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O florescimento lucrativo do capitalismo de vigilância, por Fábio de Oliveira Ribeiro
O capitalismo de vigilância se
carateriza por uma punição suave (a expropriação forçada de excedente
comportamental) imposta por empresas privadas com ou sem autorização estatal.
Por
Fábio de Oliveira Ribeiro
-
21/05/2020
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O florescimento lucrativo do
capitalismo de vigilância
por Fábio de Oliveira Ribeiro
Após narrar como o excedente
comportamental foi descoberto e começou a ser explorado pelo Google e descrever
o ciclo de expropriação de informação através do qual o capitalismo de
vigilância realiza seu imperativo (a criação de múltiplas e rotas sustentáveis
que garantam o fornecimento crescente de excedente comportamental), Shoshana
Zuboff conta como a nova modalidade econômica se espalhou. As primeiras
empresas a colocarem os pés nesse novo território virgem foram o Facebook,
Microsoft e Verizon.
“… The ‘Like’ button, introduced widely in April 2010 as a comunications
tool among friends, presented an early opportunity for Facebook’s Zuckerberg to
master the dispossession cycle. By November of that year, a study of the
incursion already underway was published by Dutch doctoral candidate and
privacy researcher Arnold Roosendaal, who demonstrated that the button was a
powerful supply mechanism from which behavioral surplus is continuously
captured and transmitted, installing cookies in users’s computers whether or not
they click the button. Presciently describing the operation as an ‘alternative
busines model’, Roosendaal discovered that the button also tracks non-Facebook
members and concluded that Facebook was potentially able to connect with, and
therefore surveil, ‘all web users’. Only two months earlier, Zuckerberg had
characterized Facebook’s growing catalogue os privacy violations as ‘missteps’,
Now he stuck to the script, eventually calling Roosendall’s discovery a ‘bug’.”
(The Age of Surveillance Capitalism, Shoshana Zuboff, PublicAffairs, New York,
2019,p. 159)
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Tradução:
“… O botão ‘Curtir’,
introduzido amplamente em abril de 2010 como uma ferramenta de comunicação
entre amigos, apresentou uma oportunidade inicial para o Zuckerberg do Facebook
dominar o ciclo de expropriação. Em novembro daquele ano, um estudo da incursão
já em andamento foi publicado pelo candidato a doutorado e pesquisador de
privacidade holandês Arnold Roosendaal, que demonstrou que o botão era um
poderoso mecanismo de suprimento do qual o excedente comportamental é
continuamente capturado e transmitido, instalando cookies nos computadores dos
usuários se eles clicam ou não no botão. Descrevendo a operação como um ‘modelo
alternativo de negócio’’, Roosendaal descobriu que o botão também rastreia
membros que não são do Facebook e concluiu que o Facebook era potencialmente
capaz de se conectar e, portanto, pesquisar, ‘todos os usuários da web’. Apenas
dois meses antes, Zuckerberg caracterizou o crescente catálogo de violações de
privacidade do Facebook como um ‘erro de digitação’. Na oportunidade ele se
referiu ao script, chamando a descoberta de Roosendall de ‘erro’. ”
Após percorrer as fases de
habituação (o botão Like foi rapidamente instalado em 1/3 dos websites mais
visitados da internet) e adaptação (Zuckerberg fez um acordo com o FTC para
encerrar as acusações de violação de privacidade) o Facebook concluiu a fase de
redirecionamento.
“…By 2014, the corporation announced that it would be tracking users
across the internet using, among its other digital widgets, the ‘Like’ button,
in order to build detailed profiles for personalized ad pitches. Its ‘
comprehensive privacy program’ advised users of this new tracking policy,
reversing every assertion since April 2010 with a few lines insert into a dense
and lengthy terms-of-service agreement. No opt-out privacy option was offered.
The truth was finally out: the bug was a feature.” (The Age of Surveillance
Capitalism, Shoshana Zuboff, PublicAffairs, New York, 2019, p. 161)
Tradução:
“… Por volta de 2014, a
corporação anunciou que rastreará os usuários pela Internet usando, entre
outros dispositivos digitais, o botão ‘Curtir’, para criar perfis detalhados
para apresentações de anúncios personalizadas. Seu ‘programa abrangente de
privacidade’ aconselhou os usuários desta nova política de rastreamento,
revertendo todas as afirmações desde abril de 2010 com algumas linhas inseridas
em um contrato de termos de serviço denso e demorado. Nenhuma opção de
privacidade de exclusão foi oferecida. A verdade finalmente foi revelada: o
erro era uma característica intencional.”
Leia também: O obituário brasileiro na dupla tragédia sem
previsão do tempo, por Álvaro Miranda
A ganância falou mais alto.
Quando criou o Facebook, o jovem Zuckerberg queria conectar todas as pessoas e
se recusava a monetizar seu website. Assim que descobriu que estava
administrando dezenas de milhões de perfis que poderiam ser economicamente
explorados ele começou a vender espaços aos anunciantes. Todavia, a ganância
por lucros crescentes levou o Facebook a mergulhar de cabeça no capitalismo de
vigilância.
Para valorizar a propaganda
personalizada e segmentada é necessário fazer predições cada vez mais precisas
sobre os comportamentos futuros dos usuários de internet e de telefonia móvel.
A extração de quantidades crescentes de excedente comportamental havia se
tornado um imperativo
https://jornalggn.com.br/artigos/o-imperativo-da-expropriacao-e-suas-consequencias-politicas/
e o Facebook descobriu uma maneira simples e aparentemente inocente de vigiar
as pessoas para coletar a matéria-prima indispensável.
Quantas vezes você mesmo
acionou o botão Like no Facebook ou em páginas de internet em que ele foi
inserido? Quanto dinheiro Zuckerberg lucrou usando seus Likes para traçar o seu
perfil analisando seu comportamento “on line” e vendendo aos anunciantes as
predições sobre o seu comportamento futuro? Ok. Essas duas perguntas são apenas
retóricas. É evidente que você não conseguirá respondê-las. Apenas o próprio
Zuckerberg está em condições de saber isso. Mas ele evidentemente não vai
compartilhar esse lucrativo segredo empresarial com você ou com qualquer
pessoa. Há uma diferença qualitativa essencial entre quem dá um Like e quem
explora o resultado desta operação singela.
O caminho percorrido pela
Microsoft foi um pouco diferente. A empresa criada por Bill Gates já era um
colosso da internet quando o Google e o Facebook estavam abrindo caminho para
os lucros crescentes sustentáveis criando e começando a explorar o capitalismo
de vigilância. Todavia, a Microsoft parece ter percebido que as regras do jogo
haviam mudado.
Não bastava a Microsoft ser
uma empresa multinacional rentável. Era preciso vigiar os consumidores dos seus
produtos para transformar excedente comportamental numa montanha de dinheiro. A
empresa já tinha um buscador, mas o Bing não era rentável. Não era, mas
rapidamente ele se tornou rentável.
“…Bing’s search engineering team built its own model of the digital and
physical word with a technology it calls Satori: a self-learning system that is
adding 28,000 DVDs of content every day. Acoording to the project’s senior
director, ‘It’s mind-blowing how much data we have captured over the las couple
of years. The line would extend to Venus and you would still have 7 trillion of
pixels left over. All those pixels were being put to good use. In its Octuber
2015 earnings call, the company announced that Bing had become profitable for
the first time, thanks to around $1 billion search ad revenue from the previos
quarter.
Another strategy to enhance Bing’s access to behavioral surplus was the
corporation’s ‘digital assistant’ Cortana, to which users addressed more than
one billion questions in the three months after its 2015 launch. As one
Microsoft executive explains, ‘Four out five queries go to Google in browser.
In the [Windows 10] task bar [where Cortana is accessed] five out five queries
go to Bing… We’re all in on search. Searchs is a key component to our
monetization strategy.” (The Age of Surveillance Capitalism, Shoshana Zuboff,
PublicAffairs, New York, 2019, p. 163)
Tradução:
“… A equipe de engenharia de
pesquisa do Bing construiu seu próprio modelo da palavra digital e física com
uma tecnologia chamada Satori: um sistema de autoaprendizagem que adiciona
28.000 DVDs de conteúdo todos os dias. De acordo com o diretor sênior do
projeto, ‘É impressionante a quantidade de dados que capturamos ao longo dos
últimos dois anos. A linha se estenderia a Vênus e você ainda teria 7 trilhões
de pixels restantes. Todos esses pixels estão sendo bem utilizados. Em sua
chamada de ganhos de outubro de 2015, a empresa anunciou que o Bing havia se
tornado lucrativo pela primeira vez, graças a cerca de US $ 1 bilhão em receita
de anúncios de pesquisa do trimestre anterior.
Leia também: O Dia da/o Pedagoga/o: lembranças do que
devemos ser em tempos furiosos, por Alexandre Filordi
Outra estratégia para
aprimorar o acesso do Bing ao excedente comportamental foi a ‘assistente
digital’ da empresa, Cortana, para a qual os usuários responderam a mais de um
bilhão de perguntas nos três meses após o lançamento em 2015. Como explica um
executivo da Microsoft: ‘Quatro em cada cinco consultas vão para o Google no
navegador. Na barra de tarefas do [Windows 10] [onde a Cortana é acessada],
cinco a cinco consultas vão para o Bing… Estamos todos pesquisando. As
pesquisas são um componente essencial da nossa estratégia de monetização.”
Em seu livro Vigiar e Punir,
Michel Foucault fez um exame profundo dos mecanismos estatais de vigilância e
punição (hospitais, escolas e prisões) empregados para criar distinções sociais
e estruturar a sociedade e o poder político na França. O capitalismo de
vigilância se carateriza por uma punição suave (a expropriação forçada de
excedente comportamental) imposta por empresas privadas com ou sem autorização
estatal.
Uma sociedade sem mobilidade
social e dividida entre os que vigiam e punem (a França estudada por Foucault e
literariamente rejeitada por Victor Hugo na obra Os Miseráveis) é
economicamente injusta, socialmente instável e politicamente previsível.
Todavia, os movimentos populares de reivindicação que surgirem podem ser
criminalizados. O uso da força bruta é legitimado pela própria natureza
criminosa, doentia ou inculta daqueles que ousarem se rebelar.
A sociedade dominada pelo
capitalismo de vigilância é rígida, injusta e imprevisível. Em razão do seu
imperativo, essa nova modalidade econômica estrutura e divide a sociedade em
duas castas sem qualquer comunicação.
De um lado estão os
capitalistas da vigilância que detém os conhecimentos e as condições
tecnológicas para coletar gratuitamente quantidades crescentes de excedente
comportamental com ou sem autorização dos internautas e usuários de
Smartphones. Do outro estão os fornecedores da matéria-prima que será explorada
com lucro exclusivamente pelos traficantes de previsões. Não por acaso, a
distância entre ricos e pobres aumentou assustadoramente nos EUA justamente no
período em que o capitalismo de vigilância nasceu e começou a se impor.
Na França estudada por
Foucault a resistência popular se expressava nas ruas através de movimentos
políticos. Como resistir politicamente a uma tendência econômica lucrativa e
crescente que se estabeleceu com a tolerância do Estado? Se a internet for
utilizada para organizar essa resistência o capitalismo de vigilância será
inevitavelmente reforçado. Não só isso, a vigilância que tem uma finalidade
comercial pode rapidamente se transformar numa arma política apontada contra
aqueles que tentam dificultar a realização do imperativo de extração de
excedente comportamental.
A história da migração da
Verizon para o capitalismo de vigilância envolve a criação de um “cookie zumbi”
que não pode ser desligado ou deletado pelo usuário e a compra de uma empresa
de internet (a AOL).
“Any serious challenge to the giant surveillance capitalists must begin
with economies of scale in behavioral surplus capture. To that end, Verizon
immediately redirected its supply routes thougt AOL’s advertising platafoms.
Within a few months of the acquisition, Verizon quitly posted a new privacy
notice on its website that few of its 135 million wireless customers would ever
read. A few lines slipped into the final paragraphs of the post told the story:
PrecisionID is on the move again. Verizon and AOL would now work together ‘to
deliver services that are more personalised and useful to you… we will combine
Verison’s existing advertising programs… into the AOL Advertising Network. The
combination will help make the ads you see more valuable across different
devices and services you use.’ The new notice assert that ‘the privacy of our
customers is important to us,’ though not important enough to compromise the
extraction imperative and alow raw-material providers to challenge the
corporation’s dispossession program. Opt-out procedures were available but, as
usual, complex, difficult to ascertain, and time-consuming. ‘Please note’, the
post concluded ‘that using browser controls such as clearing cookies on your
devices or cearing your browser history is not an effective way to opt out of
the Verizon or AOL adverising programs’.” (The Age of Surveillance Capitalism,
Shoshana Zuboff, PublicAffairs, New York, 2019, p. 169/170)
Leia também: Elites em curso: a peste no mercado seleciona
escravos, por Alessandra Impaléa
Tradução:
“Qualquer desafio sério aos
gigantes capitalistas de vigilância deve começar com economias de escala na
captura de excedentes comportamentais. Para esse fim, a Verizon redirecionou
imediatamente suas rotas de fornecimento, com base nas plataformas de publicidade
da AOL. Alguns meses após a aquisição [da AOL], a Verizon publicou um novo
aviso de privacidade em seu site, que poucos de seus 135 milhões de clientes
sem fio se deram ao trabalho de ler. Algumas linhas entraram nos parágrafos
finais da publicação: o PrecisionID está em movimento novamente. A Verizon e a
AOL agora trabalhariam juntas ‘para fornecer serviços mais personalizados e
úteis para você… combinaremos os programas de publicidade existentes da
Verison… na AOL Advertising Network. A combinação ajudará a tornar os anúncios
que você vê mais valiosos em diferentes dispositivos e serviços que você usa.’
O novo aviso afirma que ‘a privacidade de nossos clientes é importante para
nós’, embora não seja importante o suficiente para comprometer o imperativo de
extração e permitir provedores de materiais para desafiar o programa de
expropriação da corporação. Os procedimentos de exclusão estavam disponíveis,
mas, como sempre, eram complexos, difíceis de determinar e demorados.
‘Observe’, a publicação concluiu ‘que o uso de controles do navegador, como
limpar cookies em seus dispositivos ou manter o histórico do navegador, não é
uma maneira eficaz de desativar os programas de publicidade da Verizon ou da
AOL’.”
A jogada da Verizon/AOL foi
contestada na FCC resultando num acordo. O valor do acordo foi irrisório (1,35
milhões de dólares). A decisão proferida pela FCC, em 27/10/2016, em favor da
proteção da privacidade dos usuários de internet, não afetou as empresas
sujeitas ao Federal Trade Commission (caso da Verison). A empresa simplesmente
seguiu em frente e comprou a Yahoo por 4,4 bilhões de dólares para ter a escala
necessária de excedente comportamental que lhe permitisse desafiar seriamente a
predominância do Google e Facebook no mercado publicitário de comportamentos
futuros.
“New and established companies from every sector – including retail,
fitness, insurance, automotive, travel, hospitality, health, and education –
are joing the migrratory path to surveillance revenues, lured by the magnetism
of outsized growth, profit, and promise of the lavish rewards that only the
financial market can confer.” (The Age of Surveillance Capitalism, Shoshana
Zuboff, PublicAffairs, New York, 2019, p. 172)
Tradução:
“Empresas novas e
estabelecidas de todos os setores – incluindo varejo, ginástica, seguros,
automotiva, viagens, hospitalidade, saúde e educação – estão se unindo ao
caminho migratório para obter receitas de vigilância, atraídas pelo magnetismo
de crescimento, lucro e promessa de enormes recompensas generosas que somente o
mercado financeiro pode conferir.”
O padrão criado pelo Google e
seguido por Facebook, Microsoft e Verizon conseguiu se impor. A universalização
do capitalismo de vigilância transformou os usuários de internet e telefonia
móvel em fornecedores primários de uma matéria-prima inesgotável gratuita. Mas
isso é apenas o começo de uma nova era. Aspectos cada vez mais opressivos desta
nova economia que remodela o mundo de acordo com o perfil que pode ser feito
das pessoas são narrados por Shoshana Zuboff.
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