fsp
Argentina apresenta denúncia em que acusa os proprietários de "La Nación" e "Clarín" de homicídio e tortura
Casa Rosada diz que delitos foram cometidos nos anos 70, durante processo de compra de empresa de papel-jornal
GUSTAVO HENNEMANN
DE BUENOS AIRES
O governo argentino da presidente Cristina Kirchner apresentou ontem uma denúncia formal à Justiça contra os dirigentes dos jornais "Clarín" e "La Nación", maiores veículos impressos do país, por crimes contra a humanidade ocorridos supostamente em 1976.
Conforme a denúncia, os delitos de "homicídio, extorsão, privação ilegítima de liberdade, tortura e associação ilícita" foram cometidos pelos dirigentes em cumplicidade com o último regime militar argentino (1976-1983) durante a negociação da empresa Papel Prensa.
Atualmente a fábrica produz 75% do papel-jornal consumido no país.
As ações da empresa que hoje pertencem aos jornais denunciados foram compradas na época da família Graiver, vítima da repressão estatal durante a ditadura.
Na versão do governo, os integrantes da família sofreram "intimidações e ameaças" que os obrigaram a assinar os contratos de venda.
Apesar de terem sido presos pelos militares somente após a negociação, a transferência das ações ocorreu quando os Graiver já estavam fragilizados e não podiam decidir, alega o governo.
O momento da prisão e as intimidações fizeram parte de um esquema "articulado pelos dirigentes dos jornais junto à cúpula do governo de fato", diz a denúncia, apresentada em nome do governo pela Secretaria de Direitos Humanos e pela Procuradoria do Tesouro -equivalente à Advocacia-Geral da União.
O documento entregue pelo governo à Justiça também apresenta relatos e testemunhos que consideram os jornais "Clarín" e "La Nación" meios de comunicação "associados com a ditadura" que foram "beneficiados" pelo "aparato clandestino de terrorismo do Estado" em outros negócios posteriores.
Ao denunciar os jornais, o governo se associou como denunciante a integrantes da família Graiver em um processo que já tramita em um tribunal de La Plata (Província de Buenos Aires). Nele investiga-se a negociação da Papel Prensa.
Junto com as informações que tentam incriminar os dirigentes dos jornais e ex-governantes do regime militar, o governo pediu à Justiça que interrogue os principais acionistas do jornal "Clarín", Ernestina Herrera de Noble e Héctor Magnetto, e o diretor de redação do "La Nación", Bartolomé Luis Mitre.
O pedido de interrogatório também se estende aos ex-dirigentes militares, em maioria já presos.
PLANO CONCRETIZADO
A denúncia concretiza o plano da presidente Cristina Kirchner, que mantém uma guerra declarada contra os dois jornais. Ambos os veículos adotaram uma linha editorial contrária ao governo em 2008.
Cristina já havia anunciado a intenção de processar os dirigentes dos dois diários no mês passado em um evento público.
Em um comunicado, os dois jornais afirmaram ontem que não houve delito algum na aquisição da Papel Prensa e que, em 27 anos de democracia, nunca surgiu outra denúncia semelhante.
A atitude do governo é "uma aberração moral e jurídica" que tenta intimidar veículos que não são alinhados politicamente, diz a nota.
"O governo insiste em mentir, reescrever a história e manipular os direitos humanos como ferramenta de perseguição e represália", afirma ainda o texto.
CRONOLOGIA
DO EMBATE
AGO.1976
O banqueiro David Graiver, que administrava as ações da família na empresa de papel-jornal Papel Prensa, morre em um acidente aéreo nunca esclarecido. Os bancos da família começam a falir
OUT.1976
A família Graiver começa a ser pressionada pelo grupo guerrilheiro Montoneros, que pedia de volta dinheiro obtido com sequestros e que havia sido entregue a David para que ele investisse fora do país
NOV.1976
"Clarín", "La Nación" e o já extinto "La Razón" compram as ações da Papel Prensa que pertenciam à família Graiver
MAR E ABR.1977
O regime militar prende seis membros da família Graiver por causa da relação com o grupo Montoneros. Eles só foram soltos nos anos 80
1986
A família Graiver é inocentada pela Justiça, mas obrigada a devolver o dinheiro dos Montoneros aos sequestrados
2009
O governo, que administra ações da Papel Prensa pertencentes ao Estado, dá sinais de que pretende aumentar o poder sobre a empresa. Os diretores estatais conseguem na Justiça a nomeação de um interventor. A relação entre os sócios privados e o governo se transforma em uma disputa
AGO.2010
Cristina Kirchner acusa os diretores dos jornais "Clarín" e "La Nación" de cometerem crimes contra a humanidade ao comprarem suas ações. Eles se aproveitaram da fragilidade da família Graiver, então pressionada pelos militares, para negociar condições vantajosas, segundo o governo
AGO E SET.2010
Integrantes da família Graiver mantêm uma guerra de versões sobre a negociação. Lidia Papaleo, viúva de David Graiver, apoia o governo. Ela diz que foi coagida pelos compradores. Isidoro Graiver, irmão de David, nega coação
ONTEM
O governo faz a denúncia, entrega o relatório à Justiça e pede que os diretores dos jornais sejam interrogados
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário