O novo momento político - 1
Enviado por luisnassif, ter, 22/03/2011 - 12:27
Coluna Econômica
O atual momento político é particularmente instigante.
Está-se no início de um novo tempo. As eleições do ano passado se constituíram no capítulo final da consolidação de um novo paradigma político e econômico do que pode ser chamado de a era Lula. Agora se inaugura o ciclo final de consolidação de um novo modelo em que um dos pontos centrais é o da pacificação nacional.
Após a guerra eleitoral do ano passado, esse movimento deixou a esquerda assustada e a direita perplexa. Mas é o fecho correto para encerrar o movimento anterior e entrar no novo tempo.
As crises da inclusão
O amadurecimento de um país ocorre por processos sucessivos de inclusão social e política. Cada movimento provoca crises políticas de tamanho proporcional ao da inclusão pretendida.
A lógica é simples e foi dissecada por Afonso Arinos em artigo de 1963 - que divulguei recentemente. Os novos incluídos lutam por ocupar espaço e sofrem a resistência dos setores encastelados no poder. Segue-se uma luta surda ou declarada, na qual entram os piores ingredientes da política, porque mesclando interesses, preconceitos e temores.
Nos Estados Unidos do século 19, resultou na Guerra da Secessão.
No Brasil, é possível identificar pelo menos quatro movimentos de inclusão-conflito:
1. No fim do século 19, o fortalecimento da classe agrária paulista, em detrimento da monarquia, o surgimento de uma classe média de profissionais liberais nas grandes cidades, que leva à Proclamação da República e a um período de distúrbios políticos. Há uma vitória dos fazendeiros, em detrimentos dos coronéis regionais, dos novos industrialistas e da própria monarquia.
2. A partir dos anos 20, a geração de migrantes e filhos molda uma nova classe social nas grandes cidades. Some-se a reação regional contra a política do café-com-leite (São Paulo-Minas), o aparecimento de uma cultura urbana consolidada. Resulta em distúrbios políticos e militares durante toda a década, desembocando na Revolução de 1930. Getúlio, então, consolida o processo de inclusão das novas massas, mas dentro de um quadro ditatorial.
3. A partir dos anos 50, há o nascimento de uma nova classe média urbana, fruto da industrialização do pós-guerra. São 13 anos de conflitos intermitentes, resultando no golpe de 1964. Como o próprio Arinos aponta (ele mesmo um líder da UDN), explorou-se o preconceito, a guerra fria e outros estratagemas visando criar o clima propício a um golpe militar. Tudo bastante ajudado pela falta de pulso do governo João Goulart.
4. A partir do início da era Lula, começa a consolidação de um novo mercado de massas, graças a políticas compensatórias e ao próprio redesenho da manufatura mundial, que se voltou para consumidores de baixíssima renda.
Os três movimentos anteriores resultaram em grandes batalhas políticas com desestabilização dos governos constituídos. Foi esse o embate enfrentado por Lula em um momento em que o principal agente político pós-redemocratização - a velha mídia - ainda não fora exposta aos novos ventos da modernização.
O novo momento político - 2
Enviado por luisnassif, qua, 23/03/2011 - 09:45
Coluna Econômica
(Clique aqui para ler o primeiro artigo da série: O novo momento político - 1)
Na coluna de ontem mostrei os conflitos inerentes a todo período de inclusão social. Em uma primeira fase, o velho morreu, o novo ainda não nasceu, os diagnósticos são precários, resultando na perda de rumo.
Mas – ponto fundamental - essa impaciência pelo novo é captada inicialmente pela população, embora de modo ainda difuso. O eleitor pressente a direção a ser seguida, embora ninguém saiba ao certo o caminho e abre espaço para a etapa seguinte.
O caminho a ser seguido fica amarrado ou ao surgimento de estadistas – aqueles capazes de entender e promover a mudança -, os visionários –que enxergam, mas não sabem como chegar até lá – e os meramente medíocres – que empurram com a barriga, às vezes nem por demérito mas pela falta de um amadurecimento das ideias.
***
Nos anos 80, os governos Figueiredo e Sarney foram tipicamente desse terceiro estágio. A única bandeira a vigorar no período foram os planos de estabilização, tidos como mágicos a acima da política.
Já Fernando Collor enxergou nitidamente o novo. Havia uma vontade nacional contra a centralização do período anterior, contra o burocratismo, contra o peso do Estado que impedia o desabrochar de novas forças sociais e econômicas.
Foi eleito devido às bandeiras que desfraldou. Seu discurso foi tão poderoso que chegou a influenciar o programa do PT na época, que acabou esbarrando na resistência de alguns núcleos.
Collor se enrolou na própria inabilidade política e terminou devorado pela esfinge, assim como Carlos Andrés Perez, na Venezuela. Eram os típicos visionários. Teve o mérito de clarear o período posterior.
***
FHC pegou as ideias prontas e o terreno aplainado. Completou o trabalho de Collor com grande habilidade política e nenhuma visão sobre a nova etapa. Tivesse tido a visão sobre o momento seguinte, completar-se-iam os vinte anos no poder preconizados por Sérgio Motta.
A que se seguiu à reconquista dos direitos civis e dos consumidores seria a etapa da grande inclusão social, da ampliação das organizações sociais, da preparação para a nova sociedade de consumo de massa que se avizinhava e da recuperação do sonho do desenvolvimento.
***.
Lula foi eleito pelos novos ventos. Já em 2002, sua eleição representou o novo movimento, a vontade política crescente de combater a miséria e a fome, em contraposição ao frio mercadismo de FHC.
***
Há dois momentos na vida do governante: as eleições, onde se manifesta o sentimento difuso do eleitor; e o dia a dia, no qual os agentes dominantes são a mídia, a opinião pública midiática e os parlamentares.
No dia-a-dia eram dominantes os interesses consolidados em torno do neoliberalismo. Gastos sociais eram apresentados como desperdício, qualquer política compensatória como paternalismo estéril.
Eram esses os dois grandes desafios a serem perseguidos. O primeiro, como conduzir esse gigantesco processo de inclusão social; o segundo, como mudar o paradigma sem produzir uma desestabilização política cujo enredo era parte integrante da história política do continente
O novo momento político -3
Enviado por luisnassif, qui, 24/03/2011 - 09:52
Coluna Econômica
(Acesse os primeiros dois artigos da série: O novo momento político -1 e O novo momento político - 2)
Como explicado na coluna de ontem, Lula enfrentou dois desafios consideráveis: administrar a grande inclusão social do período e mudar os paradigmas vigentes nos anos 90, do mercadismo sem visão social e sem punch desenvolvimentista.
Os paradigmas do período anterior eram: todo gasto público é desperdício; todo gasto social é paternalista e cria vagabundos; todo o espaço às organizações sociais visa fomentar a subversão; qualquer investimento no Estado significa a volta do estatismo anterior
***.
Lula assumiu o governo com algumas idéias-chave.
O foco principal – expresso no seu primeiro programa, o fracassado Fome Zero – era o do combate à miséria. Em torno disso, montou sua estratégia política, fundada em alguns pontos.
Esvaziar os temores provocados por sua eleição. Fazer caber no governo o extenso arco de tendências do PT e aliados. Em vez da aliança com um grande partido (como FHC com o DEM), a montagem de uma frente de pequenos partidos que seriam turbinados para crescer.Reduzir todos os focos potenciais de instabilidade.
***
A lógica política de Getúlio Vargas e mesmo de Fernando Henrique Cardoso era a de dividir para reinarJá a estratégia de Lula consistiu em somar, agregar e de atrair todas as fontes potenciais de conflito.
Deu uma volta enorme a um custo elevado
Fez concessões ao mercado, entregando-lhe as chaves do Banco CentralProcurou reduzir as críticas dos exportadores criando ferramentas artificiais de lucro – como o "swap reverso" que permitia aos exportadores lucrar no mercado financeiro com a apreciação cambial ao mesmo tempo em que perdiam com suas operações comerciais. E fortaleceu de forma expressiva os grandes grupos nacionais.
***
Houve alguns erros inicias graves que quase comprometem seu projeto político. A distribuição de cargos se deu sem controle, sem critérios. A estratégia de se aliar a pequenos partidos, contrariando a lógica proposta por José Dirceu (copiada de FHC) de se aliar a um grande partido fisiológico, resultou no episódio conhecido como "mensalão" , que quase liquida com o governo.
***
Mesmo assim, a estratégia original foi seguida à risca e se encorpando na medida em que o governo aprendia agerenciar. .
Antes, montou-se o Conselho de Desenvolvimento Social para atrair parcela expressiva do empresariado e de organizações sociais. Depois, um conjunto cada vez mais amplo de políticas voltadas para a inclusão social: o Luz para Todos, o Pronaf (Programa de Financiamento para a Agricultura Familiar), o biodiesel, o Reuni (bolsas de estudos para universidades privadas), a recuperação do salário mínimo e o maior de todos, o Bolsa Família.
No final do governo, percebeu-se o resultado da enorme volta dada por Lula: um país em que cabiam as multinacionais, o mercado financeiro, os movimentos sociais, as políticas compensatórias. Para tanto, haveria a necessidade de reduzir o pesado grau de preconceito e radicalização que caracteriza todos os processos radicais de inclusão social.
O novo momento político - 4
Enviado por luisnassif, sex, 25/03/2011 - 09:34
Coluna Econômica
(Acesse os três primeiros artigos da série: O novo momento político -1, O novo momento político - 2 e O novo momento político -3)
Nas colunas anteriores, procurei mostrar o difícil desafio de conduzir o país em momentos de larga inclusão social e política e em momentos de mudança de paradigmaEm todos os períodos da história, essas mudanças significavam a hegemonia de setores específicos sobre outros – fazendeiros sobre a monarquia, industrialistas sobre fazendeiros, mercadistas sobre industrialistas etc.
***
Em meu livro "Os Cabeças de Planilha", de 2005, tentei descrever esse processo. O grande salto se daria quando aparecesse um estadista que fizesse todos os setores se verem como participantes de um mesmo todo. É só aí que se consolida o sentimento de nação, reduzem-se as disputas internas e monta-se um projeto de país.
Não imaginava que poucos anos depois essa realidade se instalaria no país à maneira como o país superou a crise, a extraordinária visibilidade internacional de Lula, eventos esportivos como a conquista das Olimpíadas e da Copa do Mundo de futebol.
***
Na cerimônia de premiação da revista Carta Capital, Lula fez talvez seu discurso mais importante, o chamado discurso-síntese. Dirigiu-se a Ivan Zurita, presidente da Nestlé. Disse-lhe que os lucros haviam aumentado. E sabe por que? Porque na outra ponta o Bolsa Família havia dado recursos para as famílias se alimentarem. E era esse aumento de consumo que turbinava os lucros da Nestlé.
Naquele exemplo simples, quase óbvio, estava a chave do novo modelo, o novo paradigma substituindo os processos anteriores de inclusão parcial, com conflitos potencializados.
***
O novo paradigma inclui valores herdados do período anterior – como a responsabilidade fiscal, que se consolida no segundo governo FHC e a estabilidade monetária, do Plano Real. E traz novos valores, do combate à miséria, da remontagem e do ativismo do Estado, da recuperação da capacidade de investimento, da criação de multinacionais brasileiras etc.
O desenvolvimentismo não se completou por conta da estratégia lenta e gradual de mudar a política monetária do BC. Esse será o grande desafio do governo Dilma. Especialmente após as fantasias geradas pelo crescimento atípico do PIB no ano passado.
Mas, com a adesão de praticamente todos os setores aos novos paradigmas, o único discurso capaz de desestabilizar o modelo e produzir crises políticas era o do preconceito. Isso explica a campanha pesadíssima de José Serra, utilizando fartamente a imprensae a Internet para ataques desqualificadores – "Dilma assassina", "matadora de crianças" etc.
Terminadas as eleições, os próprios governadores do PSDB – Geraldo Alckmin, em São Paulo, Antonio Anastasia, em Minas – moldavam o discurso para os novos tempos, reduzindo atritos com sindicatos, promovendo mudanças nas políticas sociais, habitacionais, praticamente endossando os novos paradigmas.
Por isso mesmo, a maneira de completar o modelo é buscar a pacificação nacional, promover o pacto e trazer a disputa política para o campo dos países civilizados. Haverá novas disputas políticas, novos partidos, mas sem tergiversar com os princípios básicos do combate à miséria e a busca do bem estar e do desenvolvimento.
O novo tempo político - 5
Enviado por luisnassif, dom, 27/03/2011 - 09:14
Coluna Econômica
Nas colunas anteriores, procurei identificar as mudanças ocorridas no país nos últimos anos, e as características do novo ciclo econômico e social que emergiu na era Lula.
Ainda é um desenho incompleto porque não se conseguiu completar a travessia para deslanchar o desenvolvimento. Fala-se em desenvolvimento, defende-se o desenvolvimento, investe-se em algumas áreas necessárias ao desenvolvimento. Mas ainda se está longe de um padrão de desenvolvimento.
No ano passado, o crescimento de 7,5% do PIB foi circunstancial, apenas uma compensação para a perda de crescimento de 2009, provocado pela crise global.
***
Houve avanços em várias áreas. Os Ministérios voltaram a ganhar condições para planejamento, lançaram-se programas para atender a infraestrutura, investiu-se de forma inédita em políticas de financiamento à inovação, em financiamento ao setor produtivo, na educação, saúde etc..
Especialmente após a crise de 2008, criou-se um estado de espírito nacional em favor do desenvolvimento. Mas, sem resolver a questão macroeconômica, há grandes possibilidades de se repetir os chamados voos de galinha dos últimos anos.
Diria que o ciclo Lula se completará quando resolvido o nó da burocracia pública e da política monetária.
***
A estratégia adotada começou a ser desenhada no segundo semestre do ano passado, quando já terminava a era Henrique Meirelles no Banco Central. São passos lentos, graduais para não despertar temores no mercado.
O que permitiu romper a inércia foi a própria crise de 2008, que abriu espaço para políticas proativas do Ministério da Fazenda, derrubando os dogmas do neoliberalismo dos anos 90. Houve forte atuação dos bancos públicos, isenção de impostos, choque de crédito na economia.
***
A partir daí, estava aberta a picada.
Primeiro, foi a constituição do fundo soberano para aplicar parte das reservas cambiais acumuladas.
No ano passado foram tomadas as primeiras medidas macro prudenciais para conter a demanda – em vez de alta da Selic, aumento do compulsório, redução de prazos de financiamento etc. Ao mesmo tempo, abriu-se o caminho para intervenções mais drásticas no câmbio
***
Houve mudança estratégica de por parte dos técnicos do Ministério da Fazenda. No encontro da Escola de Economia da FGV-SP, no ano passado, o então Secretário de Política Econômica Nelson Barbosa chamou a atenção por defender quase um conceito de câmbio neutro – em lugar da moeda desvalorizada que era bandeira da Fazenda.
Enquanto a Fazenda mudava o tom do discurso intervencionista, no BC, o presidente Alexandre Tombini ganhava espaço para mudar o tom monocórdico do discurso neoliberal anti inflação. Continuou a enfatizar a importância da Selic na contenção das expectativas inflacionárias, mas cada vez mais carregando o peso dos ajustes nas medidas macro prudenciais.
***
As determinações de Dilma Rousseff, para coibir manifestações de Ministros ou Secretários, têm atrapalhado a melhor compreensão dessa estratégia.
Não se sabe por quanto tempo ainda haverá esse gradualismo, ou qual o nível de risco que se pretende correr para sair da armadilha cambial. Esta a incógnita maior, para saber se o país ingressará definitivamente na era do desenvolvimento. Ou não.
quarta-feira, 23 de março de 2011
O novo momento político - blog do nassif
Marcadores:
blog do nassif,
governo lula,
história,
politica e poder
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário