RESUMO
Uma importante contribuição da
Análise do Comportamento consiste na sua proposta de planejamento e
interpretação da cultura. Skinner apresenta uma proposição de planejamento
cultural com a utopia, Walden Two. O autor afirma que existem proximidades
entre algumas ideias apresentadas em Walden Two e no Walden, de Henry David
Thoreau. No entanto, essa suposta semelhança permanece pouco explicada por
Skinner, o que sugere a produtividade de uma investigação que tenha como
objetivo identificar sistematicamente o seu alcance. A esse respeito, foi
produtivo buscar a identificação de aspectos considerados importantes em uma
proposta do mesmo gênero, possivelmente subsidiando uma apreensão mais
aprofundada da sua perspectiva. Apresenta-se uma discussão que busca
compreender melhor a relação entre o pensamento utópico dos autores.
Palavras-chave: Utopia;
Comportamentalismo Radical; Economia; Governo; Sociedade.
ABSTRACT
An important contribution of Behavior Analysis is the proposal of
designing and interpreting culture. Skinner presents a proposal of cultural
planning in the utopia: Walden Two. B. F. Skinner states that there are some
related ideas in Walden Two and in Walden by Henry David Thoreau. However, this
alleged similarity remains poorly explained, which suggests a production of an
investigation that aimed to identify these statements. In this regard, it was
productive to search and identify aspects considered important in a proposal of
the same genre, possibly subsidizing a deeper apprehension of its perspective.
We present a discussion that aims better understand about the relationship
between the utopian thinking of both authors.
Keywords: Utopian; Radical Behaviorism; Economy; Government; Society.
RESUMEN
Una contribución importante
del Análisis del Comportamiento es su propuesta para el planeamiento e
interpretación de la cultura. Skinner presenta una propuesta de planeamiento
cultural con la utopía Walden Two. El autor afirma que existen proximidades
entre algunas ideas presentadas en Walden Two y el pensamiento del escritor
Henry David Thoreau en Walden. Sin embargo, estas supuestas semejanzas
permanecen poco explicadas, lo que sugiere la necesidad de una investigación
que tenga por objeto identificar sistemáticamente dichas similitudes y su
alcance. En este sentido, fue productivo buscar la identificación de aspectos
considerados importantes en una propuesta del mismo género, posiblemente
subsidiando una aprehensión más profunda de su perspectiva. Se presenta una
discusión que busca entender mejor la relación entre el pensamiento utópico de
los autores.
Palabras clave: Utopía;
Conductismo Radical; Economía; Gobierno; Sociedad.
O planejamento cultural e a
interpretação das culturas têm recebido atenção especial de estudiosos da
Análise do Comportamento (por exemplo, Grant, 2011; Holland, 1978; Place, 1997;
Skinner, 1986; Todorov, & Moreira, 2004). Esses temas estão relacionados
com a aplicação do modelo de seleção pelas consequências aos fenômenos
culturais (Skinner, 1981), mas representam também as aplicações da
interpretação comportamental apresentada por Skinner ao tratar da sua proposta
de organização da sociedade (Skinner, 1948/2005; 1971/1976)i. De fato, parte da
produção na área concentra-se em questões teóricas e empíricas acerca de
fenômenos econômicos, políticos e de organização social. Segundo Place (1997,
p. 650-651), isso apenas se tornou possível após as publicações de duas obras
de Skinner: a utopia Walden Two (1948/2005) e Science and Human Behavior
(1953/1965).
Walden Two tem servido de
fonte para análises comportamentalistas radicais que investiguem aspectos da
organização social da própria utopia ou que a usem como modelo skinneriano para
uma comparação com o modelo atual, com implicações importantes para uma análise
das gestões econômicas e políticas (por exemplo, Dittrich, 2004; Melo, 2008;
Olarte Rodriguez, 2005; Wolpert, 2005). Um exemplo do papel que Wanden II
desempenhou no pensamento subsequente é o de Ardila (2008) que, inspirado pela
obra de Skinner, escreveu Walden III (Ardila, 1979) enfatizando o papel das
crianças, família, trabalho, reforma do calendário, educação, sexualidade,
envelhecimento e velhice, o exército, a função da ciência na sociedade,
religião, ecologia e política internacional. Ardila (2004) apresenta como
objetivo comparar os três Walden. Infelizmente, o autor não consegue alcançar o
objetivo proposto de forma clara e produtiva, uma vez que sua preocupação no
texto é outra, a se considerar que em sua maior parte ocupa-se de sua própria
obra, além de apresentar afirmações como: "Entusiasmei-me com Walden três
quando o terminei. Considero Walden três uma de minhas obras principais, que
irá despertar controvérsias e críticas. [...] Walden três vendeu bem desde o
princípio. [...]". Apesar disso, é importante considerar que Ardila (2008)
identifica positivamente uma importante demanda de investigação que é a de
comparar as obras de Thoreau e de Skinner. A despeito isso, essa demanda de
forma alguma foi atendida pela sua avaliação que, como foi sugerido,
concentrou-se em um enaltecimento de sua própria obra Walden III (Ardila,
2004). Persevera, portanto, como uma importante lacuna de conhecimento
científico a ser preenchida por outra investigação a de apresentar uma
comparação sistemática e objetiva das obras Walden, de Thoreau, e Walden II, de
Skinner.
Em uma análise bastante
produtiva do Walden II, Altus e Morris (2009) sugerem que a obra busca meios
para maximizar a justiça social e o bem-estar por meio do equilíbrio entre: (a)
a habilidade dos membros da comunidade para obtenção consciente desse bem-estar
e da justiça social e (b) a habilidade da comunidade buscar os mesmos objetivos
como forma de garantir a sua sobrevivência. Um segundo e interessante ponto
identificado em Altus e Morris (2009) é o modelo apresentado por Skinner da
busca de soluções para problemas de importância individual, social e cultural e
que seria, segundo os autores, realizado contemporaneamente pela Análise
Comportamental Aplicada. Um exemplo interessante da aplicabilidade do paradigma
de organização social que Skinner estabelece é a sociedade real de Los Horcones
(Olarte Rodriguez, 2005) criada em 1971 no México e explicitamente inspirada no
Walden II.
Desse modo, fica clara a
necessidade de um entendimento mais apurado do Walden II também pela sua
importância como interpretação do programa skinneriano com implicações para a
Análise Comportamental Aplicada. Assim, considera-se importante a investigação das
proposições existentes na construção do pensamento skinneriano sobre os temas
relacionados a economia, política e sociedade. Nota-se ainda haver
produtividade em uma investigação que busque uma discussão sobre os diálogos
possíveis entre o pensamento de B. F. Skinner e de H. D. Thoreau. Ponderando
que a proposta comportamentalista radical é uma filosofia, ela está sujeita a
estudos que busquem relacioná-la com outras filosofias e autores (Dittrich,
2011). No entanto, este tipo de investigação não se justifica apenas como uma
especulação literária, mas pela possibilidade de identificar supostas
proximidades existentes entre as ideias de Skinner e os textos de H. D.
Thoreau. Isso porque o próprio Skinner (1948/1978 p. 1; 1973) considera a
existência de similaridades entre suas ideias sobre os temas em questão e o
pensamento do escritor americano do século XIX.
A justificativa mais
facilmente identificável de um empreendimento de investigação como o que ora se
apresenta é obtida do próprio Skinner, ao considerar explicitamente que sua
proposição de utopia foi influenciada pela importante obra de Thoreau (Skinner,
1979, p. 299). A influência é consubstancializada por Skinner (1979, pp.
345-346), ao reproduzir cinco dos princípios citados por Thoreau em sua própria
obra (Skinner, 1948/1978; Thoreau, 1854/1963). Não seria produtivo, portanto,
realizar uma investigação para comprovar a influência da utopia de Thoreau
sobre o autor de Walden II ao escrevê-lo. Mas há, é claro, uma multiplicidade
de aspectos em ambas as obras e, possivelmente, das relações entre tais
aspectos que poderiam ser explorados de forma sistemática e com grande
potencialidade heurística para a área. No entanto, como foi demonstrado ao
tratar de Ardila (1979, 2004), não há uma investigação suficientemente
sistemática dessa relação entre o Walden e o Walden II. Evidencia-se, desse
modo, a necessidade de uma investigação que busque uma interpretação, dentre as
muitas possíveis, da relação entre as duas obras.
Henry David Thoreau
(1817-1862) se ocupou de comentar vários temas, foi crítico do sistema baseado
no lucro, do excesso de trabalho, da escravidão, além de feroz crítico do
governo americano com suas tendências imperialistas e de defesa do consumismo
desenfreado como base do sistema econômico. Em seu Walden, Thoreau (1854/1963)
propõe um rompimento, mesmo que parcial, com a sociedade vigente e estabelece
seu próprio modo de vida o que o aproxima do objetivo do gênero utópico.
Já Skinner, em Beyond Freedom
and Dignity (1971/1976), afirma que apenas desenvolvendo uma tecnologia do
comportamento o homem conseguirá conceber um modelo mais eficiente no combate
aos problemas sociais e econômicos que o assola (p. 29). O autor ainda cita
como problemas decorrentes do mau funcionamento da sociedade a poluição
ambiental, a fome e a incapacidade sobre o controle de doenças etc. (p. 1).
Diante de tais problemas, Skinner (1953/1965, pp. 11-22) considera que existe
um avanço nas tecnologias capaz de possibilitar o controle efetivo do nosso
mundo físico e biológico, mas pouco se tem avançando em relação aos modelos de
educação, economia e política (p. 11), ou seja, pouco se avançou no
desenvolvimento de uma ciência do comportamento.
Nesse sentido, ambos os
autores se somam ao grupo daqueles que se puseram a questionar os problemas
sociais e os colocaram em discussão em suas obras. Porém, duas delas permitem
uma aproximação entre eles, pois, nelas, os autores se ocupam em discutir
proposições sobre diversos pontos como economia política e sociedade. As propostas
de Skinner e de Thoreau se apresentam como uma alternativa ao sistema
capitalista que, segundo Wallerstein (1995/2001), se caracteriza por prezar o
acúmulo e a maximização de bens que geram o capital que, por sua vez, move a
economia. É também como um questionamento a esse modelo que Thoreau escreve
Walden, or, Life in the Woods (1854/1963) e B. F. Skinner (1948/2005) constrói
uma utopia comunitária baseada em uma perspectiva científica do comportamento
humano.
Walden, or, life in the Woods
(Thoreau, 1854/1963) tem sua primeira publicação no ano de 1854. Nele Thoreau
descreve o tempo em que viveu afastado da sociedade, morando numa cabana à
beira do Lago Walden. Nessa obra, Thoreau é incisivo em críticas à sociedade e
faz importantes considerações acerca de temas como economia e modelo social. Já
Skinner, quase um século depois, em 1948, escreveu um livro que empresta parte
do título da obra de Thoreau. Walden Two (1948/2005) é a novela na qual o autor
ilustra suas propostas de planejamento cultural tendo como base tecnologias
comportamentais voltadas a produção de relações pessoais positivamente
reforçadoras, e um modelo de educação e sociedade eficaz (Skinner, 1973, p. 2).
Considerando que a proposta
skinneriana de planejamento cultural passa por uma perspectiva utópica, pelo
menos em sua gênese, é interessante elucidar quais características presentes no
gênero utópico são supostos essenciais para uma proposta social. A esse
respeito, será produtivo buscar a identificação de aspectos considerados importantes
em uma proposta do mesmo gênero, possivelmente subsidiando uma apreensão mais
aprofundada da sua perspectiva. Sendo assim, a presente investigação teve como
proposta identificar nas obras de ambos os autores, especialmente em Walden, or
Life in The Woods e Walden Two, os aspectos considerados, respectivamente, por
Thoreau e Skinner ao formular suas correspondentes propostas utópicas.
Dessa forma, procurou-se
estabelecer os diálogos possíveis entre o pensamento filosófico de Thoreau e o
Comportamentalismo Radical de Skinner. Como nota Dittrich (2011), esse tipo de
investigação é importante, pois permite um diálogo do Comportamentalismo
Radical com outras linhas de pensamento a fim de que se aponte quais outras
filosofias a caracterizam e tenham importância histórica no seu
desenvolvimento.
Para uma melhor análise,
selecionou-se aspectos que envolvem características da economia, sociedade e
governo apresentados por Thoreau e por Skinner. Esses temas foram tomados para
discussão nessa investigação, pois se considera que possuem forte expressão na
obra de ambos os autores e destacam-se na história do pensamento utópico e
distópico de outros escritores (por exemplo, Bacon, 1616/1976; Huxley,
1932/2004; Morus, 1516/1997), além de serem imprescindíveis em qualquer
reflexão contemporânea a respeito do planejamento cultural almejado pelo
Comportamentalismo Radical.
Método
Anteriormente ao início da
análise, cabe um breve esclarecimento sobre o método de análise conceitual
utilizado. Foi realizada a leitura e análise de textos selecionados de Thoreau
(1849/1963; 1854/1963; 1863/2012) e Skinner (1948/2005; 1953/1965; 1967; 1969;
1971/1976; 1973) segundo o seguinte critério: textos que apresentam críticas e
propostas referentes à organização social de um modo geral, incluindo
discussões nos âmbitos econômico e político. Por se tratar de um estudo
histórico-conceitual centrado nas obras dos dois autores, Thoreau e Skinner, em
um primeiro momento foi dispensada uma análise de comentadores. Essa análise
foi feita posteriormente para que pudessem auxiliar no entendimento de
conceitos recorrentes nas obras - como economia, governo, ação política e
utopia - e para que se pudesse considerar análises já realizadas sobre o
assunto.
A partir da leitura cuidadosa
e realização de fichamento dos textos selecionados, identificou-se as
informações que pertencem às categorias que estruturam a argumentação a seguir,
como as já citadas categorias "economia", "governo",
"ação política" e "utopia". Com base nessas informações
assim obtidas, realizou-se a organização de todo o corpo de texto que
compreende o itinerário de argumentação do artigo: Entre ficção e a realidade;
B. F. Skinner sobre o Walden de Thoreau; Economia, Trabalho e acúmulo de bens;
Governo; Ação Política; Sobre o objetivo final da utopia e a definição de
"boa vida"; Três princípios gerais para deliberar uma "boa
vida"; e Considerações Finais.
Entre a ficção e a realidade
A escrita utópica é utilizada
para descrever uma nova sociedade que pode romper completamente com o modelo
vigente ou se referir a uma sociedade futura na qual os pontos considerados
negativos da sociedade atual são eliminados (Chauí, 2008). O texto utópico
serve como um divulgador de ideias para a sociedade. Santo Agostinho escreveu
Cidade de Deus, uma utopia baseada sob a vontade de Deus; Thomas More, em
Utopia, ansiava por uma sociedade perfeita baseada em leis; Skinner escreve seu
Walden Two como uma sociedade baseada nos princípios da ciência do
comportamento (Skinner, 1967; 1969). Já Thoreau (1854/1963) escreve um texto
onde busca discutir características consideradas por ele como ruins no modelo
social e propor um planejamento que envolva o rompimento com o modelo
estabelecido onde essas características sejam futuramente abolidas.
Ao publicar sua utopia Walden
Two, em 1948, Skinner ilustra, em caráter ficcional, como a tecnologia
comportamental poderia se aplicar de modo satisfatório no planejamento e gestão
de uma sociedade. Ademais, Skinner (1979, p. 346) tem clareza de uma importante
diferença entre a obra de Thoreau e a sua proposta, qual seja, a busca por
soluções tecnológicas que uma utopia de grupo, diferentemente de uma utopia
individualista, deve demandar: "[…] Walden described only a Walden
for One. Thoreau asked only to be left alone as an individualist. The problems
of society called for something more, and that was where a behavioral
technology could make its contribution"ii (Skinner, 1979, p. 346).
Definido como uma comunidade
imaginária, Walden Two tem cerca de mil pessoas sobrevivendo em um ambiente
agradável onde possuem educação, arte e ciência e trabalham poucas horas por
dia sem serem a isso compelidas (Skinner 1969, p. 29).
Skinner (1969, p. 30) afirma
que utopias são ficções científicas, mas há formas de transformá-las em realidade.
Com isso propõe que princípios estabelecidos em utopias podem ser aplicados à
realidade, o que justifica utilizar-se dos conceitos e ideias apresentados em
Walden Two para entender a aplicação das ideias do autor sobre as
características estudadas neste trabalho.
B. F. Skinner sobre o Walden de Thoreau
Em dois trechos de suas obras,
Skinner cita o Walden de Thoreau para tecer comentários sobre a sua novela
utópica. No prefácio da edição americana de Walden Two (1948/1978 p. 01)
Skinner afirma que os pontos a seguir são encontrados no seu Walden e no de
Thoreau (1854/1963):
a) Nenhum modo de vida é
inevitável. Examine o seu próprio de perto.
b) Se você não gosta dele,
mude-o.
c) Mas não tente mudá-lo
através da ação política. Mesmo que você consiga ganhar o poder, não poderá
usá-lo mais sabiamente que seus predecessores.
d) Peça somente que o deixem
em paz, para resolver os seus problemas a seu modo
e) Simplifique suas
necessidades. Aprenda como ser feliz com menos posses (Skinner, 1948/1978, p.
1).
Ou seja, ao afirmar essas
semelhanças Skinner está admitindo que essas características também existem no
Walden de Thoreau e pode-se dizer que indicam de modo bastante direto a
influência do autor sobre a utopia skinneriana.
Outro texto que nos indica a
semelhança é Walden (one) and Walden two, no qual Skinner (1973) reconhece ter
lido os escritos de Thoreau pela primeira vez na faculdade onde estudava
literatura. Nesse mesmo texto, Skinner afirma que a diferença básica entre os
dois waldens é que o de Thoreau é uma utopia para "um só" enquanto
Walden Two é dedicado a uma vida social. Dessa forma considera-se possível e
necessário promover um diálogo entre as ideias de Thoreau sobre os conceitos
desenvolvidos por Skinner.
Economia, trabalho e acúmulo
de bens
Em um de seus escritos Thoreau
(1863/2012) crítica, como aponta o trecho a seguir, a irracionalidade de se
escolher um trabalho pelo dinheiro que se ganha com ele e não pelo prazer e
aprendizado que o indivíduo teria exercendo a função: "[...] se optar por
me dedicar a certas ocupações que me rendem mais proveito real, mas menos
dinheiro, a tendência será que me vejam como um indolente" (p. 126).
Em certos pontos, a semelhança
entre o pensamento de Thoreau e a utopia skinneriana são latentes. Thoreau
(1863/2012, p. 128) afirma que o objetivo de um trabalhador não pode ser
somente ter um bom emprego e "ganhar a vida", mas sim fazer bem seu
trabalho. Em seguida, escreve que os trabalhadores deveriam ser tão bem pagos,
de tal modo que não trabalhassem por mera subsistência, e sim, pelo o que o
autor chama de "fins científicos e até mesmo morais" (1863/2012, p.
128).
A princípio, e sob uma leitura
superficial, essa afirmação pode levar à crença de que Thoreau insinua que um
bom salário - mesmo que puramente no sentido pecuniário - levaria o trabalhador
a uma elevação de seus objetivos e o faria passar a trabalhar para fins
melhores, o que seria incongruente com o pensamento do autor, contrário ao
acúmulo de bens.
Esse engodo se desfaz quando
se percebe que Thoreau na verdade critica o fato de o dinheiro na sociedade ser
concomitante e pré-requisito para a boa vida, ou seja, independentemente do
modelo de vida que se tenha ele só será bom se o indivíduo dispuser de uma alta
remuneração. O problema é que, em uma sociedade onde a boa vida é estabelecida
pelo "acúmulo de bens", o cidadão jamais ficará satisfeito com o seu
trabalho.
Skinner afirmou em Walden Two
(1948/2005): "The profit system is bad even when the worker gets the
profits, because the strain of overwork isn't relieved by even a large
reward" (p. 45)iii, ou seja, como nunca estarão saciados os trabalhadores
sempre exercerão suas funções apenas em busca de dinheiro e bens.
Em Walden Two, os
trabalhadores recebem créditos por cada afazer exercido e devem obter 1.200
desses créditos no ano, o que significa quatro créditos por dia de trabalho,
para terem acesso a todos os benefícios que a comunidade oferece. Cada trabalho
necessário para a manutenção da comunidade equivale a uma quantidade de créditos
disponíveis pra quem os exerce. Dessa maneira, trabalhos desagradáveis concedem
um maior número de créditos que trabalhos mais desejáveis (por exemplo, um
trabalho de limpeza de esgoto possui uma remuneração de créditos/trabalho maior
(1,5 crédito por hora) por ser um trabalho menos desejável pelos membros da
comunidade. Enquanto outros trabalhos - mais desejáveis - possuem remuneração
de 1,0 crédito/trabalho por hora).
Constata-se, portanto que com
a ausência do lucro em Walden Two - uma vez que os seus membros precisam de
apenas 1.200 créditos trabalho por ano e não há função nem possibilidade de
acúmulo desses créditos - o trabalho é realizado para o bem-estar da comunidade
e não para o acúmulo de bens.
O trabalho em Walden Two se
caracteriza apenas pelas atividades essenciais para sobrevivência e manutenção
da comunidade, garantindo assim a conservação do modo de vida da cultura. Dessa
forma, os seus membros trabalhariam apenas quatro horas por dia o que faz com
que mantenham a boa vida possuindo tempo para atividades de lazer e estudo. Ter
tempo para outras atividades é um dos pontos que Thoreau considera que o
indivíduo precisa garantir para obter uma boa vida, para que não se porte como
uma máquina, já que reconhece na forma tradicional como os homens trabalham um
obstáculo para a realização de uma vida plena: "Actually, the laboring man
has not leisure for a true integrity day by day; he can not afford to sustain
the manliest relations to men; his labor would be depreciated in the market. He has no time to be
anything but a machine "(1854/1963, p. 9)iv.
Para Thoreau, o trabalho
precisa ser algo planejado e as atividades laborais precisam ser exercidas com
autonomia. O trabalhador deve fazer as coisas a seu tempo e a seu modo, o
trabalho não deve causar estafa ou ocupar longas horas (Thomas, 2010, p. 5).
Isso permite afirmar que, para o objetivo de Thoreau - de trabalhadores
realizando suas funções estimuladas por "fins científicos e morais"
-, a sociedade precisaria estar organizada de maneira tal que o objetivo
primordial não fosse o acúmulo de bens. É possível afirmar aqui a necessidade
de um planejamento cultural onde os fins "científicos e morais" sejam
possíveis.
Ambos os autores convergem,
portanto, no que diz respeito à contrariedade ao sistema de acumulação de bens.
Thoreau (1854/1963) expõe sua posição afirmando que a busca por bens - que
nunca são suficientes - torna o trabalhador uma máquina sem tempo para lazer e
ainda defende que a posse de grandes bens traz mais problemas que soluções. Já
Skinner abole o sistema de lucros em Walden Two, consequentemente extinguindo o
caráter infindável que cerca o conceito de trabalho na civilização capitalista.
Governo
Talvez uma das mais conhecidas
e divulgadas ideias de Thoreau seja seu pensamento anarquista. É dele a frase
"o melhor governo é o que menos governa" (1963/2012, p. 7). Ou seja,
Thoreau concebe que as pessoas não necessitam de um governo, acredita, como
mostra o trecho a seguir, que é necessário que os homens estejam preparados
para viverem dessa maneira:
I heartily accept the motto, "That government is best which governs
least"; and I should like to see it acted up to more rapidly and
systematically. Carried out, it finally amounts to this, which also I believe
"That government is best which governs not at all"; and when men are
prepared for it, that will be the kind of government which they will have (p.
7; grifo nosso)v.
Dessa forma, vemos que Thoreau
deseja um governo que menos governe, o que significa um governo menos
intervencionista na vida dos indivíduos e que não os obrigue a apoiar causas
com as quais não concordam. Essa forma reduzida deveria ser mantida até que os
homens estivessem então preparados para uma ausência total de controle estatal.
Nota-se o caráter de total rechaço do autor ao controle e as funções exercidas
pelo governo uma vez que as considera arbitrárias e injustas.
Podemos chegar a essa
conclusão ao contextualizar o texto de Thoreau (1849/1963), nele, o autor se
ocupa de desenvolver críticas ao modo com que o governo americano obriga seus
cidadãos a pagar impostos a serem utilizados em causas com as quais eles não
concordam. No caso específico desse texto, o autor tecia críticas por ter sido
preso por não pagar os impostos, já que discordava da guerra que o governo
realizava contra o México.
Existe, em Walden Two, uma
agência governamental, mas que em muito difere das encontradas atualmente na
sociedade. A principal diferença é que o governo em Walden Two é exercido pela
chamada Junta de Planejadores e por administradores. A Junta de Planejadores é
responsável pelo estabelecimento da política na comunidade. Os planejadores,
que trabalham em conjunto com os administradores, são pessoas responsáveis por
cada área da comunidade, e inclui seis indivíduos que podem permanecer no cargo
por no máximo dez anos e que não estão livres dos trabalhos aos quais todos na
comunidade fazem. Os planejadores e administradores não possuem qualquer
benefício extra por exercerem tal função.
Em Walden Two, as regras que
devem ser seguidas pela comunidade também são desenvolvidas pela Junta de
Planejadores. Walden Two é uma comunidade experimental, por esse motivo suas
regras não são imutáveis, mas sim mudadas conforme as experiências obtidas. O
objetivo é que as práticas descritas pelas regras passem a ser seguidas pelas
suas consequências, até que a regra se torne então desnecessária para os
indivíduos (Skinner, 1948/2005, p. 117).
Tanto Skinner (1965) como
Thoreau (1849/1963) demonstram em seus escritos que a agência governamental tem
muitos pontos negativos e que deve, sempre que possível, ter sua presença e
participação diminuída e, no caso de Thoreau, até mesmo extinta. A magnitude
como cada um dos autores concebe essa possibilidade, no entanto, é diferente.
Thoreau (1849/1963, p. 07)
deseja um governo "que menos governe" até que os homens estejam
preparados para um governo que "absolutamente não governe". Ou seja,
dessa forma o autor assume a ausência total de governo como uma alternativa
possível e necessária.
Já Skinner propõe que o
governo exercido em Walden Two possua um caráter apenas de administração de
questões extraordinárias e não possua nenhum poder de obrigar seus cidadãos a
algo (p. 218). Skinner (1948/2005) propõe uma diminuição gradual ao mínimo
governo possível, mas não reconhece a ausência total de administração como uma
possibilidade: "As governmental technology advances, less and less is left
to the decisions of governors, anyway. (…) The Managers Will suffice" (p.
256, grifo nosso)vi. Ou seja, Skinner afirma que os administradores sempre
serão necessários, mas os planejadores não.
Pela definição de Glenn (1986)
o governo é responsável pelo estabelecimento de políticas, pela criação de
leis, pela proteção de seus membros a grupos externos, por renegar membros de
seu próprio grupo, coletar impostos e gastá-lo e o governo em Walden Two não
exerce nenhuma dessas funções com exceção do estabelecimento de políticas e
leis. Mas, como já afirmamos, o objetivo em Walden Two é que as leis sejam
mantidas pelas suas consequências, e não simplesmente por imposição na forma de
regras. Dessa forma, notamos que a presença de um governo é extremamente
reduzida de modo que só sirva para implantação provisória de práticas que
necessariamente deixarão de ser impostas por uma agência de controle e que
passarão a ser controladas por suas próprias consequências, sem a intervenção
de um governo.
Assim como em Walden Two,
Thoreau não considera que os homens estejam preparados para a ausência de
governo, ao afirmar que primeiro deseja um governo que governe menos até que os
homens estejam preparados a obter um governo que não governe de forma alguma.
Nesse sentido, a ideia de Thoreau se aproxima da de Skinner já que em Walden
Two o governo se inicia com a presença de Planejadores e Administradores e com
uma administração muito mais incisiva do que a almejada num futuro no qual só
administradores serão necessários.
Se iniciando com uma forma de
governo muito menor que o estabelecido na sociedade tradicional, que é a que
recebe as críticas de Thoreau, Walden Two, se encaixa no ensejo de Thoreau de
obter um governo menos intervencionista com os seus cidadãos. No entanto, é
claro que para Thoreau a ausência de governo é possível, enquanto Skinner não
cogita essa possibilidade radical, uma vez que não abre mão dos
administradores. Essa é, portanto, a divergência entre ambos no que diz
respeito à forma de governo.
Ação Política
Thoreau não usou de movimentos
políticos para mudar seu próprio modo de vida. Seu livro Walden, or life in the
Woods (1854/1963) possui críticas ao modelo e sociedade no qual vivia, no
entanto, para se ver livre dele não usou nenhum artifício político. Ao se
refugiar à beira do lago Walden, Thoreau desvencilhou-se do sistema econômico e
social em que vivia e repudiava. Um exemplo disso é que, como apontou Lerner
(1962, p. 21), Thoreau percebeu que o sistema econômico criava para ele
demandas irracionais por certos produtos passando então a tentar sair do
controle desse tipo de imposição governamental.
Em Walden Two, Skinner sugere,
como aponta o trecho a seguir, que a ação política é algo inútil na construção
de um mundo melhor:
Political action was of no use in building a better world, and men of
good will had better turn to other measures as soon as possible. Any group of
people could secure economic self-sufficiency with the help of modern
technology, and the psychological problems of group living could be solved with
available principles of behavioral engineering (Skinner, 1948/2005, p. 10)vii.
Ao delinear um modo de vida a
ser constituído, os envolvidos na construção da comunidade não se envolveram em
ações de caráter político. Skinner, no trecho citado a seguir, propõe em Walden
Two que a boa vida não pode ser alcançada por meio da ação política. Para isso
é preciso conceber um nível diferente de ação, que se mantenha longe da
política e do governo.
You can't make progress toward the Good Life by political action! Not
under any current form of government! You must operate upon another level
entirely. What you need is a sort of Nonpolitical Action Committee: keep out of
politics and away from government (Skinner 1948/2005, p.180)viii.
Essa rejeição que Skinner
apresenta à política é muito parecida com as ideias apresentadas por Thoreau
(1854/1963). O próprio Skinner (1948/1969) afirma que o aspecto de que não se
deve mudar seu modo de vida através de uma ação política também está presente
no Walden de Thoreau.
Skinner (1948/1978, p. 1) pode
ser acusado, como o foi por Villalobos (1981, p. 60) de leviandade ao afirmar
que o princípio de "não tentar mudar seu modo de vida através da ação
política" também é visto no Walden de Thoreau (1854/1963), pois, Skinner
estaria desprezando o fato de Thoreau ser extremamente interessado por questões
políticas inclusive por ter escrito o ensaio político A Desobediência Civil.
Há dois equívocos nessa
afirmação. O primeiro deles é interpretar que Skinner insinuou que Thoreau não
se interessasse por política. Skinner (1948/1978) afirmou que ambos concordavam
com o seguinte mote "[...] não tente mudá-lo através da ação
política". (p. 1). Em momento algum o autor atribui a Thoreau desinteresse
por questões políticas. O segundo é que essa afirmação dá a entender que, por
se interessar por temas políticos, Thoreau, então, não teria aberto mão da ação
política em seu tempo à beira do Walden.
Há, nessa crítica, uma
confusão de conceitos. Ao afirmar que Thoreau também abriu mão da ação política
para mudar seu modo de vida, Skinner (1948/1978) se refere ao fato de, ao se
refugiar à beira do lago Walden, Thoreau estabeleceu um modo de vida que o
agradava e, para obtê-lo, não utilizou de nenhuma artimanha política, e não que
Thoreau tentasse afirmar um rechaço a questões políticas. Aqui cabe uma
distinção conceitual entre ambos os aspectos: ação política e pensamento
político é tratado aqui como domínios diferentes. Apesar de desenvolvimentos
contemporâneos buscarem entender o pensamento político como um tipo de ação
política (por exemplo, Barker, 2000) tradicionalmente a ação política, o
engajamento, sempre foi visto como distante daquele que é o pensamento
político, sobre a forma como a sociedade e os sujeitos se organizam (Barker,
2000; Shepsle, 1985). Portanto, Thoreau nega o uso de uma ação política para a
definição de um novo modo de vida o que não causa prejuízo para as discussões
que o autor trata sobre o modo de administração do modelo governamental
americano. Por tudo isso, formar uma crítica desconsiderando essa diferenciação
soa, no mínimo, negligente. Sendo óbvio que Thoreau e Skinner pensavam sobre
política e se interessavam por ela.
As ações de Thoreau bem como a
proposta por Skinner em Walden Two são tomadas para alcançar aquilo que foi
estabelecido como modo de vida ideal por ambos os autores, e para estabelecerem
isso não passaram por nenhuma mediação política seja do Estado seja de
instituições partidárias ou movimentos sociais. Ou seja, existe um consenso
entre Skinner (1948/2005) e Thoreau (1854/1963) de que uma ação política
envolvendo associações de pessoas em busca de mudanças em um nível de governo
não é uma ação produtiva na busca do estabelecimento de seu modo de vida. Isso
porque, como afirma Thoreau (1849/1963): "Quanto a adotar os métodos que o
Estado propicia para remediar o mal, não sei nada sobre eles. Levam muito tempo,
e a vida de um homem pode acabar antes de eles vingarem"(p. 18). Portanto
a opção de não utilizar a ação política para estabelecer seu próprio modo de
vida diz respeito principalmente a incapacidade do Estado em fazê-lo. Já para
Skinner também existe um segundo motivo, o de considerar que nem todas as
pessoas devem ser obrigadas a se interessar por política (Skinner, 1948/2005 p.
256).
Sobre o objetivo final da
utopia e a definição de "boa vida"
É notável que as críticas de
Thoreau são destinadas ao caráter aversivo do Estado e da Economia. Thoreau é
contrário ao modelo corrente de trabalho, pois obriga os indivíduos a
trabalharem horas por dia, e se não o fazem são punidos, seja com a fome seja
com a cobrança de suas dívidas e dos impostos. Já o modelo econômico é
considerado ruim, pois obriga seus cidadãos a sempre buscar mais acúmulo e não
os apresenta um reforço que os sacie. E, por fim, é crítico do Estado
principalmente nos pontos onde este exerce controle aversivo, como o não
pagamento de impostos, escravidão e guerras.
Em diversos textos, Skinner
aponta para a necessidade da construção de uma sociedade que não se baseie em
punição como forma de controle de seus cidadãos. Em Walden Two não há o uso de
punição como alternativa para um controle de seus habitantes. Skinner
(1948/2005) considera, como aponta o trecho a seguir, que a punição é incapaz
de coibir comportamentos indesejáveis (p. 244-245) do indivíduo e considera
que, em Walden Two, existe um processo de mudança de uma sociedade baseada em punição
como forma de controle onde o reforço de um indivíduo é a punição de outra
pessoa para uma sociedade cooperativa.
Now, early forms of government are naturally based on punishment. It's
the obvious technique when the physically strong control the weak. But we're in
the throes of a great change to positive reinforcement from a competitive
society in which one man's rewards another man's punishment, to a cooperative
society in which no one gains at the expense of anyone else (Skinner 1948/2005,
p. 245)ix.
Dessa maneira, nota-se que o
objetivo da utopia skinneriana é a construção de uma sociedade positivamente
reforçadora, ideia que também é vista em outros textos de Skinner (1953/1963;
1990).
De certa forma, o rechaço de
ambos os autores ao modelo econômico e de Estado se dá principalmente pela
dificuldade destes em se manter sem um controle coercitivo. Já sobre a ação
política seu problema é que não importa o que os indivíduos façam pela
política, ela pode mudar governantes e patrões, mas dificilmente mudará o
sistema e, se o fizer, este não agradará a todos os sujeitos. A definição de
boa vida, portanto, segue como parâmetro principal para ambos os autores a
ausência de controle aversivo que contribua, por óbvio, para a sobrevivência da
cultura e seus membros. A ausência de controle aversivo proporciona, e soma-se,
às características já discutidas anteriormente como a diminuição de atividades
desagradáveis ocasionando momentos de lazer e estudos, por exemplo.
Três princípios gerais para
deliberar uma "boa vida"
Como em toda utopia, e nos
Waldens não seria diferente, há a apresentação de ideias e conceitos novos
sobre a forma de funcionamento da vida dos indivíduos que a compõe. A descrição
desses conceitos é fundamental no texto utópico, pois caracteriza a forma de
vida idealizada pelo autor. Foram algumas dessas novas propostas de modelo
social que se analisou nas seções anteriores.
Afirmou-se que Thoreau e
Skinner propuseram um novo modelo de economia, política e sociedade, na prática
isso poderia significar então, que os autores apresentam em sua proposta, um
modo fechado, uma receita para o estabelecimento de uma vida ideal. No entanto,
vimos que, para ambos, a boa vida precisa ser planejada pelos indivíduos.
Porém, as propostas apresentadas pelos autores não buscam delinear a maneira ou
forma como cada indivíduo deve considerar uma boa vida, mas sim alertar para
princípios básicos que permitam deliberá-la. Elencou-se três desses princípios
presentes em ambas as utopias, são eles: a) economia e, conseguintemente o
trabalho, sendo não baseados no acúmulo, mas na necessidade exigida para
manutenção do modo de vida ideal estabelecido; b) ausência total (ou parcial)
de um Estado e governo, valorizando a consciência individual; c) não utilização
da ação política como forma para estabelecer o modelo de vida definida como
ideal.
As propostas de Skinner e
Thoreau são distintas em sua configuração (coletiva/individual), no entanto,
ambas seguem padrões no que diz respeito a problemas de ordem econômica e social.
Para ambos não há maneiras de se estabelecer uma boa vida baseando-se no
trabalho pelo lucro, vivendo sobre a influência de um governo autoritário e não
há, ainda, formas de estabelecimento da boa vida por meio de ação política. Há
ainda ideais que podem ser encontrados em ambas as obras, mas que não foram
objeto desta investigação, como o estabelecimento de um modo de vida
sustentável ao meio-ambiente e que valorize um desenvolvimento intelectual.
O conceito de vida
"satisfatória" se encaixa na visão de "boa vida", uma vez
que o satisfatório para o indivíduo precisa ser a sobrevivência de sua cultura
além do estabelecimento dos princípios acima citados.
Um questionamento pode ser
levantado diante dos fatos discutidos nessa seção. Poderia o indivíduo estabelecer
um modo de vida ideal, sem realizar os três princípios acima citados? A
resposta deve surgir quando se levanta a seguinte discussão: existe
possibilidade de, se mantendo na sociedade atual, o indivíduo trabalhar apenas
para a manutenção de seu modo de vida e não pelo acúmulo? É possível se
desvencilhar das imposições do Estado? Há outra forma de mudança senão pela
ação política com sua morosidade e ineficiência?!
Uma resposta totalmente
satisfatória a esses questionamentos demanda investigações específicas, no
entanto, pode-se afirmar que dificilmente um indivíduo conseguirá estabelecer
um padrão de trabalho que exija dele apenas o esforço suficiente para manter
seu modo de vida desejado e enfrentará intempéries legais caso não cumpra
obrigações exigidas pelo Estado como pagamentos de impostos e taxas.
Dessa maneira, os três
princípios acima citados, mesmo que possuam natureza utópica, possibilitam o
estabelecimento de um modo de vida deliberado pelos indivíduos. A discussão
desses princípios justifica-se devido à possibilidade de princípios utópicos
tornarem-se úteis e praticáveis na realidade ainda que de maneira parcial
(Skinner, 1969).
Há uma divergência entre os
autores que remete à raiz filosófica de suas ideias. Thoreau (1863/2012)
realiza uma ode a consciência individual para que essa desperte e aja como
agente precursora de uma mudança para um modelo de vida melhor. Nesse sentido,
Thoreau atribui um importante papel a noções como as de livre arbítrio e de
autogoverno internalista em sua interpretação e proposta utópica. Em
contraposição, Skinner (1945, 1974) é crítico fervoroso da literatura da
liberdade e de concepções internalistas de interpretação do comportamento
humano. Nesse aspecto em particular, Skinner (1981) distancia-se bastante de
perspectivas como a de Thoreau, apelando à seleção pelas consequências de
aspectos filogenéticos, ontogenéticos e culturais dos comportamentos para
explicar o agir dos indivíduos.
Considerações Finais
Os resultados da investigação
demonstram as semelhanças e divergências existentes entre as ideias de H. D.
Thoreau e B. F. Skinner com o objetivo de promover um diálogo entre os autores
e esclarecer as possíveis divergências e convergências que possam ser
estabelecidas entre eles na formulação de determinados conceitos presentes em
suas obras.
O gênero utópico tem papel
ímpar na história do conhecimento. Sua função corresponde à divulgação de
propostas políticas e econômicas de um autor a respeito de aspectos da
sociedade, seus valores e seu funcionamento. Grandes pensadores escreveram na
forma de utopia como, por exemplo, Platão (A República), Francis Bacon (A Nova
Atlântida), Thomas More (A Utopia) e, obviamente, o próprio Thoreau. Por sua
vez, Skinner encontrou no gênero utópico uma forma de expor sua teoria
comportamentalista radical de planejamento cultural no que diz respeito a sua
aplicabilidade. Seu Walden II se integra em pontos cruciais, no que diz
respeito ao funcionamento da sociedade, ao Walden de Thoreau. Ambos discordam,
com a mesma intensidade, em critérios de natureza filosófica como aquela que
diz respeito ao papel primordial da consciência individual na perspectiva de
Thoreau (1849/1963; 1863/2012), em contraposição à importância indisputável do
modelo de variação e seleção pelas conseqüências na interpretação de Skinner
(1981).
A administração governamental,
como demonstrado, possui um caráter de constrangimento para os autores. Thoreau
(1849/1963) assumiu uma posição anárquica frente a esse tipo de controle
governamental, sugerindo sua total abolição decorrente de um processo constante
de diminuição de seu poder e de preparação dos homens para conviver na ausência
desse controle. Já Skinner (1948/2005) atenuou bruscamente a agência
governamental, também mediante um processo de diminuição gradual e, por fim,
eliminou o caráter aversivo e atribuiu a ele apenas decisões de cunho
administrativo. Embora outros autores (por exemplo, Martins, Carvalho Neto,
& Mayer, 2013) sugiram que exista controle aversivo no Walden II, é
fundamental considerar que a citação que fundamenta a conclusão dos autores
reside no fato do autor descrever pontualmente o emprego de controle aversivo
como medida de luta territorial em relação a outras sociedades. Não se trata,
portanto, do emprego de controle aversivo entre os membros da comunidade Walden
II. É possível dizer de forma bastante conclusiva que Skinner não descreve o
uso de controle aversivo entre os membros de Walden II. Sobre a economia, que
exerce papel fundamental em qualquer sistema que envolva consumo - seja para a
subsistência ou mesmo para o acúmulo irracional - Thoreau e Skinner propõem um
sistema que minimize as razões que tradicionalmente fortalecem as práticas de
acúmulo, mas a sobrevivência. O modelo de economia proposto por ambos os
autores é fundamental e garante os demais aspectos eleitos como fundamentais às
suas correspondentes utopias. Diante da análise realizada notou-se que sem uma
economia que não buscasse o acúmulo seria impossível o estabelecimento dos
demais aspectos propostos por ambos os autores, como a diminuição/ausência de
Estado e a instalação de um modelo trabalhista que não ocupe os cidadãos por
muito tempo e que seja realizado buscando apenas sua sobrevivência.
Para essas mudanças, a ação
política não deve ser usada como meio, pois, nesse caso, o indivíduo fica à
mercê de um Estado e consegue poucas mudanças efetivas em sua vida. Todas essas
críticas e propostas caminham em direção a um conceito de boa vida que, segundo
os autores, precisa ser planejado, deliberado de acordo não somente com suas
necessidades primárias, de sobrevivência individual, mas também da própria
cultura incluindo tais práticas.
De modo geral, em ambos os
autores há o reconhecimento de que o sistema que guia as práticas sociais no
mundo capitalista - a crítica pode ser estendida a outros sistemas econômicos
já desenvolvidos, mas aqui se concentra no capitalismo por ser o sistema sob o
qual os autores redigiram suas críticas - não é produtivo e beneficia práticas
injustas e não sustentáveis. Apesar de existir algumas características no
Walden Two que possam se coadunar a características do sistema capitalista,
como a possibilidade de comércio entre comunidades por exemplo, tais
semelhanças não permitem categorizar de forma absoluta o texto skinneriano como
a descrição de uma pequena comunidade capitalista, tal definição demandaria um
grau de relativização indesejável a uma análise que se pretenda consistente.
Há diversas publicações
científicas na análise do comportamento que usam Walden Two para discutir o
pensamento skinneriano sobre questões sociais, econômicas, políticas entre
outras. Mas percebe-se que pouco se fala de Thoreau sobre a construção da
utopia de Skinner. Talvez porque essas semelhanças sejam consideradas como
superficiais pelos comentadores ou ainda porque se considera que a análise da
relação entre as duas utopias seja pouco produtiva.
A presente investigação
permitiu considerar que a proposta skinneriana de Walden Two é congruente com
as ideias de Thoreau para muito além dos pontos apresentados por Skinner
(1948/1978 p. 1). Isso porque se viu que ambos apelam ao planejamento para a
boa vida, contestando o direcionamento automático ao sistema socialmente
estabelecido. Concluiu-se que o caráter experimental proposto por Skinner
(1948/2005) e o poder decisório decorrente da liberdade individual proposta por
Thoreau (1849/1963; 1854/1963; 1863/2012) possibilitam mudanças no modelo
econômico e político outrora estabelecido. A grande contribuição e proposta dos
autores consiste no planejamento delineado para a boa vida bem como para a
manutenção da cultura e da própria sobrevivência. O fato é que como afirmou o
próprio Skinner (1973, p. 3), "Thoreau's advice is still sound: the good
life is to be reached by deliberate planning"x.
Maria Amalia Andery1
Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo
Em 1976, ao escrever o
prefácio para uma nova edição de Walden II, Skinner discute as possíveis razões
do crescente interesse pelo livro a partir dos anos 60 e afirma:
"Mas havia, eu penso, uma
razão melhor para mais e mais pessoas começarem a ler o livro. O mundo estava
começando a enfrentar problemas de uma ordem de magnitude completamente nova -
a exaustão de recursos, a poluição do ambiente, a super-população e a
possibilidade de um holocausto nuclear, para mencionar apenas estes.
"(Skinner, 1976/1972, p. 58).(2)
Desde então não se pode dizer
que esta constatação tenha se tornado superada. A esta lista inicial só
poderíamos acrescentar uma infinidade de outros problemas: o empobrecimento das
nações ricas, os problemas sociais, raciais, de desemprego e estaginflação, os
nacionalismos emergentes, a miséria crescente do terceiro mundo com suas
terríveis conseqüências sociais, a aparente falta de alternativa política e
econômica tanto para os países ricos como os pobres, tanto para os países
capitalistas como os socialistas.
A partir de 1948, com a
publicação de Walden II, logo seguida da publicação de Science and Human
Behavior, o compromisso de Skinner com a cultura e a sociedade se tornam marcas
constantes de seu trabalho (talvez sua importância possa ser avaliada inclusive
pela constante crítica externa à análise experimental que sofreu). A proposta
de organização da cultura de Walden litem como um dos traços essenciais o que
se pode chamar um impulso para o futuro. O que significa dizer, uma cultura
caracterizada por uma maleabilidade que permita a uma sociedade identificar e
solucionar seus problemas, ser criativa e produtiva nesta busca de soluções e
mesmo ser capaz de antever seu futuro planejando-o com vistas a sua
sobrevivência, de acordo com padrões dados.
A importância deste traço
cultural - se é que se pode chamá-lo assim no esquema conceituai skinneriano
possivelmente deriva de várias fontes. Em primeiro lugar, do determinismo
ambiental. Se o comportamento dos indivíduos constrói a cultura e a mantém, e
se este é determinado pelas suas conseqüências imediatas, torna-se fundamental
que as práticas culturais e que os padrões comportamentais possam se adaptar a
um ambiente constantemente em mudança, inclusive e principalmente, através da
própria ação humana.
Em segundo lugar, e fortemente
associado ao determinismo, está a noção, cada vez mais relevante na obra de
Skinner, de que o modelo selecionista, a seleção pelas conseqüências, é fundamental
para a explicação não apenas da evolução filogenética, mas também das mudanças
individuais e culturais. Se são as conseqüências das práticas culturais que
determinam, se não o seu aparecimento que pode ser aleatório, mas a sua
manutenção num primeiro momento (aqui é importante ressaltar uma certa
tendência a uma esclerose de práticas sociais, que foram algum dia
importantes), é fundamental que este valor de sobrevivência para o grupo seja
garantido pelo menos para aquelas práticas mais relevantes ao grupo. Isto
significa que apenas aquelas culturas que puderem manter ou alterar suas
práticas de acordo com seu valor de sobrevivência a longo prazo serão capazes
de sobreviver. E terão mais possibilidade de fazê-lo aquelas que tiverem a
maleabilidade necessária para efetuar estas avaliações e estas mudanças.
Toma-se assim de grande
importância, para a análise experimental, de um lado, ocupar-se com a cultura,
sua manutenção e as mudanças necessárias à sua sobrevivência, de outro,
perguntar-se como garantir esta sobrevivência. Parafraseando Skinner:
"Somos livres para ter um futuro?" ou melhor, "Nós, que nos
chamamos de livres, teremos um futuro?", ou ainda, "Somos
suficientemente livres do presente para ter um futuro?" (Skinner,
1973/1978, pp. 30-32).
A resposta de Skinner a esta
questão aparentemente se mantém essencialmente a mesma desde a década de 40. A
possibilidade de se garantir a sobrevivência da espécie está intrinsecamente
relacionada à possibilidade de desenvolver uma cultura plena de contingências
de reforçamento que possam colocar o comportamento não apenas sob controle das
suas conseqüências imediatas, mas também de conseqüências de longo prazo. São
necessárias práticas sociais que levem em consideração o controle do ambiente -
físico e social - sobre o comportamento e que necessariamente precisam
considerar as suas próprias conseqüências, para os indivíduos, o grupo e o
ambiente.
Com isto, Skinner afirma não
apenas um modelo selecionista que aleatoriamente leva à sobrevivência de
alguns, mas afirma a possibilidade e a necessidade de se prever esta evolução e
nela interferir. É a isto que se resume, em certa medida, o que aqui se
convencionou chamar de um impulso para o futuro. Não se trata de enfatizar o
futuro segundo um modelo teleológico que prevê uma determinação inexorável e
que busca encontrar nesta determinação as razões e as alternativas de
intervenção. Não se trata também de reviver modelos não deterministas que
apoiam no acaso e na chamada livre escolha as possibilidades de intervenção,
enfatizando razões idealistas como alternativas de solução para os problemas
humanos.
Trata-se, pelo contrário, da
tentativa de resgatar um sujeito determinado - pelo ambiente - capaz de
conhecer os determinantes de sua ação e de assim manipulá-los. Skinner afirma:
"O fato é que evoluíram
práticas culturais nas quais as contingências de reforçamento imediato geram
comportamentos que têm conseqüências remotas e presumivelmente isto aconteceu
em parte porque as conseqüências fortaleceram a cultura, permitindo-lhe
resolver seus problemas e assim sobreviver. Que as conseqüências remotas, não
importa quão importantes para a cultura, não estão, entretanto, tendo qualquer
efeito presente épor demais evidente quando são feitos esforços para levar em
consideração um futuro que não é efeito de comportamento presentemente
reforçado. (...) Não podemos continuar a deixar o futuro para os efeitos
colaterais ocasionalmente benéficos de uma forte preocupação com o presente.
" (Skinner, 1973/1978, p. 224 e 228).
Este suposto - da necessidade
de uma cultura caracterizar-se pelo impulso para o futuro - e a constatação,
entrevista na citação acima, de sua inexistência em nossa cultura, levaram
Skinner seguidas vezes a recorrer ao tema e a propor alternativas de ação ou, pelo
menos, de análise (1948, 1952, 1969, 1971, 1974 etc...).
Na sua análise, tanto em 1948,
como mais tarde, destacam-se alguns temas: o uso de controle aversivo, a não
equanimidade de reforçamento positivo, as noções de liberdade e livre arbítrio,
o controle exercido por regras, a delegação de poder e a perda de relações
interpessoais, o reforçamento não contingente a certos comportamentos. É a
mistura destes elementos que colocaria em risco a cultura hoje (e aqui se
incluem, obviamente com pesos diferentes, países ricos e pobres, socialistas e
capitalistas, democráticos e autoritários). São mudanças nestes parâmetros que
criariam, para Skinner, uma nova cultura capaz de sobreviver e de garantir
padrões mínimos de vida e de felicidade para seus membros. Referindo-se a
Walden II, em 1973, Skinner escreveu:
"As especificações do
futuro foram listadas em Walden II. Frazier tentou construir um mundo no qual
Áas pessoas convivem sem brigas, se mantêm produzindo o alimento, abrigo, e
vestimenta de que precisam, divertem-se e contribuem para a diversão dos outros
na arte, música, literatura e jogos, consomem apenas uma parte razoável dos
recursos do mundo e adicionam tão pouco quanto possível à sua poluição, não têm
mais filhos do que aqueles que podem criar decentemente, continuam a explorar o
mundo ao seu redor e a descobrir modos melhores de lidar com ele e vem a se
conhecer com precisão, e, portanto, controlam-se efetivamente*. Ele fez isto
construindo um ambiente social rico em reforçadores imediatos selecionados de
modo tal a fortalecer os tipos de comportamento que tomam um futuro
possível" (Skinner, 1973/1978, pp. 29-30).
Para Skinner, a chave da
questão, como colocada em Walden 11, está na formação de uma cultura em que
seus membros mantêm fortes relações interpessoais garantindo assim um controle
maior por contingências de reforçamento do que por regras mediadas por
instituições sociais. São todos envolvidos na produção efetiva dos bens que
necessitam, com acesso contínuo, imediato e equitativo a estes bens e
reforçamento contingente a seu comportamento produtivo; impedindo assim não
apenas a exploração de uns pelos outros, mas também dificultando a passividade
típica dos indivíduos que obtêm muitos reforçadores independentes de seu
comportamento. Não estão sujeitos a praticamente nenhuma forma de controle
aversivo, impedindo a distribuição não igualitária de bens ou de poder entre
membros do grupo e diminuindo enormemente a chance de contra-controle,
comportamento agressivo, ansiedade e medo. Como conseqüência, os indivíduos
sentem-se livres e não desenvolvem ideologias e mitos que impeçam o
auto-conhecimento e o auto-controle o que, em contra-partida, dificulta o
conhecimento (e consequente possibilidade de previsão e controle) das relações
entre sua ação e o ambiente. Uma cultura desenvolvida sobre estas bases geraria
tecnologia que tende a libertar os indivíduos de trabalhos desagradáveis e
repetitivos, tende a garantir tempo que pode ser produtivamente utilizado em
outras atividades e gera um repertório de exploração do mundo e das capacidades
humanas que torna o grupo maleável a mudanças, suscetível a transformações e
capaz de enfrentar dificuldades.
Isto pode ser interpretado
numa certa medida como um programa de ação, passível de ser executado. Em um
artigo intitulado Human Behavior and Democracy, de 1977, Skinner afirma que:
"Alguns dos princípios
comiimente observados na aplicação de uma análise experimental à vida cotidiana
são importantes de ressaltar porque estão particularmente envolvidos no governo
das pessoas pelas pessoas. De uma forma ou outra eles têm uma longa história. A
própria substituição do controle aversivo pelo reforçamento positivo é,
naturalmente, o cerne da luta pela liberdade. (...)
Reforçamento positivo tem um
efeito fortalecedor não apenas sobre o comportamento do indivíduo, mas também
sobre a cultura, criando um mundo que as pessoas não tendem a abandonar e que
provavelmente defenderão, promoverão e aprimorarão. (...)
Um segundo princípio para
melhorar o controle das pessoas pelas pessoas é o de evitar os reforçadores
arbitrários. (...) Todos vivemos numa economia de fichas. O dinheiro foi
inventado como reforçador condicionado porque tem muitas vantagens: é
facilmente dado e recebido; o consumo dos reforçadores primários pelos quais é
trocado pode ser convenientemente posposto; os valores reforçadores podem ser
facilmente comparados etc... Mas o comportamento é mais rapidamente modelado e
mantido por suas conseqüências naturais. O comportamento do trabalhador na
linha de montagem que não tem outra conseqüência importante além do seu salário
semanal sofre em relação ao do artesão que é reforçado pelas coisas produzidas.
A separação de trabalhadores dos produtos naturais de seu trabalho era
naturalmente o que Marx chamou de 'alienação Há um efeito semelhante quando
sanções punitivas são delegadas a autoridades, porque reforçadores negativos,
como multas ou prisão, alienam os cidadãos da censura direta de seus
companheiros. (...)
Um terceiro princípio é
bastante semelhante. Comportamento que consiste de seguir regras é inferior a
comportamento modelado pelas contingências descritas na regra. (...)
Similarmente, aprendendo as
regras da cultura somos capazes de lidar com pessoas efetivamente, mas nosso
comportamento será mais sensível às contingências 'mantidas pelo povo quando
somos diretamente censurados e elogiados, e as regras da cultura, como as
instruções de operação de um equipamento, são esquecidas. (...)
Um quarto princípio não é tão
amplamente reconhecido. Controle de pessoas por pessoas é provável de ser
perturbado por reformadores 'não~contingentes\ Muitas coisas boas chegam a nós
grátis. (...) Reformadores não contingentes são característicos de ambos -
riqueza e bem-estar - e têm os mesmos efeitos problemáticos em ambos. Por
reduzir o nível de privação eles se apropriam de muitas possibilidades de
reforçamento e reforqadores de significancia biológica menor ganham espaço. Os
resultados são algumas vezes produtivos. (...) Mais frequentemente, entretanto,
eles são estupefacientes e danosos (...) Uma política de 'trabalho e
bem-estar'pode resolver o problema do reforçador não contingente para o
desempregado, mas não para o afluente. Reforçadores não contingentes impedem o
grupo de desenvolver mais completamente as capacidades de seus membros e
ameaçam a força da cultura e presumivelmente suas chances de sobrevivência.
Ainda um outro princípio diz
respeito à extensão na qual uma cultura prepara seus membros para responder às
suas contingências. Um ambiente social é extraordinariamente complexo e novos
membros de um grupo não vêm preparados com comportamento apropriado. (...) um
controle mais explícito é necessário agora. "(...) (Skinner, 1977/1978,
pp. 11, 12, 13).
Se estes pontos revelam, numa
certa medida, um programa para a transformação da cultura, revelam também ao
menos a possibilidade de uma análise de aspectos cruciais de alguns dos grandes
problemas atuais, que poderia nos auxiliar a compreender e a intervir na
realidade.
Assim, com relação à discussão
de modelos econômicos, por exemplo, um tema certamente central na proposta de
mudanças urgentemente necessárias na nossa e aparentemente em todas as
sociedades hoje, é possível uma tentativa inicial de análise:
1. A defesa liberal e mais
modernamente neo-liberal do livre mercado, como modelo econômico, fica
evidentemente abolida pela necessidade que emerge deste modelo de se construir
toda uma série de instituições que têm o papel de mediar certas contingências,
no mais das vezes aversivas, para garantir o aparente livre funcionamento do
mercado, com suas aparentes liberdades de escolha do consumidor, do
trabalhador, de preços. Também se revela o real papel destas instituições na
manutenção de privilégios, para alguns ou muitos. Como conseqüência, se impede
qualquer possibilidade de se reforçar contingentemente comportamento produtivo
em larga escala, de se abrir mão de controle aversivo, subsidiário ou não a
controle positivo do comportamento, também em larga escala, seja nas relações
econômicas, políticas ou sociais.
2. Do mesmo modo se abre um
enorme flanco de discussão para um possível estado de bem estar, uma vez que o
controle aversivo do comportamento acaba por permanecer em tal estrutura do
mesmo modo, ainda que em escala diferente. Os problemas relativos à não contingência
de reforçamento sobre o comportamento produtivo, e a impossibilidade de se
tornar realmente equitativo o acesso a reforçadores naturais e condicionados
também emergem neste modelo como problemas que são, do ponto de vista
skinneriano, insolúveis.
3. Também o modelo socialista
tradicional, dependente de enormes burocracias que têm o objetivo de determinar
comportamentos, produção etc, como tarefa do planejamento central, torna quase
impossível a emergência de uma cultura que não seja fortemente controlada por
condições aversivas, fortemente dependente de regras, e bastante insensível à
emergência de certas contingências criadas nas relações interpessoais.
Por seu turno a análise
revelaria com clareza e precisão alguns "dados" que a muitos parecem
obscuros. Por exemplo, esclarece-se como a apropriação de riqueza no mundo
capitalista, gerando riqueza de um lado e miséria de outro, é, sim, um
determinante importante de alguns dos graves problemas atuais em países como o
Brasil, só solucionáveis através de mudanças que deverão acontecer desde a base
da sociedade. Mudanças que não poderão ser apenas mudanças na distribuição
desta riqueza, entretanto, mas que necessariamente deverão envolver a
construção de uma nova concepção de mundo materialista em que os indivíduos
desempenhem um papel ativo e responsável - no sentido de que suas ações
produzem as conseqüências que garantem a sua sobrevivência e a de seu grupo.
Deverão envolver a garantia de que a todos será dado o acesso aos bens
materiais socialmente produzidos, contingentemente a seu comportamento. Deverão
envolver, ainda, a superação de um modelo de controle do comportamento baseado
na punição e na ameaça de punição - institucional e pessoal - trazendo não
apenas um novo modelo de relações sociais, mas um novo modelo de relações
políticas e econômicas e até mesmo uma nova ética.
Isto se pretendermos ter um
futuro, se não quisermos submergir à violência gerada pelo contra-controle
daqueles que nada têm, ou à violência daqueles que puderam acumular o poder
para controlar aversivamente.
Se é necessário construir (ou
reconstruir) uma cultura, como parece indiscutível, capaz não apenas de
resolver seus problemas presentes, mas também de ter "um impulso para o
futuro", qual o papel que nos cabe aqui? Por onde começar? Para Skinner,
de todos e de um só lugar: da transformação do ambiente social, este complexo
conjunto de contingências mantidas pelos indivíduos e instituições. Diz
Skinner:
"Frequentemente se diz
que a questão final é, quem controlará os controladores. Mas a questão não é
quem, mas o que. As pessoas agem para melhorar suas práticas culturais quando
seus ambientes sociais induzem-nas a fazê-lo. Culturas que têm este efeito e
que sustentam as ciências relevantes tem mais probabilidade de resolver seus
problemas e de sobreviver. É uma cultura em evolução, então, que é mais
provável de controlar o controlador." (Skinner, 1977/1978, p. 14).
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