sexta-feira, 3 de julho de 2009

OS DONOS DO PODER - DOS MISERÁVEIS E DOS RICOS

É antológico esse artigo de Jorge Hage publicado hoje na Folha de São Paulo e merece muita reflexão.
E comprova a tese do jurista Raymundo Faoro de que existe um patrimonialismo histórico no Brasil ainda não resolvido. Uma camada da população - porque tem dinheiro e poder - usufrui de todos os privilégios, enquanto a maioria não tem condições sequer de entrar na justiça para defender seus interesses e necessidades.

As castas expropriaram,expropriam e apropriam-se das instituições, preservam esses privilégios.
São os donos do poder -
diria que são os donos do próprio tempo,
do passado, do presente
e, se nada mudar,
do futuro,
porque o futuro simplesmente é o que somos e temos do presente e do passado.

É a história.

Analise e reflita sobre isso nesse artigo.

Sobre Madoff, inveja e soluções
JORGE HAGE


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Aqui só se permite levar o réu à prisão após o trânsito em julgado do último recurso, geralmente no STF. Sabe o que isso quer dizer?
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A RÁPIDA e pesada condenação do financista vigarista Bernard Madoff a 150 anos de prisão e seu imediato recolhimento à cadeia (onde, aliás, já estava, mesmo antes da sentença) mereceu de Clóvis Rossi primorosa coluna nesta Folha, sob o sugestivo título "Madoff e a inveja". A mesma Folha de 30/6 trazia excelentes reportagens de Fernando Canzian e Frederico Vasconcelos sobre o fato, todas elas destacando as abissais diferenças entre as condições para a punição de crimes financeiros e outros "de gente rica" nos Estados Unidos e no Brasil. De fato, é de dar inveja. Mas cabe ir além para indagar: por que "nós não podemos" (para usar frase da moda)?
Sim, nós podemos. Basta querermos mudar nossa legislação penal e processual e, com ela, mudar a interpretação que vem sendo dada a certos princípios constitucionais, sobretudo os famosos princípios da "ampla defesa" e da "presunção de inocência". Tenho dito e repito aqui: qualquer país civilizado tem nesses princípios cláusulas fundamentais de garantia do cidadão. Nenhum, porém, extrai deles o que se faz no Brasil.
Aqui só se permite levar o réu à prisão após o trânsito em julgado do último recurso, geralmente no Supremo Tribunal Federal. Sabe o leitor leigo o que isso quer dizer? Em suma, quer dizer que se tem de esperar a interposição e o julgamento, pelo menos, dos seguintes recursos: um ou vários recursos em sentido estrito e um ou vários embargos declaratórios no primeiro grau; uma apelação após a sentença; um ou vários embargos declaratórios e um embargo infringente no tribunal de segundo grau; se houver alguma decisão do relator, mais alguns declaratórios e um agravo regimental; depois, vêm o recurso especial (para o Superior Tribunal de Justiça) e o extraordinário (para o STF); se inadmitidos estes pelo Tribunal de Justiça (ou Tribunal Regional Federal), vem o agravo de instrumento para forçar a admissão, o qual será examinado pelo relator, de cuja decisão podem caber novos agravos regimentais e embargos declaratórios (que, aliás, cabem de cada uma das decisões antes mencionadas, e repetidas vezes da mesma, bastando que se diga que restou alguma dúvida ou omissão).
Cansados? Pois nem falamos ainda nas dezenas de outros incidentes processuais que os bons advogados sabem suscitar, dentro ou fora das previsões legais expressas, além dos habeas corpus e mandados de segurança, em quaisquer das instâncias. E quem melhor que os réus dessa casta pode pagar os melhores escritórios de advocacia?
Então, se pela "presunção de inocência" se quer entender que o réu só pode ser preso após o último recurso e se até as pedras sabem que isso vai demorar pelo menos uns 15 ou 20 anos, nada mais resta a fazer senão lamentar.
Pouco adianta fiscalizar (tarefa da Controladoria Geral da União, dentre outros órgãos), investigar (tarefa da Polícia Federal e do Ministério Público), ajuizar ações (tarefa do Ministério Público) ou mesmo dar celeridade ao processo no primeiro grau e sentenciar, pois isso, no Brasil, não vale quase nada.
Fui juiz de primeiro grau e sei o tamanho da angústia. O criminoso, no Brasil, mesmo se condenado no primeiro grau e ainda que a sentença seja confirmada pelo TJ ou pelo TRF, continua gozando da "presunção de inocência". Atente-se bem: no confronto entre dois pronunciamentos convergentes e unânimes de duas instâncias judiciais, de um lado, e as alegações do réu, de outro, prevalece, como "presunção de veracidade", a versão do réu.
Voltemos aos EUA e ao caso Madoff: ele foi condenado, diz a Folha, "por uma corte de Nova York" (não foi a Suprema Corte nem nada parecido) e, "logo após a sentença, encaminhado a uma unidade prisional em Manhattan". A investigação começou em 2008 -isto é, há cerca de apenas um ano...
Será que podemos acusar os EUA de não serem um "Estado de Direito"? Será que Madoff não teve direito ao "contraditório" e à "ampla defesa"? Será que lá não vigora a "presunção de inocência"? Será que eles são um "Estado policialesco"? E mais: a pena aplicada lá certamente será cumprida, pois não há a escandalosa liberdade condicional com um sexto da pena cumprida.
Sem deixar de reconhecer o valor dos princípios da ampla defesa e da presunção de inocência, formulados quando nosso país saía de uma ditadura e o perigoso inimigo era o Estado autoritário, creio já chegada a hora de ajustarmos o passo do nosso processo judicial àquilo que é o ponto de equilíbrio assente nos demais países civilizados para enfrentar inimigos outros, como o crime organizado, o crime financeiro e a corrupção.

JORGE HAGE, 71, mestre em direito público pela UnB (Universidade de Brasília) e em administração pública pela Universidade da Califórnia (EUA), é ministro-chefe da Controladoria Geral da União."



Clóvis Rossi, machadianamente (veja em negrito), no dia 30 de junho referiu-se ao tema que explica de certa forma as mazelas brasileiras.

Machado ironizava, porém, a elite brasileira, que sabia tudo do iluminismo e dos direitos adquiridos com a revolução francesa, mas vergastava e torturava os escravos para defender, obviamente, o seu "capital".


Leia o belo texto:

CLÓVIS ROSSI

Madoff e a inveja

BASILEIA - A condenação do megavigarista Bernard Madoff a 150 anos de prisão é o tipo de acontecimento que dá uma baita inveja do funcionamento do sistema legal norte-americano. Madoff é claramente o "branco de olhos azuis" que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva culpou pela crise.
Com uma agravante: ele deu um golpe, ao passo que os outros "brancos-de-olhos-azuis" se mexeram nos estritos limites da legalidade de um capitalismo desregulado e, por isso mesmo, selvagem. Madoff não é nem pobre nem negro -e, não obstante, vai para a cadeia perpétua.

Perpétua porque -e aqui há outro elemento a invejar- a legislação norte-americana determina que liberdade condicional só mesmo após cumprir 80% da pena. Significa que Madoff só ficará livre se sobreviver 120 anos.

Terceiro elemento para inveja: até aqui, as autoridades recuperaram US$ 1,2 bilhão do total de US$ 13,2 bilhões de seus golpes. No Brasil, desnecessário lembrar, nunca ninguém recupera nada de golpes dados contra o erário -e Madoff fez os seus trambiques contra particulares, não contra os cofres da nação.

Note bem, caro leitor, que eu não tenho na boca o gosto de sangue.

Nem acho que criminosos dessa estirpe devam ser necessariamente condenados à prisão. Prisão é para quem representa risco de vida para os demais. Pode-se alegar que, com seus golpes, Madoff pôs em risco a vida de quem a ele confiou seu dinheiro. OK, mas a punição mais adequada é obrigá-lo a devolver tudo o que roubou. Enquanto não o faz, aí, sim, que fique na cadeia.

Note também, leitor, a rapidez com que o caso se resolveu.

No Brasil, qualquer rolo envolvendo gente de olhos azuis e colarinho branco leva séculos para ir a julgamento -quando vai. E nenhum Madoff tapuia jamais foi preso.


NOVO PROCURADOR

Já a análise de Frederico Vasaconcelos é sobre a escolha do presidente Lula do novo
Procurador da República Roberto Gurgel.

Lula evita conflitos com escolha
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao escolher o subprocurador-geral da República Roberto Gurgel para suceder Antonio Fernando Souza, o presidente Lula não quebra a "tradição" de respeitar a indicação dos membros do Ministério Público Federal e não abre espaço para interpretações indevidas -mantém a imagem de independência, pois escolhe o preferido de quem ofereceu a denúncia do mensalão, que atingiu membros de seu governo. Finalmente, não cria áreas de atrito com o Supremo Tribunal Federal, onde atua o PGR.
Gurgel, como se sabe, representa a continuidade do estilo de Antonio Fernando. Tem liderança e forte apoio interno. Não se imagina que venha a ter desempenho diferente.
A votação obtida por Wagner Gonçalves, muito próxima da obtida por Gurgel, traduziria o desejo de muitos procuradores de rompimento com esse estilo "bem-comportado".
Questionado, por exemplo, se o STF extrapola ao adicionar regulamentações em suas decisões, Gurgel disse que "o ideal é que os Poderes da República funcionem na harmonia prescrita na Constituição, sem exorbitar suas atribuições".
Gonçalves já divergiu abertamente de Gilmar Mendes em alguns episódios, inclusive quando o presidente do STF decidiu pela liberação do banqueiro Daniel Dantas.
Diante da atuação dinâmica de Gilmar Mendes -trazendo o Conselho Nacional de Justiça para o centro do noticiário- o MPF ficou "apagado". Em parte, atribui-se esse clima à atuação discreta de Antonio Fernando. Para muitos, a opção Wagner Gonçalves poderia representar a recuperação de um espaço perdido pelo MPF."

DANIEL DANTAS, SOLTO.
MADOFF É CONDENADO A 150 ANOS DE PRISÃO.



"Madoff é condenado a 150 anos por fraude
Ex-presidente da Nasdaq criou o maior esquema de pirâmide da história e provocou perdas estimadas em US$ 65 bilhões

Decisão foi aplaudida no tribunal; mulher e filhos são inocentados de participação, e fundo para reaver perdas atingiu US$ 1,2 bi até agora

FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK

Sob aplausos da audiência, o financista e ex-presidente da Bolsa eletrônica Nasdaq Bernard L. Madoff foi sentenciado ontem em uma corte de Nova York a 150 anos de prisão por fraudes financeiras estimadas em US$ 65 bilhões. O valor é considerado o maior da história para esse tipo de crime.
Madoff sustentou durante duas décadas um esquema do tipo "pirâmide" que prometia rendimentos bem acima do mercado a investidores. Entre eles, gente do cinema como Steven Spielberg e John Malkovich, atletas famosos e fundações centenárias nos EUA.
Em março, ao se declarar culpado de 11 acusações, Madoff admitiu que tomava dinheiro de novos investidores para pagar os mais antigos que pediam saques. A investigação revelou que Madoff não havia feito uma única operação no mercado financeiro nos últimos 13 anos.
O dinheiro apenas entrava e saía de sua firma, a Bernard L. Madoff Investment Securities, para pagar investidores e bancar extravagâncias pessoais, como barcos e propriedades ao redor do mundo.
A pena de 150 anos é seis vezes superior à aplicada para punir as fraudes dos ex-executivos (ainda presos) da Enron e WorldCom no início da década. Aos 71 anos de idade, Madoff deve morrer na cadeia.
Logo após a sentença, Madoff foi encaminhado a uma unidade prisional em Manhattan. Dentro de alguns dias será transferido definitivamente para uma prisão federal.
Os advogados do investidor haviam pedido uma pena máxima de 12 anos. Alegavam que a expectativa de vida de seu cliente é de mais 13,5 anos, segundo as estatísticas do Social Security nos EUA, o equivalente à Previdência Social.
"A mensagem que deve ser passada com esta sentença é de que o crime cometido pelo senhor Madoff foi diabólico. A quebra de confiança foi maciça. A fraude, chocante. E eu simplesmente não acredito que ele tenha feito tudo o que podia ou contado tudo o que sabia [para ajudar nas investigações]", afirmou o juiz Denny Chin ao proferir sua sentença diante de 250 pessoas.
Segundo Chin, o golpe de Madoff não tem paralelos em termos de valores e de número de pessoas envolvidas.
Apesar de intensas investigações desde dezembro de 2008, quando o esquema veio à tona na esteira da derrocada dos mercados financeiros globais, apenas Madoff foi condenado.
O financista inocentou seus dois filhos e outros funcionários que trabalhavam com ele e disse que sua mulher jamais soube da origem do dinheiro que financiava seus gastos.
Na semana passada, Ruth Madoff, 68, abriu mão de vários bens e valores do casal no total de US$ 80 milhões e concordou em receber uma única "compensação" de US$ 2,5 milhões.
A investigação ainda não conseguiu chegar a um valor total de quanto Madoff teria roubado de suas vítimas. A estimativa atual é de que cerca de US$ 170 bilhões tenham passado por suas mãos nas duas últimas décadas. Algumas semanas antes de sua prisão, a contabilidade de Madoff mostrava que US$ 65 bilhões de atuais investidores estavam "aplicados". Na prática, só uma pequena fração do dinheiro existia.
Um fundo criado para tentar recuperar parte dos desvios conseguiu recolher até agora cerca de US$ 1,2 bilhão, isso já incluindo valores de algumas das propriedades de Madoff.
Emocionados, nove de seus clientes prestaram depoimento na audiência ontem. Alguns disseram ter pedido a poupança de uma vida no esquema. Os advogados de Madoff por sua vez afirmaram que o caso em torno de seu cliente virou "sede de vingança de uma turba".
"Hoje vivo atormentado, consciente da grande dor que eu mesmo provoquei. Deixo para trás uma herança de vergonha, tanto para minha família quanto para meus netos. Terei de viver com isso até o fim", disse Madoff antes de ouvir a sentença final de seu caso.


...E A EDUCAÇÃO E A SAÚDE QUE SÓ FAZEM O BEM?

Na mesma página, constata-se:

"parte substancial dos médicos que trabalham para o SUS ganha em torno de R$ 1.500. Sem entrar no mérito da quantia, o piso é mecanismo que permite estabelecer um patamar de dignidade para que o médico possa cumprir o que a sociedade exige dele: obter boa formação acadêmica em regime integral durante seis anos; fazer residência para se tornar especialista; atualizar-se constantemente; formular diagnósticos elaborados e administrar tratamentos complexos,

sem lesar os pacientes com suas decisões ou ações.

E os professores, que a cada avaliação tem quase a mesma função de um juiz?
E, no caso, em cada sala, quase 50 alunos, a cada hora, cinco vezes por semana, levando provas pra corrigir em casa !?



Resolva não ser pobre: o que você tem, gaste menos.

A pobreza é um grande inimigo para a felicidade humana; certamente destrói a
liberdade, e faz algumas virtudes impraticáveis e outras extremamente difíceis.
Samuel Johnson

Resolve not to be poor: whatever you have, spend less.
Poverty is a great enemy to human happiness; it certainly destroys liberty,
and it makes some virtues impracticable, and others extremely difficult.

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