom que regulamenta os órgãos de televisão e de rádio para controlar não só horários de programas, como também abusos de comerciais em programação infantil. E existe também no Reino Unido o órgão de autorregulamentação da imprensa escrita, a comissão de queixas contra a imprensa [PCC, na sigla em inglês]. Qualquer cidadão pode apelar a essa comissão, reclamar. Se for julgado desta forma, que houve realmente abuso, a imprensa escrita é obrigada a publicar as conclusões desta comissão", disse Silio.
Anatel entra em cena
No debate ao vivo, Elvira Lobato perguntou a opinião do ministro Paulo Bernardo sobre a recomendação da Unesco de que o Congresso Nacional passe a não interferir na concessão de canais de radiodifusão. A organização considerou que a participação do Congresso neste processo é um atentado à democracia. Para o ministro, a recomendação pode ser discutida, no entanto é pouco realista. "Nós teríamos que fazer uma emenda constitucional que teria que ser aprovada pelo próprio Congresso com três quintos dos votos, ou seja, 308 votos na Câmara e, pelo menos, 49 votos no Senado para ser aprovado", explicou. O ministro vê como um "exagero" a avaliação da Unesco de que a situação é um atentado à democracia.
Ricardo Gandour levantou a questão da fiscalização das concessões a grupos políticos e questionou se métodos mais modernos poderiam se adotados. "Nós precisamos fiscalizar mais e melhor", disse o ministro Paulo Bernardo. Recentemente, o ministério delegou à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a fiscalização dos veículos de radiodifusão. O ministro afirmou que a agência tem melhor estrutura para colocar em prática a fiscalização do setor. Além de contar com um quadro de funcionários mais numeroso, há técnicos especializados nesta atividade. "Nós devíamos ter um trabalho de fiscalização duro, no sentido de cumprir a lei", afirmou.
Para Aluízio Maranhão, não há dúvidas de que a revolução tecnológica "atropelou" normas e leis e que a regulação é necessária. O jornalista questionou se poderia ser adotado um roteiro simples e objetivo para reabrir a discussão, seguindo alguns pontos-chave apontados pela Constituição brasileira: a liberdade de expressão, a produção regional e de conteúdo próprio, e o controle exclusivo da mídia eletrônica por cidadãos brasileiros. O ministro Paulo Bernardo afirmou que o anteprojeto elaborado no governo anterior segue quatro pontos básicos da Constituição dentro de um caráter amplo e busca abranger todos os aspectos referentes a esses artigos. "É um problema simples de definir. Agora, colocar isso no papel e, sobretudo, colocar isso de maneira a conseguir formar consenso ou, pelo menos, formar uma maioria sólida no Congresso Nacional é um pouco mais complicado", avaliou Paulo Bernardo. O ministro prevê um debate "bastante acirrado" em torno da regulação.
A polêmica da censura
O ministro garantiu que a liberdade de expressão não está em questão e que o governo sequer discute o assunto. "O projeto que o ministro Franklin elaborou tem um ponto inicial que diz o seguinte: ‘nenhum controle prévio será feito’. Na verdade, nós vamos ter uma fiscalização, provavelmente através de uma agência, como preceitua o representante da Unesco, que vai verificar se os pontos regulamentados que dizem respeito a conteúdo nacional, conteúdo local, a não permitir que haja difusão de preconceito, racismo, pedofilia, que isto seja observado a posteriori. Ou seja, as emissoras têm liberdade plena de divulgar aquilo que julgarem conveniente. É evidente que depois, havendo um entendimento de que aquilo feriu a regulação, feriu o espírito daquilo que está na Constituição, haveria uma penalidade", explicou Paulo Bernardo.
Alberto Dines destacou que a Constituição tem dispositivos naturalmente reguladores, no entanto alguns não estão regulamentados e outros foram regulamentados, implementados e depois desativados, como o Conselho de Comunicação Social. O jornalista questionou se, uma vez que o governo tem maioria no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, poderia fazer cumprir a Constituição. O ministro defendeu a reinstalação do conselho: "Quem faz o chamado para remontar, reinstalar o conselho é o Congresso Nacional. Seria importante nós discutirmos isso com o Congresso, principalmente o senador [José] Sarney [presidente do Senado] e o presidente da Câmara, o deputado Marco Maia. Agora, se a gente achar que a Constituição, por si só, já está definindo o problema, eu acho que a gente vai continuar do jeito que está".
Para o ministro das Comunicações, a Carta Magna cita apenas princípios. É preciso definir, por exemplo, qual a porcentagem de conteúdo nacional exigida e uma fiscalização eficiente do cumprimento da determinação. O ministro Paulo Bernardo defendeu a criação de uma agência autônoma para verificar a atividade do setor. "Eu acho que isso é uma coisa resolvida na imensa maioria os países, pelo menos no mundo mais avançado em termos de normas democráticas e institucionais. Isso é resolvido. Na Europa, nos Estados Unidos isso já é cumprido. Me parece que esta celeuma toda que é feita – ‘olha, vão controlar, vão censurar’ – é uma tentativa de, preventivamente, fazer um combate para não permitir que seja feita a regulação", criticou.
Debate politizado
"Primeiro, nós temos que fiscalizar a norma que existe. Segundo, a Constituição tem pelo menos quatro artigos que precisam ser regulamentados no que se refere à mídia eletrônica. Nós estamos discutindo e vendo como fazer a regulação, disse Paulo Bernardo. "No momento em que isso for feito, vai ter que fiscalizar, mas se não for regulado, é evidente que fica muito difícil, se não impossível, fazer a fiscalização. Você tem preceitos genéricos na Constituição e você tem que transformar isso em norma mais concreta, em parâmetros fiscalizáveis."
O ministro explicou que está previsto no convênio com a Anatel, além do acompanhamento técnico, também a vigilância dos percentuais mínimos de programação regional, de jornalismo e do percentual máximo de publicidade. O acompanhamento sistemático será feito por amostragem, como ocorre em outros setores, e a partir de denúncias.
O ministro Paulo Bernardo explicou que o anteprojeto de um novo marco regulatório elaborado pelo ministro Franklin Martins não tentou "copiar" modelos de outros países, como a Argentina. "Eu concordo que houve uma politização forte no debate, alguns enfrentamentos. E não foi só o [ministro] Franklin, não. Alguns órgãos de comunicação claramente politizaram e tentaram impingir a ele coisas que ele claramente não estava propondo", ponderou. Na avaliação do ministro, este é um trabalho equilibrado e adequado, baseado na realidade brasileira, e que observa tanto a Constituição quanto a tradição legislativa e a realidade do país.
"Nós estamos tendo muito cuidado. Outro dia, eu fui falar e falei uma palavra muito forte e acho que foi infeliz. Eu falei ‘acho que pode ter alguma uma besteira no projeto’. Nós não queremos que tenha um erro que alguém se apegue naquilo para ficar fazendo uma campanha contrária ao projeto. Nós vamos tomar todo o cuidado, vamos fazer uma revisão do projeto, vamos verificar o espírito de cada artigo, de cada capítulo, de cada dispositivo, para ver se aquilo se coaduna com o que estamos acostumados a legislar aqui no Brasil", comentou o ministro. Na avaliação de Paulo Bernardo, é inaceitável achar que o governo tem alguma "intenção oculta" de tentar controlar do conteúdo da mídia eletrônica porque a democracia está consolidada e é uma conquista alcançada por diversos setores da sociedade. É hora de "colocar a bola do chão" e "conversar com calma" sobre a regulação da mídia no país. O ministro chamou a atenção para o fato de que por trás deste debate há um grande interesse econômico.
Outro ponto discutido no programa foi a independência e a credibilidade do Congresso Nacional para votar este projeto, uma vez que diversos parlamentares são concessionários de canais de radiodifusão. O ministro defendeu que a casa legislativa é a instituição competente para votar a questão e que é preciso fazer valer o interesse maior da população. "O debate tem que ser feito no Congresso e fora do Congresso. A Constituição define claramente as atribuições do nosso Congresso", explicou. Para o ministro, essa instituição tem a vantagem de ser suscetível à pressão da opinião pública e da imprensa.
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Outros programas sobre o mesmo tema:
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Eleições, conflitos, regulação – L.D.
Patronato discute autorregulamentação – L.D.
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Para disciplinar a concorrência
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 585, exibido em 22/3/2011
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
A regulação estimula o crescimento ou o sufoca? No caso da mídia, a ordenação do setor representa um controle do seu conteúdo ou um estímulo à sua diversidade?
Nos dois últimos anos assistimos a um estressante duelo sobre a regulação da mídia: de um lado estavam aqueles que defendiam um controle social – incluindo o governo – e do outro estavam as entidades de mídia que em uníssono repudiavam qualquer iniciativa para ordenar o setor.
Todos queriam mais democracia e esgoelavam-se defendendo os seus pontos de vista, mas ninguém percebeu que a extremada politização de um debate, que deveria ser eminentemente técnico, produzia um perigoso impasse e sinalizava para um retrocesso.
A presidente Dilma Rousseff resolveu acalmar os ânimos e entregou a questão ao novo ministro das Comunicações, ex-do Planejamento, Paulo Bernardo, político prudente e racional, experimentado administrador. A batata quente está em boas mãos.
Antes de ouvirmos o ministro, é indispensável lembrar que a Constituição de 1988 contém importantes dispositivos reguladores, que as corporações da mídia sempre recusaram-se a implementar ou quando implementados foram esvaziados – caso do Conselho de Comunicação Social, que chegou a funcionar plenamente durante um mandato mas logo foi desativado. Um conselho ativo seria o fórum natural para abrigar um debate esclarecedor, já que a sua função é consultiva e não deliberativa.
Assim como o Cade foi chamado para supervisionar a briga de foice em torno dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de futebol, também aqui a presença de um tribunal regulador seria indispensável, já que a questão central da mídia no Brasil atende por um nome que ninguém gosta de usar: a disciplina da concorrência.
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A mídia na semana
** A notícia sobre o início da cobrança de acessos ao site do New York Times agitou a mídia em todo o mundo. Tanto os que acreditam que a internet acabará com o impresso como aqueles que apostam na durabilidade do papel vibraram com a novidade. Se um dos mais importantes jornais do mundo conseguir vencer a gratuidade da informação pela internet, tudo poderá mudar. Sobretudo a profecia de que os impressos estão com os dias contados.
** A política de boa vizinhança inaugurada por Roosevelt em 1933 teve novo lance no último fim de semana com a badalada visita do presidente Obama ao Brasil. O evento teve de tudo: acordos comerciais, promessas de parceria, visita à favela pacificada, capoeira, Orfeu Negro, Jorge Benjor, Paulo Coelho, futebol, Flamengo e um pouquinho da guerra da Líbia já que o gabinete de crise funcionou duas vezes aqui do Brasil. Boa vizinhança em tempos de globalização. Felizmente sem cervejinha e Ivete Sangalo
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