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sábado, 2 de julho de 2011
quarta-feira, 15 de junho de 2011
sábado, 7 de maio de 2011
história - MÍDIA & ELEIÇÕE$ - Aparência em lugar da essência -Muniz Sodré - observatório da imprensa
Pela imprensa ficamos sabendo que 60% do eleitorado brasileiro têm apenas o primeiro grau escolar incompleto. A baixa escolaridade desses a quem cabe a escolha dos legisladores e governantes sempre foi motivo de preocupações, mas se torna um fato decididamente alarmante em face das novas configurações políticas e eleitorais, em que a presença da mídia eletrônica concorre fortemente para a ambientação de um novo tipo de sociabilidade.
É que a mídia televisiva tende a atuar com mais força de influência onde são altas as taxas de analfabetismo ou, então, onde ocorrem uma redução das formas organizadas de mediação do conflito social (sindicatos, partidos políticos e outras instituições da sociedade civil) e um aumento da atomização do comportamento eleitoral, isto é, de eleitores flutuantes – partidariamente confusos ou institucionalmente indiferentes.
E isso se dá onde é mais marcante a convergência dos velhos eixos ideológicos (esquerda-direita) para um centro político-gerencial (um bom exemplo disso é o que no final do milênio os europeus chamavam de "terceira via"), mais preocupado com telecomunicações, transportes, ecologia etc. do que com as grandes teses desenvolvimentistas ou reformistas do pensamento político tradicional.
Pura imagem
Pode-se ponderar que, mesmo nessa temática centrista-gerencial, exista uma ideologização. O que certamente não existe é uma polarizacão antagônica de posições, já que tendem todas a convergir para um ponto comum, afinado com as novas exigências da tecnologia, do mercado e do status-quo social. As coalizões e as táticas pragmáticas abrem caminho para novas formas de política, que acabam por tornar contínua a erosão de identidade dos grandes partidos doutrinariamente centralizados.
Esse fenômeno generaliza-se nas sociedades contemporâneas, embora em graus de intensidade diferentes, como parte de um processo desconstrutivo que vem abalando os modos clássicos de identificação e organização das demandas sociais. Ao lado de outras mediações, os partidos vão sendo progressivamente esvaziados de seu papel histórico de canalização dos interesses coletivos e de institucionalização representativa (não apenas estatal) do acesso ao poder.
A expressão "novas formas de política" comporta a idéia de um reformulação generalizada das mediações tradicionais, também com conseqüências que apontam para uma mutação identitária em outras instâncias da sociedade. A chamada "despolitização" midiática ou tecnológica resulta, por sua vez, do enfraquecimento ético-político das antigas mediações e do fortalecimento da midiatização.
Sob a égide da produção informacional da realidade, a tecnointeração – mídia, teletecnologias – toma o lugar da mediação, desviando os atores políticos da prática representativa concreta (norteada por conteúdos valorativos ou doutrinários) para a performance imagística.
Eleitoralmente, os candidatos são como que absorvidos ou "solicitados" por uma conjuntura político-social onde predomina uma esfera de valores midiática, suscetível de acionar a força plebiscitária das massas contra o formalismo burocrático, ou eventualmente doutrinário, dos partidos. A "absorção" implica, na prática, a conversão da identidade político-partidária do indivíduo em pura imagem pública, isto é, em aparência – constituída por um ou mais traços publicitariamente convenientes – experimentada como entidade original ou "virtualizada".
"Pós-moderno"
Como já enfatizamos, porém, a esfera midiática é hibridizante, não atua sozinha. Não basta, por exemplo, a visibilidade pura e simples de um indivíduo na mídia – a excessiva exposição de sua imagem na TV ou nos jornais. É preciso apelar para todo um arsenal de identificações entre a imagem e a audiência a fim de se obter efeitos não mais apenas projetivos, como no caso do entretenimento clássico, e sim de reconhecimento narcísico de si mesmo no "espelho" tecnocultural.
Por isso constam do imaginário midiático motivações características de modos de funcionamento tradicionais, como preocupações com segurança existencial, religião e família. Estes são elementos e valores ressignificados pelos dispositivos tecnoculturais em função da imagem pública que se deseja construir.
Tudo tende a confluir para a imagem publicitária como valor coletivo, o que pode tornar a interpretação cênica da realidade mais importante do que qualquer modo tradicional de representação. Publicamente, importa mais a capacidade pessoal de gerar espetáculo (telegenia, histrionismo, agressividade bem dosada etc.) – portanto, a performatividade midiática –, do que conteúdos programáticos.
É um modelo tipicamente norte-americano, que amadureceu ao longo de todo o século 20 e culmina no fenômeno dos atores-presidentes, isto é, chefes de governo que, mesmo não sendo necessariamente profissionais do ramo, seguem os padrões de uma certa cosmética cênica. Diante da progressiva despolitização substantiva da democracia norte-americana, o modelo só tem feito intensificar-se. Na campanha eleitoral para Senado e presidência dos Estados Unidos, em 2000, bastava consultar esporadicamente a imprensa para dar-se conta do jogo intersimulativo entre a realidade político-eleitoral e o imaginário holywoodiano: astros cinematográficos assumiam discursos políticos enquanto políticos profissionais faziam as vezes de atores.
Não chegamos a tanto no Brasil, apesar da evidente americanização das campanhas políticas no Centro-Sul. Mas dinheiro e publicidade, muito mais do que qualquer plataforma reformista ou desenvolvimentista, são cada vez mais os elementos-chave do êxito eleitoral. No vazio da formação letrada capaz de levar a decisões de voto comprometidas com a mudança social, no flagelo do analfabetismo, aumenta o poder da cosmética midiática. De Collor para cá, esta é a regra vigente na chamada "vida pública" brasileira.
O resultado é o que se vê: políticos novos e inexpressivos do ponto de vista da representatividade popular (já que mídia e mercado não implicam representatividade) e o velho caciquismo regionalista. Nada mais "pós-moderno", alguém diria.
(*) Jornalista, escritor e professor-titular da UFRJ.
É que a mídia televisiva tende a atuar com mais força de influência onde são altas as taxas de analfabetismo ou, então, onde ocorrem uma redução das formas organizadas de mediação do conflito social (sindicatos, partidos políticos e outras instituições da sociedade civil) e um aumento da atomização do comportamento eleitoral, isto é, de eleitores flutuantes – partidariamente confusos ou institucionalmente indiferentes.
E isso se dá onde é mais marcante a convergência dos velhos eixos ideológicos (esquerda-direita) para um centro político-gerencial (um bom exemplo disso é o que no final do milênio os europeus chamavam de "terceira via"), mais preocupado com telecomunicações, transportes, ecologia etc. do que com as grandes teses desenvolvimentistas ou reformistas do pensamento político tradicional.
Pura imagem
Pode-se ponderar que, mesmo nessa temática centrista-gerencial, exista uma ideologização. O que certamente não existe é uma polarizacão antagônica de posições, já que tendem todas a convergir para um ponto comum, afinado com as novas exigências da tecnologia, do mercado e do status-quo social. As coalizões e as táticas pragmáticas abrem caminho para novas formas de política, que acabam por tornar contínua a erosão de identidade dos grandes partidos doutrinariamente centralizados.
Esse fenômeno generaliza-se nas sociedades contemporâneas, embora em graus de intensidade diferentes, como parte de um processo desconstrutivo que vem abalando os modos clássicos de identificação e organização das demandas sociais. Ao lado de outras mediações, os partidos vão sendo progressivamente esvaziados de seu papel histórico de canalização dos interesses coletivos e de institucionalização representativa (não apenas estatal) do acesso ao poder.
A expressão "novas formas de política" comporta a idéia de um reformulação generalizada das mediações tradicionais, também com conseqüências que apontam para uma mutação identitária em outras instâncias da sociedade. A chamada "despolitização" midiática ou tecnológica resulta, por sua vez, do enfraquecimento ético-político das antigas mediações e do fortalecimento da midiatização.
Sob a égide da produção informacional da realidade, a tecnointeração – mídia, teletecnologias – toma o lugar da mediação, desviando os atores políticos da prática representativa concreta (norteada por conteúdos valorativos ou doutrinários) para a performance imagística.
Eleitoralmente, os candidatos são como que absorvidos ou "solicitados" por uma conjuntura político-social onde predomina uma esfera de valores midiática, suscetível de acionar a força plebiscitária das massas contra o formalismo burocrático, ou eventualmente doutrinário, dos partidos. A "absorção" implica, na prática, a conversão da identidade político-partidária do indivíduo em pura imagem pública, isto é, em aparência – constituída por um ou mais traços publicitariamente convenientes – experimentada como entidade original ou "virtualizada".
"Pós-moderno"
Como já enfatizamos, porém, a esfera midiática é hibridizante, não atua sozinha. Não basta, por exemplo, a visibilidade pura e simples de um indivíduo na mídia – a excessiva exposição de sua imagem na TV ou nos jornais. É preciso apelar para todo um arsenal de identificações entre a imagem e a audiência a fim de se obter efeitos não mais apenas projetivos, como no caso do entretenimento clássico, e sim de reconhecimento narcísico de si mesmo no "espelho" tecnocultural.
Por isso constam do imaginário midiático motivações características de modos de funcionamento tradicionais, como preocupações com segurança existencial, religião e família. Estes são elementos e valores ressignificados pelos dispositivos tecnoculturais em função da imagem pública que se deseja construir.
Tudo tende a confluir para a imagem publicitária como valor coletivo, o que pode tornar a interpretação cênica da realidade mais importante do que qualquer modo tradicional de representação. Publicamente, importa mais a capacidade pessoal de gerar espetáculo (telegenia, histrionismo, agressividade bem dosada etc.) – portanto, a performatividade midiática –, do que conteúdos programáticos.
É um modelo tipicamente norte-americano, que amadureceu ao longo de todo o século 20 e culmina no fenômeno dos atores-presidentes, isto é, chefes de governo que, mesmo não sendo necessariamente profissionais do ramo, seguem os padrões de uma certa cosmética cênica. Diante da progressiva despolitização substantiva da democracia norte-americana, o modelo só tem feito intensificar-se. Na campanha eleitoral para Senado e presidência dos Estados Unidos, em 2000, bastava consultar esporadicamente a imprensa para dar-se conta do jogo intersimulativo entre a realidade político-eleitoral e o imaginário holywoodiano: astros cinematográficos assumiam discursos políticos enquanto políticos profissionais faziam as vezes de atores.
Não chegamos a tanto no Brasil, apesar da evidente americanização das campanhas políticas no Centro-Sul. Mas dinheiro e publicidade, muito mais do que qualquer plataforma reformista ou desenvolvimentista, são cada vez mais os elementos-chave do êxito eleitoral. No vazio da formação letrada capaz de levar a decisões de voto comprometidas com a mudança social, no flagelo do analfabetismo, aumenta o poder da cosmética midiática. De Collor para cá, esta é a regra vigente na chamada "vida pública" brasileira.
O resultado é o que se vê: políticos novos e inexpressivos do ponto de vista da representatividade popular (já que mídia e mercado não implicam representatividade) e o velho caciquismo regionalista. Nada mais "pós-moderno", alguém diria.
(*) Jornalista, escritor e professor-titular da UFRJ.
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sexta-feira, 6 de maio de 2011
Sarney: a mídia e os partidos - blog do nassif -
Enviado por luisnassif, qui, 05/05/2011 - 15:37
Por Edson Joanni
"SirNey" e os donos do "Pudêr"
Da Folha.com
Sarney diz que mídia enfraquece o poder dos partidos políticos
GABRIELA GUERREIRO
Em seminário do PMDB que discutiu nesta quinta-feira estratégias de comunicação política, o senador José Sarney (PMDB-AP) disse que a mídia enfraquece os poderes dos partidos políticos no Brasil. Segundo Sarney, os políticos precisam criar mecanismos para que não percam sua "legitimidade" diante da atuação da imprensa.
"O Congresso depois de um mês, dois, três, começa a ser contestado. Os deputados não sabem porque foram eleitos e o eleitor não sabe mais que elegeu o deputado. A partir daí, a mídia e seus instrumentos entram e dizem: não, nós passamos a representar o povo. Esse é o grande desafio do mundo atual, da classe política."
Sarney disse que todos os políticos se queixam da imprensa, mas precisam fazer a "sua parte" ao defender que a liberdade de expressão sirva à democracia sem "desvirtuá-la".
Apesar das críticas, Sarney disse ser contrário a instrumentos de controle da imprensa brasileira. "Até o tempo corrige os equívocos que a mídia corrige. Talvez eu tenha sido o presidente mais criticado da história do Brasil, mas nunca ninguém viu da minha parte nenhuma reação violenta contra isso."
O peemedebista afirmou que a imprensa, as ONGs e a própria sociedade civil tiram "nacos" da atividade política --o que enfraquece os partidos e o Congresso.
"Nós precisamos disputar esse espaço de saber quem representa a opinião pública", afirmou.
O PMDB organizou seminário para discutir novas estratégias de mídia com a presença de marqueteiros americanos responsáveis pela campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos.
O vice-presidente Michel Temer disse que os peemedebistas precisam melhorar sua estratégia de comunicação para que a sociedade conheça as ações do partido.
"Quando você realiza as coisas e não consegue transmiti-la ao grande público, a imagem geral que se tem do partido muitas vezes é negativa. O que o partido faz não chega ao grande público", afirmou.
Para o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), os políticos precisam interagir com a sociedade para que sua representação não "caduque". "O nosso problema é como o PMDB, o maior partido do Brasil, dialoga com a sociedade. Cada vez mais a sociedade demanda informações que a mídia tradicional não é capaz de atender."
Por Edson Joanni
"SirNey" e os donos do "Pudêr"
Da Folha.com
Sarney diz que mídia enfraquece o poder dos partidos políticos
GABRIELA GUERREIRO
Em seminário do PMDB que discutiu nesta quinta-feira estratégias de comunicação política, o senador José Sarney (PMDB-AP) disse que a mídia enfraquece os poderes dos partidos políticos no Brasil. Segundo Sarney, os políticos precisam criar mecanismos para que não percam sua "legitimidade" diante da atuação da imprensa.
"O Congresso depois de um mês, dois, três, começa a ser contestado. Os deputados não sabem porque foram eleitos e o eleitor não sabe mais que elegeu o deputado. A partir daí, a mídia e seus instrumentos entram e dizem: não, nós passamos a representar o povo. Esse é o grande desafio do mundo atual, da classe política."
Sarney disse que todos os políticos se queixam da imprensa, mas precisam fazer a "sua parte" ao defender que a liberdade de expressão sirva à democracia sem "desvirtuá-la".
Apesar das críticas, Sarney disse ser contrário a instrumentos de controle da imprensa brasileira. "Até o tempo corrige os equívocos que a mídia corrige. Talvez eu tenha sido o presidente mais criticado da história do Brasil, mas nunca ninguém viu da minha parte nenhuma reação violenta contra isso."
O peemedebista afirmou que a imprensa, as ONGs e a própria sociedade civil tiram "nacos" da atividade política --o que enfraquece os partidos e o Congresso.
"Nós precisamos disputar esse espaço de saber quem representa a opinião pública", afirmou.
O PMDB organizou seminário para discutir novas estratégias de mídia com a presença de marqueteiros americanos responsáveis pela campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos.
O vice-presidente Michel Temer disse que os peemedebistas precisam melhorar sua estratégia de comunicação para que a sociedade conheça as ações do partido.
"Quando você realiza as coisas e não consegue transmiti-la ao grande público, a imagem geral que se tem do partido muitas vezes é negativa. O que o partido faz não chega ao grande público", afirmou.
Para o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), os políticos precisam interagir com a sociedade para que sua representação não "caduque". "O nosso problema é como o PMDB, o maior partido do Brasil, dialoga com a sociedade. Cada vez mais a sociedade demanda informações que a mídia tradicional não é capaz de atender."
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quarta-feira, 4 de maio de 2011
Desigualdade é a menor em 50 anos, diz estudo
04/05/2011 - 09:18h
Segundo a FGV, educação é o principal motivo da distribuição mais igualitária
País está melhor, mas longe de bons exemplos como o Japão; em 2010, Brasil voltou aos níveis registrados nos anos 60
ANTÔNIO GOIS – FOLHA SP
DO RIO
A melhoria na renda dos mais pobres verificada na década passada fez com que o Brasil retornasse em 2010 ao mesmo nível de desigualdade registrado em 1960. A conclusão é de um estudo do economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, divulgado ontem.
Programas de transferência de renda contribuíram para a queda da desigualdade nos últimos dez anos, mas, na análise de Neri, é a melhoria no acesso à educação o principal fator a explicar essa redução.
Olhando para os extremos, o economista verificou que, entre os 20% mais ricos da população, a escolaridade aumentou 8,1% e a renda cresceu 8,9%. No recorte dos 20% mais pobres, a escolaridade aumentou 55,6%, e foi acompanhada de um aumento de renda de 49,5%.
No entanto, como há mais brasileiros completando o nível médio ou o superior, o diferencial de salários daqueles que chegam ao topo educacional tende a ser menor.
A renda média desse grupo mais escolarizado caiu de R$ 2.743 em 2001 para R$ 2.262 em 2009. Isso porque, hoje, há mais gente que chega ao ensino superior. Em 2001, esse contingente era 11% da população; em 2009, chegou a 15%.
Neri explica que o fato de haver mais pessoas disputando uma vaga acaba reduzindo a renda do grupo.
Para ele, o Brasil está se tornando um país mais normal em termos de desigualdade, mas as diferenças ainda são grandes.
“A desigualdade verificada na década de 60 já era muito alta. Nós fizemos uma revolução de 360 graus, voltando ao mesmo ponto.”
Usando o índice de Gini -que mede a desigualdade numa escala de zero a um, sendo um o pior nível de concentração de riqueza, Neri calculou que, para 2010, o patamar do Brasil era de 0,530. Em 1960, estava em 0,537. O maior valor da série foi em 1990: 0,609.
Apesar da queda, um índice próximo de 0,5 ainda é, em comparações internacionais, ruim. O Japão, país rico menos desigual do mundo, tem índice de 0,249. A Namíbia, nação mais desigual do mundo segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010 da ONU, tem Gini de 0,743.
AJUSTES
Para comparar a desigualdade entre 1960 e 2010, Neri teve que fazer ajustes e lidar com algumas limitações. A principal é que, para 2010, há apenas dados da PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE, que é restrita às regiões metropolitanas.
Mas ele afirma que, em geral, as oscilações registradas primeiro pela PME têm sido, em geral, confirmadas depois por pesquisas de abrangência nacional.
“A PME trabalha apenas com regiões metropolitanas, e sabemos que essas áreas estão tendo recentemente desempenho econômico pior do que o resto do Brasil. A queda na desigualdade foi, provavelmente, maior.”
Postado por Luis Favre
Comentários
Tags: desigualdade, Ensino, FGV, pobreza
Nenhum comentário Link permanente Enviar por email Twitter Compartilhe
Facebook Delicious MySpace Yahoo Buzz Linkk Technorati Digg Voltar para o início 04/05/2011 - 08:42h
Plano de Dilma para erradicar pobreza tem 16 milhões de brasileiros como alvo
Antes de anunciar ações do ‘Brasil sem Miséria’, principal promessa de campanha, governo define que vai beneficiar os 8,5% da população que têm renda mensal de até R$ 70 por pessoa da família
Marta Salomon, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA – Entre as diferentes formas de contabilizar a extrema pobreza no País, o governo federal optou por definir como alvo do plano “Brasil sem Miséria”, a ser detalhado nas próximas semanas, os que têm renda mensal de até R$ 70 por pessoa da família. Nessa condição, contam-se atualmente 16,3 milhões de brasileiros, ou 8,5% da população, segundo cálculos preliminares feitos com base no recém-lançado censo de 2010.
Uma das principais promessas de campanha da presidente Dilma Rousseff foi erradicar a pobreza extrema ao longo dos quatro anos de mandato. Parte dos brasileiros beneficiados com o plano de erradicação da miséria já está incluída no Bolsa Família. O governo federal, no entanto, não divulgou qual o volume populacional que receberá os dois benefícios. Esse dado só deverá ser divulgado em outubro.
Sobre a meta, a secretária extraordinária de Erradicação da Pobreza, Ana Fonseca, disse: “Sim, nós faremos sim, nós vamos tirar as pessoas da extrema pobreza”. Ao seu lado, o presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Eduardo Nunes, chamou a atenção para um detalhe técnico: “É uma impossibilidade estatística chegarmos a um valor zero de miseráveis no País”.
Segundo a FGV, educação é o principal motivo da distribuição mais igualitária
País está melhor, mas longe de bons exemplos como o Japão; em 2010, Brasil voltou aos níveis registrados nos anos 60
ANTÔNIO GOIS – FOLHA SP
DO RIO
A melhoria na renda dos mais pobres verificada na década passada fez com que o Brasil retornasse em 2010 ao mesmo nível de desigualdade registrado em 1960. A conclusão é de um estudo do economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas, divulgado ontem.
Programas de transferência de renda contribuíram para a queda da desigualdade nos últimos dez anos, mas, na análise de Neri, é a melhoria no acesso à educação o principal fator a explicar essa redução.
Olhando para os extremos, o economista verificou que, entre os 20% mais ricos da população, a escolaridade aumentou 8,1% e a renda cresceu 8,9%. No recorte dos 20% mais pobres, a escolaridade aumentou 55,6%, e foi acompanhada de um aumento de renda de 49,5%.
No entanto, como há mais brasileiros completando o nível médio ou o superior, o diferencial de salários daqueles que chegam ao topo educacional tende a ser menor.
A renda média desse grupo mais escolarizado caiu de R$ 2.743 em 2001 para R$ 2.262 em 2009. Isso porque, hoje, há mais gente que chega ao ensino superior. Em 2001, esse contingente era 11% da população; em 2009, chegou a 15%.
Neri explica que o fato de haver mais pessoas disputando uma vaga acaba reduzindo a renda do grupo.
Para ele, o Brasil está se tornando um país mais normal em termos de desigualdade, mas as diferenças ainda são grandes.
“A desigualdade verificada na década de 60 já era muito alta. Nós fizemos uma revolução de 360 graus, voltando ao mesmo ponto.”
Usando o índice de Gini -que mede a desigualdade numa escala de zero a um, sendo um o pior nível de concentração de riqueza, Neri calculou que, para 2010, o patamar do Brasil era de 0,530. Em 1960, estava em 0,537. O maior valor da série foi em 1990: 0,609.
Apesar da queda, um índice próximo de 0,5 ainda é, em comparações internacionais, ruim. O Japão, país rico menos desigual do mundo, tem índice de 0,249. A Namíbia, nação mais desigual do mundo segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010 da ONU, tem Gini de 0,743.
AJUSTES
Para comparar a desigualdade entre 1960 e 2010, Neri teve que fazer ajustes e lidar com algumas limitações. A principal é que, para 2010, há apenas dados da PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE, que é restrita às regiões metropolitanas.
Mas ele afirma que, em geral, as oscilações registradas primeiro pela PME têm sido, em geral, confirmadas depois por pesquisas de abrangência nacional.
“A PME trabalha apenas com regiões metropolitanas, e sabemos que essas áreas estão tendo recentemente desempenho econômico pior do que o resto do Brasil. A queda na desigualdade foi, provavelmente, maior.”
Postado por Luis Favre
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Plano de Dilma para erradicar pobreza tem 16 milhões de brasileiros como alvo
Antes de anunciar ações do ‘Brasil sem Miséria’, principal promessa de campanha, governo define que vai beneficiar os 8,5% da população que têm renda mensal de até R$ 70 por pessoa da família
Marta Salomon, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA – Entre as diferentes formas de contabilizar a extrema pobreza no País, o governo federal optou por definir como alvo do plano “Brasil sem Miséria”, a ser detalhado nas próximas semanas, os que têm renda mensal de até R$ 70 por pessoa da família. Nessa condição, contam-se atualmente 16,3 milhões de brasileiros, ou 8,5% da população, segundo cálculos preliminares feitos com base no recém-lançado censo de 2010.
Uma das principais promessas de campanha da presidente Dilma Rousseff foi erradicar a pobreza extrema ao longo dos quatro anos de mandato. Parte dos brasileiros beneficiados com o plano de erradicação da miséria já está incluída no Bolsa Família. O governo federal, no entanto, não divulgou qual o volume populacional que receberá os dois benefícios. Esse dado só deverá ser divulgado em outubro.
Sobre a meta, a secretária extraordinária de Erradicação da Pobreza, Ana Fonseca, disse: “Sim, nós faremos sim, nós vamos tirar as pessoas da extrema pobreza”. Ao seu lado, o presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Eduardo Nunes, chamou a atenção para um detalhe técnico: “É uma impossibilidade estatística chegarmos a um valor zero de miseráveis no País”.
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segunda-feira, 4 de abril de 2011
JOSÉ LUÍS FIORI - Há agora uma nova corrida imperialista nos países da África
PARA CIENTISTA POLÍTICO, NORTE-AMERICANOS E EUROPEUS PODEM VOLTAR A COGITAR UM SISTEMA RENOVADO DE COLONIALISMO NESTA DÉCADA
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
A guerra na Líbia é parte de uma nova corrida imperialista que se aprofundará, diz José Luis Fiori, coordenador da pós-graduação em economia política internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
"Não é improvável que as potências, envolvidas na disputa pelos recursos estratégicos, voltem a pensar na conquista e dominação colonial de alguns dos atuais países africanos", diz ele.
Nesta entrevista, Fiori fala também sobre o poder dos EUA, que ele enxerga vivendo uma crise de crescimento.
Folha - Como o sr. analisa a guerra na Líbia?
José Luís Fiori - É evidente que não se trata de uma discussão sobre o direito à vida dos líbios, os direitos humanos, a democracia. Nesta, como em todas as demais intervenções de europeus e dos EUA, jamais se esclarece a questão central de quem tem o direito de julgar e arbitrar a existência ou não de desrespeito aos direitos humanos em algum país em particular.
As potências do "diretório militar" jamais intervêm contra um país ou governante aliado, por mais autoritário e antidemocrático que ele seja. Do ponto de vista das relações entre Estados, os direitos humanos são sempre esgrimidos e utilizados como instrumento de legitimação das decisões geopolíticas das grandes potências.
A guerra é sobre o petróleo?
O que está em jogo na Líbia não é apenas petróleo. Nem tudo no mundo da luta de poder entre as grandes e médias potências tem a ver com economia. Neste caso está em jogo o controle de uma região fronteiriça da Europa, parte importante do Império Romano e território privilegiado do alterego civilizatório da "cristandade".
Foi onde começou o colonialismo europeu, no século 15 e, depois, no século 19. Estamos assistindo a uma nova corrida imperialista na África, e não é impossível que se volte a cogitar alguma forma renovada de colonialismo.
Como explicar essa corrida imperialista?
A África não é simples nem homogênea, com seus 53 Estados e quase 800 milhões de habitantes. O atual sistema estatal africano foi criado pelas potências coloniais europeias e só se manteve, até 1991, graças à Guerra Fria.
Após a Guerra Fria e o fracasso da intervenção norte-americana na Somália (em 1993), os EUA redefiniram sua estratégia para o continente, propondo globalização e democracia. Até o fim do século 20, a preocupação dos EUA com a África se restringiu à disputa das regiões petrolíferas e ao controle das forças islâmicas e dos terroristas do Chifre da África.
Mas deverá ocorrer uma mudança radical do comportamento norte-americano e europeu, graças à invasão econômica da China, Rússia, Índia e Brasil. A África será de novo um ponto central da nova corrida imperialista, que deverá se aprofundar na próxima década.
Não é improvável que as potências, envolvidas na disputa pelos recursos estratégicos, voltem a pensar na possibilidade de conquista e dominação colonial de alguns dos atuais países africanos que foram criados pelos próprios colonialistas europeus.
Os Estados Unidos estão ameaçados de perder poder no Oriente Médio?
Não vejo este risco. Pelo contrário. São os mesmos de sempre que estão redistribuindo as cartas e manipulando as divisões internas dentro dos governos e dos envolvidos nas rebeliões. Quando houver risco real, reprimirão como fizeram no Bahrein. Sempre que possível através de terceiros.
Para o sr. não há perda da hegemonia americana?
Os Estados Unidos estão enfrentando os problemas, contradições e incertezas produzidas pela sua mudança de status -de potência hegemônica do mundo capitalista (até a década de 1980), para potência imperial. Poderia até se chamar de uma crise de crescimento e não uma crise terminal.
Os EUA devem mudar sua forma de administrar o seu poder global. O jogo será este: de um lado, os EUA atuando como cabeça de império, distanciando-se e só intervindo em última instância; de outro, as demais potências regionais tentando escapar do cerco americano.
Não há limites para esse poder americano?
É óbvio que esse novo poder imperial não é absoluto nem será eterno. Esse novo tipo de império não exclui a possibilidade de derrotas ou fracassos militares localizados dos EUA. Pelo contrário: é a própria expansão vitoriosa dos EUA -e não o seu declínio- que vai promovendo os conflitos e as guerras. Do ponto de vista estritamente militar, o essencial para os EUA é impedir alguma potência regional de ameaçar sua supremacia naval em qualquer lugar do mundo.
A China não é uma ameaça?
A nova engenharia econômica mundial transformou a China numa economia com poder de gravitação quase igual ao dos EUA. Isso intensifica a competição capitalista na África e na América do Sul. Mas é certo que a simples ultrapassagem econômica dos EUA não transformará automaticamente a China em líder do sistema mundial.
Quais as consequências políticas do dinamismo chinês?
O mais provável é que a China se restrinja à luta pela hegemonia regional, mantendo-se fiel à sua estratégia de não provocar nem aceitar confrontos fora dessa sua zona de influência. Mas, em algum momento futuro, terá que combinar a sua nova centralidade com algum tipo de projeção do seu poder político e militar para fora da sua própria região imediata. Há que se considerar que a China tem uma posição geopolítica desfavorável, com um território amplo e cercado e uma fronteira marítima muito extensa. E não conta ainda com um poder naval capaz de se impor ao controle americano do Pacífico Sul.
A crise financeira recente não expôs fragilidades dos EUA?
O dólar flexível e a desregulação dos mercados financeiros transferiu para os EUA um poder monetário e financeiro sem precedentes.
Isso simplesmente porque, segundo as novas regras que não foram consagradas por nenhum tipo de acordo internacional, os EUA passaram a arbitrar simultaneamente o valor da sua moeda, que é nacional e internacional a um só tempo.
Arbitram também o valor dos seus títulos da dívida, que absorvem a poupança de todo o mundo e servem de âncora para o próprio sistema liderado pelo dólar. Os EUA podem redefinir a cada momento o valor das suas próprias dívidas, sem que seus credores possam reclamar sem sair perdendo.
As crises se repetirão, mas elas não são necessariamente um sinal de fragilidade e, às vezes, podem ser até um sinal de poder e o início de um novo ciclo expansivo. As crises não deverão alterar a hierarquia econômica internacional, enquanto o governo e os capitais americanos puderem repassar os seus custos para as demais potências econômicas do sistema.
Como o sr. observa a posição europeia nesse jogo de poder?
A União Europeia está cada vez mais fraca e dividida sobre como conduzir seus assuntos internos. Não dispõe de um poder central unificado e homogêneo. A Alemanha reunificada se transformou na maior potência demográfica e econômica do continente e passou a ter uma política externa mais autônoma, centrada nos interesses nacionais. É uma estratégia que recoloca a Alemanha no epicentro da luta pela hegemonia dentro da Europa, ofusca o papel da França e desafia o americanismo da Grã-Bretanha.
As crises capitalistas têm muitas vezes desaguado em guerras de grandes proporções. O sr. enxerga essa possibilidade?
Acho que devem se multiplicar os conflitos localizados dentro do sistema mundial, envolvendo sempre os EUA, de uma forma ou outra. Mas não vejo no horizonte a possibilidade de uma grande guerra hegemônica do tipo das duas grandes guerras mundiais do século 20.
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
A guerra na Líbia é parte de uma nova corrida imperialista que se aprofundará, diz José Luis Fiori, coordenador da pós-graduação em economia política internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
"Não é improvável que as potências, envolvidas na disputa pelos recursos estratégicos, voltem a pensar na conquista e dominação colonial de alguns dos atuais países africanos", diz ele.
Nesta entrevista, Fiori fala também sobre o poder dos EUA, que ele enxerga vivendo uma crise de crescimento.
Folha - Como o sr. analisa a guerra na Líbia?
José Luís Fiori - É evidente que não se trata de uma discussão sobre o direito à vida dos líbios, os direitos humanos, a democracia. Nesta, como em todas as demais intervenções de europeus e dos EUA, jamais se esclarece a questão central de quem tem o direito de julgar e arbitrar a existência ou não de desrespeito aos direitos humanos em algum país em particular.
As potências do "diretório militar" jamais intervêm contra um país ou governante aliado, por mais autoritário e antidemocrático que ele seja. Do ponto de vista das relações entre Estados, os direitos humanos são sempre esgrimidos e utilizados como instrumento de legitimação das decisões geopolíticas das grandes potências.
A guerra é sobre o petróleo?
O que está em jogo na Líbia não é apenas petróleo. Nem tudo no mundo da luta de poder entre as grandes e médias potências tem a ver com economia. Neste caso está em jogo o controle de uma região fronteiriça da Europa, parte importante do Império Romano e território privilegiado do alterego civilizatório da "cristandade".
Foi onde começou o colonialismo europeu, no século 15 e, depois, no século 19. Estamos assistindo a uma nova corrida imperialista na África, e não é impossível que se volte a cogitar alguma forma renovada de colonialismo.
Como explicar essa corrida imperialista?
A África não é simples nem homogênea, com seus 53 Estados e quase 800 milhões de habitantes. O atual sistema estatal africano foi criado pelas potências coloniais europeias e só se manteve, até 1991, graças à Guerra Fria.
Após a Guerra Fria e o fracasso da intervenção norte-americana na Somália (em 1993), os EUA redefiniram sua estratégia para o continente, propondo globalização e democracia. Até o fim do século 20, a preocupação dos EUA com a África se restringiu à disputa das regiões petrolíferas e ao controle das forças islâmicas e dos terroristas do Chifre da África.
Mas deverá ocorrer uma mudança radical do comportamento norte-americano e europeu, graças à invasão econômica da China, Rússia, Índia e Brasil. A África será de novo um ponto central da nova corrida imperialista, que deverá se aprofundar na próxima década.
Não é improvável que as potências, envolvidas na disputa pelos recursos estratégicos, voltem a pensar na possibilidade de conquista e dominação colonial de alguns dos atuais países africanos que foram criados pelos próprios colonialistas europeus.
Os Estados Unidos estão ameaçados de perder poder no Oriente Médio?
Não vejo este risco. Pelo contrário. São os mesmos de sempre que estão redistribuindo as cartas e manipulando as divisões internas dentro dos governos e dos envolvidos nas rebeliões. Quando houver risco real, reprimirão como fizeram no Bahrein. Sempre que possível através de terceiros.
Para o sr. não há perda da hegemonia americana?
Os Estados Unidos estão enfrentando os problemas, contradições e incertezas produzidas pela sua mudança de status -de potência hegemônica do mundo capitalista (até a década de 1980), para potência imperial. Poderia até se chamar de uma crise de crescimento e não uma crise terminal.
Os EUA devem mudar sua forma de administrar o seu poder global. O jogo será este: de um lado, os EUA atuando como cabeça de império, distanciando-se e só intervindo em última instância; de outro, as demais potências regionais tentando escapar do cerco americano.
Não há limites para esse poder americano?
É óbvio que esse novo poder imperial não é absoluto nem será eterno. Esse novo tipo de império não exclui a possibilidade de derrotas ou fracassos militares localizados dos EUA. Pelo contrário: é a própria expansão vitoriosa dos EUA -e não o seu declínio- que vai promovendo os conflitos e as guerras. Do ponto de vista estritamente militar, o essencial para os EUA é impedir alguma potência regional de ameaçar sua supremacia naval em qualquer lugar do mundo.
A China não é uma ameaça?
A nova engenharia econômica mundial transformou a China numa economia com poder de gravitação quase igual ao dos EUA. Isso intensifica a competição capitalista na África e na América do Sul. Mas é certo que a simples ultrapassagem econômica dos EUA não transformará automaticamente a China em líder do sistema mundial.
Quais as consequências políticas do dinamismo chinês?
O mais provável é que a China se restrinja à luta pela hegemonia regional, mantendo-se fiel à sua estratégia de não provocar nem aceitar confrontos fora dessa sua zona de influência. Mas, em algum momento futuro, terá que combinar a sua nova centralidade com algum tipo de projeção do seu poder político e militar para fora da sua própria região imediata. Há que se considerar que a China tem uma posição geopolítica desfavorável, com um território amplo e cercado e uma fronteira marítima muito extensa. E não conta ainda com um poder naval capaz de se impor ao controle americano do Pacífico Sul.
A crise financeira recente não expôs fragilidades dos EUA?
O dólar flexível e a desregulação dos mercados financeiros transferiu para os EUA um poder monetário e financeiro sem precedentes.
Isso simplesmente porque, segundo as novas regras que não foram consagradas por nenhum tipo de acordo internacional, os EUA passaram a arbitrar simultaneamente o valor da sua moeda, que é nacional e internacional a um só tempo.
Arbitram também o valor dos seus títulos da dívida, que absorvem a poupança de todo o mundo e servem de âncora para o próprio sistema liderado pelo dólar. Os EUA podem redefinir a cada momento o valor das suas próprias dívidas, sem que seus credores possam reclamar sem sair perdendo.
As crises se repetirão, mas elas não são necessariamente um sinal de fragilidade e, às vezes, podem ser até um sinal de poder e o início de um novo ciclo expansivo. As crises não deverão alterar a hierarquia econômica internacional, enquanto o governo e os capitais americanos puderem repassar os seus custos para as demais potências econômicas do sistema.
Como o sr. observa a posição europeia nesse jogo de poder?
A União Europeia está cada vez mais fraca e dividida sobre como conduzir seus assuntos internos. Não dispõe de um poder central unificado e homogêneo. A Alemanha reunificada se transformou na maior potência demográfica e econômica do continente e passou a ter uma política externa mais autônoma, centrada nos interesses nacionais. É uma estratégia que recoloca a Alemanha no epicentro da luta pela hegemonia dentro da Europa, ofusca o papel da França e desafia o americanismo da Grã-Bretanha.
As crises capitalistas têm muitas vezes desaguado em guerras de grandes proporções. O sr. enxerga essa possibilidade?
Acho que devem se multiplicar os conflitos localizados dentro do sistema mundial, envolvendo sempre os EUA, de uma forma ou outra. Mas não vejo no horizonte a possibilidade de uma grande guerra hegemônica do tipo das duas grandes guerras mundiais do século 20.
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quinta-feira, 31 de março de 2011
blog do miro - Nilmário Miranda - Golpe de 1964: Quem tem medo da verdade?
Reproduzo artigo de , publicado no sítio da Carta Maior:
Eu não tinha 17 anos quando veio o golpe, destruindo meus sonhos das grandes reformas de base. Morava na então pequena Teófilo Otoni (MG). Os ferroviários da lendária Estação de Ferro Bahia-Minas cruzaram os braços. Foi o único e solitário protesto (no ano seguinte a EFBM foi extinta).
Em poucos dias nada menos que 74 pessoas foram presas pelos “revolucionários” e levados ao QG dos golpistas em Governador Valadares. Ferrovias, comerciários, bancários, estudantes, militantes da Igreja, do Partidão, do PTB, pequenos comerciantes – dentre eles meu pai, uma pessoa pacata, educada, incapaz de fazer mal a ninguém, uma alma gentil.
Chocou-me também a prisão de Dr. Petrônio Mendes de Souza, ex-prefeito, médico dos pobres, figura hierática. Lá pelos dias encontrei-me com o filho do ferroviário Nestor Medina, carismático, inteligente, autodidata, homem de grande dignidade. Desde aquela noite fiz juras de por todos os dias enquanto durasse, combateria a ditadura, o que realmente aconteceu.
No ano seguinte mudei para Belo Horizonte para estudar e participar da resistência. 1968 foi o ano do crescimento da oposição à ditadura. A Marcha dos Cem Mil no Rio; as duas greves (Contagem e Osasco) desafiando a rigorosa legislação anti operária; a fermentação no meio cultural; a Frente Ampla que uniu o impensável (a UDN de Carlos Lacerda, o PSD de JK, o PTB de Jango); as primeiras ações da resistência armada. A recusa da Câmara de conceder a licença para processar Márcio Moreira Alves foi um pretexto para a edição do AI-5 em 13 de dezembro, instituindo o Terror de Estado.
Eu respondia a processo pelo LSN depois da prisão por 32 dias após a greve de Contagem; vi-me em um dilema: sair do país, para o exílio; ou cair na clandestinidade. Estudava Ciências Econômicas na UFMG. Optei pela resistência na clandestinidade, aos 21 anos. Todas as portas foram fechadas; os espaços para a oposição foram extintos.
Desde as prisões em Ibiúna de mais de 700 estudantes de todo o país, as odiosas listas negras para os trabalhadores rebeldes, a “aposentadoria” forçada de três ministros do STF como recado para amordaçar a Justiça, a censura prévia na imprensa, o fim do habeas corpus. A polícia política tinha dez dias de prazo para apresentar o detido ao juiz militar, e a criação de centros de detenção e tortura na prática era a institucionalização da tortura.
Passar à resistência clandestina era a opção de colocar a própria integridade física em risco. Mas essa foi a opção de milhares de brasileiros. Nada menos que 479 pessoas foram eliminadas, 163 das quais se tornaram desaparecidos políticos.
Denominar a ditadura de “ditabranda” é piada de péssimo gosto. Pior ainda é a insistência de alguns comandos militares de comemorar o 31 de março como uma “revolução democrática”, em desafio à cúpula militar que retirou esta data do calendário de efemérides.
Aprovar e instalar a Comissão Nacional da Verdade, confiando à sete pessoas idôneas, probas e éticas a tarefa de passar os 21 anos da ditadura à limpo dá uma interpretação fiel ao que se passou no país para constar dos livros e currículos escolares, inclusive das academias militares. É mais uma grande e importante etapa na construção de nossa democracia, incorporando o direito à verdade.
(*) Nilmário Miranda é jornalista, Presidente da Fundação Perseu Abramo, ex-Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) [e membro do conselho consultivo do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé].
Eu não tinha 17 anos quando veio o golpe, destruindo meus sonhos das grandes reformas de base. Morava na então pequena Teófilo Otoni (MG). Os ferroviários da lendária Estação de Ferro Bahia-Minas cruzaram os braços. Foi o único e solitário protesto (no ano seguinte a EFBM foi extinta).
Em poucos dias nada menos que 74 pessoas foram presas pelos “revolucionários” e levados ao QG dos golpistas em Governador Valadares. Ferrovias, comerciários, bancários, estudantes, militantes da Igreja, do Partidão, do PTB, pequenos comerciantes – dentre eles meu pai, uma pessoa pacata, educada, incapaz de fazer mal a ninguém, uma alma gentil.
Chocou-me também a prisão de Dr. Petrônio Mendes de Souza, ex-prefeito, médico dos pobres, figura hierática. Lá pelos dias encontrei-me com o filho do ferroviário Nestor Medina, carismático, inteligente, autodidata, homem de grande dignidade. Desde aquela noite fiz juras de por todos os dias enquanto durasse, combateria a ditadura, o que realmente aconteceu.
No ano seguinte mudei para Belo Horizonte para estudar e participar da resistência. 1968 foi o ano do crescimento da oposição à ditadura. A Marcha dos Cem Mil no Rio; as duas greves (Contagem e Osasco) desafiando a rigorosa legislação anti operária; a fermentação no meio cultural; a Frente Ampla que uniu o impensável (a UDN de Carlos Lacerda, o PSD de JK, o PTB de Jango); as primeiras ações da resistência armada. A recusa da Câmara de conceder a licença para processar Márcio Moreira Alves foi um pretexto para a edição do AI-5 em 13 de dezembro, instituindo o Terror de Estado.
Eu respondia a processo pelo LSN depois da prisão por 32 dias após a greve de Contagem; vi-me em um dilema: sair do país, para o exílio; ou cair na clandestinidade. Estudava Ciências Econômicas na UFMG. Optei pela resistência na clandestinidade, aos 21 anos. Todas as portas foram fechadas; os espaços para a oposição foram extintos.
Desde as prisões em Ibiúna de mais de 700 estudantes de todo o país, as odiosas listas negras para os trabalhadores rebeldes, a “aposentadoria” forçada de três ministros do STF como recado para amordaçar a Justiça, a censura prévia na imprensa, o fim do habeas corpus. A polícia política tinha dez dias de prazo para apresentar o detido ao juiz militar, e a criação de centros de detenção e tortura na prática era a institucionalização da tortura.
Passar à resistência clandestina era a opção de colocar a própria integridade física em risco. Mas essa foi a opção de milhares de brasileiros. Nada menos que 479 pessoas foram eliminadas, 163 das quais se tornaram desaparecidos políticos.
Denominar a ditadura de “ditabranda” é piada de péssimo gosto. Pior ainda é a insistência de alguns comandos militares de comemorar o 31 de março como uma “revolução democrática”, em desafio à cúpula militar que retirou esta data do calendário de efemérides.
Aprovar e instalar a Comissão Nacional da Verdade, confiando à sete pessoas idôneas, probas e éticas a tarefa de passar os 21 anos da ditadura à limpo dá uma interpretação fiel ao que se passou no país para constar dos livros e currículos escolares, inclusive das academias militares. É mais uma grande e importante etapa na construção de nossa democracia, incorporando o direito à verdade.
(*) Nilmário Miranda é jornalista, Presidente da Fundação Perseu Abramo, ex-Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) [e membro do conselho consultivo do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé].
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quarta-feira, 30 de março de 2011
fsp - De luto, Lula recebe título sem improvisos
Ex-presidente homenageia Alencar ao ser condecorado por universidade portuguesa
VAGUINALDO MARINHEIRO
ENVIADO ESPECIAL A COIMBRA
Nada de brincadeiras com a plateia, de improvisos, de quebras de protocolo.
Ao receber ontem seu primeiro título de doutor honoris causa numa universidade europeia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiu à risca rituais do século 18 numa cerimônia na qual tudo é predeterminado, da cor das roupas à proibição de bater palmas.
Lula foi o sexto ex-presidente do Brasil a receber o título, dado antes a Juscelino Kubitschek, Café Filho, Tancredo Neves, José Sarney e Fernando Henrique Cardoso.
A titulação, na Universidade de Coimbra, começou às 10h30, na Biblioteca Joanina.
De lá saiu um cortejo com doutores das várias faculdades, identificadas pelas cores dos capelos (capa que vai sobre os ombros).A da faculdade de direito, que concedeu o título a Lula, é vermelho.
Na Sala dos Capelos, construída no século 13, Lula foi o primeiro a falar. Leu seu discurso em dez minutos, sem acrescentar nada.
Nele, elogios à presidente Dilma Rousseff, que o acompanha na solenidade, ao vice José Alencar e a si próprio.
Disse que em seu governo o Brasil deixou para trás "um passado de frustração". "Nos últimos oito anos, [o povo brasileiro] realizou, de modo pacífico e democrático, uma verdadeira revolução econômica e social."
Falou, então, da importância do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), "coordenado com talento pela querida companheira Dilma Rousseff".
Por fim, citou Alencar, que morreu na terça-feira: "Nada disso teria sido possível sem a colaboração generosa e leal daquele que foi o meu parceiro de todas as horas, um dos homens mais íntegros que já conheci".
Na sequência, dois professores da faculdade de direito também discursaram.Lembraram da educação não-formal de Lula (ele não tem nenhum diploma universitário) para elogiá-lo.
Foram mais de duas horas de cerimônia. Num dia normal, Lula trocaria de roupa e iria comemorar com os brasileiros e alguns portugueses que lá fora gritam seu nome.
Mas o luto por José Alencar desaconselhava, e ele entrou no carro e foi embora com Dilma com destino ao Brasil
VAGUINALDO MARINHEIRO
ENVIADO ESPECIAL A COIMBRA
Nada de brincadeiras com a plateia, de improvisos, de quebras de protocolo.
Ao receber ontem seu primeiro título de doutor honoris causa numa universidade europeia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiu à risca rituais do século 18 numa cerimônia na qual tudo é predeterminado, da cor das roupas à proibição de bater palmas.
Lula foi o sexto ex-presidente do Brasil a receber o título, dado antes a Juscelino Kubitschek, Café Filho, Tancredo Neves, José Sarney e Fernando Henrique Cardoso.
A titulação, na Universidade de Coimbra, começou às 10h30, na Biblioteca Joanina.
De lá saiu um cortejo com doutores das várias faculdades, identificadas pelas cores dos capelos (capa que vai sobre os ombros).A da faculdade de direito, que concedeu o título a Lula, é vermelho.
Na Sala dos Capelos, construída no século 13, Lula foi o primeiro a falar. Leu seu discurso em dez minutos, sem acrescentar nada.
Nele, elogios à presidente Dilma Rousseff, que o acompanha na solenidade, ao vice José Alencar e a si próprio.
Disse que em seu governo o Brasil deixou para trás "um passado de frustração". "Nos últimos oito anos, [o povo brasileiro] realizou, de modo pacífico e democrático, uma verdadeira revolução econômica e social."
Falou, então, da importância do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), "coordenado com talento pela querida companheira Dilma Rousseff".
Por fim, citou Alencar, que morreu na terça-feira: "Nada disso teria sido possível sem a colaboração generosa e leal daquele que foi o meu parceiro de todas as horas, um dos homens mais íntegros que já conheci".
Na sequência, dois professores da faculdade de direito também discursaram.Lembraram da educação não-formal de Lula (ele não tem nenhum diploma universitário) para elogiá-lo.
Foram mais de duas horas de cerimônia. Num dia normal, Lula trocaria de roupa e iria comemorar com os brasileiros e alguns portugueses que lá fora gritam seu nome.
Mas o luto por José Alencar desaconselhava, e ele entrou no carro e foi embora com Dilma com destino ao Brasil
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segunda-feira, 28 de março de 2011
Mercosul: "Los hermanos", 20 anos depois - Carta Maior
Antonio Lassance
:
Vinte anos depois daquilo que se considera a certidão de nascimento do Mercosul (o Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991), a integração regional promovida pelo bloco mostrou-se benéfica. O principal saldo não é apenas econômico, mas político, social e cultural.
Mesmo sujeito a idas e vindas, o Mercosul atravessou turbulências e manteve-se como um caso de sucesso. Resistiu a crises internacionais graves, como as de 1999 a 2002 (quando o comércio entre os países do bloco reduziu-se à metade, em relação a seus valores de 1997) e a mais recente e maior delas, de 2008. Foi abalado por situações de profunda instabilidade. A principal atingiu o governo de Fernando de la Rúa, na Argentina, como efeito retardado do desmonte do Estado, privatização e desindustrialização provocados pelo governo de Carlos Ménem, combinados à atrapalhada saída brasileira do regime de paridade do dólar e câmbio fixo, no governo FHC.
Surgido na esteira de um processo de aproximação entre Brasil e Argentina, seus dois maiores países, o Mercosul era também uma resposta à União Europeia, ao Nafta (bloco que reúne Estados Unidos, Canadá e México) e à APEC (“Asia-Pacific Economic Cooperation” ou Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico).
A arquitetura da amizade impulsionada com o Mercosul é tratada como um caso exemplar pelo especialista em relações internacionais, Charles Kupchan (da Universidade de Georgetown), em seu recente livro “Como inimigos se tornam amigos” (1). Ele dedica parte do quarto capítulo de seu livro (págs. 122 a 130) a mostrar como se deu a reaproximação entre Brasil e Argentina, nos anos 1980, e que atraiu, nos anos 1990, Paraguai e Uruguai .
Kupchan enquadra o exemplo sulamericano em algumas lições essenciais. Por exemplo, a de que o mundo hobbesiano da competição interestatal, onde impera o dedo no olho e os golpes abaixo da linha de cintura, pode até ser um ponto de partida para a análise das relações internacionais, mas não precisa ser necessariamente seu ponto de chegada. A competição pode ser superada por arranjos sustentáveis cooperativos, em que antigos inimigos passam a se tratar como atores confiáveis.
A segunda lição é a de que a mão invisível do liberalismo é incapaz de produzir tal arquitetura por geração espontânea. Ela deve ser induzida por projetos nacionais e tudo deve começar com um dos atores, em geral o de maior peso, dispondo-se a fazer concessões. É a diplomacia que impulsiona a economia, e não o contrário. Ela constrói o ambiente que produz saldos comerciais e financeiros positivos no longo prazo, facilita a inserção de empresas e enraíza a interdependência econômica.
Uma terceira lição é a de que as ordens sociais entre os países devem se tornar cada vez mais compatíveis, harmônicas. Ordens instáveis e incompatíveis entre si são um fator inibidor do entendimento.
Kupchan destaca ainda, no caso sulamericano e em outros, que o fundamental nos processos de integração é o surgimento de uma identidade entre os países que supere as rivalidades reinantes. O trânsito de pessoas, o entrosamento cultural, a familiaridade com a paisagem dos vizinhos são um ingrediente dos avanços.
Neste sentido, os sinais do Mercosul são muito promissores. O volume do comércio entre os países do bloco (hoje em torno de US$ 30 bilhões por ano) tem crescido , embora percentualmente ao PIB tenha ocorrido uma estagnação momentânea. A situação se explica, estruturalmente, pela assimetria entre os países e, conjunturalmente, pela estratégia de seus países no sentido de diversificarem seus parceiros e não se atrelarem exclusivamente a alguns poucos (2).
Certos números são surpreendentes. Em quatro anos (2006 a 2009), o número de brasileiros que estudam a língua espanhola saltou de um para mais de cinco milhões (dados do Instituto Cervantes). A razão foi a lei sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005, que obrigou a oferta do Espanhol no ensino médio.
Praticamente um em cada cinco turistas que visitam o Brasil é argentino. Em contrapartida, em 2010 quase dobrou a quantidade de brasileiros que visitaram a capital portenha.
Os turistas vindos do Mercosul representam 70% do fluxo receptivo do Uruguai, 30% do fluxo receptivo da Argentina, mesmo patamar do Brasil, sendo baixo apenas no Paraguai (pouco mais de 10%) (3).
O projeto de integração é um desafio de grande envergadura e tem obstáculos consideráveis. Grande parte deles é resultante de seus pecados originais. A vertente comercial tornou-se hipertrofiada ao longo de 20 anos, enquanto persiste um déficit de participação democrática e representação política, com um Parlasul que ainda está por se estruturar plenamente. O Brasil, infelizmente, tem negligenciado e protelado esse passo.
Por outro lado, a entrada da Venezuela, que significaria a expansão do mercado comum, tem sido sistematicamente adiada pelo Paraguai, com argumentos que não convencem sequer os opositores venezuelanos do presidente Hugo Chávez, que defendem a entrada de seu país no bloco.
Nos últimos anos, uma agenda intensa de políticas públicas tem se construído setorialmente, nas áreas da agricultura familiar, desenvolvimento social, educação, saúde, infraestrutura, turismo, segurança e defesa, dentre outras. Isso permite vislumbrar ações que contribuam para eliminar a pobreza, reduzir as assimetrias existentes, construir uma infraestrutura que permita ampliar o comércio na região e aprofundar a democracia, desafios destacados recentemente pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alto Representante-Geral do Mercosul (Agência Senado, 24/3/2011).
No momento atual, o Mercosul reúne mais razões de otimismo que os demais blocos. A União Europeia, sob crise aguda, vive um de seus piores momentos. O Nafta acentou os problemas da economia mexicana (o comércio que mais cresce com seu vizinho, do outro lado do Rio Grande, é o de drogas), e os Estados Unidos patinam para superar a recessão. A APEC, além de muito heterogênea e pouco institucionalizada, pouco avançou diante da competição entre seus países, que disputam muitas vezes o mesmo espaço. A China, por exemplo, tem crescido, além de seus méritos próprios, sobre um declínio relativo do Japão.
Há 20 anos, quem seria capaz de dizer que se chegaria tão longe?
Referências:
(1) ”KUPCHAN, Charles A. How Enemies Become Friends. Princeton: Princeton University, march 2010)
(2) SOUZA, André de Mello e Souza, OLIVEIRA, Ivan Tiago Machado e GONÇALVES, Samo Sérgio. Integrando desiguais: assimetrias estruturais e políticas de integração no Mercosul. Rio de Janeiro: IPEA, março de 2010. Texto de Discussão no. 1477.
(3) TOMAZONI, Edegar Luis. Turismo como Desafio do Desenvolvimento Econômico do Mercosul na Era da Globalização. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 2008.
:
Vinte anos depois daquilo que se considera a certidão de nascimento do Mercosul (o Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991), a integração regional promovida pelo bloco mostrou-se benéfica. O principal saldo não é apenas econômico, mas político, social e cultural.
Mesmo sujeito a idas e vindas, o Mercosul atravessou turbulências e manteve-se como um caso de sucesso. Resistiu a crises internacionais graves, como as de 1999 a 2002 (quando o comércio entre os países do bloco reduziu-se à metade, em relação a seus valores de 1997) e a mais recente e maior delas, de 2008. Foi abalado por situações de profunda instabilidade. A principal atingiu o governo de Fernando de la Rúa, na Argentina, como efeito retardado do desmonte do Estado, privatização e desindustrialização provocados pelo governo de Carlos Ménem, combinados à atrapalhada saída brasileira do regime de paridade do dólar e câmbio fixo, no governo FHC.
Surgido na esteira de um processo de aproximação entre Brasil e Argentina, seus dois maiores países, o Mercosul era também uma resposta à União Europeia, ao Nafta (bloco que reúne Estados Unidos, Canadá e México) e à APEC (“Asia-Pacific Economic Cooperation” ou Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico).
A arquitetura da amizade impulsionada com o Mercosul é tratada como um caso exemplar pelo especialista em relações internacionais, Charles Kupchan (da Universidade de Georgetown), em seu recente livro “Como inimigos se tornam amigos” (1). Ele dedica parte do quarto capítulo de seu livro (págs. 122 a 130) a mostrar como se deu a reaproximação entre Brasil e Argentina, nos anos 1980, e que atraiu, nos anos 1990, Paraguai e Uruguai .
Kupchan enquadra o exemplo sulamericano em algumas lições essenciais. Por exemplo, a de que o mundo hobbesiano da competição interestatal, onde impera o dedo no olho e os golpes abaixo da linha de cintura, pode até ser um ponto de partida para a análise das relações internacionais, mas não precisa ser necessariamente seu ponto de chegada. A competição pode ser superada por arranjos sustentáveis cooperativos, em que antigos inimigos passam a se tratar como atores confiáveis.
A segunda lição é a de que a mão invisível do liberalismo é incapaz de produzir tal arquitetura por geração espontânea. Ela deve ser induzida por projetos nacionais e tudo deve começar com um dos atores, em geral o de maior peso, dispondo-se a fazer concessões. É a diplomacia que impulsiona a economia, e não o contrário. Ela constrói o ambiente que produz saldos comerciais e financeiros positivos no longo prazo, facilita a inserção de empresas e enraíza a interdependência econômica.
Uma terceira lição é a de que as ordens sociais entre os países devem se tornar cada vez mais compatíveis, harmônicas. Ordens instáveis e incompatíveis entre si são um fator inibidor do entendimento.
Kupchan destaca ainda, no caso sulamericano e em outros, que o fundamental nos processos de integração é o surgimento de uma identidade entre os países que supere as rivalidades reinantes. O trânsito de pessoas, o entrosamento cultural, a familiaridade com a paisagem dos vizinhos são um ingrediente dos avanços.
Neste sentido, os sinais do Mercosul são muito promissores. O volume do comércio entre os países do bloco (hoje em torno de US$ 30 bilhões por ano) tem crescido , embora percentualmente ao PIB tenha ocorrido uma estagnação momentânea. A situação se explica, estruturalmente, pela assimetria entre os países e, conjunturalmente, pela estratégia de seus países no sentido de diversificarem seus parceiros e não se atrelarem exclusivamente a alguns poucos (2).
Certos números são surpreendentes. Em quatro anos (2006 a 2009), o número de brasileiros que estudam a língua espanhola saltou de um para mais de cinco milhões (dados do Instituto Cervantes). A razão foi a lei sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005, que obrigou a oferta do Espanhol no ensino médio.
Praticamente um em cada cinco turistas que visitam o Brasil é argentino. Em contrapartida, em 2010 quase dobrou a quantidade de brasileiros que visitaram a capital portenha.
Os turistas vindos do Mercosul representam 70% do fluxo receptivo do Uruguai, 30% do fluxo receptivo da Argentina, mesmo patamar do Brasil, sendo baixo apenas no Paraguai (pouco mais de 10%) (3).
O projeto de integração é um desafio de grande envergadura e tem obstáculos consideráveis. Grande parte deles é resultante de seus pecados originais. A vertente comercial tornou-se hipertrofiada ao longo de 20 anos, enquanto persiste um déficit de participação democrática e representação política, com um Parlasul que ainda está por se estruturar plenamente. O Brasil, infelizmente, tem negligenciado e protelado esse passo.
Por outro lado, a entrada da Venezuela, que significaria a expansão do mercado comum, tem sido sistematicamente adiada pelo Paraguai, com argumentos que não convencem sequer os opositores venezuelanos do presidente Hugo Chávez, que defendem a entrada de seu país no bloco.
Nos últimos anos, uma agenda intensa de políticas públicas tem se construído setorialmente, nas áreas da agricultura familiar, desenvolvimento social, educação, saúde, infraestrutura, turismo, segurança e defesa, dentre outras. Isso permite vislumbrar ações que contribuam para eliminar a pobreza, reduzir as assimetrias existentes, construir uma infraestrutura que permita ampliar o comércio na região e aprofundar a democracia, desafios destacados recentemente pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alto Representante-Geral do Mercosul (Agência Senado, 24/3/2011).
No momento atual, o Mercosul reúne mais razões de otimismo que os demais blocos. A União Europeia, sob crise aguda, vive um de seus piores momentos. O Nafta acentou os problemas da economia mexicana (o comércio que mais cresce com seu vizinho, do outro lado do Rio Grande, é o de drogas), e os Estados Unidos patinam para superar a recessão. A APEC, além de muito heterogênea e pouco institucionalizada, pouco avançou diante da competição entre seus países, que disputam muitas vezes o mesmo espaço. A China, por exemplo, tem crescido, além de seus méritos próprios, sobre um declínio relativo do Japão.
Há 20 anos, quem seria capaz de dizer que se chegaria tão longe?
Referências:
(1) ”KUPCHAN, Charles A. How Enemies Become Friends. Princeton: Princeton University, march 2010)
(2) SOUZA, André de Mello e Souza, OLIVEIRA, Ivan Tiago Machado e GONÇALVES, Samo Sérgio. Integrando desiguais: assimetrias estruturais e políticas de integração no Mercosul. Rio de Janeiro: IPEA, março de 2010. Texto de Discussão no. 1477.
(3) TOMAZONI, Edegar Luis. Turismo como Desafio do Desenvolvimento Econômico do Mercosul na Era da Globalização. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 2008.
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quinta-feira, 24 de março de 2011
blog do nassif - Dez anos sem Milton Santos
Enviado por luisnassif, qui, 24/03/2011 - 09:42
Autor: Silvio Tendler
Por Paulo Kautscher
Sempre com seu sorriso nos lábios e o olhar que revelavam sua clarividência desde o primeiro momento em que começava a se manifestar
No inicio de 2001 entrevistei o professor Milton Santos. A riqueza do depoimento do geógrafo me obrigou a transformá-lo no filme "Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá". Lá pelas tantas o professor critica a "neutralidade" dos analistas econômicos dizendo que eles defendiam os interesses das empresas que serviam.
Dez anos depois o cineasta Charles Ferguson em seu magnífico filme "Inside Job" esmiúça em detalhes a fala de Milton Santos e revela a promiscuidade nos Estados Unidos entre bancos, governo e universidades. Revela a ciranda entre universitários que servem a bancos e empresas financeiras, vão para o governo, enriquecem nesse trajeto, não pagam impostos, escrevem pareceres milionários para governos estrangeiros induzindo a adotarem políticas que favoreçam o sistema financeiro internacional. Quebram aplicadores e fundos de pensão incentivando a investirem em papéis, que já sabiam, com antecedência, micados. E quando são demitidos das instituições financeiras partem com indenizações milionárias. Acertadamente este filme ganhou o Oscar de melhor documentário de 2011.
Na outra ponta da história está o filme "Biutiful" do Mexicano Alezandro Gonzalez Iñarritu, rodado em Barcelona e narra a vida dos fodidos, das vitimas do sistema financeiro internacional: africanos e chineses que vão para a Espanha para escapar da fome e do desemprego e se submetem a condições de vida sub-humanas. O trabalho do ator Javier Bardem rendeu o prêmio de melhor ator do Festival de Cannes de 2010.
São filmes para ninguém botar defeito e desconstroem as perversidades do mundo em que estamos vivendo.
Em discurso recente em Wisconsin, solidário aos trabalhadores que lutam contra novas gatunagens, o colega estadunidense Michael Moore declarou:
"Vou repetir. 400 norte-americanos obscenamente ricos, a maior parte dos quais foram beneficiados no ‘resgate’ de 2008, pago aos bancos, com muitos trilhões de dólares dos contribuintes, têm hoje a mesma quantidade de dinheiro, ações e propriedades que tudo que 155 milhões de norte-americanos conseguiram juntar ao longo da vida, tudo somado. Se dissermos que fomos vítimas de um golpe de estado financeiro, não estamos apenas certos, mas, além disso, também sabemos, no fundo do coração, que estamos certos.
Mas não é fácil dizer isso, e sei por quê. Para nós, admitir que deixamos um pequeno grupo roubar praticamente toda a riqueza que faz andar nossa economia, é o mesmo que admitir que aceitamos, humilhados, a ideia de que, de fato, entregamos sem luta a nossa preciosa democracia à elite endinheirada. Wall Street, os bancos, os 500 da revistaFortune governam hoje essa República – e, até o mês passado, todos nós, o resto, os milhões de norte-americanos, nos sentíamos impotentes, sem saber o que fazer".
E arrematou com maestria e indignação:
"...Falei com o meu coração, sobre os milhões de nossos compatriotas americanos que tiveram suas casas e empregos roubados por uma classe criminosa de milionários e bilionários. Foi na manhã seguinte ao Oscar, na qual o vencedor de melhor documentário por "Inside Job" estava ao microfone e declarou: "Devo começar por salientar que, três anos depois de nossa terrível crise financeira causada por fraude financeira, nem mesmo um único executivo financeiro foi para a cadeia. E isso é errado. "E ele foi aplaudido por dizer isso. (Quando eles pararam de vaiar discursos de Oscar? Droga!)"
Esse ano celebramos os dez anos da morte do professor Milton Santos. Quem quiser ler "Por uma Outra Globalização" do Professor Milton Santos encontrará um diagnóstico perfeito do processo de globalização que gestou as mazelas descritas em "Inside Job" e "Biutiful". Quem quiser reencontrá-lo em "Encontro Com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá", estará celebrando a vida e o pensamento de um dos maiores pensadores do Século 20, capaz de ter antecipado muito do que estamos vivendo hoje. Sempre com seu sorriso nos lábios e o olhar que revelavam sua clarividência desde o primeiro momento em que começava a se manifestar.
Silvio Tendler é cineasta, diretor de Os anos JK, Jango Utopia & barbárie, entre outros documentários.
Crônica originalmente publicada na edição 420 do Brasil de Fato
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terça-feira, 15 de março de 2011
blog do nassif - A entrevista de Lula à BBC Brasil
Enviado por luisnassif, seg, 14/03/2011 - 12:00
Da BBC Brasil
Lula diz que crise no Oriente Médio 'é um bem para a democracia'
Paula Daibert
De Doha para a BBC Brasil
Lula participou de fórum sobre mudanças no mundo árabe em Doha
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em entrevista exclusiva à BBC Brasil, que as rebeliões que sacodem o Oriente Médio são "um bem para a democracia".
Na opinião de Lula, que participou do fórum "O mundo árabe em transição: o futuro chegou?", promovido pela rede de TV Al Jazeera em Doha, no Catar, os protestos devem promover mudanças na região como o aumento da preocupação com a população jovem e com a distribuição de renda.
"Uma fruta, por mais gostosa que seja, quando fica no pé e você não a colhe no tempo certo, apodrece e cai. O mesmo acontece com os governantes. Na medida em que vai passando o tempo, na medida em que a juventude começa a perder a esperança, acontece o que está acontecendo", disse Lula, recorrendo a uma de suas famosas metáforas, ao comentar as rebeliões no Oriente Médio.
O ex-presidente negou ter sido sondado pela Venezuela para liderar uma comissão de mediação da crise na região, mas defendeu a aproximação do Brasil com países do Oriente Médio e disse que isso aumenta a independência tanto do Brasil como da região em relação aos Estados Unidos.
"O Brasil não quer pedir licença, o Brasil quer ser respeitado, ser tratado como adulto", afirmou Lula, ao comentar a ambição brasileira de exercer um papel de liderança no cenário internacional.
O ex-presidente também abordou sua relação com a presidente Dilma Rousseff ao dizer que mantêm contato próximo com ela e que não há divergências entre eles: "O dia em que tiver divergência entre eu e ela, ela terá razão".
Lula disse ainda que está feliz na condição de ex-presidente, que ter deixado o poder com 85% de aprovação o deixa com "a sensação de dever cumprido", e que ainda é cedo para dizer o que fará no futuro - se voltará para a política no Brasil ou se candidatará a algum cargo internacional.
Leia abaixo a entrevista do ex-presidente Lula à BBC Brasil.
BBC Brasil - Qual a sensação de, depois de dois mandatos, deixar o governo com mais de 85% de aprovação?
Luiz Inácio Lula da Silva - É uma sensação de dever cumprido. Quando eu disputei (as eleições para) o primeiro e o segundo mandato, nós tínhamos traçado o objetivo de construir um Brasil diferente, com inclusão social, distribuição de renda, geração de empregos. Da volta do desenvolvimento do Brasil. E também tínhamos estabelecido a ideia de fazer com que o Brasil tivesse uma inserção no mundo mais importante. E nós atingimos o objetivo. Nós superamos as expectativas até de gente nossa. Eu sinto hoje o prazer de ter valido a pena ter perdido três eleições, de ter tido paciência e de ter esperado para ganhar as eleições e provar que nós éramos capazes de fazer mais do que aqueles que tinham governado antes de nós. E também o prazer de saber que a presidente Dilma Rousseff pegou um país muito mais estruturado, com muito mais investimento no setor produtivo, muito mais possibilidade de avançar do que eu peguei. Estou feliz de estar nessa nova função de ex-presidente.
BBC Brasil - Há alguma coisa que o senhor gostaria de ter resolvido no Brasil em seus dois mandatos como presidente e que não conseguiu?
Lula - Deve ter muita coisa. Tem muita coisa que começamos e que não terminamos, que vai terminar agora. Agora temos uma preocupação extraordinária: vamos ter a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos no Rio em 2016. Sempre há pessimistas que dizem que vai ter problema. Nós não teremos problemas com aeroportos, com segurança. Eu sou muito otimista. Se você me perguntasse: "o que falta fazer no Brasil?", eu diria: "muita coisa". Certamente vamos descobrindo ao longo do tempo. O tempo vai se encarregar de dizer, e nossos adversários também vão descobrir. Agora vamos torcer para que a companheira Dilma faça tudo aquilo que falta fazer.
BBC Brasil - E qual é a sua avaliação desses quase 100 dias de governo Dilma?
Lula - Posso te dizer que foram muito mais tranquilos do que os meus primeiros 100 dias. Porque a Dilma hoje praticamente não tem problemas. Ela tem, coordenado por ela mesma, a contratação de 1 milhão de casas do programa Minha Casa, Minha Vida número 1, e agora começa a contratar 2 milhões de casas para o programa número 2. Ela tem praticamente R$ 995 bilhões de investimentos no PAC 2, ela tem, só da Petrobras, US$ 224 bilhões em investimentos até 2014, uma quantidade enorme de coisas para inaugurar, 46 escolas técnicas que estão em fase de término. Já deu um aumento para o Bolsa Família, que foi uma coisa importantíssima. Está trabalhando em um projeto para acabar definitivamente com a miséria no Brasil. Não houve nenhuma grande realização nesses 100 primeiros dias de governo, porque não é possível ter. Um filho leva nove meses para ser gerado, você imagina uma grande obra? Mas ela tem o Brasil na cabeça, tem os projetos prontos. Eu acho que a Dilma vai fazer um governo excepcional para o Brasil.
BBC Brasil - E como é atualmente a relação do senhor com a presidente? Vocês mantêm contato frequente?
Lula - Mantemos, conversamos sempre. Nos encontramos quatro vezes depois que eu deixei a Presidência. De vez em quando, querem dizer que existem divergências entre eu e a Dilma. Não vai existir nunca divergência entre eu e a Dilma, porque o dia em que tiver divergência entre eu e ela, ela terá razão.
BBC Brasil - Como o senhor avalia a atual situação no Oriente Médio e qual papel o Brasil pode desempenhar nessa crise, principalmente na Líbia?
Lula - É preciso ter cuidado para não tentarmos dar palpite equivocado em um processo ainda em construção. Até agora, alguns governos foram derrubados. O que vai acontecer depois, ainda é mais dúvida do que certeza. Que tipo de Constituição vai existir em cada país? Que tipo de gente vai ser eleita? Porque se a derrubada desses governos se deu sem uma organização estruturada do ponto de vista político, é muito difícil você montar governo e construir instituições sólidas. Uma fruta, por mais gostosa que seja, quando fica no pé e você não a colhe no tempo certo, apodrece e cai. O mesmo acontece com os governantes. Na medida em que vai passando o tempo, na medida em que a juventude começa a perder a esperança, acontece o que está acontecendo.
Eu acho que é um bem para a democracia. É preciso que o presidente líbio, Muamar Khadafi, se disponha a negociar com as pessoas que estão lutando, porque não pode continuar havendo violência. É preciso que ele se disponha a conversar ou que convoque uma eleição, um referendo, alguma coisa, para que seja possível medir o tamanho do desejo do povo da saída (de Khadafi do governo). Mas eu acho que esse é um processo normal, que aconteceu no Brasil, por ocasião do regime militar, em 1983 e 1984, durante a campanha para eleições diretas, aconteceu na Argentina, no Chile, no Uruguai, no Paraguai, e agora é a vez do Oriente Médio. Eu acho que esse processo é bom. Depois disso, poderemos colher a sensação de um Oriente Médio renovado, mais preocupado com a juventude, com a distribuição de renda, mais preocupado com a democracia.
BBC Brasil - Foram divulgadas notícias sobre um pedido da Venezuela para que o senhor liderasse uma comissão internacional para mediar a crise na Líbia.
Lula - Isso é um boato falso. O próprio ministro de Exteriores da Venezuela desmentiu.
BBC Brasil - Durante seus dois mandatos, foi aberta a embaixada palestina no Brasil, foi criada a Cúpula América do Sul-Países Árabes, o senhor fez inúmeras viagens ao Oriente Médio. Qual é a importância das relações entre o Brasil e o Oriente Médio hoje?
Lula - Quanto mais forte for a relação do Brasil com o Oriente Médio, do ponto de vista comercial, político, econômico e cultural, menos o Oriente Médio será dependente da Europa e dos Estados Unidos, e menos o Brasil será dependente da Europa e dos Estados Unidos. Nós diversificamos as nossas relações. Durante séculos, nós estivemos afastados, e eu diria que por interesses econômicos das grandes potências. Não há motivo para governantes brasileiros passarem um século e meio sem ir a países do Oriente Médio. Acho que essas relações tendem a continuar crescendo.
BBC Brasil - E quais são o objetivos dessa política voltada não só para países árabes, mas também africanos e sul-americanos?
Lula - A ideia fundamental é tentar socializar as experiências bem sucedidas que nós tivemos no Brasil. Nem nós ainda temos noção do resultado de tudo que nós fizemos. Quando terminou meu segundo mandato, fiz questão, no dia 15 de dezembro (de 2010), de que todos os ministros registrassem em cartório tudo o que fizemos, porque daqui para frente é que vamos nos dar conta do que fizemos. Porque tirar 36 milhões de pessoas da pobreza e levar para a classe média, e tirar 28 milhões da pobreza extrema é resultado de um trabalho extraordinário de microcrédito, de financiamento, de distribuição de renda, de aumento de salário.
E eu quero mostrar essas coisas para outros países e ver se a gente consegue arrumar recursos para financiar essas coisas naqueles países. Não é possível que as pessoas não compreendam que quanto mais melhorar a África, melhora a Alemanha, melhoram os Estados Unidos, melhora o Brasil. Porque aumentam as relações entre os países, aumenta o poder de consumo, melhora a qualidade de vida das pessoas. Eu fiz uma boa amizade com os presidentes africanos, visitei 29 países. Eu, sozinho, visitei mais que (todos os presidentes de) toda a história da República do Brasil. Se eu puder ajudar Cabo Verde, Senegal, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, eu tenho que ajudar. E estou disposto a fazer esse esforço.
BBC Brasil - E qual é a importância do Brasil hoje em dia como uma espécie de líder nas relações Sul-Sul?
Lula - A palavra líder é muito delicada, porque a gente só lidera quem pede para ser liderado. E ninguém pediu para o Brasil liderar as relações Sul-Sul. O que tem que se levar em conta é que o Brasil é a maior economia, tem a maior população (da América Latina), e, portanto, é quase que normal que o país tenha um papel importante nessas relações. Mas qualquer um dos quatro países do Mercosul pode fala pelo Mercosul, qualquer um da Unasul pode falar em nome da Unasul. O Brasil tem uma maior inserção no mundo e tem a obrigação de fazer mais, de trabalhar mais e de propor mais coisas. Eu acho extraordinário que os países da América do Sul comecem a ser percebidos pelo mundo.
Acho que o Brasil começa a ser respeitado e ouvido, o mundo começa a perceber que nós temos o que propor. Isso é bom, porque houve o fim de uma bipolaridade, em que duas grandes potências diziam ao mundo o que fazer. Depois do fim da bipolaridade, ficou quase que uma posição única. No fundo, mandavam quase que só a União Europeia e os Estados Unidos. O Brasil não quer pedir licença, o Brasil quer ser respeitado, quer ser tratado como um adulto, que tem o que falar, que tem o fazer, que tem o que propor, que sabe negociar. Acho que a tendência daqui para frente é o Brasil se fortalecer muito mais na sua política externa, porque isso foi muito bom para o país e para o povo brasileiro.
Há dez anos, os brasileiros viajavam para o exterior e tinham vergonha de mostrar o passaporte, de dizer que eram brasileiros. Hoje os brasileiros têm orgulho, em qualquer lugar do mundo, de dizer "sou brasileiro". As pessoas já não conhecem mais o Brasil só pelo carnaval, pela violência, pelas favelas e pelo futebol. Elas conhecem o Brasil pelo acerto em sua política econômica, pelo acerto no tratamento da crise, pela descoberta do pré-sal, pela distribuição de renda, pela ascensão da classe pobre à classe média, por nossa política ambiental.
BBC Brasil - E o que o senhor tem feito? Quais são os planos para o futuro? O senhor pretende se candidatar a algum cargo internacional? Voltar para a política brasileira?
Lula - Tudo o que eu falar agora será precipitado. Eu tenho descansado, tenho trabalhado, feito palestras. No mês de março, eu vou a Portugal receber um título da Universidade de Coimbra, vou ao Paraguai em uma reunião sobre educação, vou ao Uruguai para a comemoração dos 40 anos da Frente Ampla. Vou no dia 5 de abril para Washington, para um debate promovido pela Microsoft, depois eu vou para Acapulco, no México, para Madri e para Londres
Da BBC Brasil
Lula diz que crise no Oriente Médio 'é um bem para a democracia'
Paula Daibert
De Doha para a BBC Brasil
Lula participou de fórum sobre mudanças no mundo árabe em Doha
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em entrevista exclusiva à BBC Brasil, que as rebeliões que sacodem o Oriente Médio são "um bem para a democracia".
Na opinião de Lula, que participou do fórum "O mundo árabe em transição: o futuro chegou?", promovido pela rede de TV Al Jazeera em Doha, no Catar, os protestos devem promover mudanças na região como o aumento da preocupação com a população jovem e com a distribuição de renda.
"Uma fruta, por mais gostosa que seja, quando fica no pé e você não a colhe no tempo certo, apodrece e cai. O mesmo acontece com os governantes. Na medida em que vai passando o tempo, na medida em que a juventude começa a perder a esperança, acontece o que está acontecendo", disse Lula, recorrendo a uma de suas famosas metáforas, ao comentar as rebeliões no Oriente Médio.
O ex-presidente negou ter sido sondado pela Venezuela para liderar uma comissão de mediação da crise na região, mas defendeu a aproximação do Brasil com países do Oriente Médio e disse que isso aumenta a independência tanto do Brasil como da região em relação aos Estados Unidos.
"O Brasil não quer pedir licença, o Brasil quer ser respeitado, ser tratado como adulto", afirmou Lula, ao comentar a ambição brasileira de exercer um papel de liderança no cenário internacional.
O ex-presidente também abordou sua relação com a presidente Dilma Rousseff ao dizer que mantêm contato próximo com ela e que não há divergências entre eles: "O dia em que tiver divergência entre eu e ela, ela terá razão".
Lula disse ainda que está feliz na condição de ex-presidente, que ter deixado o poder com 85% de aprovação o deixa com "a sensação de dever cumprido", e que ainda é cedo para dizer o que fará no futuro - se voltará para a política no Brasil ou se candidatará a algum cargo internacional.
Leia abaixo a entrevista do ex-presidente Lula à BBC Brasil.
BBC Brasil - Qual a sensação de, depois de dois mandatos, deixar o governo com mais de 85% de aprovação?
Luiz Inácio Lula da Silva - É uma sensação de dever cumprido. Quando eu disputei (as eleições para) o primeiro e o segundo mandato, nós tínhamos traçado o objetivo de construir um Brasil diferente, com inclusão social, distribuição de renda, geração de empregos. Da volta do desenvolvimento do Brasil. E também tínhamos estabelecido a ideia de fazer com que o Brasil tivesse uma inserção no mundo mais importante. E nós atingimos o objetivo. Nós superamos as expectativas até de gente nossa. Eu sinto hoje o prazer de ter valido a pena ter perdido três eleições, de ter tido paciência e de ter esperado para ganhar as eleições e provar que nós éramos capazes de fazer mais do que aqueles que tinham governado antes de nós. E também o prazer de saber que a presidente Dilma Rousseff pegou um país muito mais estruturado, com muito mais investimento no setor produtivo, muito mais possibilidade de avançar do que eu peguei. Estou feliz de estar nessa nova função de ex-presidente.
BBC Brasil - Há alguma coisa que o senhor gostaria de ter resolvido no Brasil em seus dois mandatos como presidente e que não conseguiu?
Lula - Deve ter muita coisa. Tem muita coisa que começamos e que não terminamos, que vai terminar agora. Agora temos uma preocupação extraordinária: vamos ter a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos no Rio em 2016. Sempre há pessimistas que dizem que vai ter problema. Nós não teremos problemas com aeroportos, com segurança. Eu sou muito otimista. Se você me perguntasse: "o que falta fazer no Brasil?", eu diria: "muita coisa". Certamente vamos descobrindo ao longo do tempo. O tempo vai se encarregar de dizer, e nossos adversários também vão descobrir. Agora vamos torcer para que a companheira Dilma faça tudo aquilo que falta fazer.
BBC Brasil - E qual é a sua avaliação desses quase 100 dias de governo Dilma?
Lula - Posso te dizer que foram muito mais tranquilos do que os meus primeiros 100 dias. Porque a Dilma hoje praticamente não tem problemas. Ela tem, coordenado por ela mesma, a contratação de 1 milhão de casas do programa Minha Casa, Minha Vida número 1, e agora começa a contratar 2 milhões de casas para o programa número 2. Ela tem praticamente R$ 995 bilhões de investimentos no PAC 2, ela tem, só da Petrobras, US$ 224 bilhões em investimentos até 2014, uma quantidade enorme de coisas para inaugurar, 46 escolas técnicas que estão em fase de término. Já deu um aumento para o Bolsa Família, que foi uma coisa importantíssima. Está trabalhando em um projeto para acabar definitivamente com a miséria no Brasil. Não houve nenhuma grande realização nesses 100 primeiros dias de governo, porque não é possível ter. Um filho leva nove meses para ser gerado, você imagina uma grande obra? Mas ela tem o Brasil na cabeça, tem os projetos prontos. Eu acho que a Dilma vai fazer um governo excepcional para o Brasil.
BBC Brasil - E como é atualmente a relação do senhor com a presidente? Vocês mantêm contato frequente?
Lula - Mantemos, conversamos sempre. Nos encontramos quatro vezes depois que eu deixei a Presidência. De vez em quando, querem dizer que existem divergências entre eu e a Dilma. Não vai existir nunca divergência entre eu e a Dilma, porque o dia em que tiver divergência entre eu e ela, ela terá razão.
BBC Brasil - Como o senhor avalia a atual situação no Oriente Médio e qual papel o Brasil pode desempenhar nessa crise, principalmente na Líbia?
Lula - É preciso ter cuidado para não tentarmos dar palpite equivocado em um processo ainda em construção. Até agora, alguns governos foram derrubados. O que vai acontecer depois, ainda é mais dúvida do que certeza. Que tipo de Constituição vai existir em cada país? Que tipo de gente vai ser eleita? Porque se a derrubada desses governos se deu sem uma organização estruturada do ponto de vista político, é muito difícil você montar governo e construir instituições sólidas. Uma fruta, por mais gostosa que seja, quando fica no pé e você não a colhe no tempo certo, apodrece e cai. O mesmo acontece com os governantes. Na medida em que vai passando o tempo, na medida em que a juventude começa a perder a esperança, acontece o que está acontecendo.
Eu acho que é um bem para a democracia. É preciso que o presidente líbio, Muamar Khadafi, se disponha a negociar com as pessoas que estão lutando, porque não pode continuar havendo violência. É preciso que ele se disponha a conversar ou que convoque uma eleição, um referendo, alguma coisa, para que seja possível medir o tamanho do desejo do povo da saída (de Khadafi do governo). Mas eu acho que esse é um processo normal, que aconteceu no Brasil, por ocasião do regime militar, em 1983 e 1984, durante a campanha para eleições diretas, aconteceu na Argentina, no Chile, no Uruguai, no Paraguai, e agora é a vez do Oriente Médio. Eu acho que esse processo é bom. Depois disso, poderemos colher a sensação de um Oriente Médio renovado, mais preocupado com a juventude, com a distribuição de renda, mais preocupado com a democracia.
BBC Brasil - Foram divulgadas notícias sobre um pedido da Venezuela para que o senhor liderasse uma comissão internacional para mediar a crise na Líbia.
Lula - Isso é um boato falso. O próprio ministro de Exteriores da Venezuela desmentiu.
BBC Brasil - Durante seus dois mandatos, foi aberta a embaixada palestina no Brasil, foi criada a Cúpula América do Sul-Países Árabes, o senhor fez inúmeras viagens ao Oriente Médio. Qual é a importância das relações entre o Brasil e o Oriente Médio hoje?
Lula - Quanto mais forte for a relação do Brasil com o Oriente Médio, do ponto de vista comercial, político, econômico e cultural, menos o Oriente Médio será dependente da Europa e dos Estados Unidos, e menos o Brasil será dependente da Europa e dos Estados Unidos. Nós diversificamos as nossas relações. Durante séculos, nós estivemos afastados, e eu diria que por interesses econômicos das grandes potências. Não há motivo para governantes brasileiros passarem um século e meio sem ir a países do Oriente Médio. Acho que essas relações tendem a continuar crescendo.
BBC Brasil - E quais são o objetivos dessa política voltada não só para países árabes, mas também africanos e sul-americanos?
Lula - A ideia fundamental é tentar socializar as experiências bem sucedidas que nós tivemos no Brasil. Nem nós ainda temos noção do resultado de tudo que nós fizemos. Quando terminou meu segundo mandato, fiz questão, no dia 15 de dezembro (de 2010), de que todos os ministros registrassem em cartório tudo o que fizemos, porque daqui para frente é que vamos nos dar conta do que fizemos. Porque tirar 36 milhões de pessoas da pobreza e levar para a classe média, e tirar 28 milhões da pobreza extrema é resultado de um trabalho extraordinário de microcrédito, de financiamento, de distribuição de renda, de aumento de salário.
E eu quero mostrar essas coisas para outros países e ver se a gente consegue arrumar recursos para financiar essas coisas naqueles países. Não é possível que as pessoas não compreendam que quanto mais melhorar a África, melhora a Alemanha, melhoram os Estados Unidos, melhora o Brasil. Porque aumentam as relações entre os países, aumenta o poder de consumo, melhora a qualidade de vida das pessoas. Eu fiz uma boa amizade com os presidentes africanos, visitei 29 países. Eu, sozinho, visitei mais que (todos os presidentes de) toda a história da República do Brasil. Se eu puder ajudar Cabo Verde, Senegal, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, eu tenho que ajudar. E estou disposto a fazer esse esforço.
BBC Brasil - E qual é a importância do Brasil hoje em dia como uma espécie de líder nas relações Sul-Sul?
Lula - A palavra líder é muito delicada, porque a gente só lidera quem pede para ser liderado. E ninguém pediu para o Brasil liderar as relações Sul-Sul. O que tem que se levar em conta é que o Brasil é a maior economia, tem a maior população (da América Latina), e, portanto, é quase que normal que o país tenha um papel importante nessas relações. Mas qualquer um dos quatro países do Mercosul pode fala pelo Mercosul, qualquer um da Unasul pode falar em nome da Unasul. O Brasil tem uma maior inserção no mundo e tem a obrigação de fazer mais, de trabalhar mais e de propor mais coisas. Eu acho extraordinário que os países da América do Sul comecem a ser percebidos pelo mundo.
Acho que o Brasil começa a ser respeitado e ouvido, o mundo começa a perceber que nós temos o que propor. Isso é bom, porque houve o fim de uma bipolaridade, em que duas grandes potências diziam ao mundo o que fazer. Depois do fim da bipolaridade, ficou quase que uma posição única. No fundo, mandavam quase que só a União Europeia e os Estados Unidos. O Brasil não quer pedir licença, o Brasil quer ser respeitado, quer ser tratado como um adulto, que tem o que falar, que tem o fazer, que tem o que propor, que sabe negociar. Acho que a tendência daqui para frente é o Brasil se fortalecer muito mais na sua política externa, porque isso foi muito bom para o país e para o povo brasileiro.
Há dez anos, os brasileiros viajavam para o exterior e tinham vergonha de mostrar o passaporte, de dizer que eram brasileiros. Hoje os brasileiros têm orgulho, em qualquer lugar do mundo, de dizer "sou brasileiro". As pessoas já não conhecem mais o Brasil só pelo carnaval, pela violência, pelas favelas e pelo futebol. Elas conhecem o Brasil pelo acerto em sua política econômica, pelo acerto no tratamento da crise, pela descoberta do pré-sal, pela distribuição de renda, pela ascensão da classe pobre à classe média, por nossa política ambiental.
BBC Brasil - E o que o senhor tem feito? Quais são os planos para o futuro? O senhor pretende se candidatar a algum cargo internacional? Voltar para a política brasileira?
Lula - Tudo o que eu falar agora será precipitado. Eu tenho descansado, tenho trabalhado, feito palestras. No mês de março, eu vou a Portugal receber um título da Universidade de Coimbra, vou ao Paraguai em uma reunião sobre educação, vou ao Uruguai para a comemoração dos 40 anos da Frente Ampla. Vou no dia 5 de abril para Washington, para um debate promovido pela Microsoft, depois eu vou para Acapulco, no México, para Madri e para Londres
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pós-Lula
sábado, 12 de março de 2011
DITADURA - blog do zé - Globo tenta abortar Comissão da Verdade
José Dirceu, publicados em seu blog:
Com editorial com o título "Os militares e as vítimas da ditadura", no qual se perfila hoje com as Forças Armadas contra a criação da Comissão da Verdade, que vai investigar os crimes do regime militar, o jornal O Globo faz jus ao seu passado de apoio à ditadura e à repressão aos que a ela resistiram.
No título, que se pretende neutro, na verdade o jornal demonstra não ter coragem de assumir o que vai publicar e defender em seguida no editorial. No texto considera que "é necessário saber o destino dos desaparecidos e também os delitos da esquerda".
Em outras palavras, assume a posição das Forças Armadas que são contra a Comissão, mas como a sabem inevitável, querem a reciprocidade, investigar a esquerda, a oposição e os que integraram a resistência à ditadura.
Esquerda já foi investigada e julgada
O jornal finge esquecer-se que estes já foram julgados. A maioria, apesar de civis, por tribunais militares de exceção e, quando condenados, cumpriram duras penas. Muitos foram torturados, banidos, exilados, assassinados. O jornal quer que sejam investigados e julgados duas vezes?
É o que defendem. Querem nos investigar porque lutamos contra a ditadura. Agora, imagina se nós quiséssemos investigar as Organizações Globo pelo apoio a ditadura!
Ou, por aquela velha denúncia, por muito tempo repetida pelo falecido governador Leonel Brizola, de que o sistema Globo foi montado no pós-golpe militar de 1964 e se tornou esta potência com o apoio - financeiro, inclusive e principalmente - do grupo de comunicação norte-americano Time-Life, o que já era proibido à época pela legislação brasileira.
*****
Sistema é a vanguarda do atraso na mídia
Não é nenhuma novidade esta posição do jornal O Globo hoje, com este seu editorial em que se posiciona ao lado dos militares e contra a criação da Comissão da Verdade para investigação dos crimes da ditadura militar. O jornal sempre se alinhou ao que houve de mais obscurantista, retrógrado e reacionário na história do país.
Esteve, por exemplo, com a velha UDN de guerra e com um de seus líderes, Carlos Lacerda, na oposição a Getúlio Vargas (1950-1954); foi contra os pontos positivos do governo Juscelino Kubitschek (1956-1960); aliou-se à reação e pregou abertamente o golpe militar de 1964 que derrubou o presidente constitucional João Goulart (1961-1964); e foi um entusiasta apoiador dos oito anos de tucanato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Também a TV Globo, do mesmo grupo e linha editorial do jornal, pelo apoio e sustentação que dava ao regime militar ignorou e boicotou solenemente a campanha das Diretas Já pela volta das eleições para presidente da República.
Um aliado permanente dos reacionários
Só a noticiou quando o movimento se tornou vitorioso e ficaram evidentes os sinais de derrota da ditadura e que ela se aproximava do seu fim. O 1º grande comício da campanha das Diretas Já, por exemplo, de 25 de janeiro de 1984, na Praça da Sé, a TV Globo noticiou como uma festa pelo aniversário de São Paulo. Nenhuma menção ao objetivo da manifestação.
Se alguém quiser ver alguma novidade no editorial de O Globo de hoje, encontrará só o fato de que o jornal abandonou o lema que seguiu durante os 21 anos de ditadura militar, de que "há governo sou a favor". Está contra esta iniciativa do governo Dilma Rousseff, de criar a Comissão da Verdade. Como aliás, todo o tempo foi contra o governo Lula.
Mas, por seu passado e história, não surpreende.
Com editorial com o título "Os militares e as vítimas da ditadura", no qual se perfila hoje com as Forças Armadas contra a criação da Comissão da Verdade, que vai investigar os crimes do regime militar, o jornal O Globo faz jus ao seu passado de apoio à ditadura e à repressão aos que a ela resistiram.
No título, que se pretende neutro, na verdade o jornal demonstra não ter coragem de assumir o que vai publicar e defender em seguida no editorial. No texto considera que "é necessário saber o destino dos desaparecidos e também os delitos da esquerda".
Em outras palavras, assume a posição das Forças Armadas que são contra a Comissão, mas como a sabem inevitável, querem a reciprocidade, investigar a esquerda, a oposição e os que integraram a resistência à ditadura.
Esquerda já foi investigada e julgada
O jornal finge esquecer-se que estes já foram julgados. A maioria, apesar de civis, por tribunais militares de exceção e, quando condenados, cumpriram duras penas. Muitos foram torturados, banidos, exilados, assassinados. O jornal quer que sejam investigados e julgados duas vezes?
É o que defendem. Querem nos investigar porque lutamos contra a ditadura. Agora, imagina se nós quiséssemos investigar as Organizações Globo pelo apoio a ditadura!
Ou, por aquela velha denúncia, por muito tempo repetida pelo falecido governador Leonel Brizola, de que o sistema Globo foi montado no pós-golpe militar de 1964 e se tornou esta potência com o apoio - financeiro, inclusive e principalmente - do grupo de comunicação norte-americano Time-Life, o que já era proibido à época pela legislação brasileira.
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Sistema é a vanguarda do atraso na mídia
Não é nenhuma novidade esta posição do jornal O Globo hoje, com este seu editorial em que se posiciona ao lado dos militares e contra a criação da Comissão da Verdade para investigação dos crimes da ditadura militar. O jornal sempre se alinhou ao que houve de mais obscurantista, retrógrado e reacionário na história do país.
Esteve, por exemplo, com a velha UDN de guerra e com um de seus líderes, Carlos Lacerda, na oposição a Getúlio Vargas (1950-1954); foi contra os pontos positivos do governo Juscelino Kubitschek (1956-1960); aliou-se à reação e pregou abertamente o golpe militar de 1964 que derrubou o presidente constitucional João Goulart (1961-1964); e foi um entusiasta apoiador dos oito anos de tucanato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Também a TV Globo, do mesmo grupo e linha editorial do jornal, pelo apoio e sustentação que dava ao regime militar ignorou e boicotou solenemente a campanha das Diretas Já pela volta das eleições para presidente da República.
Um aliado permanente dos reacionários
Só a noticiou quando o movimento se tornou vitorioso e ficaram evidentes os sinais de derrota da ditadura e que ela se aproximava do seu fim. O 1º grande comício da campanha das Diretas Já, por exemplo, de 25 de janeiro de 1984, na Praça da Sé, a TV Globo noticiou como uma festa pelo aniversário de São Paulo. Nenhuma menção ao objetivo da manifestação.
Se alguém quiser ver alguma novidade no editorial de O Globo de hoje, encontrará só o fato de que o jornal abandonou o lema que seguiu durante os 21 anos de ditadura militar, de que "há governo sou a favor". Está contra esta iniciativa do governo Dilma Rousseff, de criar a Comissão da Verdade. Como aliás, todo o tempo foi contra o governo Lula.
Mas, por seu passado e história, não surpreende.
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terça-feira, 8 de março de 2011
Origens do Dia Internacional da Mulher - ADRIANA JACOB CARNEIRO
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A proposta de perpetuar o 8 de março como Dia Internacional da Mulher foi feita no ano de 1921, em homenagem aos acontecimentos de Petrogrado
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A origem do Dia Internacional da Mulher, data significativa na luta pelos direitos das mulheres, vem sendo distorcida no Brasil e em diversos países. Na cobertura midiática, o dia 8 de março é associado a um incêndio que teria acontecido em 1857 em Nova York e provocado a morte de 129 trabalhadoras têxteis. Elas teriam sido queimadas como punição por um protesto por melhores condições de trabalho.
É importante destacar que houve, de fato, um incêndio, só que em 25 de março de 1911 e de forma diferente da narrada pela imprensa.
As chamas começaram quando um trabalhador acendeu um cigarro perto de um monte de tecidos e alastraram-se rapidamente. As portas das escadas de incêndio estavam trancadas por fora, para evitar que os funcionários saíssem mais cedo. O saldo foi de 146 vítimas fatais, 13 homens e 123 mulheres.
No edifício, funciona hoje a Faculdade de Química da Universidade de Nova York. O incêndio na Triangle Shirtwaist Company foi importante para a melhoria das condições de segurança de trabalhadores como um todo, e não apenas das mulheres, já que também havia homens entre as vítimas.
Um ano antes, em 1910, durante o 2º Congresso Internacional de Mulheres Socialistas em Copenhague, a alemã Clara Zetkin propôs que fosse designado um dia para a luta dos direitos das mulheres, sobretudo o direito ao voto.
Ou seja, o Dia Internacional da Mulher já existia antes do incêndio, mas era celebrado em datas variadas a cada ano.
Para compreender a escolha do 8 de março, remontamos ao dia 23 de fevereiro de 1917, 8 de março no calendário gregoriano. Naquela ocasião, as mulheres de Petrogrado, convertidas em chefes de família durante a guerra, saíram às ruas, cansadas da escassez e dos preços altos dos alimentos. No dia seguinte, eram mais de 190 mil.
Apesar da violenta repressão policial do período, os soldados não reagiram: ao contrário, eles se uniram às mulheres.
Aquele protesto espontâneo transformou-se no primeiro momento da Revolução de Outubro. A proposta de perpetuar o 8 de março como Dia Internacional da Mulher foi feita em 1921, em homenagem aos acontecimentos de Petrogrado.
Mas, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, em decorrência dos interesses do poder no período, seu conteúdo emancipatório foi se esvaziando. No fim dos anos 1960, a data foi retomada pela segunda onda do movimento feminista, ficando encoberta sua marca comunista original. Em 1975, a ONU oficializou o 8 de março como o Dia Internacional da Mulher.
Para além da distorção dos fatos históricos, um aspecto diferencia fundamentalmente a participação das mulheres nos dois episódios.
No incêndio da Triangle Shirtwaist, a mulher é vítima da opressão dos patrões e do fogo. Já nos protestos de 1917, ocupa uma posição de protagonismo. Encoberto, o fato deixa de mostrar a participação política das mulheres na construção de uma revolução que tem papel importante para a história mundial.
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ADRIANA JACOB CARNEIRO, jornalista, é mestranda do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia e pesquisadora em gênero e mídia do grupo Miradas Femininas
A proposta de perpetuar o 8 de março como Dia Internacional da Mulher foi feita no ano de 1921, em homenagem aos acontecimentos de Petrogrado
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A origem do Dia Internacional da Mulher, data significativa na luta pelos direitos das mulheres, vem sendo distorcida no Brasil e em diversos países. Na cobertura midiática, o dia 8 de março é associado a um incêndio que teria acontecido em 1857 em Nova York e provocado a morte de 129 trabalhadoras têxteis. Elas teriam sido queimadas como punição por um protesto por melhores condições de trabalho.
É importante destacar que houve, de fato, um incêndio, só que em 25 de março de 1911 e de forma diferente da narrada pela imprensa.
As chamas começaram quando um trabalhador acendeu um cigarro perto de um monte de tecidos e alastraram-se rapidamente. As portas das escadas de incêndio estavam trancadas por fora, para evitar que os funcionários saíssem mais cedo. O saldo foi de 146 vítimas fatais, 13 homens e 123 mulheres.
No edifício, funciona hoje a Faculdade de Química da Universidade de Nova York. O incêndio na Triangle Shirtwaist Company foi importante para a melhoria das condições de segurança de trabalhadores como um todo, e não apenas das mulheres, já que também havia homens entre as vítimas.
Um ano antes, em 1910, durante o 2º Congresso Internacional de Mulheres Socialistas em Copenhague, a alemã Clara Zetkin propôs que fosse designado um dia para a luta dos direitos das mulheres, sobretudo o direito ao voto.
Ou seja, o Dia Internacional da Mulher já existia antes do incêndio, mas era celebrado em datas variadas a cada ano.
Para compreender a escolha do 8 de março, remontamos ao dia 23 de fevereiro de 1917, 8 de março no calendário gregoriano. Naquela ocasião, as mulheres de Petrogrado, convertidas em chefes de família durante a guerra, saíram às ruas, cansadas da escassez e dos preços altos dos alimentos. No dia seguinte, eram mais de 190 mil.
Apesar da violenta repressão policial do período, os soldados não reagiram: ao contrário, eles se uniram às mulheres.
Aquele protesto espontâneo transformou-se no primeiro momento da Revolução de Outubro. A proposta de perpetuar o 8 de março como Dia Internacional da Mulher foi feita em 1921, em homenagem aos acontecimentos de Petrogrado.
Mas, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, em decorrência dos interesses do poder no período, seu conteúdo emancipatório foi se esvaziando. No fim dos anos 1960, a data foi retomada pela segunda onda do movimento feminista, ficando encoberta sua marca comunista original. Em 1975, a ONU oficializou o 8 de março como o Dia Internacional da Mulher.
Para além da distorção dos fatos históricos, um aspecto diferencia fundamentalmente a participação das mulheres nos dois episódios.
No incêndio da Triangle Shirtwaist, a mulher é vítima da opressão dos patrões e do fogo. Já nos protestos de 1917, ocupa uma posição de protagonismo. Encoberto, o fato deixa de mostrar a participação política das mulheres na construção de uma revolução que tem papel importante para a história mundial.
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ADRIANA JACOB CARNEIRO, jornalista, é mestranda do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia e pesquisadora em gênero e mídia do grupo Miradas Femininas
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mídia e poder - política - A democracia e a demonização da política - TARSO GENRO
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A maior parte dos partidos políticos está desatenta ao fato de que é preciso propor novas formas de organização do Estado e políticas públicas
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Novos sujeitos políticos estão surgindo no interior de um processo de desconstituição da política, que ocorre em escala mundial, após o fracasso das receitas neoliberais para a reforma do Estado.
Esses novos sujeitos florescem fora dos partidos, tanto nos regimes democráticos como nos países autoritários. Quem substitui os partidos, hoje, são as redes sociais, as organizações de defesa do direito das mulheres contra Berlusconi na Itália, os movimentos populares de jovens no Egito, os "banlieues" nas periferias de Paris.
Todos movimentos em rede, que não pedem licença aos partidos ou aos sindicatos. São designados pela mídia, equivocadamente, como "revoluções", mas sem ideologia unitária. O que pedem são reformas, reconhecimento, oportunidades de trabalho, democracia e participação. São movimentos relativamente espontâneos, não contra a política, mas por outra política.
Todo o espontaneísmo é sadio quando se desdobra, em algum momento, em organização consciente.
Torna-se perigoso e contraproducente, em termos democráticos, quando permanece só fluindo, sem substituir o "velho" por nova ordem: a desesperança, nesse caso, pode redundar em salvacionismo ditatorial reciclado, gerando situação inclusive pior que a anterior.
É visível que existe, em grande parte da mídia, também uma campanha contra a política e os políticos, o que, no fundo, é, independentemente do objetivo de alguns jornalistas, também uma campanha contra a democracia.
Ela generaliza o desprezo aos políticos e ao Estado, principalmente àqueles que ainda preservam traços de defesa do antigo Estado de bem-estar. São sempre os partidos políticos, porém, os legatários que reorganizam a sociedade, seja para mais coesão e mais igualdade, seja para mais hierarquia, diferenças sociais e autoritarismo.
É verdade que poucos partidos têm compreendido a profundidade desses movimentos, permanecendo incapazes de apresentar alternativas novas. A maioria, na defesa de seus programas de governo, cinge-se a doses maiores ou menores de "liberalismo" ou "keynesianismo".
Estão desatentos ao fato de que as relações culturais, científicas e econômicas globais mudaram tudo. E que hoje é preciso propor novas formas de organização do Estado, novos tipos de políticas públicas e também organizar um novo sistema de defesa da moral pública.
Mas "representação" e eleições, mal ou bem, sempre constituíram formas de resistência contra o domínio, sem limites, dos manipuladores do capital financeiro especulativo que controlam a vida pública das nações. Eleições e representação constituíram, sempre, "problemas" para os mentores das reformas neoliberais, que agora são os herdeiros políticos do seu fracasso.
O domínio da ideologia neoliberal, além de ter conseguido sua hegemonia a partir da ideia do "caminho único", agora requer conclusões únicas sobre os efeitos da crise, para diluir as responsabilidades de quem a gerou. Desmoralizar a política, partidos e políticos ajuda a desmoralizar as críticas ao fracasso do seu modelo de sociedade.
Por isso, as frequentes campanhas genéricas contra o Estado e contra os políticos em geral têm sido duras. São campanhas não contra o Estado ausente, que dispensa políticas sociais. Nem contra os políticos corruptos, em especial. Mas uma campanha abrangente contra o Estado e contra a política.
As lições do Oriente e também da Europa servem para todos nós que, imbuídos do "desenvolvimentismo econômico e social", defendemos que o Estado deve ser forte por ser transparente e acessível à participação popular. Jamais deve ser "fraco", para ser obrigado a aplicar as receitas da redução impiedosa dos gastos sociais. E, depois, eleger a caridade privada como meio de compensar desigualdades brutais que o neoliberalismo nos legou
A maior parte dos partidos políticos está desatenta ao fato de que é preciso propor novas formas de organização do Estado e políticas públicas
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Novos sujeitos políticos estão surgindo no interior de um processo de desconstituição da política, que ocorre em escala mundial, após o fracasso das receitas neoliberais para a reforma do Estado.
Esses novos sujeitos florescem fora dos partidos, tanto nos regimes democráticos como nos países autoritários. Quem substitui os partidos, hoje, são as redes sociais, as organizações de defesa do direito das mulheres contra Berlusconi na Itália, os movimentos populares de jovens no Egito, os "banlieues" nas periferias de Paris.
Todos movimentos em rede, que não pedem licença aos partidos ou aos sindicatos. São designados pela mídia, equivocadamente, como "revoluções", mas sem ideologia unitária. O que pedem são reformas, reconhecimento, oportunidades de trabalho, democracia e participação. São movimentos relativamente espontâneos, não contra a política, mas por outra política.
Todo o espontaneísmo é sadio quando se desdobra, em algum momento, em organização consciente.
Torna-se perigoso e contraproducente, em termos democráticos, quando permanece só fluindo, sem substituir o "velho" por nova ordem: a desesperança, nesse caso, pode redundar em salvacionismo ditatorial reciclado, gerando situação inclusive pior que a anterior.
É visível que existe, em grande parte da mídia, também uma campanha contra a política e os políticos, o que, no fundo, é, independentemente do objetivo de alguns jornalistas, também uma campanha contra a democracia.
Ela generaliza o desprezo aos políticos e ao Estado, principalmente àqueles que ainda preservam traços de defesa do antigo Estado de bem-estar. São sempre os partidos políticos, porém, os legatários que reorganizam a sociedade, seja para mais coesão e mais igualdade, seja para mais hierarquia, diferenças sociais e autoritarismo.
É verdade que poucos partidos têm compreendido a profundidade desses movimentos, permanecendo incapazes de apresentar alternativas novas. A maioria, na defesa de seus programas de governo, cinge-se a doses maiores ou menores de "liberalismo" ou "keynesianismo".
Estão desatentos ao fato de que as relações culturais, científicas e econômicas globais mudaram tudo. E que hoje é preciso propor novas formas de organização do Estado, novos tipos de políticas públicas e também organizar um novo sistema de defesa da moral pública.
Mas "representação" e eleições, mal ou bem, sempre constituíram formas de resistência contra o domínio, sem limites, dos manipuladores do capital financeiro especulativo que controlam a vida pública das nações. Eleições e representação constituíram, sempre, "problemas" para os mentores das reformas neoliberais, que agora são os herdeiros políticos do seu fracasso.
O domínio da ideologia neoliberal, além de ter conseguido sua hegemonia a partir da ideia do "caminho único", agora requer conclusões únicas sobre os efeitos da crise, para diluir as responsabilidades de quem a gerou. Desmoralizar a política, partidos e políticos ajuda a desmoralizar as críticas ao fracasso do seu modelo de sociedade.
Por isso, as frequentes campanhas genéricas contra o Estado e contra os políticos em geral têm sido duras. São campanhas não contra o Estado ausente, que dispensa políticas sociais. Nem contra os políticos corruptos, em especial. Mas uma campanha abrangente contra o Estado e contra a política.
As lições do Oriente e também da Europa servem para todos nós que, imbuídos do "desenvolvimentismo econômico e social", defendemos que o Estado deve ser forte por ser transparente e acessível à participação popular. Jamais deve ser "fraco", para ser obrigado a aplicar as receitas da redução impiedosa dos gastos sociais. E, depois, eleger a caridade privada como meio de compensar desigualdades brutais que o neoliberalismo nos legou
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domingo, 6 de março de 2011
Um novo estatuto do PT, nossa reforma política interna - ricardo berzoíni -
O 4º. Congresso Nacional do PT, em fevereiro de 2010, deliberou pela realização de um amplo debate a respeito de nossa trajetória organizativa e dos desafios presentes e futuros de nossa grande instituição partidária, que já completou 31 anos de vida. Esse debate tem por objetivo atualizar nosso estatuto partidário e reforçar os instrumentos institucionais internos que garantem nossa democracia e concepção organizativa.*
A resolução que estabeleceu essa reforma definiu uma pauta obrigatória, fruto das reflexões acerca da vivência política que nos levou a tantas vitórias importantes, mas que também passou por crises e impasses marcantes.
Devemos debater o financiamento da atividade partidária, ou seja, discutir sem reservas as formas de sustentar materialmente o partido e reduzir sua dependência de finaciamentos externos. Esse é um ponto decisivo para estabelecer, de forma transparente, uma estratégia permanente de viabilização do crescimento sustentável de nossa presença política na
sociedade.
O IV Congresso também destaca para debate o caráter coletivo das campanhas eleitorais do Partido, ou seja, como garantir que os projetos individuais não se sobreponham às demandas coletivas e à democracia interna. Em um partido como o PT, o risco de nos tornarmos reféns da estrutura política externa ao partido é sempre presente, quanto mais crescemos e nos tornamos atores decisivos da vida política da Nação.
Trataremos, também e especialmente, da necessidade de aumentar o número de filiados e melhorar a vida orgânica do Partido. O PT, na maioria das pesquisas de opinião, tem mais de 20% de simpatia popular, em torno do triplo do segundo colocado, o PMDB, que registra entre 6 a 9% dos pesquisados.É razoável que tenhamos a ambição de trazer 20% desses simpatizantes, para o ato de filiação formal ao partido com o qual se identificam. Isso representa quintuplicar nosso quadro. Mas para que isso seja uma conquista de consciência e participação, temos que tratar da ampliação da democracia interna, inclusive garantindo formação política e comunicação interna regular para o conjunto dos filiados. Por mais que o PT seja a experiência mais efetiva de participação partidária do Brasil, e referência para inúmeros partidos de outros países nesse aspecto, sabemos que há um enorme desafio para superar o abismo entre a filiação e a real participação democrática nos rumos da nossa vida interna.
As experiências positivas e negativas verificadas nos PEDs de 2001 a 2009 nos determinam o desafio de consolidar o instrumento do voto direto e afastar de nosso caminho os desvios típicos das disputas eleitorais despolitizadas. Para tanto, é necessidade urgente o fortalecimento da capacidade dirigente das instâncias partidárias.*
A combinação entre a agenda institucional do Partido e as lutas sociais determinam o caráter multifacetado de um partido que busca intervir nos mais variados espaços do Brasil. Para que isso se sustente em termos estratégicos, é vital capacitar o Partido para o debate ideológico e
programático em curso na sociedade brasileira.*
O debate que faremos será determinante para que nossa construção partidária se consolide nos próximos anos. Mais que discutir regras isoladas de eleição de instâncias, o fundamental é ousar no projeto organizativo e buscar a qualidade das relações políticas como insumo básico para nosso projeto político.
No momento em que a sociedade brasileira retoma a questão da reforma política, a primeira iniciativa de nossa reforma interna deve ser a participação das bases do partido na discussão. As centenas de milhares de filiados devem dar a demonstração de que esse não é um problema da direção, nem as respostas virão da cúpula. Nosso PT já mostrou que a militância é que defende e protege o partido, na luta pela democracia de nosso projeto
socialista.
Ricardo Berzoini é deputado federal (PT-SP) e presidirá a Comissão de Reforma Estatutária do PT
A resolução que estabeleceu essa reforma definiu uma pauta obrigatória, fruto das reflexões acerca da vivência política que nos levou a tantas vitórias importantes, mas que também passou por crises e impasses marcantes.
Devemos debater o financiamento da atividade partidária, ou seja, discutir sem reservas as formas de sustentar materialmente o partido e reduzir sua dependência de finaciamentos externos. Esse é um ponto decisivo para estabelecer, de forma transparente, uma estratégia permanente de viabilização do crescimento sustentável de nossa presença política na
sociedade.
O IV Congresso também destaca para debate o caráter coletivo das campanhas eleitorais do Partido, ou seja, como garantir que os projetos individuais não se sobreponham às demandas coletivas e à democracia interna. Em um partido como o PT, o risco de nos tornarmos reféns da estrutura política externa ao partido é sempre presente, quanto mais crescemos e nos tornamos atores decisivos da vida política da Nação.
Trataremos, também e especialmente, da necessidade de aumentar o número de filiados e melhorar a vida orgânica do Partido. O PT, na maioria das pesquisas de opinião, tem mais de 20% de simpatia popular, em torno do triplo do segundo colocado, o PMDB, que registra entre 6 a 9% dos pesquisados.É razoável que tenhamos a ambição de trazer 20% desses simpatizantes, para o ato de filiação formal ao partido com o qual se identificam. Isso representa quintuplicar nosso quadro. Mas para que isso seja uma conquista de consciência e participação, temos que tratar da ampliação da democracia interna, inclusive garantindo formação política e comunicação interna regular para o conjunto dos filiados. Por mais que o PT seja a experiência mais efetiva de participação partidária do Brasil, e referência para inúmeros partidos de outros países nesse aspecto, sabemos que há um enorme desafio para superar o abismo entre a filiação e a real participação democrática nos rumos da nossa vida interna.
As experiências positivas e negativas verificadas nos PEDs de 2001 a 2009 nos determinam o desafio de consolidar o instrumento do voto direto e afastar de nosso caminho os desvios típicos das disputas eleitorais despolitizadas. Para tanto, é necessidade urgente o fortalecimento da capacidade dirigente das instâncias partidárias.*
A combinação entre a agenda institucional do Partido e as lutas sociais determinam o caráter multifacetado de um partido que busca intervir nos mais variados espaços do Brasil. Para que isso se sustente em termos estratégicos, é vital capacitar o Partido para o debate ideológico e
programático em curso na sociedade brasileira.*
O debate que faremos será determinante para que nossa construção partidária se consolide nos próximos anos. Mais que discutir regras isoladas de eleição de instâncias, o fundamental é ousar no projeto organizativo e buscar a qualidade das relações políticas como insumo básico para nosso projeto político.
No momento em que a sociedade brasileira retoma a questão da reforma política, a primeira iniciativa de nossa reforma interna deve ser a participação das bases do partido na discussão. As centenas de milhares de filiados devem dar a demonstração de que esse não é um problema da direção, nem as respostas virão da cúpula. Nosso PT já mostrou que a militância é que defende e protege o partido, na luta pela democracia de nosso projeto
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Ricardo Berzoini é deputado federal (PT-SP) e presidirá a Comissão de Reforma Estatutária do PT
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quinta-feira, 3 de março de 2011
Política - viomundo - Zé Povinho: O que realmente interessa - cartamaior - ORTODOXIA À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS
2 de março de 2011 às 8:55
Sugestão do leitor Zé Povinho, a partir da Carta Maior — e do apetite insaciável de alguns por “tranquilizantes”:
ORTODOXIA À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS
Dilma corrige os valores do Bolsa Família e dá reajuste real ao benefício recebido por 12,9 milhões de famílias. O menor valor da transferencia de renda passa de R$ 22 para R$ 32; o maior, de R$ 200 para R$ 242. O benefício médio atual, de R$ 96, subiu para R$ 115. Famílias com filhos foram contempladas com as maiores taxas de aumento real. A reunião do Copom desta 4º feira servirá um ‘lexotan’ aos mercados. Se subir 0,5% a taxa de juro básica, a Selic, oferecerá aos rentistas um ‘tranquilizante’ da ordem de R$ 7,5 bilhões/ano; quase quatro vezes o gasto previsto com o reajuste do Bolsa Família que vai beneficiar 50 milhões de brasileiros pobres. Aguardemos a avaliação da mídia para cada um desses dispêndios fiscais.
(Carta Maior; 4º feira, 02/03/2011
Sugestão do leitor Zé Povinho, a partir da Carta Maior — e do apetite insaciável de alguns por “tranquilizantes”:
ORTODOXIA À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS
Dilma corrige os valores do Bolsa Família e dá reajuste real ao benefício recebido por 12,9 milhões de famílias. O menor valor da transferencia de renda passa de R$ 22 para R$ 32; o maior, de R$ 200 para R$ 242. O benefício médio atual, de R$ 96, subiu para R$ 115. Famílias com filhos foram contempladas com as maiores taxas de aumento real. A reunião do Copom desta 4º feira servirá um ‘lexotan’ aos mercados. Se subir 0,5% a taxa de juro básica, a Selic, oferecerá aos rentistas um ‘tranquilizante’ da ordem de R$ 7,5 bilhões/ano; quase quatro vezes o gasto previsto com o reajuste do Bolsa Família que vai beneficiar 50 milhões de brasileiros pobres. Aguardemos a avaliação da mídia para cada um desses dispêndios fiscais.
(Carta Maior; 4º feira, 02/03/2011
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viomundo - Blog da Mulher - Dilma e a ‘Operação doçura’ na mídia velha
2 de março de 2011 às 20:36
Por Conceição Oliveira do Blog Maria Frô, twitter: @maria_fro
Nas últimas semanas é de fato impressionante a ‘operação transformação‘ ocorrida na mídia velha em relação ao tratamento dado à imagem e à história de Dilma Rousseff. Para avaliar o tamanho da mudança, recordemos alguns breves episódios:
Folha e as ‘acusações de futuro’
A gama de adjetivos detratores que a então ex-ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, recebeu quando a velha mídia entendeu que ela seria a candidata à sucessão de Lula foi imensa. Desde 2009 pelo menos os ataques foram constantes: ‘terrorista’ com direito até a publicação em primeira página de spam produzido em blog de extrema-direita pela Folha de São Paulo; ‘princesinha nórdica‘ como gostava de repetir o ex-presidente FHC, ‘poste’, ‘imunda‘, ‘abortista‘, ‘assassina de criancinhas’, ‘lésbica’ (como se isso fosse um defeito grave) e ainda por cima ‘infiel’ e outros termos, somados a calúnias e factóides repetidos exaustivamente por políticos demotucanos, reverberados na mídia velha e retro-alimentados pela TFP, passando pelo Pró-vida, por Mônica Serra, mulher do candidato José Serra…
Tais calúnias e preconceitos de toda ordem inundaram a Internet nos blogs de extrema-direita oficiais e oficiosos, redes sociais, e-mail e foram materializados em panfletos colados em porta de igrejas, supermercados, postes nas ruas…
Durante a campanha, o jornal Folha de São Paulo fez até ‘acusação de futuro’ contra a candidata Dilma Rousseff. Ela respondeu as acusações denominando o jornal e a matéria de: “parciais, enviesados, escandalosos e de má-fé”:
Nem após a vitória de Dilma Rousseff sobre José Serra o jornal Folha de São Paulo, a revista Veja e afins lhe deram folga: dia 1 de novembro várias manchetes estampavam a ‘denúncia’, bem ao estilo do velho PIG, de que a presidenta não havia ido à festa da vitória celebrar com os militantes em Brasília. A intenção era, como sempre, a de reforçar a imagem de Dilma como ‘antipática’ e ‘anti-popular’.
PIG pedindo arrego e o tal ‘tapa com luvas de pelica’
Oito anos de ataques sistemáticos ao presidente Lula e a entrada com todas as fichas na campanha pró-Serra e contra Dilma Rousseff sangraram um pouco os recursos do PIG. Franklin Martins no comando da SECOM descentralizou a política de publicidade, fazendo com que pequenos jornais, rádios e tvs locais conseguissem uma fatia de publicidade governamental que até então era gasta em bloco para alimentar os grandes jornais do Rio de Janeiro e São Paulo e Tv Globo.
Na esperança de convencer a presidenta a esquecer as mágoas e com seu cargo e importância prestigiar a festa da Ditabranda, os irmãos Frias foram bater na porta do Planalto com o pires nas mãos. Foram atendidos: Dilma compareceu e fez um discurso lamentável, confundindo liberdade de imprensa com liberdade de expressão, chancelando o jornalismo da Folha.
Parecela da blogosfera lamentou o discurso da presidenta para a qual esta mesma blogofera entrou de cabeça na campanha afins de elegê-la contra uma candidatura que ameaçava não apenas os ganhos sociais do governo Lula, mas a manutenção dos parcos direitos civis que temos garantidos no país. Entre esta blogosfera que repudiou/lamentou o prestígio que a presidenta conferiu ao jornalismo ditabranda está esta blogueira, Maurício Caleiro, Eugênio Neves, Leandro Fortes, Eduardo Guimarães, Luiz Carlos Azenha. E mais uma vez a polêmica se instaurou entre a blogosfera à esquerda e/ou progressista, com blogueiros governistas acusando os críticos ao discurso laudatório aos 90 anos da Folha de ‘traíras’, ‘portadores de problemas psicológicos’ e outros termos detratores. Foi também bastante curiosa a operação que se deu na imagem dessa parcela da blogosfera de esquerda e/ou progressista: de blogueiros ‘chapa branca’ nos tornamos quase uma espécie de Soninha Francine, aliás alguns me disseram isso com todas as letras e me denominaram de ‘Miss Sabotagem’.
A presidenta em programas femininos de mulheres do século XX
Depois de uma semana bradando no twitter contra o discurso feito por Dilma Rousseff na festa da Folha Ditabranda, ontem pela manhã liguei a tevê na Globo (emissora que há anos não assisto e só acompanhei em dias de debate ou de ida de Dilma Rousseff durante a campanha). Não foi a toa que o programa em queda livre de audiência recuperou ibope: nunca dantes na história deste país esta blogueira feminista tinha assistido o Mais Você.
No dia anterior à exibição da entrevista fui intensamente provocada no twitter e respondia, mesmo sem saber como seria o programa, que não achava ruim a ida de Dilma ao Mais Você. Alguns ficaram confusos, porque para eles a ida de Dilma Rousseff no programa da Ana Maria Braga é da mesma categoria da ida à festa da Folha. Não é, e vou explicar os porquês.
O programa foi gravado, certamente com acompanhamento e anuência da equipe da presidenta; Dilma não precisou fazer discurso laudatório do casal 20; durante o enfrentamento do linfoma Dilma recebeu a solidariedade de Ana Maria Braga, que também teve câncer e não fez uso de seu gesto para se promover (fato revelado pela presidenta assim que começou o bate papo com a apresentadora); o programa tem como público alvo mulheres da classe C e D, mas Dilma falou, inclusive, para senhoras de sua idade que tiveram educação de classe média: leitoras da ‘Coleção das Moças’.
Foi uma chance ímpar de Dilma Rousseff passar mais de duas horas reconstruindo sua imagem para um público importantíssimo e de algum modo se aproximar dele. Em vários momentos a presidenta se dirigia para a câmera como se falasse a cada uma das telespectadoras. Algumas matérias na velha mídia chegaram a afirmar que isso era ‘vício de campanha’, equivocassem, isso é aprendizado de campanha. A presidenta, até mais que durante o período eleitoral, discorreu sobre uma série de programas voltados para as mulheres, problematizou a questão da desigualdade de gênero e não perdeu uma única chance de reforçar um discurso feminista e de auto-estima das mulheres.
Durante todo o programa houve empenho de Dilma (com grande ajuda de Ana Maria Braga e da edição da Rede Globo) em transmitir uma imagem da presidenta como uma mulher doce, governanta próxima de seus cidadãos, uma gestora competente, inteligente, capacitada, mas que sabe ouvir e acatar as críticas, que se emociona, que é uma amiga fiel…
Quem viu o programa se emocionou: Ana Maria Braga com sua voz suave, estava vestida de gala pra receber a presidenta: foi recebê-la na porta e apresentar todo o estúdio para Dilma. As telespectadoras puderam conhecer até mesmo o lago e a ponte sobre ele no entorno do estúdio de gravações do programa Mais Você. Soubemos até que ali se gravava o Sítio do Pica-pau Amarelo
A Globo com toda sua competência pra fazer televisão (para o bem ou para o mal) se esmerou na produção e nos depoimentos: de @pretozeze, o presidente da Cufa, ao ex-marido de Dilma, passando por amigas da juventude, crianças da escola vizinha do apartamento de Dilma em Porto Alegre e vizinhas de Dilma até a estilista que há 17 anos cuida de suas roupas e a quem a presidenta foi fiel na escolha do traje usado na posse.
A cada depoimento ouvíamos as pessoas mais próximas ou que tiveram convivência com a presidenta elogiar a sua doçura, fidelidade, competência e o orgulho que sentiam de Dilma. Uma ‘gracinha’ como diria Hebe Camargo.
O ex-marido e também ex-preso político, Carlos Franklin de Araújo, confessa ao som de uma música suave que se apaixonou à primeira vista, enquanto isso na tela, em quadro menor, Dilma abre um largo sorriso diante da declaração do ex-companheiro. Em off, o repórter faz questão de reafirmar que mesmo após a separação do casal, eles continuam grandes amigos, afirmação endossada pela bela mensagem que Carlos dedica à presidenta. Na sequência, em off, o repórter reafirma a idéia de uma mulher que é fiel a seus princípios e amizades, a partir do depoimento da psiquiatra Vera Stringuini, ex-presa política e amiga da presidenta. Em seu depoimento, Vera conta como se conheceram logo após ambas saírem da prisão durante a Ditadura Militar, fala de como aprenderam a dirigir automóveis, dos preconceitos enfrentado pelas mulheres no trânsito. Para mostrar o distanciamento de amigas tão solidárias durante a juventude, a edição intercala cenas de Dilma em sua trajetória administrativa e, em off, o repórter argumenta que a falta de tempo de Dilma para as amigas decorreu de seus compromissos políticos. Corta pra Vera, que foi convidada para a festa da posse no Itamaraty, e nos conta que Dilma não perdeu a doçura e a feminilidade: ambas amigas no reencontro elogiaram a maquiagem uma da outra. Vera diz: ” Por incrível que pareça, ou não tão incrível, é a minha amiga de sempre”.
Toda a sequência é positiva, a estilista que mostra que a presidenta é fiel e doce, a vizinha que se sente orgulhosa, a diretora da escola do prédio vizinho da presidenta que para além do orgulho de ter recebido visita tão ilustre, conta o quanto a Dilma foi respeitosa ao perguntar se podia ir visitar a escola. A chave de ouro dessa sequência simpática e reveladora do lado humanizado e doce de Dilma Rousseff é a entrevista com as crianças da escolinha que a presidenta visitou em 14 de dezembro do ano passado, dia de seu aniversário.
A personagem principal é um garoto fofo de 5 anos chamado João Pedro Vendruscolo. Extrovertido, espontâneo, o guri encantou a todos. O repórter do Mais Você pergunta ao menino João o que ele havia dito à presidenta quando ela visitou a escola. Ele responde: “Falei que ela é bonita”. O repórter complementa: “Mas não foi só isso que ele disse” e corta pra as cenas de arquivo do dia 14 de dezembro de 2010. Na arte editorial, uma seta aponta para João todo espevitado no meio de um grupo de crianças que rodeiam em festa a presidenta. Na cena seguinte vemos legendado o diálogo de João com a Dilma que, obviamente, a Globo não passou no Jornal Nacional, mesmo tendo mostrado as cenas no dia do aniversário da presidenta:
João: “Sabe que a Cláudia e minha mãe votaram em ti?”
Dilma: “Votaram em mim? Mas que legal!”
João: “E que o Serra não ganhou?”
Corta novamente para entrevista de João que nos revela que ficou triste por não ter sido convidado para a posse. É de uma meiguice sem fim ver o sentimento de uma criança de cinco anos que confessa, sem cerimônias, ter chorado por não ter ido à posse da presidenta. Ele se sente amigo íntimo da presidenta. Não há como não se comover com sua fala: ”Eu não fui convidado”. Repórter: Pra quê? João: “Pra festa da Dilma (a posse), aí eu chorei”. Repórter: Você iria pra Brasília? João: “Eu sou do Brasil”.
Trechos dos programas (veja na íntegra aqui e aqui:
Ana Maria Braga: “Crianças sabem das coisas, né, presidenta?”
Dilma reforça mais uma vez a idéia de que é uma presidenta próxima de seus eleitores, argumentando que os brasileiros não são submissos e tratam seus governantes de igual para igual, reclamam, fazem sugestões, elogiam, contam histórias pessoais, tratam o/a presidente/a como uma mistura de parente, conselheiro, amigo. A presidenta argumenta que deve haver uma relação de igualdade na República, que os governantes devem estar preparados para receber críticas.
Dilma reforça ainda a idéia que o fato de ser mulher, ter menos força física, não a fragiliza e contrapõe o discurso machista que nos naturaliza como seres frágeis, carentes de proteção, à idéia de que é uma mulher forte, mas nem por isso dura. Num dado momento diz: “Sou uma mulher forte cercada de homens meigos”, e se põe como exemplo de quebra de paradigmas como fez em seu discurso da vitória.
Usando o espaço conservador para dar o seu recado
Ontem, durante a nossa fala no Sindicato dos Bancários, transmitida por twitcam, Azenha trollou a mim e a Conceição Lemes e escreveu este post aqui. Não há como não concordar com ele que Ana Maria Braga, Hebe Camargo, a senhora do “Cansei”, reproduzem em seus programas seus valores conservadores (Hebe eu diria que reproduz os valores pré-primeira guerra mundial onde mulher ‘decente’ deveria conseguir um ‘bom casamento’, ler revista feminina em busca de receitas e de conselhos pra educar os filhos).
É fato que o cenário principal do programa da Ana Maria Braga é a cozinha, espaço privado da casa, visto como de domínio ‘natural’ das mulheres, esses sujeitos estranhos que sagram todos os meses em idade fértil, e para as quais ainda há machista que nos reservam o papel de ‘rainha do lar’: responsável pela higiene da casa, alimentação da família, educação dos filhos.
Já caminhamos distâncias astronômicas em relação a este papel restrito e restritivo, mas nem todas temos discursos politizados contra o machismo. Muitas das telespectadoras de Ana Maria Braga são donas de casa, gostam de cozinhar e, apesar de se ajustarem ao perfil ‘do lar’, são chefes de seus lares, têm dupla, tripla jornadas. Por isso, Dilma Rousseff ter sido a entrevistada abre um campo novo naquele cenário doméstico e idílico do Mais Você. E a presidenta (que está se saindo um ‘animal político’ melhor do que encomenda) olhava pra câmera, sorria inúmeras vezes, falava com doçura e atenção, olho no olho, de ‘mulher pra mulher’.
Em cada fala de Dilma, (acompanhada de uma edição cuidadosa e camarada) sobre os preconceitos contra mulher, também vividos por ela (quando aprendia a dirigir por exemplo), ou no campo amoroso (o carinho de seu ex-companheiro), do amor fraternal das amigas, vizinhas, a imagem de avó carinhosa com o neto e também com as crianças da escola infantil em seu aniversário, construíam uma imagem de Dilma extremamente humanizada.
A Dilma é uma de nós, é como nós! As telespectadoras puderam ouvi-la, se reconhecerem na presidenta, compreenderem e aprovarem as políticas públicas de seu governo voltada para esta parcela da população. Enquanto isso Dilma que é melhor presidenta que cozinheira ia quebrando os ovos, falando do salário mínimo (entendido pelos sindicatos como arrocho), versava com segurança sobre a macro economia e aprontava o seu omelete com bicarbonato de sódio, aprovado pelo louro José, pela Ana Maria Braga.
Quanto a mim, retenho na memória o dia deste abraço sincero. Sou mulher de fibra e sei que Dilma também é e sabe disso.
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quarta-feira, 2 de março de 2011
mídia e poder - viomundo - Emir Sader: Pensamento crítico contra pensamento único
por Emir Sader*
O maior debate de ideias do nosso tempo é aquele que opõe o pensamento crítico ao pensamento único. A hegemonia neoliberal impôs o pensamento único e o Consenso de Washington como formas dominantes de enfocar a realidade e orientar as formas de vida das pessoas. Apologia do mercado, desqualificação dos Estados, taxação das políticas sociais como “populismo”, tentativas de desmoralização de tudo o que diferisse do capitalismo e do liberalismo, criminalização dos movimentos sociais e das suas lutas, entre outras fórmulas, foram disseminados pela mídia, pelas grandes editoras, ocupando espaços conquistados pelas grandes empresas monopolísticas.
Governos como os de Collor, Itamar, FHC, foram expressões do pensamento único e do Consenso de Washington. Consideravam que só havia uma política possível, aquela centrada nos ajustes fiscais e na estabilização monetária como eixo central dos governos. Governaram com programas similares aos de Menem, Fujimori, Carlos Andrés Perez, Salinas de Gortari, segundo as fórmulas do FMI, da OMC e do Banco Mundial.
A imprensa e as editoras difundiram esse discurso como o único possível, produzindo nova geração de best-sellers e de personagens da imprensa escrita, radial e televisiva, que se valiam do monopólio das empresas que os empregavam para repetir, mecanicamente, sem nenhuma criatividade, os mesmos jargões do pensamento único.
Os jornais foram perdendo interesse, todos se parecendo entre si, como se fossem escritos pela mesma pessoa, sem inventividade e defasados da realidade concreta. Os noticiários da TV foram sendo povoados por personagens grotescos, que banalizavam qualquer análise, vulgarizando os temas, sem qualquer informação ou análise concreta. Tudo isso foi desmoralizando a imprensa e fazendo com que os best-sellers esgotassem sua vigência conforme as crises seguintes fossem tirando-os de moda. Enquanto foi aparecendo a imprensa alternativa, hoje centrada na internet, que os derrota cotidianamente, de forma democrática, pluralista, inovadora, com ironia e criatividade.
A década que termina foi aquela que foi enterrando o pensamento único, esses personagens folclóricos na mídia e as forças políticas que os representam. A América Latina, principal vítima do neoliberalismo, foi quem mais fortemente reagiu, derrotando a imprensa monopolista e seus esquemas de pensamento.
Quando praticamente toda a mídia atacou Lula ao longo dos 8 anos do seu mandato, mas Lula terminou-o o com 87% de apoio e só 4% de rejeição – o que foi conquistado da opinião pública por essa mídia -, estava dada a derrota do pensamento único, do Consenso de Washington e dos seus porta-vozes. O mesmo aconteceu em muitos outros países da América Latina.
O debate atual sobre um simples projeto de promoção de debates de interesse geral para o Brasil de hoje em um centro de caráter público gerou uma resistência feroz da parte dos porta-vozes do pensamento único, que acreditam que ainda gozam do monopólio de formação da opinião publica. Será que não se dão conta de que suas ideias foram derrotadas nas últimas três eleições presidenciais? Que esses órgãos da mídia, que apoiaram a ditadura, foram perdendo leitores, credibilidade, viabilidade, foram sendo abandonados pelos jovens, pelos que preferem o pensamento crítico ao pensamento único?
É uma triste – e muito dura para eles – decadência, irreversível. Os brasileiros demonstram, no apoio que deram e dão ao Lula, atacado por eles todos os dias, como se autonomizaram desses meios que tentavam fazê-los pensar todos iguais, pela cartilha dos organismos internacionais.
Jornalistas mais jovens foram ocupando lugares nessa imprensa e envelhecem rapidamente, não conseguem ter sensibilidade popular para sentir como os governos Lula e Dilma triunfam porque se opuseram a seus clichês, porque derrotaram e derrotam cotidianamente suas opiniões. Os mesmos órgãos que repetem esses clichês ficam implorando para que escrevamos para eles. Eu lhes respondo que um texto dos “blogueiros sujos” – como o seu candidato nos chamava – tem milhares de vezes mais leitores do que um texto na sua mídia, que vende cada vez menos, cada vez é menos lida, cada vez mais é reduzida à intranscendência.
Hoje os grandes pensadores brasileiros são os que exercem ativamente o pensamento crítico contra o pensamento único. Pensadores como Marilena Chauí, Maria Conceição Tavares, José Luiz Fiori, Maria Rita Kehl, Wanderley Guilherme dos Santos, Leonardo Boff, Marcio Pochmann, Tania Bacelar – para mencionar apenas a alguns – desenvolvendo suas formas distintas de pensamento em uma lógica oposta aos dogmas do pensamento único, que continua a orientar a velha mídia. Por isso são cada vez menos lidos, não são mais levados em conta, constituem a útima geração de jornalistas desse tipo, de uma mídia monopolista que perdeu importância e viabilidade. Sobram para eles personagens grotescos, muitos deles ex-esquerdistas, que se penitenciam a vida inteira por ter sido de esquerda e repetem os mesmos clichês de todos, para poderem ter algum espaço nos jornais, revistas e programas de televisão.
O Brasil mudou e derrotou tudo isso que representa o Brasil do passado, aquele que fez do nosso país o mais desigual da América Latina e um dos mais desiguais do mundo. Aqueles que reclamam dos espaços de pensamento alternativo – na internet, nos centros de debate, nas publicações novas – são os mesmos que reclamam que os aeroportos se parecem a rodoviárias, os que reagem brutalmente para tentar impedir que a massa da população brasileira tenha acesso a bens fundamentais, até há pouco reservado a eles. São os que perderam e seguem perdendo as eleições, porque estão sem sintonia com o novo país. Usam ainda o monopólio privado da mídia para tentar sobreviver um pouco mais.
Todas as agressões que me reservam, eu as recebo como condecorações ao pensamento único. Não tive medo da ditadura, de processos que tentaram me silenciar, resisti, como tanto outros, a toda essa engrenagem e saímos vitoriosos, com a vitória do Lula e da Dilma. Grave seria se me exaltassem, eu esperava isso, porque conheço a direita brasileiro e seu ranço elitista. Porém o Brasil para todos os condena a falar para si mesmos, enquanto um novo Brasil surge, apesar de tudo isso e contra o pensamento único e o Consenso de Washington.
Os projetos propostos não serão brecados por essa barreira de intolerância e de neo-bushismo, dos saudosos de outras épocas em que dominavam a esfera pública. Esses projetos serão realizados – em um ou outro espaço público, disso não tenham dúvidas – e esperam contar com o apoio de todos os que preferem o pensamento crítico ao pensamento único. Eles passarão, nós passarinhos.
* Emir Sader é sociólogo e professor de Ciência Política, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
PS do Viomundo: O sociólogo Emir Sader deveria assumir esta semana a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa. Porém, caiu antes. Foi após críticas à ministra da Cultura, Ana de Hollanda, numa entrevista à Folha de S. Paulo. A informação foi publicada hoje no portal de O Globo.
Clique aqui para ler o comunicado do professor Emir Sader.
O maior debate de ideias do nosso tempo é aquele que opõe o pensamento crítico ao pensamento único. A hegemonia neoliberal impôs o pensamento único e o Consenso de Washington como formas dominantes de enfocar a realidade e orientar as formas de vida das pessoas. Apologia do mercado, desqualificação dos Estados, taxação das políticas sociais como “populismo”, tentativas de desmoralização de tudo o que diferisse do capitalismo e do liberalismo, criminalização dos movimentos sociais e das suas lutas, entre outras fórmulas, foram disseminados pela mídia, pelas grandes editoras, ocupando espaços conquistados pelas grandes empresas monopolísticas.
Governos como os de Collor, Itamar, FHC, foram expressões do pensamento único e do Consenso de Washington. Consideravam que só havia uma política possível, aquela centrada nos ajustes fiscais e na estabilização monetária como eixo central dos governos. Governaram com programas similares aos de Menem, Fujimori, Carlos Andrés Perez, Salinas de Gortari, segundo as fórmulas do FMI, da OMC e do Banco Mundial.
A imprensa e as editoras difundiram esse discurso como o único possível, produzindo nova geração de best-sellers e de personagens da imprensa escrita, radial e televisiva, que se valiam do monopólio das empresas que os empregavam para repetir, mecanicamente, sem nenhuma criatividade, os mesmos jargões do pensamento único.
Os jornais foram perdendo interesse, todos se parecendo entre si, como se fossem escritos pela mesma pessoa, sem inventividade e defasados da realidade concreta. Os noticiários da TV foram sendo povoados por personagens grotescos, que banalizavam qualquer análise, vulgarizando os temas, sem qualquer informação ou análise concreta. Tudo isso foi desmoralizando a imprensa e fazendo com que os best-sellers esgotassem sua vigência conforme as crises seguintes fossem tirando-os de moda. Enquanto foi aparecendo a imprensa alternativa, hoje centrada na internet, que os derrota cotidianamente, de forma democrática, pluralista, inovadora, com ironia e criatividade.
A década que termina foi aquela que foi enterrando o pensamento único, esses personagens folclóricos na mídia e as forças políticas que os representam. A América Latina, principal vítima do neoliberalismo, foi quem mais fortemente reagiu, derrotando a imprensa monopolista e seus esquemas de pensamento.
Quando praticamente toda a mídia atacou Lula ao longo dos 8 anos do seu mandato, mas Lula terminou-o o com 87% de apoio e só 4% de rejeição – o que foi conquistado da opinião pública por essa mídia -, estava dada a derrota do pensamento único, do Consenso de Washington e dos seus porta-vozes. O mesmo aconteceu em muitos outros países da América Latina.
O debate atual sobre um simples projeto de promoção de debates de interesse geral para o Brasil de hoje em um centro de caráter público gerou uma resistência feroz da parte dos porta-vozes do pensamento único, que acreditam que ainda gozam do monopólio de formação da opinião publica. Será que não se dão conta de que suas ideias foram derrotadas nas últimas três eleições presidenciais? Que esses órgãos da mídia, que apoiaram a ditadura, foram perdendo leitores, credibilidade, viabilidade, foram sendo abandonados pelos jovens, pelos que preferem o pensamento crítico ao pensamento único?
É uma triste – e muito dura para eles – decadência, irreversível. Os brasileiros demonstram, no apoio que deram e dão ao Lula, atacado por eles todos os dias, como se autonomizaram desses meios que tentavam fazê-los pensar todos iguais, pela cartilha dos organismos internacionais.
Jornalistas mais jovens foram ocupando lugares nessa imprensa e envelhecem rapidamente, não conseguem ter sensibilidade popular para sentir como os governos Lula e Dilma triunfam porque se opuseram a seus clichês, porque derrotaram e derrotam cotidianamente suas opiniões. Os mesmos órgãos que repetem esses clichês ficam implorando para que escrevamos para eles. Eu lhes respondo que um texto dos “blogueiros sujos” – como o seu candidato nos chamava – tem milhares de vezes mais leitores do que um texto na sua mídia, que vende cada vez menos, cada vez é menos lida, cada vez mais é reduzida à intranscendência.
Hoje os grandes pensadores brasileiros são os que exercem ativamente o pensamento crítico contra o pensamento único. Pensadores como Marilena Chauí, Maria Conceição Tavares, José Luiz Fiori, Maria Rita Kehl, Wanderley Guilherme dos Santos, Leonardo Boff, Marcio Pochmann, Tania Bacelar – para mencionar apenas a alguns – desenvolvendo suas formas distintas de pensamento em uma lógica oposta aos dogmas do pensamento único, que continua a orientar a velha mídia. Por isso são cada vez menos lidos, não são mais levados em conta, constituem a útima geração de jornalistas desse tipo, de uma mídia monopolista que perdeu importância e viabilidade. Sobram para eles personagens grotescos, muitos deles ex-esquerdistas, que se penitenciam a vida inteira por ter sido de esquerda e repetem os mesmos clichês de todos, para poderem ter algum espaço nos jornais, revistas e programas de televisão.
O Brasil mudou e derrotou tudo isso que representa o Brasil do passado, aquele que fez do nosso país o mais desigual da América Latina e um dos mais desiguais do mundo. Aqueles que reclamam dos espaços de pensamento alternativo – na internet, nos centros de debate, nas publicações novas – são os mesmos que reclamam que os aeroportos se parecem a rodoviárias, os que reagem brutalmente para tentar impedir que a massa da população brasileira tenha acesso a bens fundamentais, até há pouco reservado a eles. São os que perderam e seguem perdendo as eleições, porque estão sem sintonia com o novo país. Usam ainda o monopólio privado da mídia para tentar sobreviver um pouco mais.
Todas as agressões que me reservam, eu as recebo como condecorações ao pensamento único. Não tive medo da ditadura, de processos que tentaram me silenciar, resisti, como tanto outros, a toda essa engrenagem e saímos vitoriosos, com a vitória do Lula e da Dilma. Grave seria se me exaltassem, eu esperava isso, porque conheço a direita brasileiro e seu ranço elitista. Porém o Brasil para todos os condena a falar para si mesmos, enquanto um novo Brasil surge, apesar de tudo isso e contra o pensamento único e o Consenso de Washington.
Os projetos propostos não serão brecados por essa barreira de intolerância e de neo-bushismo, dos saudosos de outras épocas em que dominavam a esfera pública. Esses projetos serão realizados – em um ou outro espaço público, disso não tenham dúvidas – e esperam contar com o apoio de todos os que preferem o pensamento crítico ao pensamento único. Eles passarão, nós passarinhos.
* Emir Sader é sociólogo e professor de Ciência Política, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
PS do Viomundo: O sociólogo Emir Sader deveria assumir esta semana a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa. Porém, caiu antes. Foi após críticas à ministra da Cultura, Ana de Hollanda, numa entrevista à Folha de S. Paulo. A informação foi publicada hoje no portal de O Globo.
Clique aqui para ler o comunicado do professor Emir Sader.
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terça-feira, 1 de março de 2011
domingo, 27 de fevereiro de 2011
política - brasil e a ditadura - operação condor - blog náufrago da utopia - Celso Lungaretti -
ANOS DE CHUMBO: OS LONGOS BRAÇOS DA REPRESSÃO
"O golpe de 1964 encastelou no poder um grupo de militares fanáticos pela doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG), organizada em 1946.
Ao longo de quase 20 anos, os militares e civis da ESG formularam e desenvolveram a doutrina e formaram uma nova 'elite' para dirigir o país.
Várias tentativas de golpe de estado, durante as décadas de 50 e 60 haviam falhado. Mas, em 1964, a Segurança Nacional estava no poder.
(...) O Exército recebeu a tarefa de submeter a nação aos ditames da ideologia golpista.
Com a intenção de subjugar qualquer tentativa de reação democrática, foram criados organismos de repressão, sendo o primeiro deles a Oban (Operação Bandeirante), lançada em junho de 1969, que, posteriormente, recebeu a denominação de DOI-Codi (Departamento de Operações Internas - Centro de Operações de Defesa Interna).
Havia também organismos não oficiais clandestinos, que serviam ao sistema, como o Esquadrão da Morte, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). A organização denominada Tradição Família e Propriedade (TFP), embora fosse uma associação legal, possuía, segundo depoimentos, uma facção ilegal, inclusive com centros de treinamento de guerrilha anticomunista em Minas Gerais.
Durante a década de 50 do Século XX, era visível o crescimento, dentro da Igreja, de setores que apoiavam as lutas populares e a defesa dos direitos dos pobres e oprimidos socialmente, num prenúncio do que viria a ser a Teologia da Libertação.
Em reação a esse processo, surgiu a Sociedade Brasileira em Defesa da Tradição, da Família e da Propriedade, (...) uma organização católica de extrema direita, cujos membros recebem treinamento paramilitar, e cujo ideário é bastante próximo ao neonazismo, exceto pela pregação religiosa bastante fanática e obscurantista que caracteriza esta organização.
A TFP existe até os dias de hoje, e organiza campanhas contra a reforma agrária (para eles, uma bandeira dos comunistas), contra o direito ao aborto, e contra o Projeto de Lei da Parceria Civil Registrada, e possui fortes financiadores, não somente da alta hierarquia da Igreja Católica, mas também de setores do grande empresariado.
Um terceiro braço da repressão, talvez o mais terrível e que só recentemente veio à luz e está sendo desvendado e denunciado, foi a Operação Condor, ou melhor, é a Operação Condor, visto que, segundo farto material jornalístico nacional e internacional, inclusive depoimentos de participantes, continua em atividade.
De acordo com o descobridor dos Arquivos do Terror, o advogado paraguaio e ex-preso político Martin Almada, a Operação Condor continua em funcionamento.
O advogado e ex-prisioneiro político paraguaio Martín Almada apresentou os chamados arquivos do terror à Comissão de Direitos Humanos do Parlamento do Uruguai, onde sustenta que a operação repressiva continua em andamento no Cone Sul.
Entre os documentos entregues (...) à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, há declarações do uruguaio Gustavo Insaurralde, militante do Partido pela Vitória do Povo, que teriam sido obtidas sob tortura, além de informações sobre seu traslado em avião militar à Argentina.
O documento denuncia uma lista de 40 uruguaios detidos no Paraguai pela ditadura, além de outro documento que indicaria os nomes do co-fundadores da Operação Condor e dos possíveis 'vôos da morte' em ambos países.
Almada também diz ter encontrado documento que mostra que, em abril de 1997, 'um coronel paraguaio disse a um colega equatoriano: envio aqui uma lista de subversivos paraguaios para a elaboração de uma lista de subversivos da América Latina'.
O ativista denuncia também que, durante a presidência de Carlos Menem na Argentina, um grupo de militares esteve reunido em Bariloche para intercambiar dados e nomes de 'subversivos da região'.
Ele disse ainda que as reuniões também foram feitas em 1997, em Quito, capital do Equador, em 1999, em La Paz, capital da Bolívia, e em Santiago do Chile, em 2001...
A Operação Condor foi responsável por milhares de assassinatos e desaparecimentos de militantes revolucionários latino-americanos."
(Neusah Cerveira, doutora em História Social pela FFLCH/USP, no artigo
"Rumo à Operação Condor - ditadura, tortura e outros crimes", publicado
em junho/2009, na edição nº 38 do Projeto História, São Paulo)
"O golpe de 1964 encastelou no poder um grupo de militares fanáticos pela doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG), organizada em 1946.
Ao longo de quase 20 anos, os militares e civis da ESG formularam e desenvolveram a doutrina e formaram uma nova 'elite' para dirigir o país.
Várias tentativas de golpe de estado, durante as décadas de 50 e 60 haviam falhado. Mas, em 1964, a Segurança Nacional estava no poder.
(...) O Exército recebeu a tarefa de submeter a nação aos ditames da ideologia golpista.
Com a intenção de subjugar qualquer tentativa de reação democrática, foram criados organismos de repressão, sendo o primeiro deles a Oban (Operação Bandeirante), lançada em junho de 1969, que, posteriormente, recebeu a denominação de DOI-Codi (Departamento de Operações Internas - Centro de Operações de Defesa Interna).
Havia também organismos não oficiais clandestinos, que serviam ao sistema, como o Esquadrão da Morte, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). A organização denominada Tradição Família e Propriedade (TFP), embora fosse uma associação legal, possuía, segundo depoimentos, uma facção ilegal, inclusive com centros de treinamento de guerrilha anticomunista em Minas Gerais.
Durante a década de 50 do Século XX, era visível o crescimento, dentro da Igreja, de setores que apoiavam as lutas populares e a defesa dos direitos dos pobres e oprimidos socialmente, num prenúncio do que viria a ser a Teologia da Libertação.
Em reação a esse processo, surgiu a Sociedade Brasileira em Defesa da Tradição, da Família e da Propriedade, (...) uma organização católica de extrema direita, cujos membros recebem treinamento paramilitar, e cujo ideário é bastante próximo ao neonazismo, exceto pela pregação religiosa bastante fanática e obscurantista que caracteriza esta organização.
A TFP existe até os dias de hoje, e organiza campanhas contra a reforma agrária (para eles, uma bandeira dos comunistas), contra o direito ao aborto, e contra o Projeto de Lei da Parceria Civil Registrada, e possui fortes financiadores, não somente da alta hierarquia da Igreja Católica, mas também de setores do grande empresariado.
Um terceiro braço da repressão, talvez o mais terrível e que só recentemente veio à luz e está sendo desvendado e denunciado, foi a Operação Condor, ou melhor, é a Operação Condor, visto que, segundo farto material jornalístico nacional e internacional, inclusive depoimentos de participantes, continua em atividade.
De acordo com o descobridor dos Arquivos do Terror, o advogado paraguaio e ex-preso político Martin Almada, a Operação Condor continua em funcionamento.
O advogado e ex-prisioneiro político paraguaio Martín Almada apresentou os chamados arquivos do terror à Comissão de Direitos Humanos do Parlamento do Uruguai, onde sustenta que a operação repressiva continua em andamento no Cone Sul.
Entre os documentos entregues (...) à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, há declarações do uruguaio Gustavo Insaurralde, militante do Partido pela Vitória do Povo, que teriam sido obtidas sob tortura, além de informações sobre seu traslado em avião militar à Argentina.
O documento denuncia uma lista de 40 uruguaios detidos no Paraguai pela ditadura, além de outro documento que indicaria os nomes do co-fundadores da Operação Condor e dos possíveis 'vôos da morte' em ambos países.
Almada também diz ter encontrado documento que mostra que, em abril de 1997, 'um coronel paraguaio disse a um colega equatoriano: envio aqui uma lista de subversivos paraguaios para a elaboração de uma lista de subversivos da América Latina'.
O ativista denuncia também que, durante a presidência de Carlos Menem na Argentina, um grupo de militares esteve reunido em Bariloche para intercambiar dados e nomes de 'subversivos da região'.
Ele disse ainda que as reuniões também foram feitas em 1997, em Quito, capital do Equador, em 1999, em La Paz, capital da Bolívia, e em Santiago do Chile, em 2001...
A Operação Condor foi responsável por milhares de assassinatos e desaparecimentos de militantes revolucionários latino-americanos."
(Neusah Cerveira, doutora em História Social pela FFLCH/USP, no artigo
"Rumo à Operação Condor - ditadura, tortura e outros crimes", publicado
em junho/2009, na edição nº 38 do Projeto História, São Paulo)
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