sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Dilma toma posse e foca a erradicação da miséria

Sucessora de Lula tem como prioridade tirar 18 milhões da pobreza extrema

Apesar de marcado pela continuidade, governo da petista pretende imprimir marca pessoal sem contrariar Lula

Fernando Bizerra Jr./Efe

Simpatizantes acampam em frente ao Palácio do Planalto para
acompanhar a posse de Dilma

NATUZA NERY
VALDO CRUZ
DE BRASÍLIA
ANA FLOR
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Dilma Vana Rousseff, 63, torna-se hoje a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Quadragésima presidente do país, sua prioridade já foi definida: lançar um plano nacional de erradicação da miséria.
O plano fará parte de seu discurso de posse, que vai enfatizar a necessidade de aprofundar as mudanças iniciadas por Luiz Inácio Lula da Silva, seu antecessor e mentor político. A ideia será sintetizada no mote "um Brasil que apenas começou".
Sob o carimbo da continuidade, Dilma quer cravar seu próprio selo social, a exemplo do Fome Zero e do Bolsa Família, arrimo da alta aprovação lulista.
Ela já marcou reunião com sete ministros para discutir um plano que elimine a pobreza extrema em quatro anos -uma das principais promessas de campanha da petista.
A ideia é reunir os programas existentes no governo e lançar novos, como iniciativas específicas de financiamento e capacitação profissional, portas de saída do Bolsa Família.
O programa tem o desafio de retirar da miséria 18 milhões de pessoas.
Sucessora do presidente mais popular da história recente, a petista quer deixar marcas também nas áreas de saúde e segurança pública, dois setores que ficaram aquém do esperado nos oito anos de governo Lula.
Na primeira semana de trabalho, pretende agendar reunião com governadores para debater e traçar planos nessas duas áreas.
Ex-guerrilheira ligada a grupos que combateram a ditadura, Dilma prometerá manter a política econômica ortodoxa, mas com medidas para acelerar investimentos e reduzir os juros.
Mineira radicada no Rio Grande do Sul, ela tem sua posse marcada para as 14h30, em cerimônia no Congresso. Ali fará seu principal discurso, destacando que promoverá um governo de "continuidade, mas aprofundando e avançando".
Depois, já como presidente, segue para o Palácio do Planalto, onde receberá a faixa presidencial de Lula e receberá os cumprimentos de 23 chefes de Estado.
Ao lado do vice, o peemedebista Michel Temer, Dilma faz um pronunciamento no parlatório. Às 18h30, participa de recepção a autoridades estrangeiras no Itamaraty.

DESAFIOS
Dilma assume o governo com um cenário econômico desafiador: inflação em alta, gastos públicos acima do desejável e uma situação cambial pouco confortável.
Uma de suas primeiras medidas será anunciar um corte no Orçamento, superior a R$ 20 bilhões. Editará, ainda, projetos para controlar o crescimento dos gastos.
Com isso, espera auxiliar o Banco Central na tarefa de conter a inflação, abrindo espaço para amenizar a rigidez da política monetária.
No discurso do Congresso, Dilma pontuará o símbolo histórico de sua eleição: a chegada de uma mulher ao cargo máximo do país. Assumem com ela nove ministras, o maior time feminino já admitido no primeiro escalão

lula - Nunca antes” o povo brasileiro teve participação tão efetiva no rumo do País

Criança cumprimenta Lula, o presidente que atingiu o maior índice de aceitação popular da história. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Nunca antes na história deste País houve dentro deste Palácio, nesta sala, a quantidade de movimentos sociais participando, falando, propondo e decidindo políticas que o governo brasileiro tinha que executar. Foram 73 conferências nacionais, algumas das quais mais de 400 mil pessoas participavam antes de chegar aqui nesse plenário ou em qualquer outro lugar do Brasil. Numa demonstração de que esse é o legado que não poderá ser mudado tão cedo, que é não ter medo de ouvir o povo, não ter medo de deixar o povo participar, acabar com essa maluquice de que o povo só é bom na época da eleição, em que todo mundo anda de carro aberto, e depois que ganha as eleições passa anos sem ter o convívio com o povo; governam para meia dúzia de ricos e esquecem da maioria do povo que é, realmente, a razão de ser de a gente ganhar uma eleição e governar esse país, uma cidade ou um estado.

As palavras são do próprio presidente Lula em seu último evento antes da transmissão da faixa presidencial, realizado nesta sexta-feira (31/12), no Palácio do Planalto, quando foi homenageado pelas equipes que trabalharam com ele na Presidência. Nada melhor para retratar o nosso último post da série “Nunca antes…”: a participação popular.

A despedida hoje no Palácio do Planalto foi marcada por muita emoção, choro, pedidos de fotos, abraços e lembranças. Em seu discurso, Lula afirmou que tem consciência de que entrará para a história como o único presidente que fez mais do que o previsto no programa de governo apresentado. Aproveitando a deixa, leu a apresentação do programa proposto ainda em 2002, quando estava se candidatando pela quarta vez à Presidência:

Sempre tive a firme convicção de que a principal riqueza de uma nação é o seu povo. Por isso, não é difícil avaliar o sucesso ou fracasso de um governo. Basta olhar para os salários e a renda do povo; ver se os índices de desemprego e desigualdade diminuíram; e se a educação ficou de melhor qualidade. Governo bom é o que conduz o País ao crescimento, ao encontro da prosperidade.

Nosso programa de governo tem como preocupação central apresentar mudanças de fundo para o nosso País. Não como um pacote fechado, mas aberto ao debate e a novas contribuições. É impossível aceitar a ideia de uma nova década perdida, em que o governo diz que a economia está sólida enquanto o povo vai mal. Esse é o debate que queremos fazer com toda a nação, pois temos certeza que podemos mudar e melhorar o Brasil.

Com os pés no chão e os olhos no futuro, vamos arregaçar as mangas desde o primeiro instante e realizar um novo contrato social que coloque o País nos trilhos do desenvolvimento. Essa é a única maneira de construir um Brasil decente onde todos tenham a dignidade que tanto queremos.

E foi para o povo e com o povo que o governo efetivamente trabalhou nos últimos oito anos, afirmou Lula diante de cerca de 600 pessoas (entre ministros, militares e funcionários das mais variadas ‘patentes’, que se aglomeraram no Salão Oeste do Palácio do Planalto para ouvir o discurso do presidente. Ele lembrou que “o divisor de águas” em sua vida política foi em 1989, quando percebeu que só poderia governar o Brasil se conhecesse bem as regiões do País, seu povo e suas necessidades.

Ouça aqui a íntegra do discurso do presidente na despedida realizada no Palácio do Planalto:


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Quando assumiu o poder, Lula procurou incorporar aos quadros da Presidência da República uma área com status de ministério para cuidar exclusivamente do relacionamento com sociedade: a Secretaria-Geral. O resultado foi a participação de mais de cinco milhões de cidadãos na discussão, elaboração e proposição de políticas públicas, por meio das conferências nacionais. Por isso o Brasil passou a ter a cara de seu povo, disse Lula, cada vez mais representado e valorizado internacionalmente, com autoestima fortalecida, com voz ativa que jamais permitiria o retrocesso, principal legado que deixará.

Eu penso que o Brasil mudou. O Brasil mudou na relação com a sociedade. Nunca antes os humildes foram tratados com tanta deferência (…), nunca os estudantes e os professores foram tratados com o respeito que foram tratados. Isso demonstra o grau de maturidade que o Brasil alcançou

Após último compromisso, Lula deixa o Palácio do Planalto

31 de dezembro de 2010 • 18h04 • atualizado às 18h12

Lula acena ao se despedir da sede do governo

Foto: Ricardo Stuckert/PR/Divulgação

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Direto de Brasília

Após despachar pela última vez como presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva deixou às 15h53 desta sexta-feira o Palácio do Planalto, em Brasília. Na saída, ele acenou e fez um sinal de positivo para jornalistas da janela do carro.

O último compromisso da agenda de Lula no cargo foi um encontro fechado com o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. No sábado, Lula ainda pode tomar café da manhã com sua sucessora, Dilma Rousseff, antes de sua posse como a primeira mulher presidente do Brasil. A informação, entretanto, não foi confirmada pelo Planalto. Após a transmissão do cargo, Lula embarca às 18h para São Paulo.

Mais cedo, Lula se despediu de servidores do governo e do Palácio do Planalto. Em seu discurso, o presidente brincou e disse que pode simplesmente "sair correndo" e se recusar a entregar a faixa presidencial à sua sucessora. Lula sinalizou ainda a intenção se "dar uma passadinha na Granja do Torto para visitar a companheira Dilma" hoje às 18h ou 19h

Lula diz que pode 'sair correndo' e não entregar faixa a Dilma

31 de dezembro de 2010 • 15h02 • atualizado às 16h33 Comentários
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Notícia

Nos últimos atos como presidente esta semana, Lula se emocionou ao falar dos oito anos de mandato

Foto: Ricardo Matsukawa/Terra

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Direto de Brasília
Em tom de brincadeira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta sexta-feira, no último dia de seu governo, que no sábado, ao entregar oficialmente o comando do País para a nova presidente, Dilma Rousseff, pode simplesmente "sair correndo" e se recusar a entregar a faixa presidencial à sua sucessora.

"Amanhã, às 4h, passarei a faixa para a Dilma. Se ela vacilar eu saio correndo, quero ver ela correr atrás de mim na Esplanada, atrás daquela faixa. Por isso é que eu me preparei fisicamente, ela disse que parou de andar, então ela vai estar menos preparada do que eu, fisicamente", brincou Lula ao se despedir de servidores do governo e do Palácio do Planalto.

O presidente ainda ironizou as regalias que deixará de ter a partir deste sábado, quando não mais será o chefe do Executivo federal. "Eu quero ver, na segunda-feira, quando não tiver ajudante de ordens, quem virá trazer os óculos: Dona Marisa, pega meus óculos? 'Vai pegar você!' Ô meu filho, pega um cafezinho para mim? 'Não sou seu empregado!' E a vida continua", disse, aproveitando para reconhecer a excessiva cobrança junto a seus subordinados.

"É engraçado porque eu reclamava muito, e eu quero pedir desculpas a vocês porque eu reclamava dentro do avião, eu reclamava com a agenda, eu reclamava. Quando eu chegada no local, tinha lá um tapetinho vermelho para eu subir, tinha a maquininha de café expresso para eu tomar, tinha um microfone instalado, um copinho d'água. E eu falava: tem gente, que eu não conheço, que está fazendo isso", afirmou.

Falando da sucessora - escolhida por ele por ter trabalhado com ela, conhecer suas qualidades e sua competência gerencial - Lula disse ter "orgulho" da nova presidente e afirmou acreditar que ela poderá fazer "muito mais, porque o carro não está estacionado, o carro está andando". "É só apertar um pouquinho o acelerador, fazer o Guido (Mantega, ministro da Fazenda) abrir um pouquinho a mão, liberar um pouco mais de dinheiro, que a coisa vai fluir com muito mais facilidade", disse o presidente em sua despedida.

Veja a íntegra do discurso do presidente
"Não era prudente e não é prudente eu falar, porque isso aqui está tendo um tom de despedida, e se despedir nunca é bom. Você trabalha onde, afinal de contas Julinho? O Márcio também, ô você, Cléber. Quem mantém o meu preparo físico assim é o Márcio, não é você. Vamos tirar uma foto com o Márcio aqui.

Eu vou dizer algumas palavras, eu vou fazer o esforço que o Gonçalves fez ontem, para não chorar. O Gonçalves se engasgou umas duzentas vezes, mas isso porque me parece que, na lógica do Exército, general que é general não chora. Aqui na minha lógica, é o seguinte: chora quem pode chorar, quem tem vontade de chorar e quem tem motivo para chorar.

Então, eu vou dizer para vocês uma coisa que, eu estou sem óculos aqui, ficou em cima da mesa. Depois dos 40 (anos) qualquer óculos serve, gente. Qualquer um, qualquer óculos. Gilberto Carvalho está aqui. Eu quero ver, na segunda-feira, quando não tiver ajudante de ordens, quem virá trazer os óculos: Dona Marisa, pega meus óculos? 'Vai pegar você!' Ô meu filho, pega um cafezinho para mim? 'Não sou seu empregado!' E a vida continua, Guido.

Bem, eu vou ler para vocês, aqui, uma coisa que foi lida por mim em um programa de governo lançado aqui em Brasília, no dia 23 de julho de 2002. Vamos ver o que nós pensávamos no dia 23 de julho de 2002, quando nós estávamos lançando um caderninho bonito, que eu não sei se está por aí, com um garotinho, chamado Programa de Governo, que os nossos adversários tanto criticaram. Posso dizer, sem medo de errar, sem medo de errar, sem ler os dois programas, que eu vou passar para a história como o presidente da República que fez muito mais do que aquilo que estava no Programa de Governo de 2002 e no Programa de Governo de 2006.

Vai ser mais ou menos que nem a UNE, Fernando Haddad. A UNE teve que chegar para nós em Caruaru, em um ato público, e reconhecer que pela primeira vez na história do Brasil a UNE não tinha mais o que reivindicar, porque nós tínhamos atendido a todas as reivindicações da UNE.

Mas veja o que nós dizíamos: 'Sempre tive a firme convicção de que a principal riqueza de uma nação é o seu povo. Por isso, não é difícil avaliar o sucesso ou o fracasso de um governo. Basta olhar para os salários e a renda do povo, ver se os índices de desemprego e desigualdade diminuíram e se a educação ficou de melhor qualidade. Governo bom é o que conduz o País ao crescimento e ao encontro da prosperidade. Nosso Programa de Governo tem como preocupação central apresentar mudanças de fundo para o nosso País. Não como um pacote fechado, mas aberto ao debate e às novas contribuições. É impossível aceitar a ideia de uma nova década perdida, em que o governo diz que a economia está sólida, enquanto o povo vai mal. Esse é o debate que queremos fazer com toda a nação, pois temos certeza de que podemos mudar e melhorar o Brasil. Com os pés no chão e os olhos no futuro, vamos arregaçar as mangas desde o primeiro instante e realizar um novo contrato social que coloque o país nos trilhos do desenvolvimento. Essa é a única maneira de construir um Brasil decente onde todos, realmente todos tenham a dignidade que tanto queremos. 23 de julho de 2002, assinado: Luiz Inácio'.

Era esse o programa. Era esse o programa, e vocês vão perceber que nunca antes na história do País... Eu gosto de falar 'nunca antes' porque eu sei que tem adversários e gente que não gosta, que sofre quando eu falo. Como eles pensam que eu sofro quando eles falam mal de mim, então eu retribuo dizendo que nunca antes na história do País houve, dentre deste palácio, nesta sala, a quantidade de movimentos sociais participando, falando, propondo e decidindo políticas que o governo brasileiro tinha que executar. Foram 73 conferências nacionais, algumas das quais, mais de 400 mil pessoas participavam antes de chegar aqui neste plenário ou em qualquer outro lugar do Brasil. Numa demonstração de que esse é um legado que não poderá ser mudado tão cedo: que é não ter medo de ouvir o povo, não ter medo de deixar o povo participar, acabar com essa maluquice de o povo só ser bom na época da eleição, em que todo mundo anda de carro aberto, dando a mão, rindo que nem se tivesse ganhado na loteria sozinho; e depois que ganha as eleições, passa anos sem ter um convívio com o povo, governa para meia dúzia de ricos e esquece da maioria do povo, que são aqueles que realmente são a razão de ser de a gente ganhar uma eleição e governar este País, uma cidade ou um Estado.

Eu penso que o Brasil mudou. O Brasil mudou na relação com a sociedade. Nunca os humildes foram tratados com tanta deferência como foram tratados. E, certamente, continuarão a ser pela nossa companheira Dilma. Nunca os estudantes e os professores foram tratados com o respeito que foram tratados. Eu falo isso porque demonstra o grau de maturidade que o Brasil alcançou. Nenhum presidente da República tinha tido coragem de fazer reuniões com reitores; quando muito, se reuniam com um. Mesmo o ministro da Educação sendo reitor, parecia que tinha uma doença do carrapato, que o ministro não se juntava com dois reitores; de vez em quando, atendia um. Vocês estão lembrados de que neste País nem prefeito era recebido. Vocês estão lembrados de que Marcha de Prefeitos, o que esperava os prefeitos aqui, mesmo sendo dos partidos de quem governava, eram cachorros policiais, e policiais. Nós fomos a todas as Marchas dos Prefeitos, a todas, sem distinção. Só não fui na de 2006 porque eles transformaram a Marcha em um debate político da campanha presidencial, e eu não fui. Mas fomos, e posso olhar na cara de qualquer pessoa, de qualquer prefeito, seja ele do DEM, seja ele do PT ou do PSDB, seja do PMDB ou do PC do B. Eu duvido que, em algum momento da história, eles foram tratados com a dignidade que o nosso governo os tratou, da forma mais republicana. Era tão republicano o tratamento, que o PT ficava com raiva do tratamento que a gente dava aos outros partidos políticos. Muitas vezes, eu era acusado de que gostava mais dos outros do que dos companheiros do PT. E, assim, eu penso que nós conseguimos construir alguma coisa nova.

Veja, eu tinha vontade de governar o Brasil. Em (19)82, eu participei de um debate, eu era candidato a governador em São Paulo, e eu fiquei em quarto lugar, não é isso, Padilha? Quarto lugar. Eu pensei que eu ia ganhar, eu não acreditava em pesquisas. Nós fizemos o maior comício que alguém já fez no Pacaembu. Eu saí de lá convencido de que a eleição estava no papo. Aí, saiu uma pesquisa do Ibope, publicada pelo jornal Estadão, em que eu ia ter 10%. Eu falei: está mentido. Nós vamos ganhar. Depois da apuração, eu tive exatamente 10%. Eu estava desconfiado de que eles já tinham meus votos lá, guardados, para poder... Mas, de qualquer forma, naquele debate era o Montoro, o Reinaldo de Barros, o Jânio Quadros, eu, e o Rogê Ferreira, do PDT. Eu não fui o último porque o Rogê teve menos votos do que eu, mas eu tive 1,250 milhão de votos. Eu achei que eu estava arrasado. Eu, Jorge Hage, saí daquela eleição achando que tinha acabado com a minha vida, isso em (19)82. Em (19)85, eu fui a Cuba e, em uma conversa com o presidente Fidel Castro, eu estava dizendo para ele que eu tinha desanimado porque eu tinha perdido uma eleição. O Fidel olhou para mim e falou o seguinte: 'Lula, em que lugar do Planeta um operário metalúrgico teve 1,250 milhão de votos? Em que lugar? Não existe nenhum lugar do mundo que um metalúrgico, operário de fábrica tenha tido 1,250 milhão de votos. Que história de perder é essa, Lula?' E aí eu saí de lá convencido de que eu não tinha perdido, que eu tinha fincado uma estaca, uma estaca cheia de consciência, uma estaca cheia de ideias, uma estaca cheia de motivação que foi se multiplicando, se multiplicando, se multiplicando.

E as coisas contra o PT sempre foram muito difíceis. Vocês não sabem, mas o primeiro comício de eleições diretas neste país foi o PT que fez, no Pacaembu, no Pacaembu. Eu não sei qual foi a data de dezembro de (19)83, mas eu lembro que foi no dia em que o Fernando Henrique Cardoso foi ao Pacaembu anunciar a morte do Teotônio Vilela. E o Montoro era governador de São Paulo, foi convidado para o ato pelas Diretas e não foi. Tinha uma corrida no Jockey Club, acho que ele foi ao Jockey, uma festa lá, um negócio daqueles, que é melhor do que participar de ato público. E o Fernando Henrique Cardoso foi lá, até saiu chateado porque foi vaiado. Naquele tempo, petista vaiava até o Hino Nacional. A gente, para não ser vaiado, a gente falava: 'Olha, eu sou de vocês, não me vaiem, não'.

Então, foi nesse dia que nós começamos a campanha das Diretas. Até hoje, quando a grande imprensa fala da eleição direta ou conta história das Diretas, esse ato não é lembrado. Saiu, me parece que apenas numa revista, parece que a IstoÉ muito tempo atrás publicou uma notinha de que tinha sido feito esse ato, pelo PT.

Então, nós sempre tivemos muita dificuldade. E naquele debate para campanha de governador, perguntaram para mim: 'Lula, por que você quer ser candidato?'. Eu disse: 'porque eu quero ver se eu tenho competência de fazer aquilo que eu reivindico para os outros'. Eu tinha convicção, eu não conhecia pessoalmente todo mundo, mas eu via pela televisão os presidentes da República, eu via os discursos dos presidentes da República, e eu falava: 'eu posso fazer mais que eles'.

Quando veio a campanha de (19)89, eu descobri uma coisa sagrada na minha vida, eu descobri que eu não conhecia o Brasil, e nenhum candidato conhece o Brasil. Normalmente, se o cara é de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, ele sai de uma cidade, vai no palanque, volta do palanque para o aeroporto. Ele não vê nem a cara do povo, ele não aprende nem os nomes das pessoas que estão em cima do palanque.

Eu falei: 'eu vou conhecer este País. Se eu quiser governar este País, eu vou conhecer'. Percorri 91 mil km de trem, de barco, de ônibus, Marisa e todos os filhos juntos, em todas as caravanas, cada uma demorava 14 ou 15 dias, parando em cada lugar, conversando com cada pessoa, recebendo pauta de reivindicação. E tudo aquilo, em cada lugar que a gente andava, de um ônibus... se era de ônibus, entre uma cidade e outra tinha uma palestra sobre a região, tinha uma palestra sobre a cidade. Era a universidade, era a pós-graduação que eu não tive, eu tive nas Caravanas da Cidadania para me preparar para chegar a presidente da República.

Eu penso que vocês poderão dizer - e agora sem nenhuma modéstia, com orgulho - que vocês poderão dizer que vocês participaram de um momento histórico deste País, em que a história deste país mudou, a autoestima do povo mudou, a vida do povo mudou, mesmo sabendo que ainda tem muito para fazer. Porque a gente não consegue mudar em oito anos os desmandos de 500 anos, a gente não consegue, vai precisar mais alguns anos para que a gente possa consolidar.

Mas já é motivo de orgulho vocês dizerem que participaram de um governo que, em oito anos, fez mais escolas técnicas no Brasil do que todas que foram feitas em um século de República, todas. Nós fizemos, em oito anos, uma vez e meia o que foi feito em cem anos. Embora eu e o Zé Alencar não tenhamos diploma universitário, nós vamos passar para a história como os presidentes que mais fizemos universidades neste País; que mais criamos extensões universitárias; que criamos o ProUni, que é uma das grandes revoluções na educação neste País; que já criamos 10 mil escolas de tempo integral, com 2,2 milhões de jovens e crianças estudando e aprendendo música.

E, se Deus quiser, a Dilma vai fazer muito mais, porque o carro não está estacionado, o carro está andando. É só apertar um pouquinho o acelerador, fazer o Guido abrir um pouquinho a mão, liberar um pouco mais de dinheiro, que a coisa vai fluir com muito mais facilidade.

Então, este País vocês ajudaram a construir. Eu estava vendo aqui a apresentação do Escav (Escalão Avançado). Vocês que estavam, a maioria, não sabem da briga que eu tinha com o Joseli por causa dos helicópteros, da briga que eu tinha com o Gonçalves por causa dos carros, da briga que eu tinha com a Iti por causa da agenda, da briga que eu tinha com várias pessoas, do Bigode, do Wagner, do Magela, da Fátima, e de tanta gente, quando eu chegava em um lugar, que tinha uma manifestação, uma. Nós não precisamos utilizar violência em nenhum ato público, em oito anos de mandato. A maior violência que a gente fez era mandar o Bigode na frente, era mandar o Magela na frente, era mandar o Wagner na frente, mandar a Fátima na frente, ou seja, mandar um grupo de companheiros que conversavam, que discutiam, que marcavam reunião.

O único ato de violência que eu vi, em um ato de que eu participei, foi em Sorocaba quando nós fomos inaugurar uma universidade. Era uma universidade provisória porque a gente estava começando a construir e a gente tinha alugado um prédio, e os estudantes de São Carlos foram a Sorocaba para não deixar a gente inaugurar a universidade. Mas não foi um ato de violência do general Gonçalves Dias, do presidente Lula não, foi um ato de violência dos catadores de papel e dos metalúrgicos, que se insurgiram contra os estudantes que não queriam deixar os filhos deles entrarem na escola. Aí, saiu uma brigazinha, quando nós chegamos estava tranquilo. E os estudantes gritavam: 'Lula, a repressão aqui, Lula'. Eu falava: 'repressão de catador de papel pode, o que não pode é repressão de cima para baixo'; de baixo para cima, de vez em quando, até que ela pode acontecer.

Bem, o general Gonçalves, todas as vezes que nós conversávamos: 'general, eu não quero que a nossa segurança oficial levante um dedo para uma pessoa. Quem tem que fazer isso é o nosso pessoal, lá embaixo, e não os nossos seguranças'. E vamos terminar oito anos, eu diria, como exemplo.

É engraçado porque eu reclamava muito, e eu quero pedir desculpas a vocês porque eu reclamava dentro do avião, eu reclamava com a agenda, eu reclamava... aí, quando eu chegada no local, tinha lá um tapetinho vermelho para eu subir, tinha a maquininha de café expresso para eu tomar, tinha um microfone instalado, um copinho d'água. E eu falava: 'tem gente, que eu não conheço, que está fazendo isso'. Eu, às vezes, estava viajando para o exterior, e parecia que só estava eu e a turma que tinha ido comigo. Aí, eu percebia que tinha mais gente estranha, porque quando eu abria a porta de manhã para sair para o evento, saía um magote de gente atrás de mim, que eu não sabia de onde tinha aparecido. Cada vez que eu descia do avião, descia um monte de gente diferente, eu falava: 'Ô Poc, ô Márcio, quem é essa gente que está aí?' Eu, na verdade, na verdade, uma coisa importante: é importante que a gente não saiba quem é que está na retaguarda da gente, porque se a gente souber, a gente vai começar a querer dar palpite na vida de vocês e a gente pode atrapalhar as coisas que vocês sabem fazer tão bem.

Eu estou convencido de que se nós conseguirmos repetir no governo da companheira Dilma Rousseff a qualidade da assessoria que vocês prestaram a mim, nós não temos medo de disputar uma medalha de ouro com o Obama, com o Hu Jintao, com o Sarkozy, com Angela Merkel, com quem quiser, porque a nossa turma é mais criativa. E uma coisa, uma coisa é importante: é que a nossa turma tem sentimento. Não foram poucas as vezes - e não pensem que eu não fico olhando, porque se tem uma coisa que eu aprendi a fazer é falar olhando para todo mundo - quantas vezes eu vi pessoas com os olhos lacrimejando. O Bigode, então, já não aguentava mais, o Bigode cafungava de chorar, aquela bengala é de peso das lágrimas, de tanto que ele... não aguentava mais.

Então, eu quero dizer para vocês, gente, o seguinte, olhem: eu consegui falar sem me emocionar, por isso que eu brinquei aqui um pouco. Dizer para vocês, olha, que eu saio daqui a pouco, não é, Gilberto? Não tem mais nada, não. Eu saio daqui a pouco, vou para casa descansar. Às 6 h da tarde, ou às 7 h, não sei quando, eu vou dar uma passadinha na Granja do Torto para visitar a companheira Dilma, vou para casa descansar.

Amanhã, às 4 h, passarei a faixa para a Dilma. Se ela vacilar eu saio correndo, quero ver ela correr atrás de mim na Esplanada, atrás daquela faixa. Por isso é que eu me preparei fisicamente, ela disse que parou de andar, então ela vai estar menos preparada do que eu, fisicamente.

E sairei daqui com duas convicções. Com a convicção de que cumpri com o dever e cumpri com aquilo que foi a confiança que o povo brasileiro depositou em mim, e que conseguimos fazer uma pequena... duas pequenas revoluções neste país: a primeira, o povo brasileiro provar que era possível eleger um metalúrgico, e esse metalúrgico provar que sabe governar mais do que muita gente que tinha um monte de diplomas, neste País. Segundo, eleger pela primeira vez uma mulher presidenta da República deste País. Vocês não sabem o orgulho que eu tenho disso, porque dois anos atrás, quando eu comecei a insinuar que a Dilma seria candidata, muita gente dizia: 'mas uma mulher, ela não tem experiência, presidente, ela não participa de política, ela nunca foi deputada'. Ou seja, as pessoas viam como defeito exatamente aquilo que eu via de qualidade. Eu não queria um deputado, eu não queria um prefeito, eu queria ela. Por quê? Porque eu tinha trabalhado com ela e eu conhecia as qualidades, a personalidade dela e a competência gerencial dela.

Então eu queria, gente, dizer para vocês o seguinte: eu acho que vocês devem dedicar à companheira Dilma o mesmo amor, o mesmo carinho e a mesma vontade que vocês tiveram no meu governo. Nós somos diferentes, temos formações diferentes, ela é mulher, eu sou homem, cada um tem o seu gênio. O que está em jogo, nessa verdade, é este País. Este País aprendeu a ter orgulho de si próprio, o nosso povo voltou a gostar da bandeira nacional, o nosso povo voltou a cantar o nosso Hino Nacional, o nosso povo aprendeu a ter autoestima, o nosso povo aprendeu a gostar de coisa boa porque durante muito tempo diziam que pobre só gostava de coisas de segunda classe, pobre só ia à feira para pegar xepa. E não! A gente aprendeu que, se a gente puder, a gente quer comer do bom e do melhor, que vestir do bom e do melhor, quer morar do bom e do melhor.

Ontem, quando eu ia chegando aqui, tinha um companheiro que trabalha com o Gabas, que ele ia viajar e não foi viajar para vir aqui me contar o seguinte: 'presidente, quando o senhor ganhou, eu era vigia, não tinha casa, não tinha nada, não tinha nem mulher. Agora, presidente, depois de oito anos o senhor vai embora, eu casei, tenho dois filhos, tenho carro e tenho mulher'. E, certamente, tem um computador lá dentro, porque já virou paixão.

Então, gente, isso eu tenho consciência de que eu só fiz, eu só fiz porque eu tinha o povo brasileiro e eu tinha a energia, a compreensão e o carinho de vocês. Por isso, muito obrigado por tudo o que vocês me ajudaram a fazer neste País.

Muito obrigado".

Sérgio Telles: Blogueiros na cobertura da posse da Dilma

por Sérgio Telles, do RioBlogProg

Prezados colegas blogueiros

Uma ótima notícia para os colegas que não participarão presencialmente da posse da presidente Dilma Rousseff. Será possível acompanhar virtualmente toda a cerimônia, que acontecerá neste sábado, 1º de janeiro, das 14h às 18h.

Mais de 30 blogueiros procedentes de vários estados do Brasil vão se reunir amanhã, em Brasília, para fazer uma cobertura colaborativa da posse. Graças à companheira Helen Lima, até uma tenda teremos.

Parceria dos blogueiros com a TVT

A TVT, de São Bernardo do Campo, abrirá seu canal de Skype e outras formas de comunicação para comentários dos blogueiros progressistas.

A TVT realizará um programa especial, ao vivo, sobre a posse da presidente Dilma, via blogs e redes sociais (twitter, facebook, orkut etc). Para isso, está convidando internautas e blogueiros progressistas para participar ativamente do programa com depoimentos ao vivo via Skype e/ ou mandando fotos, vídeos e comentários para o site da TVT durante a cerimônia da posse.

Vai funcionar assim:


Skype

Para falar ao vivo e fazer comentários sobre a posse, via webcam ou celular 3G, conecte no Skype da TVT.

Usuário: Cliqueligue

Site da TVT ou email


Quem estiver em Brasília e quiser participar pode enviar vídeos pelo site www.tvt.org.br No canto esquerdo inferior, há um ícone especial o encaminhamento. Vídeos podem ser enviados por celular/web ou por e-mail para este endereço: cliqueligue@tvt.org.br

Twitter


O twitter (novinho) é @cliqueligue

Além disso, a TVT, com a jornalista Erica Aragão, estará produzindo um documentário sobre a participação dos movimentos sociais , considerados fundamentais na eleição da presidente Dilma.

Desde sempre, salientamos que o movimento dos blogueiros é pluripartidário e abrange todas as correntes que defendem a democratização da comunicação, sejam eles pró ou contra o governo. E que o grupo que está em Brasília organizou-se em paralelo às estruturas dos movimentos estaduais e do nacional de blogueiros (Barão de Itararé)

Um abraço

dilma - “Um dia, lá no mundão, uma das donzelas da torre será presidente” - Luiz Carlos Azenha

Rose Nogueira comprou uma camélia vermelha, para usar na posse de Dilma Rousseff. Com a camélia, pretende levar para a festa todas e todos que não puderam estar lá.

Rose e Dilma foram colegas de presídio Tiradentes, em São Paulo, durante o regime militar.

Naquela época, elas costumavam sonhar com a liberdade dizendo: “Um dia, lá no mundão…” vou fazer isso ou aquilo. “Um dia, lá no mundão…” serei assim ou assado.

“Um dia, lá no mundão”, diz Rose Nogueira por telefone, de Brasília, com seu tradicional bom humor, “uma das donzelas da torre será presidente”.

Ela ri de uma notícia que leu a bordo do avião, em O Globo, que fala nas 11 ex-companheiras de cela de Dilma, todas convidadas para a posse. Talvez estivesse se referindo a esta notícia.

Fica sem saber se o jornal tentou ser irônico ao falar em Grupo das Onze, já que os Grupos dos Onze foram os famosos “comandos nacionalistas” criados por Leonel Brizola, nos anos 60, para resistir ao golpe.

O fato é que Rose é uma mulher extraordinária da mesma forma que muitas mulheres o são. Extraordinária com as pequenas conquistas do dia-a-dia, consciente de que é o elo de uma corrente e que, portanto, é preciso persistir. Persistência não é o forte das mulheres?

“Se não fosse a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho, legislação trabalhista implantada pelo governo Vargas) do Getúlio, ela teria se matado de tanto trabalhar”[Rose sobre a avó, a tecelã Maria Ghilardi Guerra, exemplo de mulher batalhadora]

“Eu apanhava porque eu estava fedida de leite azedo” [Rose sobre a tortura. Quando ela foi presa, o filho era recém-nascido]

“Ela contribuiu mais do que qualquer outra para a mudança do Brasil” [Rose sobre a atuação de Dilma no ministério de Lula]

“Quando a gente tava lá na cadeia ficava muito claro que todas tinham vocação política. A Dilma era a pessoa onde mais isso aparecia. Porque ela tinha uma presença muito forte, ela tinha um equilíbrio nas análises das coisas que, embora ela tivesse 20, 21 anos, impressionava, francamente” [Rose, explicando depois que Dilma defendeu na cadeia a ampliação do mar territorial brasileiro de 12 para 200 milhas, uma proposta dos militares]

“Eu considero que quem fez a luta armada contra o povo brasileiro foi a ditadura” [Rose ao lembrar que milhões de brasileiros se opuseram ao regime militar e que os oportunistas costumam repetir, nos dias de hoje, o bordão usado no passado pelos militares, de que a resistência ao regime queria implantar no Brasil uma ditadura de esquerda]

“A gente naquela época era tratada como coisa” [Rose, sobre as mulheres nos anos 60]

Durante nossa conversa Rose Nogueira lembra que a classe operária brasileira se formou nos anos 30, especialmente com a chegada de imigrantes. E que nos anos 60, na geração dela, os filhos de imigrantes começaram a chegar à universidade. Razão pela qual havia muitos filhos de imigrantes na resistência ao regime militar. Gente que tinha ascendido socialmente mas mantinha sua solidariedade com os de baixo. Como foi, aparentemente, o caso dela.

A jornalista perdeu o pai aos 4 anos de idade. Foi morar com a avó, a Maria “que tinha guerra no nome”. Aliás, a avó de Rose não queria saber de batizar ninguém com o próprio nome. Dizia, “Maria tá condenada ao sofrimento”.

Maria contava que, para não perder o emprego, tinha “atrasado” o parto da mãe de Rose. Escondeu a gravidez com a cumplicidade do chefe. A mãe de Rose nasceu no domingo de Carnaval. Na quinta, dona Maria Guerra estava de volta ao emprego.

A vida de dona Maria foi tocada pela implantação, no governo Vargas, da CLT, quando a jornada de trabalho dela caiu de 14 para 8 horas diárias.

Mais tarde a maternidade assumiria ares dramáticos para a própria Rose. Quando ela foi presa o filho tinha 33 dias de vida. Ela narrou o episódio num livro. O Viomundo, faz algum tempo, reproduziu parte do texto de Rose, em que ela descreve a vida no presídio Tiradentes.

Foi deste período, também, a patética demissão de Rose Nogueira do jornal Folha da Tarde. Ela foi demitida por abandono de emprego quanto até as árvores da Barão de Limeira sabiam que a jornalista do Grupo Folha estava na cadeia. Aqui ela tratou do assunto.

Um caso sobre o qual a Folha ainda nos deve explicações, sem falar no empréstimo de viaturas para a Operação Bandeirantes.

O fato é que a geração de Rose subirá a rampa com Dilma Rousseff, no sábado, em Brasília. Junto com a memória da dona Maria Ghilardi Guerra, que faleceu aos 90 anos de idade. E, de certa forma, com todas as mulheres batalhadoras do Brasil, do passado e do presente.

Terminada a entrevista, Rose liga de novo, para complementar: diz que com a avó aprendeu a importância de combater as injustiças, mas que a militância mesmo começou aos 18 anos, quando se apaixonou por um militante do PCB. Amor + luta. Rima com mulher.

As guinadas de Dilma

blogueiros e Internet - O ano em que engrossamos a voz - azenha

Érica Teodoro, eu, Conceição Oliveira e Padu Palmério, parte da equipe que escalou o vulcão

por Luiz Carlos Azenha

Eu tinha acabado de escalar um vulcão na ilha do Fogo, em Cabo Verde, quando fiquei sabendo, por e-mail, que tinha sofrido ataques da direitona aqui no Brasil. O fato de que trabalhei para uma empresa que ganhou uma concorrência pública nunca contestada, sobre a qual nunca pairou qualquer dúvida, era notícia! Falo da Baboon Filmes, que fez a primeira temporada da revista Nova África para a TV Brasil. Fiz, por conta disso, o tour completo do esgoto: Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, capa de O Globo…

Descobri, assim, que o Viomundo estava incomodando! Os números demonstravam, então, que era mesmo o caso. Estávamos entre 20 e 30 mil leitores únicos por dia e textos publicados aqui logo eram replicados por toda a blogosfera, graças especialmente ao jornalismo investigativo da Conceição Lemes — que descobriu, entre outras coisas, que o governo Serra não tinha dado continuidade à limpeza da calha do rio Tietê, um dos motivos das enchentes que assolaram São Paulo no início do ano.

De volta ao Brasil, tive a ideia de propor a um grupo de colegas que imitássemos os blogueiros progressistas dos Estados Unidos, que se organizaram e passaram a ter voz em conjunto depois de formar uma espécie de cooperativa, hoje organizadora do Netroots. Nasceu o Encontro Nacional de Blogueiros, que foi um tremendo sucesso, atraindo colegas de todo o Brasil para uma reunião eletrizante, em São Paulo. Escalei pela segunda vez, figurativamente, o vulcão.

A campanha eleitoral quase todos vocês sabem como foi. Madrugadas insones dedicadas a alvejar as balas de prata reais e imaginárias que voaram sobre nossas cabeças. Fiquei sabendo, por um colega jornalista, que meu telefone celular teve o privilégio de ser monitorado… Deve ter sido uma tremenda decepção para os orelhudos não descobrir uma central clandestina de blogueiros financiada pelo ouro do Hugo Chávez ou pela coca do Evo. Descobriram, isso sim, quantas vezes tramei o Viomundo com a Conceição Lemes. Escalamos, juntos, mais uma vez, o tal do vulcão: o site bateu recorde atrás de recorde, chegando aos 70 mil leitores únicos por dia…

Passada a eleição, entramos todos em uma profunda ressaca. Cansaço puro. Sei de muitos blogueiros que ficaram doentes, mesmo, por conta da tensão e das noites mal dormidas.

Para completar o ano, passei algumas semanas gravando durante a madrugada, para uma série sobre transporte público (ou falta de) no Brasil, que vai ao ar na segunda semana de janeiro, no Jornal da Record. Está muito bacana e espero que vocês me brindem com a audiência.

Em resumo, 2010 foi um ano eletrizante e de muitas vitórias. Um ano muito bom. Espero que 2011 seja melhor ainda, para todos nós.

Agora, para completar as “escaladas”, em algumas horas me reúno com amigos para mais um desafio, este de caráter individual e em nome da saúde: completar os 15 km da São Silvestre. De todas as subidas ao topo do vulcão do Fogo, nesta eu realmente corro o risco de me queimar

Para analistas, 'diplomacia do carisma' de Lula projetou Brasil

Ao imprimir um tom "carismático e personalista" à sua política externa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contribuiu de forma decisiva para uma maior projeção do Brasil no cenário internacional, dizem especialistas ouvidos pela BBC Brasil.


A avaliação é de que a história pessoal do presidente, que ascendeu da pobreza ao cargo máximo da política do país, aliada à sua capacidade de negociação, ajudaram a "legitimar" as reivindicações do Brasil nos principais debates mundiais.


Mas os analistas também veem "excessos" em uma estratégia que, para muitos, privilegiou os "gestos e a retórica" em detrimento de resultados concretos.


"A contribuição do presidente Lula para a projeção do país é inegável. Na questão da imagem, saímos melhores, mas isso não é tudo em diplomacia", diz Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e atualmente diretor da Faculdade de Economia da Faap.


Em oito anos de governo, Lula foi frequentemente elogiado pela opinião pública internacional, que viu no líder brasileiro um "símbolo" e "porta-voz" das demandas dos países em desenvolvimento.


Na opinião de Ricupero, o estilo de Lula aplicado à diplomacia trouxe "perdas e ganhos" ao Brasil nos últimos oito anos.


O principal ganho, segundo ele, foi o fortalecimento do G20, grupo que reúne as maiores economias do mundo, e que a partir de 2008 passou a dar mais voz aos países emergentes.


"Claro que a conjuntura internacional, com a crise financeira, ajudou a mudar o status quo, dominado pelas grandes potências. Mas o presidente Lula teve o mérito de ser um dos principais porta-vozes da necessidade de mudanças no grupo", diz Ricupero.


Como perda, o ex-secretário da Unctad cita o "fracasso" das negociações com o Irã, que para ele foi fruto de uma "insistência sem qualquer respaldo internacional".


"Ali ficou claro o quanto o excesso de personalismo, o desejo de vitória a qualquer preço, pode ser também infrutífero. O resultado foi desastroso", diz o ex-embaixador.


LÍDER 'INTUITIVO'


Professor de história das Relações Internacionais da UNB (Universidade de Brasília), Amado Cervo diz que o perfil "intuitivo" e "menos racional" do presidente Lula, com seus discursos em prol da justiça e de defesa da negociação no lugar do confronto, fez do presidente uma "celebridade política" no circuito internacional.


"Sem dúvida Lula foi um líder com altíssima aceitação na opinião pública mundial. E é natural que o país tenha se beneficiado disso", diz Cervo.


Um dos principais legados de Lula para a diplomacia, na opinião do professor da UNB, está na projeção econômica e comercial do país.


Para Cervo, Lula foi uma espécie de "garoto-propaganda" não apenas da economia brasileira, mas também das empresas. "Ele se responsabilizou por essa tarefa como ninguém e acho que a estratégia funcionou bem".


Já do ponto de vista das relações políticas, o professor da UNB vê "excessos" na diplomacia lulista, como na tentativa de acordo com o Irã e a na condenação a Honduras.


"Minha avaliação é de que, em muitos desses casos, o presidente precisava agradar a certas alas do PT. E acabou dando passos maiores do que as pernas, como na aproximação com (Mahmoud) Ahmadinejad", diz Cervo.


DILMA


A figura do líder carismático, que fala de improviso e sempre com uma opinião sobre os mais variados assuntos, deverá ceder lugar a uma presidente mais racional, mais concentrada em resultados e comedida em seus comentários.


É assim que analistas e diplomatas veem a transição da diplomacia do governo Lula para a da futura presidente, Dilma Rousseff.


"Minha impressão é de que ela será mais comedida nos comentários e mais racional nas negociações", diz Cervo.O perfil mais técnico da nova presidente, aliado ao seu conhecimento de economia, também é apontado como diferença em relação ao perfil político e carismático de Lula.


"O presidente Lula é um superstar, mas isso não quer dizer que a presidente eleita não possa conquistar seus nichos. Diplomacia não é uma disputa de popularidade", diz Ricupero.BBC Brasil

Começos


Depois de dois mandatos como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva deixa o posto com grandes realizações a seu crédito. Dilma Rousseff, que o sucederá, está ansiosa por aceitar o legado de Lula.


Neste caso não é questão de aceitar uma "herança maldita". Lula lega uma "herança bendita", fato que apenas seus mais recalcitrantes críticos deixam de reconhecer.O Brasil teve sorte em contar com Lula. Não é apenas questão de o país ter se beneficiado de circunstâncias internacionais favoráveis.


Na verdade, as condições internacionais estiveram longe de ideais para o Brasil, e foram ainda piores para o restante do mundo, desde que eclodiu a crise financeira mundial de 2008.


Em última análise, os líderes políticos constroem os seus próprios destinos.Lula deixou sua marca de maneira muito pessoal. Sucedê-lo será difícil.Pouquíssimos líderes mundiais contam com a poderosa combinação de qualidades que Lula ofereceu ao seu governo: experiência de vida no Nordeste e no Sudeste; origens trabalhadoras e experiência no piso da fábrica, no sindicalismo e na organização política; três fracassos eleitorais sucessivos antes do sucesso -e virtualmente nenhum deles reteve ao longo do processo o seu bom humor e a capacidade de falar a língua do povo.


As estatísticas falam por si. Duas delas são especialmente reveladoras. Enquanto o desemprego nos Estados Unidos era de 9,8% em novembro de 2010, no Brasil o índice foi de 5,7%, o mais baixo desde 2002. E 71% dos brasileiros aprovam o ataque de Lula à pobreza. Há problemas, claro.


Significa pouco dizer que Lula causa "inveja e ciumeira" aos Estados Unidos. O presidente eleito, na sua primeira entrevista ao "Washington Post", já usou uma linguagem menos preconceituosa.


Dilma Rousseff lembrou ao PT que um partido político que elegeu um operário e, em seguida, uma mulher "deposita um grande desafio em nossos ombros".Ela não tem a experiência de vida de Lula, isso é certo.Mas a presidente Rousseff levará para a Presidência uma postura forte, experiência administrativa e longo envolvimento no centro do governo Lula.


Dilma talvez tenha pago mais caro que Lula por sua oposição à ditadura militar.Manterá alguns dos ministros mais experientes do predecessor. Desfrutará, pelo menos por enquanto, de amplo apoio político. Sua agenda de governo inevitavelmente envolverá grandes empreitadas internacionais, com destaque para os preparativos da Copa do Mundo e da Olimpíada.Ao assumir, desejamos tudo de bom a ela e ao Brasil.


Por:Kenneth Maxwell - americano, brasilianista, colunista da Folha

Lula lança pedra fundamental da Refinaria Premium no Ceará



lula - Minha Casa, Minha Vida atinge 1 milhão de contratos

Lula termina embalado por políticas sociais, economia e carisma

Luiz Inácio Lula da Silva deixa o comando do Brasil como o presidente mais bem avaliado da história. As políticas sociais despontam como o grande combustível para a aprovação recorde, mas a fala simples do Presidente Lula e o contato direto constante com o público também ajudaram para manter a maioria da população ao seu lado.


Nas contas oficiais, sob Lula, cerca de 36 milhões de brasileiros ingressaram na classe média. Ao mesmo tempo, mais de 28 milhões de pessoas deixaram a pobreza extrema, beneficiadas pelas políticas sociais do governo, em especial pelo programa Bolsa Família.


Em oito anos, as políticas sociais e os impulsos econômicos e fiscais dados à produção geraram mais de 14 milhões de empregos formais. Embalados, os brasileiros aumentaram seu apetite por crédito e o setor financeiro registrou recordes seguidos de aumento nos financiamentos. Mesmo quando a crise global chegou, o Brasil foi melhor que a maioria dos países.


No front político, logo no início Lula enfrentou o descontentamento de amplos setores de sua base eleitoral: as centrais sindicais criticaram o aumento do salário mínimo em 2003 e o funcionalismo ficou insatisfeito com as mudanças no regime previdenciário.


Além disso, o ex-metalúrgico e sindicalista teve que enfrentar a desconfiança e o receio em relação ao que seria seu governo logo que assumiu. Em tom de desabafo, a poucos dias de deixar o cargo, disse que teve que provar ser capaz de governar igual ou melhor do que todos os outros que passaram pela Presidência.


"Nenhum presidente da República teve que provar qualquer coisa neste país, e eu sabia que eu tinha que provar a cada dia", afirmou.


Governo


Na educação, houve mais recursos com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb. E o Ministério da Educação criou o Programa Universidade para Todos (Prouni), que permitiu o ingresso de pouco mais de 700 mil jovens em universidades privadas por meio de bolsas de estudo.


Internacional


Sob a batuta do Presidente Lula e do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e beneficiado pelo bom momento econômico, o Brasil ganhou peso no cenário internacional.


Priorizou as chamadas relações Sul-Sul, aproximando-se mais dos países emergentes e dos parceiros regionais, e buscou uma atuação mais efetiva junto a países mais pobres, especialmente na África. E atuou sem timidez nos fóruns internacionais, como o G20, das maiores economias do mundo.


Além de uma maior aproximação com os demais países do chamado Bric -China, Índia e Rússia-, o país teve papel-chave nos acordos comerciais internacionais envolvendo o Mercosul.


Carisma


A melhora de vida de milhões de pessoas e o crescimento da economia explicam parte disso. Mas muito também se deve ao carisma de Lula e ao seu jeito de falar ao público em geral, usando uma linguagem direta, fazendo metáforas futebolísticas.


Lula imprimiu na Presidência e aos costumes do Estado uma forte marca pessoal, que demorará para ser apagada

lula, um mito

Hoje é o último dia de mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deixa o poder, depois de oito anos, como uma espécie de líder noir. Lula é duro na queda, encara qualquer parada e cuidou dos mais fracos e desvalidos. Em síntese, um homem comum que fez coisas extraordinárias, como ele mesmo gosta de proclamar.


É mais ou menos esse o tipo de carisma que Lula exerce desde quando liderou as greves dos metalúrgicos de ABC no fim da década de 1970, em plena ditadura militar. Esse carisma cimentou a fundação do PT e a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Em 2002, levou-o à Presidência da República. Porém, não foi corroído pelo exercício do poder, nem mesmo na crise do mensalão, muito pelo contrário. Lula descerá a rampa do Palácio do Planalto como um mito político.


Assim como foi Getúlio Vargas, Lula é um líder político em contato direto com as massas, que já não depende da mediação do seu partido nem dos sindicatos para fazer política. Por isso, que a oposição não se iluda: Lula continuará exercendo enorme influência, mesmo fora do poder, não somente porque foi o artífice da eleição da presidente Dilma Rousseff, mas também porque seu carisma sobreviverá na planície. Para 87% da população, segundo as pesquisas de opinião, fez um ótimo governo.


Mídia


Não deixa de ser irônico. Getúlio Vargas construiu seu carisma em parte por causa da forma como soube utilizar o rádio. Do ponto de vista da comunicação, revolucionou a forma de atuar na política. Lula só aprendeu a lidar com a televisão depois de três derrotas eleitorais. No segundo mandato, usou e abusou da tevê aberta para se relacionar com o povo. Resultado: deixa o governo batendo recordes de popularidade.Correio

Rede Brasil Atual -lula, o presidente que não vai virar vaso chinês

31 de dezembro de 2010 às 10:49h

“Um ex-presidente é mais ou menos como um vaso chinês: não tem utilidade nenhuma (…) Ele valeria muito se ele ficasse quieto e deixasse o futuro presidente governar o país com tranquilidade, sem dar palpite.”

Estocadas à parte, o autor da declaração acima sabe que esse desejo não irá se cumprir. Pelo contrário, quando deixar a Presidência da República, no dia 1º deste ano, Luiz Inácio Lula da Silva será recebido com festa no retorno a São Bernardo do Campo. Mais que a celebração em si, vale o simbolismo de demonstrar que não é porque Lula sai do comando do país que deixa de ser reconhecido.

Lula tampouco deixará de ser importante. Nos últimos meses, foram muitas as vezes em que o presidente fez a tal citação do vaso chinês, talvez na tentativa de se forçar a acreditar que deixará de influenciar a vida política brasileira. Lula sabe que não será assim, e mais sinceras consigo são as palavras dos últimos dias. “Deixo apenas a Presidência, mas não pense que vão se livrar de mim, porque estarei pelas ruas desse país trabalhando e lutando para melhorar a vida desse país”, reiterou na última quarta-feira (29) em Recife.
Ex-presidente diferente
Há vários fatores para acreditar que Lula será um ex-presidente distindo dos demais ainda vivos – José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. A taxa de aprovação em 87% segundo o Ibope e a eleição da candidata apoiada por ele são dois dos vetores inéditos na vida política brasileira que fazem crer que a vida de Lula a partir de 2011 será diferente das rotinas dos antecessores.

Por um lado, o líder petista não parece vislumbrar a possibilidade de se candidatar a cargo eletivo no futuro, seja proporcional, seja majoritário. Lula rejeitou recentemente a possibilidade de ocupar cargos diplomáticos ou mesmo ser secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), como pediu o boliviano Evo Morales. Por outro lado, discrição parece difícil a um líder tão reconhecido e com um carisma que simplesmente não pode ser apagado – continuará a existir e, de certo modo, a ofuscar os que dividam as atenções com ele.

O cientista político André Singer defendeu que as linhas estabelecidas no governo Lula, de redução da pobreza e da desigualdade, vão guiar a política brasileira nos próximos anos. O professor avalia que a continuidade dessas propostas assegura, finalmente, voltar ao padrão interrompido pelo golpe de 1964. “A agenda de diminuição da pobreza e da desigualdade do governo Lula avançou por meio de uma estranha combinação de orientações antitéticas: de um lado, manteve linhas de conduta do receituário neoliberal e, de outro, adotou mecanismos de uma plataforma desenvolvimentista”, argumentou Singer em artigo publicado na edição de outubro da revista Piauí.

Isso explicaria, em parte, a migração da base de apoio de Lula – e do PT – das classes médias para as camadas mais pobres. Nesse aspecto, o presidente é um dos poucos políticos brasileiros ainda capaz de reunir massas em diferentes partes do país. Foram poucos os comícios de candidatos neste ano que não tinham Lula no palanque.

Nas últimas semanas de governo, por onde passa, Lula ainda reúne multidões que querem se despedir do líder. Foi assim no dia 23, quando foi realizado em São Paulo o último Natal com os catadores de materiais recicláveis e a população de rua, uma tradição mantida ao longo dos oito anos de governo e à qual Dilma Rousseff promete dar continuidade. O galpão lotado na zona norte de São Paulo abrigava verdadeiros fãs do presidente. “O senhor não esqueceu suas raízes, não esqueceu o que prometeu a seu povo”, lembrava a catadora Maria Lúcia Santos Pereira.
Desencarnar
Não é todo presidente que tem um povo que aceite ser chamado de “seu”. É a primeira vez em muitas décadas que um chefe de Estado brasileiro tem seu nome associado ao “ismo”: não houve itamarismo, collorismo nem fernandismo, mas há um lulismo que, como ressalta Singer, continuará presente mesmo que já não seja o ex-metalúrgico a ocupar o Planalto.

“Eu quero voltar ao Pacaembu para ver jogo do Corinthians, vestido de torcedor, encontrar os meus companheiros do sindicato e tomar uma cerveja, eu quero ser um homem comum…”, confessou em entrevista ao veterano jornalista Ricardo Kotscho, publicada na edição de dezembro da revista Brasileiros.

Kotscho, assessor do ex-sindicalista nas campanhas de 1989, 1994 e 2002, ressaltou por sua vez, em conversa com a Rede Brasil Atual, pouco antes do primeiro turno das eleições, que Lula era uma novidade na política brasileira quando apareceu e que hoje, três décadas depois, continua sendo algo novo, uma estranha soma de líder de massas e líder político, uma espécie de caminho do meio entre a esquerda ortodoxa e os movimentos pelegos.

“Lula é uma figura que alguém no futuro vai ter que explicar. Foi uma coisa absolutamente nova. Tem poucos casos no mundo de uma história assim. O Lula se tornou um líder mundial, reconhecido por todo mundo”, resumiu Kotscho.

Está aí um dos caminhos do presidente ao se “desencarnar” do mandato: já deu várias declarações no sentido de usar seu prestígio internacional para ajudar nações pobres.

Como disse Kotscho, só com o tempo será possível ter a dimensão correta – nem maior nem menor – da figura de Lula. Em algumas semanas, no entanto, saberemos o que o presidente fará com seu prestígio. O certo é que não ficará guardado no canto da sala, feito vaso chinês.

lula - cartamaior - RÉVEILLON HISTÓRICO - BRASIL, ORGULHO DOS BRASILEIROS

"Aquilo que muita gente achava que era impossível acontecer no Brasil, tudo aconteceu. E a última obra do impossível que nós fizemos aqui foi eleger uma mulher presidente da República do Brasil. É tudo o que nós precisávamos..." (Presidente Lula)

Dori Caymmi - Rio Amazonas

Campanha Lula de 1989

música e humor - Jararaca e Ratinho - O Sapo no Saco

http://www.youtube.com/watch?v=mvj51PiJMME&feature=player_embedded

música - Simone e Pablo Milanés - Yolanda



mídia - “É preciso limitar as ações dos monopólios e democratizar a palavra”

qui, 2010-12-23 11:48

Entrevistas
Segundo fundador da TV Telesur, nova etapa da democracia latino-americana não pode vir sem a democratização da comunicação



31/12/2010



Eduardo Sales de Lima

de Quito (Equador)



O espectro de radiodifusão pertence a todos e o setor privado não é proprietário desse espaço comum; utiliza-o apenas por meio de concessão pública. Sempre foi assim.

A questão é que, na América Latina, a população foi ensinada que as grandes tevês e rádios foram, desde seu início, grandes empresas com vocação para lucro sem obrigações legais junto ao cidadão. Pelo mundo afora, entretanto, os meios de comunicação precisam obedecer a leis rígidas, que impedem o monopólio comercial e ideológico desde há muitas décadas.

A Ley de Medios da Argentina, aprovada em outubro de 2009, vem impulsionando ainda mais o debate. Na Venezuela, há um processo para a regulamentação da mídia no país, inclusive a internet e, no Uruguai, estão ocorrendo discussões para regulamentar o setor em 2011. O Brasil tem ampliado a discussão por meio de Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). O ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, preparou um anteprojeto que visa a regular o setor e pretende entregá-lo ao Legislativo.

Para falar sobre essa nova onda latino-americana, Aram Aharonian, fundador e principal idealizador conceitual da TV Telesul, destaca ao Brasil de Fato a necessidade do enfrentamento e da união entre os “de baixo”, pois é daí que surgirá, na visão dele, o balizamento para uma verdadeira democracia comunicacional; nunca a partir de cima. Ele participou do encontro entre jornalistas latino-americanos “Construindo uma agenda democrática em comunicação”, realizado na sede da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), em Quito, Equador, entre os dias 13 e 15 de dezembro de 2010.



Brasil de Fato – Você acredita que se aproxima um novo período de grandes transformações relacionadas ao processo de democratização dos meios de comunicações na América Latina?

Aram Aharonian – Estão dadas todas as condições. Nosso período de resistência social vai terminando e ainda não estamos preparados psicologicamente; não assumimos que estamos numa etapa de construção em que é preciso mudar os paradigmas. Temos que acompanhar essa ação de construção de um novo paradigma no setor de comunicações com uma teoria sobre essa construção. Temos que criar uma base conceitual sobre a conjuntura atual das comunicações na América Latina. Estamos buscando-a. E creio que na América Latina se vive algo que não o resto do mundo não vive. É uma etapa de conscientização da cidadania e do retorno do pensamento crítico para criar soluções próprias a problemas próprios e comuns, e cada país sozinho não pode fazer nada.

Um fato muito singular que se dá nos últimos oito anos é que o Brasil deixou de estar separado da América Latina. O Brasil se sente parte. É verdade, no entanto, que com alguns vestígios de “irmão maior” ou de subimperialismo, mas com uma vocação de integração latino-americana, de necessidade de conhecer quem são seus vizinhos, de sentir-se parte do continente.



Qual é o efeito prático dessa regulação do setor de comunicações na América Latina?

Democratização é a palavra principal, mas é a palavra que se amplia em direção a muitos outros temas. Creio que o principal é reivindicar o papel do Estado como o território de todas as atividades que dizem respeito à nação e, em segundo lugar, é preciso limitar as ações dos monopólios, impedir suas ações, e democratizar a palavra; garantir que a palavra e a imagem se volte e chegue a todos cidadãos. Uma Ley de Medios é o início de um caminho, não é o final. É o final, sim, de uma resistência, e o início de uma construção de uma nova forma de comunicação. Uma comunicação democrática resultará numa democracia participativa.



Aprendemos no Brasil que a radiodifusão é antes de tudo um negócio. Sentimos desde sempre a força do poder privado e da desregulação nessa área. Em entrevista ao Brasil de Fato, dois dos principais abajo, comunicólogos brasileiros, Laurindo Leal Filho e Venício Artur Lima, contaram que em alguns países da Europa o processo de regulação do setor, sobretudo a partir dos anos 1930, levou mais em conta o caráter público dos meios de comunicação.

Primeiro, deve-se ter a dimensão de que os meios de comunicação são um serviço público. A globalização neoliberal, que está em crise, obviamente utiliza os meios de comunicação para fazer negócios. Entendo que o conceito de rentabilidade dentro desse âmbito de serviço social encontra certos problemas. Há problemas no Brasil, Argentina, México, em vários países em que há monopólios e oligopólios que controlam a palavra, criam um imaginário coletivo e condicionam as ações dos governos. Esses grupos não são eleitos por ninguém. São grupos econômicos, às vezes nacionais, às vezes internacionais, que temos que controlar. Cuidado. Não se trata somente de interesses comerciais. Há também interesses religiosos. E são também tão danosos quando tomam o monopólio da palavra para criar um imaginário coletivo que realmente atentam contra os interesses da grande maioria.



Existe uma raiz histórica comum a todos os países da América Latina quando falamos em monopólio dos grandes meios de comunicação?

Nos países grandes, há grandes monopólios, oligopólios; Clarín, na Argentina, a Televisa, no México, a Globo no Brasil. Mas a Globo tem a contraparte evangélica, que não é tão poderosa, mas também tem o seu poder. Temos ainda vários grupos de investimentos espanhóis. Na Colômbia e na Bolívia, há o grupo Planeta, o grupo Prisa; ou seja, são grupos espanhóis que também jogam para atender aos interesses de suas empresas. E são empresas que os governos neoliberais privatizaram para prestar serviço e que defendem esse Estado mínimo para que garantam seu lucro.



Você acredita que no Brasil haverá um processo de enfrentamento da sociedade organizada e da parte progressista do governo Dilma com a grande mídia, como ocorreu e está ocorrendo na Argentina?

Não há outra forma. Jamais o grande capital concedeu algo. A única forma é a decisão política do governo de apoiar esse abajo que se move, apoiar a cidadania do povo e os movimentos sociais, que estão declarando um novo elo informativo entre eles e uma nova forma de democratizar a informação.

Creio que o que falta é a decisão política dos governos de garantir as coisas, pesando suas forças. Creio que é uma batalha que se mostra e que o Brasil está preparado por baixo, com a enorme quantidade de assembleias realizadas por todos os cantos do país, apoiando a democratização da comunicação e com algumas declarações que são muito alentadoras de Franklin Martins, inclusive de Lula. Creio que é um momento de democracia. A democracia não pode vir de cima, de cima não se constrói nada. A única coisa que se constrói é um poço. Nós temos que construí-la a partir de baixo para que esse poço acabe, sendo uma decisão política de quem está prejudicado.



Paralelamente a todo esse movimento, a grande mídia latino-americana acusa os governos de esquerda e centro-esquerda de atacarem a liberdade de expressão.

Essa frase se repete por todos os lados. Estão querendo confundir a liberdade de empresa com a liberdade de imprensa. Em nossos países, há muitos casos de libertinagem de imprensa, em que os grandes meios fazem campanhas contra os governos e contra a estabilidade do país. Que sigam dizendo o que querem, que o povo sabe do que se trata.



Criticam também o excesso de ideologia.

Se temos uma problema de ideologia, então não temos problema nenhum. Ou tudo será problema de ideologia. Estamos debatendo as ideias numa batalha permanente. O problema é ocultar essas ideias numa redoma de neutralidade e imparcialidade que não existe. Isso é falso. São falsos paradigmas que nos ensinaram. Não existe imparcialidade nos meios de comunicação. É um problema ideológico. Cada meio tem a sua linha editorial, marcada por seus interesses políticos, econômicos, comerciais, religiosos, que sejam.



Devemos nos inspirar em modelos já existentes de regulação de meios de comunicação, como os que existem em alguns países da Europa, como no Reino Unido, Espanha e Sérvia?

Temos que olhar para nós mesmos. Faz 500 anos que copiamos modelos. E esses modelos são estrangeiros, e talvez, sejam muito bons. Mas é algo que tem a ver com a gente. Por exemplo, a Ley de Medios na Argentina tomou elementos dos Estados Unidos no que diz respeito à questão dos monopólios. É muito similar. Então, não se pode acusá-los de comunistas.



Dentro dos limites capitalistas.

Os limites da democracia burguesa formal. Estamos num sistema capitalista e nossos países estão formados, ainda, por governos burgueses. Não há governos revolucionários. Assim que pudermos avançar a outras etapas, avançaremos na comunicação. Cada etapa tem o seu tempo. O grande problema é que durante 500 anos tínhamos uma cultura de colonização cultural.



Essa colonização cultural era a situação mais grave?

Era o mais grave. Seguíamos pensando como os estrangeiros. Agora, estamos mudando isso, olhando com nossos próprios olhos e mostrando o que somos. Essa mescla cultural, étnica, essa coloquialidade... Essa discussão permanente de como temos que viver em nossos países é a construção de uma nova democracia. Não se pode ter uma nova democracia sem uma comunicação democrática. Há uma relação direta da democratização da comunicação com a construção da nova democracia. O futuro da nova democracia em nosso continente tem a ver, basicamente com esse papel de poder de uma comunicação massiva. Se não democratizarmos a comunicação, não teremos essa democracia real em nossos países.










O uruguaio-venezuelano Aram Aharonian é jornalista, professor de pós-graduação, fundador da Telesul, diretor da revista Questão e do Observatório Latino-Americano de Comunicação e Democracia (Olac).

mídia - “Regular a comunicação nada mais é do que cumprir com o Estado de Direito”

qua, 2010-12-22 13:36

Entrevistas
Integrantes do Coletivo Intervozes falam sobre estudo que lança luz sobre o funcionamento dos órgãos reguladores do setor em 10 países



29/12/2010



Eduardo Sales de Lima

da Redação



Toda vez que se fala sobre a necessidade de se regular a comunicação no Brasil, os grandes meios do país disparam: tal medida seria “ditatorial”, “atentado à liberdade de expressão”, “cerco à mídia”. Ignoram, ou fingem ignorar, que mecanismos de controle sobre o setor existem em muitas nações do mundo, inclusive aquelas consideradas exemplos de democracia para esses mesmos meios.

O Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social realizou um levantamento sobre o funcionamento de órgãos reguladores que atuam sobre a rádio e a televisão em 10 países. O estudo trouxe à tona o caráter independente desses órgãos, com ênfase nas questões de garantia de competição, gestão do espectro e regulação de conteúdo.

Os países estudados foram Reino Unido, França, Canadá, Estados Unidos, Bósnia e Herzegovina, Argentina, Uruguai, Alemanha, Espanha (com um capítulo especial sobre a Catalunha) e Portugal. A seguir, leia uma entrevista, via correio eletrônico, com Ramênia Vieira da Cunha e Sivaldo Pereira, ambos pesquisadores responsáveis pela pesquisa.



Brasil de Fato – Dos países que vocês pesquisaram, qual (ou quais) apresentaram uma estrutura de regulação de mercado e conteúdo que mais lhe(s) chamaram a atenção positivamente? Por quê?

Sivaldo Pereira – Podemos apontar, por exemplo, a independência e a efetividade do modelo britânico com o Ofcom (Departamento de Comunicação) e o modelo bósnio-herzegovino, com a Agência Regulatória da Comunicação (CRA). O Ofcom, por exemplo, busca concretizar o ideal de uma agência autônoma sem perder em força regulatória do Estado. Possui um código de qualidade de conteúdo para a radiodifusão que é constantemente debatido e atualizado e que dá as diretrizes para o bom andamento dos sistemas de comunicação, chegando inclusive a aplicar uma média de 18 multas por ano a empresas infratoras. Veja que ninguém chama isso de censura, nem mão de ferro do Estado, nem ditadura da esquerda, como se fala no Brasil: nada mais é do que o Estado de Direito sendo cumprido.

Na Bósnia e Herzegovina, a criação de uma agência regulatória que busca cumprir os princípios de qualidade e ética à risca é justamente uma resposta ao trauma que o país sofreu devido ao mal uso da comunicação de massa no contexto da guerra, considerado por muitos especialistas um dos principais elementos que levaram o país ao conflito. Esses sistemas, de algum modo, preveem formas de participação do cidadão no sistema, aproximando-se, assim, do interesse do público.

Ramênia Vieira da Cunha – A Alemanha me chamou muito a atenção, por manter uma estrutura com autoridades de regulação da mídia em cada estado da federação (são 16 estados regulados por 14 autoridades de mídia – duas delas têm jurisdição sobre dois estados). Isso torna a regulação mais adaptada à realidade de cada uma dessas regiões, cabendo à associação nacional das autoridades (a ALM) o papel de agente regulador das transmissões e coberturas de abrangência nacional. A preocupação com a proteção à criança e ao adolescente também chama a atenção na legislação alemã.

Na Espanha, é a defesa contra a discriminação da mulher que ganha um bom espaço na regulação do conteúdo e do funcionamento das emissoras de radiodifusão. No Uruguai, ainda que o marco regulatório ainda esteja em discussão, o modelo atual prevê a regulação das telecomunicações e da comunicação audiovisual por um único órgão, o que elimina eventuais choques de competências entre organismos distintos e pode ser fator positivo para o controle efetivo sobre o funcionamento das emissoras.



No geral, como funciona a regulação de conteúdo nos países pesquisados por você? As agências reguladoras são, de fato, independentes?

Sivaldo – Os países que conseguem hoje ter melhor qualidade de conteúdo são aqueles que possuem códigos que buscam cristalizar princípios aos quais os meios estão submetidos democraticamente. Observe que não se trata de impor quais conteúdos devem ou não ser veiculados pelos meios, pois isso implicaria em podar a criatividade e a liberdade de expressão. Na verdade, trata-se de garantir que os conteúdos sejam plurais, diversos e que respeitem questões como equilíbrio de gênero, étnico, regional e político.

Ramênia – Há características comuns entre os agentes reguladores pesquisados. Uma delas é a busca pela independência em relação às empresas de comunicação, públicas ou privadas, e aos governos. O Executivo e o Legislativo participam, em maior ou menor grau, da indicação dos componentes dos órgãos reguladores, geralmente com participação prévia da sociedade. De qualquer forma, a maior parte dos países impede que os órgãos tenham como diretores pessoas com interesses econômicos ligados direta ou indiretamente ao setor regulado. O problema é montar um sistema legal que consiga identificar plenamente essas relações de interesses.

De forma geral, os organismos de regulação têm atuação tanto sobre o licenciamento das emissoras quanto sobre o mercado – em alguns casos, como na Alemanha, com controle sobre a concentração de poder econômico e político, pelo menos em termos teóricos. Esses órgãos também determinam a existência de infrações à lei e aplicam as respectivas sanções. Em termos de regulação de conteúdo, os organismos de regulação agem a partir de denúncias feitas pelo público ou por meio do monitoramento da programação pós veiculação. Ou seja, não ocorre nenhum tipo de censura prévia nos países pesquisados.



A proibição de que os órgãos de regulação tenham como diretores pessoas com interesses econômicos ligados direta ou indiretamente ao setor regulado me parece algo muito distante da realidade brasileira (leia matéria sobre um possível marco regulatório no Brasil na página 11). O Brasil já apresenta um acúmulo no debate que possa pressionar os poderes públicos para a criação de uma agência com um caráter participativo de toda a sociedade?

Ramênia – O Brasil está iniciando um processo. O debate existe, embora ainda muito restrito às universidades e às organizações não governamentais que militam na área. Mas é um processo que vai avançar, certamente. Claro que, pelas características das empresas de comunicação em atividade no Brasil e pela fase de desregulamentação das comunicações verificada na segunda metade do século passado, será um processo mais semelhante ao instalado na Argentina – de disputas acirradas de poder e de ações desesperadas por parte das empresas para evitar a perda da hegemonia – do que a relativa tranquilidade com que a regulamentação foi estabelecida na Europa, a partir de diretivas da União Europeia.

Sivaldo – Essa cultura política que envolve participação e autonomia ainda é um desafio no Brasil. Órgãos como a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) buscam autonomia mas não se abrem efetivamente para a participação do cidadão comum. Isso acaba repercutindo – ou reforçando – um perfil demasiadamente técnico-econômico. Algo claramente sentido na hora de a agência regular o setor das telecomunicações, por exemplo: ao invés de priorizar o mérito de um “player” em cumprir horizontes e princípios constitucionais valoriza-se, apenas, sua robustez enquanto empresa. Mas creio que estamos num momento importante de se pressionar para que haja um modelo regulatório que triangule participação, autonomia e efetividade, como ocorre em qualquer país democrático. Por isso que o debate sobre regulação dos meios de comunicação não pode ser mais estigmatizado como violação à liberdade de imprensa. É simplesmente o Estado de Direito sendo posto a funcionar. Empresas de comunicação das diversas áreas como impresso, TV, rádio, telefonia, internet não estão acima da lei: precisam cumprir regras e prestar contas de suas atividades, responder por elas publicamente. Toda democracia pressupõe veículos de comunicação livres, mas também pressupõe que os mesmos estejam qualificados para cumprirem suas funções públicas ao invés de servir a interesses privados de grupos econômicos ou políticos.



Alguns países trabalham ainda com questões de imparcialidade e pluralidade de visões na cobertura jornalística. No Brasil, a grande mídia prima por um jornalismo que não é plural, isso é fato. Nesse setor, nosso país estaria muito atrasado em relação aos países pesquisados?

Sivaldo – Sim. O Brasil está muito aquém de um modelo de regulação sofisticado em termos democráticos. Na verdade, mal temos regulação no setor. Veja que caiu a Lei de Imprensa, que não era boa, mas ficamos na várzea... sem regulação nenhuma para o setor, o que é ainda pior. E na radiodifusão e telecomunicações, onde sobrou alguma regulação precária, prevalece uma omissão institucionalizada, como é o caso da prática já histórica do Ministério das Comunicações ou um tecnicismo econômico fechado em si mesmo, como é o caso da Anatel.

O problema é que essa mistura de selva regulatória, omissão e tecnicismo não é mais sustentável. Não mais nesses tempos de convergência tecnológica. E, para piorar, o Brasil ainda luta para ter um sistema público de comunicação, aquele de forte presença, autonomia e que não possua fins lucrativos e tenha independência em relação ao governo (a exemplo da NHK, no Japão, o sistema ARD e ZDF da Alemanha ou a famosa BBC britânica).

Em solo brasileiro, prevaleceu uma distorção em que há um hiperdesenvolvimento de um sistema de comunicação privado, isto é, com fins lucrativos, algo que não ocorre em boa parte de países democraticamente desenvolvidos. E falo no sentido clássico de “public broadcast” (radiodifusão pública), em que há investimento público significativo que mantém um sistema de comunicação qualificado e independente. Algo diferente, por exemplo, de um veículo estatal diretamente subordinado ao governador ou presidente. No Brasil, a criação da EBC já foi um avanço. Porém, ainda temos poucos investimentos e é preciso aumentar a participação civil no controle da empresa, desvinculando-a ainda mais do governo e dando meios para se transformar numa grande rede que possa equilibrar-se ao sistema comercial hoje preponderante no país.





Sivaldo Pereira da Silva é PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia, professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Alagoas e membro do Intervozes.

Ramênia Vieira da Cunha é jornalista e membro do Intervozes.

mídia - O Brasil atrasado pelo monopólio

qua, 2010-12-29 11:00 —
Nacional
Desregulamentação do setor de comunicação no Brasil abriu lacunas, mesmo sob o ponto de vista mercadológico



29/12/2010



Eduardo Sales de Lima

da Redação



“No Brasil, o rádio, primeiro, a televisão, depois, foram sempre vistos como negócios particulares, empresas de determinadas famílias, como se fossem qualquer outra empresa, como um supermercado”. Essa é a opinião do professor da Universidade de São Paulo (USP) Laurindo Leal Filho. Ele não termina por aí. Segundo Laurindo, nunca foi discutido que essas atividades ocupam o espaço público e, por isso, “precisam ser regulamentadas”.

Mas os mandos e desmandos no setor de comunicação no Brasil, sobretudo na radiodifusão, vêm há muito tempo. Como conta o professor Venício Artur Lima, da Universidade de Brasília (UnB), na década de 1930 o ex-presidente Getúlio Vargas abriu concessões para as iniciativas privadas. “Naturalizamos isso como se fosse a única forma, e copiamos os Estados Unidos”, conta.

Entretanto, ele pondera que os próprios estadunidenses iniciaram um processo de regulamentação da radiodifusão em 1934 e que, nessa mesma época, a Europa optava pela radiodifusão como um meio sobretudo de interesse público e só anos depois é que a iniciativa privada do setor ganhava mais espaço no continente. Isso, segundo o professor da UnB, contribuiu para a construção da cidadania da população, e, hoje, “aquele público tem noção muito maior de seus direitos”, explica.



Debate interditado

Segundo Laurindo Leal Filho, por conta dessa origem privatista dos meios de comunicação no Brasil, criou-se um monopólio do setor que sempre interditou o debate sobre regulação porque temia perder o espaço conquistado ao longo do tempo. Essa interdição do debate é feita por menos de dez famílias que detêm o controle de mais de 80% dos serviços de comunicação no Brasil. Quase metade dos deputados e senadores é concessionária de canais da rádio e TV.

“Para eles, sempre foi muito bom não haver leis ou outros atores que impedissem esse processo”, explica o professor da USP. Agora, de acordo com Laurindo, é preciso garantir que o espaço da comunicação, rádio, internet, revista, TV e cinema não continue monopolizado por uma empresa ou poucas empresas e que não exista a propriedade cruzada (quando uma empresa é proprietária de vários segmentos da comunicação, como televisão, internet, editora, por exemplo).

“Isso está na Constituição. E sabemos que, na prática, existe [a propriedade cruzada],

porque uma empresa como a Rede Globo domina todas as áreas de comunicação”, critica. De fato, o parágrafo 5º. do artigo 220 da Constituição Brasileira diz que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.

Ao comparar o atraso quanto à regulação do setor de comunicação aqui no Brasil e na Europa, Ramênia Vieira da Cunha, membro do Intervozes, pondera que a empresa privada europeia não visa menos o lucro do que a brasileira, nem defende como menos ardor seus interesses. “Acontece que há um marco regulatório mais sólido nesses países europeus, e a desregulamentação foi uma prática consolidada de forma acentuada na América Latina por conta dessas relações entre poder econômico e político”, conclui.





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mídia - Hora de entrar no jogo

Hora de entrar no jogo
qua, 2010-12-29 11:00 — admin
Nacional
Para além de enfrentar monopólios, marco regulatório do setor no Brasil pode balizar participação da sociedade



29/12/2010



Eduardo Sales de Lima

da Redação



Com a chegada das empresas de telefonia, que podem produzir e veicular conteúdo midiático, os poucos proprietários de canais de rádio e televisão estão se movimentando para defender o “seu”. Quer dizer, querem uma regulamentação para que se impeça a entrada dessas empresas no ramo. Para o velho oligopólio midiático, o principal motivo para a necessidade de regulação é a diferença de faturamento (com valores de 2009) entre o setor de radiodifusão (R$ 13 bilhões) e de telecomunicações (R$ 180 bilhões).

Entretanto, para os defensores da democratização da comunicação no Brasil, a implementação de um marco regulatório no setor de comunicações vai muito além do estabelecimento das regras de mercado para a garantia de competição ou da gestão do espectro eletromagnético. Abarca, sobretudo, a regulação do conteúdo e o direito do cidadão comum ser beneficiado por uma programação midiática mais diversa e plural, livre da influência mercadológica.

Para o professor da Universidade de São Paulo (USP), Laurindo Leal Filho, “a concessão pública [de radiodifusão] é outorgada pelo Estado em nome da sociedade; portanto, a sociedade tem o direito de criar mecanismos para acompanhar o uso desse espaço pelos concessionários”, esclarece. Segundo ele, quem faz isso em vários países do mundo são as agências reguladoras, formada por representantes do governo, dos empresários e das organizações sociais.

Laurindo exemplifica que as agências reguladoras de alguns países que julgam uma determinada reportagem veiculada de forma tendenciosa, distorcendo ou mentindo, têm o poder de estabelecer a mediação entre o cidadão que reclamou e a empresa. Se for o caso, segundo conta, têm o poder de exigir desta uma retificação, uma resposta. “Agora, nunca proibindo nada. Tudo sempre a posteriori. Um órgão que faz muito bem isso é o inglês, que se chama Ofcom”.

O ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), preparou, juntamente com sua equipe, um anteprojeto de lei para regulamentar os meios de comunicação e modernizar a legislação midiática atual. Segundo Martins, a intenção é que o governo Dilma já assuma com esse tema em debate no Legislativo. “Por que não temos que ter produção regional, nacional, independente? Por que não temos que observar princípios de equilíbrio, de proteção ao menor, de não permitir estímulo à discriminação, coisas gerais que existem em todos os países democráticos no mundo?”, questionou, em seminário sobre comunicação realizado pela TV Cultura, em novembro.



“Controle social”

Para o professor Laurindo Leal Filho, o estabelecimento de um marco regulatório para o setor de comunicação e a criação de uma agência reguladora independente não têm nada a ver com o debate sobre liberdade de expressão, como a mídia comercial tem insistido. “A Constituição brasileira já determina os limites e garante a liberdade de expressão”, pontua.

O debate abrange outro viés. Jornais como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo têm desvirtuado a discussão sobre a necessidade de um marco regulatório para a comunicação no Brasil, afirmando que se trata de uma manobra do governo federal para controlar ou censurar as informações produzidas. É por isso que Franklin Martins tem se declarado “inteiramente contra a expressão 'controle social da mídia'”.“O governo não votará a favor de nenhuma proposta que inclua o termo 'controle social da mídia', porque é ambígua”, afirmou, no seminário realizado pela TV Cultura.

A expressão “controle social” em países como o Brasil, segundo Sivaldo Pereira, membro do Intervozes e responsável por um estudo de órgãos reguladores da mídia em dez países, juntamente com Ramênia Vieira da Cunha (leia entrevista na página 10), tem ganhado vários significados e é objeto de disputa quando é transportada para o campo da comunicação. Para ele, as posições mais à direita ou mais liberais tendem a associar “controle social” com controle autoritário, estatal ou antidemocrático; em seguida, de acordo com Sivaldo, isso logo é remetido à censura e à ditadura.



Apoderamento

Por outro lado, o integrante do Intervozes mostra que as posições mais à esquerda falam de controle social ou controle público pensando em participação civil no acompanhamento da regulação do setor e prestação de contas por parte das empresas de comunicação em relação aos seus atos. Esse sentido, de acordo com ele, está mais próximo do ideal da prestação de contas do que de ditadura estatal.

“Mais importante do que essa disputa terminológica é a prevalência da noção de que os meios de comunicação devem ser sensíveis à participação do público e respeitar princípios democráticos, garantindo independência e prestando contas de seus atos ao cometerem erros”, explica Sivaldo. Historicamente, segundo o pesquisador, golpes, ditaduras e guerras sempre foram combatidos pela imprensa livre mas, também, tais eventos foram e são sustentados por uma imprensa que se diz livre e imparcial, mas que defende claramente seus próprios interesses privados. “Embora não estejamos mais numa ditadura, o Brasil sofre desse mal”, pontua.

Para Ramênia Vieira da Cunha, também membro do Intervozes e corresponsável pelo estudo, levando em consideração o que diz a Constituição Federal – e que o controle social está presente em áreas como a saúde e a educação –, a sociedade tem o direito de participar da formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas no setor da comunicação. “Ou, de outra forma: o 'controle social' fortalece a democracia”, afirma.

Ela afirma que não se trata de interferir na prerrogativa que cada empresa tem de decidir o que vai veicular, mas de estabelecer o que não pode ser veiculado, já que se usa o espaço público de transmissão das ondas eletromagnéticas. “E o que não pode ser veiculado é tudo aquilo que agride os direitos estabelecidos, que não preserva a dignidade humana e que causa discriminação e preconceito, seja contra cor, sexo, idade, religião ou condição física”, ressalta.

Segundo Ramênia, o que observamos na programação televisiva brasileira, “infelizmente”, são os casos frequentes de violação desses direitos; “o que é ainda mais inadmissível quando a empresa que exerce a comunicação tem uma concessão pública para operar”, destaca.

poesia- Sonetos de Shakespeare

Soneto 15

William Shakespeare
Quando penso que tudo o quanto cresce
Só prende a perfeição por um momento,
Que neste palco é sombra o que aparece
Velado pelo olhar do firmamento;

Que os homens, como as plantas que germinam,
Do céu têm o que os freie e o que os ajude;
Crescem pujantes e, depois, declinam,
Lembrando apenas sua plenitude.

Então a idéia dessa instável sina
Mais rica ainda te faz ao meu olhar;
Vendo o tempo, em debate com a ruína,

Teu jovem dia em noite transmutar.
Por teu amor com o tempo, então, guerreio,
E o que ele toma, a ti eu presenteio


Arnaldo poesias
~ Sonetos de William Shakespeare ~


1609-2009 — Sonetos de Shakespeare completam 400 anos

Os Sonetos de Shakespeare (The Sonnets) constituem uma coleção de 154 poemas sob a forma estrófica
do soneto inglês que abordam uma galeria de temas tais como o amor, a beleza, a política e a morte.

Foram escritos, provavelmente, ao longo de vários anos, para no final, serem publicados, exceto os dois primeiros, em uma coleção de 1609; os número 138 (”When my love swears that she is made of truth”) e 144 (”Two loves have I, of comfort and despair”) haviam sido previamente publicados em uma coletânea de 1599 intitulada The Passionate Pilgrim.

Os Sonetos foram publicados em condições que, todavia hoje seguem sendo incertas. Por exemplo, existe uma misteriosa dedicatória no começo do texto onde um certo “Mr. W.H.” é descrito pelo editor Thomas Thorpe como “the only begetter” (o único inspirador) dos poemas; se desconhece quem era essa pessoa. A dedicatória se refere também ao poeta com a igualmente misteriosa frase “ever-living”, literalmente imortal, mas normalmente aplicado a uma pessoa já morta. Mesmo que os poemas tenham sido escritos por William Shakespeare, não se sabe se o editor usou um manuscrito autorizado por ele ou uma cópia não autorizada. Estranhamente, o nome do autor está dividido por um hífen na capa e no começo de cada página da edição. Estas controvérsias têm incentivado o debate sobre a autoria das obras atribuídas a Shakespeare.

Os primeiros 17 sonetos se dirigem a um jovem, incentivando-o a casar-se e a ter filhos, de forma que sua beleza possa ser transmitida às gerações seguintes. Este grupo de poemas é conhecido com o nome de procreation sonnets (sonetos da procriação).

Os sonetos que vão do 18 ao 126 também são dirigidos a um jovem, porém agora ressaltando o amor que é descrito com muito lirismo.

Os compreendidos entre o127 e o152 abordam temas como a infidelidade, a resolução para controlar a luxúria, etc.

Os últimos dois sonetos, o 153 e o 154, são alegóricos.

~ Estrutura ~

Cada soneto é formado por quatro estrofes, três quartetos e um terceto final, compostos em pentâmeros iâmbicos (o verso também usado nas obras dramáticas de Shakespeare) com um esquema de rima abab cdcd efef gg (forma que hoje em dia é conhecida como soneto shakespereano). Há três exceções: os sonetos 99, 126 e 145. O número 99 tem quinze versos. O 126 consiste em seis tercetos e dois versos brancos (sem rimas) escritos em letras itálicas. Por outro lado, o 145 está em tetrâmetros iâmbicos, e não em pentâmeros. Com frequência, o começo do terceiro quarteto assinala a volta do verso no que o tom do poema muda, e o poeta expressa uma revelação ou aparição.

~ Personagens ~

Três são os personagens aos que se dirigem a maioria dos sonetos: um bonito jovem, um poeta rival e a dama morena; convencionalmente, cada um destes destinatários é conhecido pelo sobrenome de, respectivamente, o Fair Youth, o Rival Poet e a Dark Lady. A linguagem lírica expressa admiração pela beleza do jovem, e que mais tarde mantém uma relação com a Dark Lady. Desconhece-se se os poemas e seus personagens são fictícios ou autobiográficos. Se fossem autobiográficos, as identidades dos personagens estariam abertas ao debate. Diversos especialistas, especialmente A. L. Rowse, têm sugerido identificar os personagens com figuras históricas.

~ Fair Youth ~

O “Fair Youth” é um jovem sem nome a quem se dirigem os sonetos que vão do 1 ao 126. O poeta descreve o jovem com uma linguagem romântica e carinhosa, um fato que tem levado vários comentaristas a sugerir uma relação homossexual entre os dois, considerando que outros interpretam como um amor platônico.

Os primeiro poemas da coleção não sugerem uma relação pessoal estreita; pelo contrário, neles se recomendam os benefícios do matrimônio e de ter filhos. Com o famoso soneto 18 (”Shall I compare thee to a summer’s day”: Deveria comparar-te a um dia de verão), o tom muda dramaticamente para uma intimidade romântica. O soneto 20 se lamenta explicitamente de que o jovem não seja uma mulher. A maioria dos seguintes sonetos descreve os altos e baixos de um relacionamento, culminando com um caso, digamos assim, entre o poeta e a Dark Lady. O relacionamento parece terminar quando o Fair Youth sucumbe aos encantos da dama.

Tem havido numerosas tentativas de se identificar o amigo misterioso. O protetor de Shakespeare durante algum tempo, Henry Wriothesley, terceiro conde de Southampton, é o candidato que mais vezes tem sido sugerido para essa identificação, ainda que o último protetor de Shakespeare, William Herbert, terceiro conde de Pembroke, foi recentemente cogitado como outra possibilidade. Ambas as teorias estão relacionadas com a dedicatória dos sonetos a ‘Mr. W.H.’, “the only begetter of these ensuing sonnets” (o único inspirador dos seguintes sonetos): as iniciais podiam ser aplicadas a qualquer dos condes. Sem dúvida, já que a linguagem de Shakespeare parece em certas ocasiões indicar que o amigo seja alguém de um status social mais elevado que o deles, poderia não ser assim. As aparentes referências à inferioridade do poeta podem ser simplesmente partes da retórica da submissão romântica. Uma teoria alternativa, exposta no relato de Oscar Wilde “The Portrait of Mr. W. H.” aponta a uma série de jogos de palavras que poderiam sugerir que os sonetos foram escritos para um jovem ator chamado William Hughes (Mr. W. H.); sem dúvida, o conto de Wilde reconhece que não há evidências da existência de tal pessoa. Samuel Butler, por sua vez, acreditava que o amigo fosse um marinheiro, e recentemente Joseph Pequigney (’Such Is My love’) sugeriu ser um desconhecido plebeu.



– Henry Wriothesley, terceiro conde de Southampton: O protetor de William Shakespeare que mais vezes tem sido sugerido para essa identificação

~ The Dark Lady ~

Os sonetos do 127 ao 152 se dirigem a uma mulher geralmente conhecida como a “Dark Lady”, pois de seus cabelos dizem que são pretos e de sua pele que é morena. Estes sonetos têm um caráter explicitamente sexual, diferentemente dos escritos ao “Fair Youth”. Da leitura se percebe que o jovem dos sonetos e a dama mantiveram uma relação apaixonada, mas que ela lhe foi infiel, possivelmente com o “Fair Youth”.

Humildemente, o poeta se descreve como calvo e de meia idade no momento da relação.

Muito se tem imaginado em numerosas ocasiões identificar a “Dark Lady” com personalidades históricas, tais como Mary Fitton ou a poeta Emilia Lanier, que é a favorita de Rowse. Alguns leitores têm sugerido que a referência a sua pele escura poderia sugerir uma origem espanhola ou mesmo africana (por exemplo, na novela de Anthony Burgess sobre Shakespeare, Nothing Like the Sun). Outras pessoas, pelo contrário, insistem em afirmar que a Dark Lady não é mais do que um personagem de ficção e que nunca existiu na vida real; sugerem, afinal, que a tonalidade da pele da dama não deve ser entendida literalmente senão como representação do desejo pecaminoso da luxúria como oposta ao amor platônico ideal associado com o “Fair Youth”.

~ The Rival Poet ~

O poeta rival é, às vezes, identificado com Christopher Marlowe ou com George Chapman. Sem dúvida, não há evidências contundentes de que o personagem tenha uma correspondência com alguma pessoa real.

~ Temas ~

Os sonetos de Shakespeare são, frequentemente, mais sexuais e prosaicos que as coleções de sonetos contemporâneas de outros poetas. Uma interpretação disto é que os sonetos de Shakespeare são, em parte, uma imitação ou uma paródia da tradição de sonetos amorosos petrarquistas que dominou parte da poesia européia durante três séculos. O que Shakespeare faz é converter a “madonna angelicata” em um jovem ou a formosa dama em uma dama morena. Shakespeare viola também algumas regras sonetísticas que haviam sido estritamente seguidas por outros poetas: fala de males humanos que não tem nada a ver com o amor (soneto 66), comenta assuntos políticos (soneto 124), faz gracejos sobre o amor (soneto 128), parodia a beleza (soneto 130), joga com os papéis sexuais (soneto 20), fala abertamente sobre sexo (soneto 129) e inclusive introduz engenhosos matizes pornográficos (soneto 151).

~ Legado ~

Além de situar-se ao final da tradição sonetística petrarquista, os sonetos de Shakespeare podem também ser vistos como um protótipo, ou inclusive como o começo, de um novo tipo de moderna poesia amorosa. Após Shakespeare ser descoberto durante o século XVIII — e não só na Inglaterra — os sonetos cresceram em importância durante o século XIX.

A importância e influência dos sonetos se demonstram na inumerável série de traduções que se tem feito deles. Até hoje, só nos países de língua germânica, já foram feitas centenas de traduções completas desde 1784. Não há nenhuma língua importante que não tenham sido traduzidos, incluindo o Latim, Turco, Japonês, Esperanto, etc.; e até em alguns dialetos