quarta-feira, 25 de maio de 2011

A luta pelo novo marco regulatório - Instituto Telecom

O Marco Regulatório – Propostas para uma Comunicação Democrática foi tema de seminário promovido pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), nos dias 20 e 21 de maio, no Rio de Janeiro. A partir dos debates dos Grupos de Trabalhos, que abordaram temas como a regulamentação audiovisual; controle público, meio e suas concessões; convergência digital e democratização da banda larga foi definida uma plataforma política do movimento que será entregue ao governo.

Entre as propostas aprovadas nos Grupos de Trabalhos do Seminário estão a resolução de que a comunicação social seja considerada um bem público respeitando a diversidade, a liberdade de expressão e a transparência, e acesso às informações; a regulamentação do artigo 223 da Constituição Federal diferenciando os sistemas público, privado e estatal, inclusive na questão da produção e programação de conteúdo, assim como a do artigo 221, que deve dar garantias para a produção e veiculação dos conteúdos regionais e independentes.

Também foram defendidas ações como o fortalecimento da Telebrás, a determinação de que o serviço de banda larga seja prestado em regime público; a proibição da renovação automática das concessões, que devem passar a estabelecer limites à concentração e ficarem impedidas de ser transferidas, arrendadas ou ainda concedidas a políticos com mandato.

O evento ocorre, justamente, num momento decisivo para o país quando, depois de muita luta e pressão da sociedade civil, o governo montou um grupo de trabalho para, a partir das propostas da Confecom, formalizar um anteprojeto de criação do Marco Regulatório da Comunicação.

De acordo com o assessor executivo do Ministério das Comunicações, James Görgen, presente ao Seminário, o governo está preparando uma proposta de regulamentação dos artigos 221, 222 e 223 da Constituição, que tratam especificamente da produção e programação de rádios e televisões e da concessão e renovação de outorgas e regras de propriedade.

Görgen reconheceu que ainda falta a parte relativa às telecomunicações e, embora não tenha dado mais explicações, destacou a necessidade de algumas mudanças na Lei Geral de Telecomunicações de maneira a atender a evolução do serviço de banda larga, a universalização dos serviços de telecom e os conteúdos transportados por eles.

Görgen anunciou ainda que o Minicom pretende criar uma "mesa de diálogo" com a sociedade para discutir temas do anteprojeto de regulamentação das comunicações no país. Para o Instituto Telecom, o anúncio é relevante porque, ainda que tardiamente, representa o reconhecimento oficial do governo do direito da sociedade civil opinar nas decisões sobre o setor.

Mas, é preciso que fique claro como vai funcionar a escolha e a participação das entidades civis nesse processo e, principalmente, o que será feito a partir disso.

As audiências públicas e os debates antes do anteprojeto ser levado para votação no Congresso são a base para a participação popular e devem ser feitas de maneira acessível para a população.

O coordenador-geral do FNDC, Celso Schröder, alertou para o fato de que o diálogo entre o governo e a sociedade será positivo para a proposta do Marco Regulatório desde que não haja um retrocesso com a retomada, por parte da iniciativa privada, de discussões já superadas na Confecom. "Não podemos perder mais tempo e dinheiro com isso. Os atores que quiseram participar, participaram. O momento, agora, é de o governo apresentar sua proposta. Aí, a gente pode até sentar, clarear as ideias, mas não começar mais um debate", defendeu.

Durante o encontro, a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), coordenadora da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular, também destacou: “Enquanto houver esse déficit de democracia na política de comunicação social do nosso país e estivermos defasados em relação à revolução tecnológica que ocorreu no setor (telecom) nos colocamos numa situação ainda mais precária. E o fato de não termos acompanhado no plano institucional legal normativo aquilo que se avançou nas tecnologias no mundo impactou enormemente nas comunicações sociais do nosso país,” declarou.

Para o Instituto Telecom, o protagonismo da sociedade civil é fundamental para a democratização da comunicação no país. Apesar das últimas ações do Minicom darem sinais favoráveis ao Marco Regulatório, é preciso que a população continue pressionando e deixe claro que esta é uma das principais tarefas do Ministério das Comunicações, assim como a universalização da banda larga e a definição deste serviço em regime público. Afinal, embora a criação do Marco Regulatório seja uma luta antiga, até agora o governo não definiu um prazo concreto para que ele seja debatido com a sociedade e siga para votação no Congresso Nacional.

Nós, do Instituto Telecom, consideramos extremamente importante o diálogo do governo com a sociedade, mas não basta apenas ouvir as propostas dos setores sociais. É preciso que estas sejam efetivamente respeitadas e postas em prática. O acesso aos veículos de radiodifusão e serviços de telecomunicações não pode ser concentrado nas mãos de uma minoria. As comunicações têm que atender ao interesse público. Não podem e nem devem ser privilégio de alguns.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

A busca diária do escândalo - nassif

Enviado por luisnassif, seg, 23/05/2011 - 11:18
Coluna Econômica

Há uma profunda dissintonia entre alguns grandes veículos de comunicação e a opinião pública.

Em países de instituições mais avançadas, o escândalo é o ápice do jornalismo. É aquele momento crítico, em que o jornal coloca em jogo sua credibilidade, seu discernimento, sua capacidade de apuração. E cada denúncia é uma pancada, que derruba governos, parlamentares, curva empresas e poderosos.

Por isso mesmo, é matéria rara. Escândalo não dá em árvore. Principalmente o grande escândalo, o que mexe com instituições e o poder.

Por aqui, a crise do grande jornalismo tornou-se endêmica. O jornalismo comporta inúmeras pautas nobres, o grande perfil, a grande matéria de negócios, a grande matéria econômica crítica, grandes temas culturais, temas relevantes de políticas públicas. Mas o escândalo, qualquer um que seja, tornou-se pauta única, samba de uma nota só.

***

Na chamada grande mídia, utiliza-se a escandalização para tudo e para nada. O diretor de redação do jornalão quer acertar contas com quem o criticou? Basta uma matéria tratando como escândalo um fato normal. Determinada fonte não atendeu ao pedido de entrevista da revista semanal? Pau nela. O editor não foi com a cara de determinado político? Denúncia nele.

Esse jornalismo de acerto de contas compromete a imagem do veículo, passa a ideia de mesquinharia, de desrespeito.

De poder respeitado para poder temido? É essa a legitimação que se pretende para a ação da velha mídia?

***

O grande fator de disciplinamento do jornalismo é o respeito aos fatos, o discernimento, o conhecimento especialmente em relação a temas ligados ao mercado financeiro e à Justiça – dois dos fóruns centrais dos escândalos e que exigem conhecimento especializado.

Por aqui abriu-se mão desse conhecimento. O repórter consulta o SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) pega qualquer informação sobre o personagem a ser atacado e escreve a matéria tratando como escândalo, como se o fato de estar no SIAFI fosse suspeito.

Vai-se além. Em nome da manchete diária escandalosa, matérias podem ser inventadas, pode-se mentir sobre a existência de gravações inexistentes, como prova da acusação, que nada acontece.

Tomem-se as principais capas da revista Veja no último trimestre do ano passado. A revista foi acusada frontalmente de estar mentindo nas principais denúncias formuladas. A defesa dos jornalistas consistia em alegar que dispunham de gravações comprovando as acusações. Desafiados a mostrá-las, jamais o fizeram. Porque as afirmações eram mentirosas.

***

Cria-se um terrível mundo do faz-de-conta que acaba comprometendo o próprio papel fiscalizador da mídia. A denúncia relevante acaba se perdendo no oceano de irrelevâncias que tem caracterizado esse festival diário de denúncias.

***

Em algum momento a ficha irá cair. As denúncias serão mais raras e mais consistentes. Não serão utilizadas como jogada política e acerto de contas com adversários, mas como instrumentos de controle público.

Mas ainda haverá uma grande jornada rumo ao amadurecimento. E, acredito, não se dará no campo da velha mídia.

sábado, 21 de maio de 2011

língua e linguística -




CIDADÃO KANE, 70 ANOS - Rosebud, o quebra-cabeça - observatório da imprensa

Por Nigel Andrews em 17/5/2011

Reproduzido do Valor Econômico, 13/5/2011; tradução de Mario Zamarian, intertítulos do OI

Como seu protagonista, ele nos persegue pelos corredores da história. Inchado, grotesco, enorme; destruindo tudo por onde passa; influenciando e renovando. Cada década que se inicia o classifica como melhor filme de todos os tempos. Cada nova geração tenta responder: "Por quê?". Cidadão Kane faz 70 anos. Sete décadas após sua estreia em Nova York, em maio de 1941, ele ainda está em toda parte. Não só por si, mas na forma de relançamentos, exibição em TV ou DVD, e na sombra monstruosa que lança sobre cineastas de todo o mundo.

Muito tempo depois de os críticos franceses que viraram diretores e criaram a Nouvelle Vague terem transformado Welles num semideus – lembra-se do jovem herói de Os Incompreendidos, de François Truffaut, que sonha em roubar fotogramas de uma exibição de Cidadão Kane? –, a figura do megalomaníaco atormentado, presidindo sobre os cacos de sua vida, é impossível de ser ignorada.

De Michael Corleone em O Poderoso Chefão a Daniel Day Lewis em Sangue Negro, via o Jake La Motta de Robert De Niro em Touro Indomável (o Cidadão Kane dos filmes sobre boxe), a vida dos personagens examinados sempre vale a pena para um público nutrido com temas como a ambição, a autodestruição e a guerra entre ações privadas e públicas. Não menos onipresentes desde Cidadão Kane são os dramas relatados com lembranças conflituosas, como Rashomon, O Ano Passado em Marienbad, Memento e Magnolia. Não menos "moderno" em estilo, sobretudo desde que Robert Altman acrescentou novas cores à maestria de Cidadão Kane, é o movimentado retrato da vida enriquecido com uma trama e diálogos sobrepostos. Cidadão Kane chegou lá primeiro todas as vezes. Quando não conseguiu, seu brilho destruiu as lembranças dos antecessores.

Vencedor único

Welles não se preocupava com a forma de fazer filmes da ABC. Prodígio precoce, com 25 anos quando fez Cidadão Kane, passou direto para o XYZ. X representava a casa de Kane, o castelo de Xanadu, envolto em névoa, um sonho megalomaníaco construído sobre uma montanha artificial. Y queria dizer "Why?" (por quê?) – mais uma vez, a pergunta mais simples e mais importante. Por que Kane era bem-sucedido, por que ele era um fracasso? Por que foi um triunfo e uma tragédia? Por que é, de uma maneira simultânea e quase simbiótica, todos nós e nenhum de nós?

E o Z? Ele quer dizer Zaharoff. Muitos admiradores de Cidadão Kane pensam que foi com ele que tudo começou. Em 1936, Welles, então produtor de rádio genial de Nova York, ajudou a elaborar o obituário "A Marcha do Tempo", sobre o magnata comerciante de armas sir Basil Zaharoff. Vinhetas dramatizadas começam com secretárias de Zaharoff queimando seus documentos numa fogueira gigante em seu castelo. Depois, testemunhas são chamadas para relembrar a vida de Zaharoff. Mais adiante, o moribundo magnata, representado por Welles, ganha a palavra e uma aparição breve. Anuncia o desejo de ser conduzido em cadeira de rodas para "perto daquela roseira". Sabemos em que a roseira (rosebush em inglês) se transformou. "Rosebud" (botão de rosa), o som mais importante pronunciado em Cidadão Kane, a última palavra de Kane antes de sua morte, o segredo de seu infortúnio. É o nome de um trenó que ele teve na infância, que acaba sendo lançado nas chamas nas cenas finais do filme.

Jorge Luis Borges, que também foi crítico de cinema e adorava Cidadão Kane, achava a ideia de Rosebud seu ponto mais fraco. O filme, escreveu ele, "tem pelo menos dois enredos. O primeiro é de uma imbecilidade quase banal... Ao morrer, Kane tem saudade de uma única coisa: um trenó apropriadamente miserável com que ele brincava quando criança!".

O próprio Welles se referia a Rosebud como "uma piada freudiana barata". Foi o único detalhe do filme que ele atribuiu sem restrições ao roteirista Herman Mankiewicz, para quem se recusava a dar crédito em quase todas as outras partes.

O problema da autoria de Cidadão Kane – a autoria de sua genialidade, e não só da história – é o assunto do livro Criando Kane, de Pauline Kael, publicado pela primeira vez como um ensaio na The New Yorker em 1971. A alegação da autora foi que Mankiewicz, o irregularmente brilhante e beberrão irmão de Joseph (que fez A Malvada), foi roubado – em parte pelo ego de Welles – do direito de se chamar o criador de Cidadão Kane. (Em 1941, ele foi o único que recebeu o Oscar, embora os créditos pelo roteiro tenham sido divididos com Welles, após uma decisão da Writers Guild, a associação dos roteiristas dos EUA).

Em 1972, o crítico e diretor Peter Bogdanovich escreveu The Kane Mutiny (O Motim Kane), atacando Pauline Kael e defendendo Welles. Bogdanovich está certo. Não é o conceito, os diálogos ou mesmo a caracterização que faz do filme uma obra-prima. É sua visão.

Estupefação épica

O que isso quer dizer? Vamos voltar para Borges. Qual é a segunda das "duas tramas"? Ela é, para Borges, superior à trama de Rosebud. É "a investigação da alma secreta de um homem pelas obras que deixou, as palavras que pronunciou, os destinos que destruiu... O filme está cheio de formas de multiplicidade, de incongruência... Em uma das histórias de Chesterton" – G.K. Chesterton, de quem Borges tanto gostava – "o herói observa que nada é tão assustador quanto um labirinto sem centro. Esse filme é esse labirinto."

Você pode transformar um labirinto em um roteiro. Mankiewicz ajudou a fazer isso. Mas a caneta do roteirista não pode esculpir ou construí-lo, dar-lhe tamanho e reverberação. O labirinto em Cidadão Kane, o sepulcro da vida, o palácio da morte, é puro delírio cinematográfico, a criação do homem por trás da câmera. Sua infinitude refletida é produzida por um diretor que amava reflexos (o tiroteio na sala de espelhos do parque de diversões no clímax de A Dama de Xangai), suas atrocidades sombrias por um homem que amava sombras (A Marca da Maldade).

"Wellesiana" de forma sublime é o "assombreamento" – às vezes é preciso inventar uma palavra se não há outra disponível – obsessivo do filme entre o teatral e o cinematográfico. Ninguém chegou tão perto de entender essa tensão quanto esse diretor. Cidadão Kane é sobre a busca da verdade jornalística pela representação teatral; e se perguntar, no processo, se mesmo a verdade jornalística é o último nível da realidade. Os cenários e a ambientação de Cidadão Kane são monstruosamente teatrais, e mesmo assim continuamos percorrendo-os, passando por trás e acima deles.

O sinal sobre o clube noturno de Susan Alexander é – numa tomada "impossível" obtida pelo movimento do cenário – atravessado pela câmera. É um mundo cosmético e artificial, que nos desafia a encontrar verdades escondidas. A atuação de Welles fica mais teatral ao longo do filme. Para representar Charles Foster Kane quando velho, passava seis horas se maquiando: um adulto brincando com charadas. Mesmo assim, a força do filme, ajudada pelo poder de nossa curiosidade, destrói a sensação do faz-de-conta cosmético.

Rosebud é parte da mesma ação. O que parece uma simplificação de conto de fadas, uma ideia do departamento de adereços, abre-se e se transforma em parte da repercussão do filme. Welles foi mágico amador no fim da vida; seu último filme, Verdades e Mentiras, tratava de prestidigitação e embustes. Não admira que o segredo aparentemente fácil de Cidadão Kane – o nome de um trenó da infância – possa ser o segredo de fato. De uma forma mais literal, é o botão que se abre para a plateia, o botão que não se abre no filme. Na tela, "Rosebud" nos diz que a vida de Kane foi corrompida em seu processo pelo encontro precoce com a riqueza e o destino. Mas, na nossa experiência com o filme, "Rosebud" passa o oposto. A pronúncia da palavra cresce e cresce. Assim como muito do que acontece no cinema, ela começa com uma alusão e se expande no processo de mudança, associação, contraponto e contradição, transformando-se numa coisa que tudo engloba.

As partes representam o todo. Elas se tornam o todo. O padrão está em toda parte, da famosa cena do café da manhã – 16 anos de casamento elipsados na montagem de dois minutos –, à maneira como a ideia do "quebra-cabeça" se torna reveladora, permeando tudo. Voltamos à estupefação épica de Susan Alexander Kane diante de um quebra-cabeça literal nas cenas finais e toda a técnica de quebra-cabeça empregada na rica montagem do filme: do cinejornal no início, mostrando o News on the March, às passagens agitadas envolvendo a carreira de magnata de Kane.

Gênio e criança

A realidade se contrapõe ao artificial. A cristalização se contrapõe à expansão. O condensado se contrapõe ao digressivo. E, é claro, os fatos se contrapõem à ficção. Será "Cidadão Kane" retrato do multimilionário da imprensa William Randolph Hearst? É claro. Hearst o reconheceu, proibindo menção ao filme em suas publicações. Louis B. Mayer, em nome de uma Hollywood que temia a represália terrível de Hearst, ofereceu aos estúdios RKO US$ 805 mil para queimar todas as cópias e o negativo do filme.

Mas Cidadão Kane não tem nada a ver com Hearst e, como ícone mundial, sobreviveu a ele. Pode-se dizer, com razão, que Kane é o personagem Kurtz de O Coração das Trevas, de Joseph Conrad – que inspiraria Francis Ford Coppola em seu Apocalipse Now. O filme O Coração das Trevas era o projeto de estreia de Welles, cuja pré-produção ele havia iniciado. Caro demais, ele o trocou por Cidadão Kane. Mas as histórias são idênticas. Um "explorador" (em Cidadão Kane, um repórter investigativo) viaja "rio acima" (contra as ondas da resistência) através de uma "selva" (de informações conflitantes e contraditórias) para encontrar um homem – ou, em Cidadão Kane, o segredo de um homem – que vive como tirano determinado.

Mas, de todo modo, Kane é o próprio Welles. Os amantes e os críticos de Cidadão Kane reconhecem o jovem volúvel e atormentado que aparece diante das câmeras como o que está atrás delas. O gênio maduro que era ao mesmo tempo uma enorme criança. O tirano rabugento que era uma alma perdida, cativante e fértil. O botão de rosa que também era rosa...

Chomsky debulha a manipulação dos meios - blog do nassif

Enviado por luisnassif, sex, 20/05/2011 - 20:30
Autor: Edson Joanni
Dez formas distintas de manipulação midiática Noam Chomsky elaborou a lista das “10 Estratégias de Manipulação” através da mídia. Em seu livro “Armas Silenciosas para Guerras Tranquilas”, ele faz referência a esse escrito.

Por Yohandry [20.05.2011 12h05]



Noam Chomsky elaborou a lista das “10 Estratégias de Manipulação” através da mídia. Em seu livro “Armas Silenciosas para Guerras Tranqüilas”, ele faz referência a esse escrito em seu decálogo das “Estratégias de Manipulação”.

1 – A Estratégia da Distração.

O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças que são decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundação de contínuas distrações e de informações insignificantes.
A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir o público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais na área da ciência, economia, psicologia, neurobiologia ou cibernética.
“Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais” (citação do texto ‘Armas Silenciosas para Guerras Tranquilas’).

2 – Criar problemas e depois oferecer soluções.

Este método também se denomina “Problema-Reação-Solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que seja este quem exija medidas que se deseja fazer com que aceitem. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja quem demande leis de segurança e políticas de cerceamento da liberdade.

Ou também: criar uma crise econômica para fazer com que aceitem como males necessários o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3 – A Estratégia da Gradualidade.

Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradualmente, com conta-gotas, por anos consecutivos. Dessa maneira as condições sócio-econômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990.

Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego massivo, salários que já não asseguram rendas decentes, tantas mudanças que provocariam uma revolução se fossem aplicadas de uma vez só.

4 – A Estratégia de Diferir.

Outra maneira de fazer com que se aceite uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato.

Primeiro porque o esforço não é empregado imediatamente. Logo, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para se acostumar com a idéia da mudança e aceitá-la com resignação quando chegar o momento.

5 – Dirigir-se ao público como a criaturas de pouca idade.

A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse uma criatura de pouca idade ou um deficiente mental.

Quanto mais se pretende enganar o espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por que? “Se alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, então, em razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.

6 – Utilizar o aspecto emocional muito mais que a reflexão.

Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto-curcuito na análise racional, e, finalmente, no sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou injetar ideias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos.

7 – Manter o público na ignorância e na mediocridade.

Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância planejada entre as classes inferiores e as classes sociais superiores seja e permaneça impossível de ser alcançada para as classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.

8 – Estimular o público a ser complacente com a mediocridade.

Promover a crença do público de que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto.

9 – Reforçar a auto-culpabilidade.

Fazer crer ao indivíduo que somente ele é culpado por sua própria desgraça devido à insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, em vez de se rebelar contra o sistema econômico, o indivíduo se menospreza e se culpa, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição da ação do indivíduo. E sem ação não há revolução!

10 – Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem.

No decurso dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência geraram uma crescente brecha entre os conhecimentos do público e aqueles que possuem e utilizam as elites dominantes.

Graças à biologia, à neurobiologia e a psicologia aplicada, o “sistema” desfrutou de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicológica. O sistema conseguiu conhecer melhor o indivíduo comum do que este conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior que o dos indivíduos sobre si mesmos.

Noam Chomsky. Filósofo, ativista, autor e analista político estadunidense. É professor emérito de Lingüística no MIT e uma das figuras mais destacadas desta ciência no século XX. Reconhecido na comunidade científica e acadêmica por seus importantes trabalhos em teoria lingüística e ciência cognitiva.

Publicado por Rebelíon. Foto por http://www.flickr.com/photos/soctech/.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Vige, na mídia, a ignorância linguística - blog do nassif -

Vige, na mídia, a ignorância linguística
Enviado por luisnassif, dom, 15/05/2011 - 13:45
Por Weden
O caso da condenação do livro didático (col. Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, de Heloísa Ramos et alii) pelo populismo midiático não é expressão somente de tomada de partido numa suposta querela entre linguistas e gramáticos.

Para esclarecer, chamo de "populismo jornalístico" o hábito próprio a alguns veículos e jornalistas de se acreditarem "justiceiros do povo", autorizando-se a cometerem assassinatos de reputação, a partir de condenações precipitadas sem base legal e/ou científica.

O caso é, sim, a expressão da ignorância linguística em sua versão mais perigosa: a de defesa consciente do preconceito.

Reverberada, acriticamente, por diversos veículos impressos, meios eletrônicos, e mídias de rede – entre portais, e blogs agressivos e leigos – a condenação ao livro, aos autores e ao próprio MEC, partiu de uma leitura pouco atenta e informada do texto da obra, chegando à prática perversa da boataria de difamação.

No Brasil, lidamos com a resistência de uma "prática tradicional e normativa" em ceder, na escola, espaço para a ciência. O que é gravíssimo.

Entre todas as disciplinas escolares com base científica (biologia, física, matemática, história etc.), os estudos de língua materna são os mais atrasados no país. Contribui para isso o fato de que a base científica destes estudos constantemente é alvo de ataques não somente de normativistas, como também e muitas vezes de personagens da mídia. Isso quando não se confundem.

À linguística, cabe trazer conhecimentos sobre a língua.

A gramática não é científica e não tem condições de trazer conhecimentos sobre a língua. Ela traz apenas normas, ou "etiquetas", como já designou o linguista Sírio Possenti.

Ora, não se pode esperar de especialistas em etiqueta social que tragam esclarecimentos sobre fenômenos antropológicos. Seria como esperar um debate sério entre Glória Kalil e Clifford Geertz.

Emparelhar gramática e linguística numa mesma discussão sobre a língua é tão absurdo quanto construir críticas a "teorias antropológicas" a partir de "dicas de etiqueta social".

A gramática deve cumprir seu papel: informar os alunos sobre "aquilo que é norma gramatical". Só isso. Nada a dizer sobre a língua em sua complexidade. Mas a gramática é parte (com alguma importância) e não o todo do saber sobre a língua.

Assim como antropólogos costumam dar algum valor à etiqueta social quando estão em jantares ou apresentações acadêmicas, mas sabem que a cultura não é somente isso; linguistas não desprezam a gramática, mas sua função, entre tantas outras, é alertar que a língua também não é somente isso.

Tudo bem: há quem acredite que indígenas são mal educados por andarem seminus. Mas não podemos levar estes juízos a sério.

O que linguistas tentam esclarecer à sociedade, com base em estudos científicos, aliás, bastante antigos, é que a língua é maior que uma lista de "acertos/erros". Ela é um sistema complexo, atravessado pela história, e por práticas extremamente complexas no corpo social.

Em pleno século XXI, o que alguns gramáticos e alguma mídia tentam dizer é que a língua não é um sistema complexo, não é atravessada pela história, e não é múltipla e maior que regras gramaticais. Convicções do século XVII, diga-se de passagem. Ou, de forma análoga, é como se tentassem convencer-nos de que indígenas são "mal educados" por andarem seminus, condenando e difamando os antropólogos por não concordarem com esta estupidez.

Em síntese: o que os autores do livro fizeram foi alertar aos alunos que o modo como alguns deles falam não é "incorreto linguisticamente", mas apenas "não autorizado gramaticalmente", pois que não existe propriamente língua portuguesa (francesa, espanhola, alemã etc.) certa ou errada.

O que a mídia está fazendo neste momento, em contrapartida, é defender "ardentemente" o preconceito - ato tão grave quanto alguém defender o racismo e o sexismo em nome de "normas de etiqueta

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Discutindo a nova mídia - blog do luisnassif

seg, 16/05/2011 - 13:17
No IV Congresso Latino Americano de Opinião Pública da WAPOR, Belo Horizonte, um dos trabalhos mais consistentes sobre a Blogosfera e os novos meios de comunicação foi "Eleições 2010: internet em alta, mídia de massa em baixa?" de Anderson Ortiz, Mestrando em Novas Tecnologias da Comunicação – PPGCOM/Uerj, professor das Faculdades Integradas Helio Alonso.

A ação política da velha mídia

O primeiro passo do trabalho foi tentar identificar a atuação política da mídia. A análise constatou que:

a) a atuação mais ativa dos meios de comunicação em sistemas avançados de mídia como o brasileiro é um fenômeno presente em democracias liberais;

b) um padrão de discurso e cobertura de matriz norte-americana exerce forte influência em sociedades com tal alinhamento;

c) este padrão alia desenvolvimento comercial, entretenimento, profissionalização do político, antagonismo entre políticos e jornalistas, resultando em cinismo e apatia da opinião publica em relação à vida política;

contemporaneamente a televisão ocupa papel de destaque como um dos mais influentes meios de comunicação para a área política;

e) o papel da imprensa deve ser vigiar o poder público sendo, portanto, exagerado esperar que atue como definidora da agenda pública política aprofundada.

O trabalho constata que o escândalo é o limite máximo da cobertura jornalística. É dentro desse modelo, basicamente influenciado pela mídia norte-americana, que se desenvolvem os valores midiáticos, dentre os quais o autor destaca:

O paradigma comercial como fator de proliferação de meios massivos; a abordagem dos assuntos sob um viés editorial voltado para o entretenimento; a adequação da figura do político e dos eventos públicos para a cobertura midiática dos assuntos; um antagonismo crescente entre jornalistas e políticos; cinismo recorrente do público em relação à política graças à visão dos jornalistas que prevalece nos enquadramentos dados pelos conteúdos.

Durante as eleições, é quase impossível à mídia discutir temas relevantes ou apontar os melhores candidatos, porque sua posição é a de "captar o fato novo, aquilo que é fora do comum e pode ser retratado na linguagem de cada meio sob seus aspectos e enfoques sensacionalistas".

Essas constatações são de estudiosos estrangeiros e não enfocam especificamente as situações em que a mídia passa a se comportar como partido político.

O circuito do espetáculo midiático-político

A mídia define uma agenda voltada para o espetáculo e candidatos e partidos se esforçam para atende-la atuando de maneira dramatizada ou espetacular. O que define a cobertura são as necessidades dos meios de comunicação, não o interesse público.

Ponto interessante do trabalho é a descrição de mecanismos que levam ao processo de formação da opinião da massa.

Segundo Noelle-Neumann (1972) "os meios de comunicação de massa participam na formação da opinião pública à medida que dão ao indivíduo uma idéia do que pensa o restante da coletividade sobre um dado tema. Este interesse em conhecer e se adequar ao sistema de valores socialmente aceitos faz com que o indivíduo corrobore suas crenças, mude seu pensamento para se adaptar ao grupo, ou simplesmente se exima de emitir sua real opinião (conceito da espiral do silêncio). Tal comportamento parte da premissa de que o indivíduo tenta evitar divergências que possam isolá-lo da coletividade".

Reside aí a maior parte do poder mais pernicioso da mídia. Alias, um outro trabalho apresentado durante o Congresso mostrou como a mídia tradicional sufocou a Última Hora em 1964. Bastava insinuar que abrigava comunistas para imediatamente provocar uma retração dos anunciantes. Esse foi o mesmo principio do macartismo e do movimento midiático brasileiro nos últimos anos.

Cria-se uma “denúncia” qualquer do adversário, dentro do modelo de assassinato de reputação e, com isso, inibe-se as relações especialmente com segundo e terceiro escalaão de empresas;

A regulação na Internet

Outro bom momento do trabalho é o da classificação dos internautas, em relação ao modelo de regulação da Internet, a discussão sobre a democracia digital.

Há duas correntes que se antagonizam ao falar sobre a democracia digital procurando responder se este meio de comunicação pode condicionar um novo modelo de participação (Zittel, 2004). Para os ‘ciberotimistas’, a popularização da base de equipamentos conectados, a entrada maciça de parcelas cada vez maiores dos estratos sociais, a possibilidade de comunicação descentralizada do modelo tradicional ‘um-todos’, passando para modelos ‘um-muitos’ ou ‘um-poucos’ e a interação com pessoas em diferentes pontos do globo de uma maneira fácil e conveniente são argumentos que mostram que uma nova esfera social se forma em torno do aparato tecnológico da internet. Na corrente oposta, cientistas políticos percebem esta e-democracia mais como uma forma de reforçar velhas estruturas da política tradicional do que transformar o fazer político.

Já a corrente “democrata-participacionista” preceitua que a internet é um espaço para colocar o cidadão como um elemento atuante nas decisões políticas. As questões colocadas em evidência são a participação e o engajamento (...). Graças ao poder da comunicação direta e equilibrada em rede, diminui a necessidade de mediação do elemento político e demais gatekeepers (órgãos do poder público, partidos políticos, empresas, entidades de representação, imprensa) na relação entre sociedade e Estado.
Mas há quem coloque em duvida essa democracia.

Segundo Gomes (2008) "ao contrário de uma participação ampliada da sociedade civil, o que se constata é que o público médio apresenta baixo interesse pelos assuntos políticos e nota-se um predomínio de atores sociais já relacionados à política fora da rede de computadores que utilizam o espaço como mais uma ferramenta do fazer político tradicional.
Há dúvidas também em relação ao tema democracia direta.

Autores como Zittel registram três níveis de democracia digital.

A dimensão jurisdicional baseia-se na probabilidade de as decisões serem tomadas coletivamente ou por um ator social autônomo, daí decorrendo que o novo meio digital aumenta os laços sociais e o engajamento cívico, um campo que se auto-regula com novos tipos de comunidades virtuais.
Na dimensão decisional, preceitua-se que este espaço pode se transformar num foro apropriado para decisões diretas da opinião pública.
Graças à dimensão representacional, tem-se que a distância entre o cidadão comum e as instituições representativas pode diminuir graças à internet.

A Internet apresenta vantagens obvias: a superação dos limites de tempo e espaço para participação política; quantidade e armazenamento de informações on-line sempre à disposição; comodidade, conforto e conveniência para acessar informações; facilidade e extensão de acesso; baixo controle e poucos filtros como parte da própria natureza do meio.
A topologia das redes sociais

Mas quais são os gatilhos que despertam a atitude engajada? A pauta é dada pela velha mídia. A blogosfera “reenquadra” a matéria (re-framing) sob um viés contestador.

O objeto de disputa no ativismo digital vai ser a informação. O campo opositor, portanto, é a própria mídia tradicional, sendo o desafio maior do ciberativismo obter êxito em reverter o fluxo da comunicação pautando a mídia estabelecida para um enquadramento diferente consoante os interesses daquele grupo.

A partir daí, forma-se a seguinte corrente:

a) os blogs se abastecem do material produzido pelos meios tradicionais, ampliando ou replicando a cobertura de veículos;
b) o fluxo de passagem da produção ainda se dá mais no sentido dos meios tradicionais migrando seu conteúdo para internet;
c) Na apropriação dos conteúdos, veículos tradicionais conferem maior credibilidade ao autor, tanto para apoiar quanto para refutar.
Em relação à topologia das redes sociais, a divisão é entre as redes igualitárias (aquelas em que todos os ‘nós’ ali presentes têm o mesmo número de conexões), redes mundos pequenos (cujas conexões mostram que há a existência de poucos graus de separação entre as pessoas na formação de famílias de grupos) e redes sem escalas (que postula a existência de ‘nós’ mais centrais na rede, mais fortes que outros e atuando como mediadores e multiplicadores).

Há também uma vasta conceituação sobre a maneira como as redes se interligam e as notícias se propagam.

Os conteúdos começam nas redes com capital relacional forte. No caso de “grupos sociais de capital cognitivo” (sociologuês para definir grupos em que há conteúdo mais denso), como os blogs políticos, a discussão fica limitada a grupos mais localizados e restritos, com maior grau de interesse pelo assunto abordado.

O trabalho divide as comunidades da Internet em ‘emergentes’, ‘associativas’ ou ‘híbridas’.

As “emergentes” baseiam-se nas interações recíprocas dos autores

No caso dos weblogs ligados à política, ou simplesmente blogs2, constata-se que a autoridade na produção de conteúdo inicia na figura de seus colunistas. Dali se dá o processo de difusão de informações para outras redes, quando outros participantes se abastecem de fatos e os replicam para outros ‘nós’.

A reputação é um aspecto importante neste jogo de apropriação e é corroborada pela garantia institucional de um veículo também presente em outros meios de comunicação offline. Há de se observar, portanto, o papel que o veículo desempenha em relação ao autor do blog como uma garantia prévia de credibilidade da fonte.
O trabalho minimiza a extensão dos grupos políticos que se degladiam na Internet. Em geral as discussões políticas ficam restritas a grupos de militantes, sem alcançar públicos maiores.

blog do favre - La tristesse - Luis Fernando Verissimo

– O Estado de S.Paulo
Auvers-sur-Oise é uma cidadezinha à beira do rio Oise, alguns quilômetros ao norte de Paris. Não chega a ser a “France profonde”. Com sua proximidade à capital é mais um lugar para casas de campo e escapadas de fim de semana dos parisienses. Mas Auvers é importante. Foi para lá que Vincent Van Gogh se mudou no fim da sua vida. Atormentado por problemas mentais, ele quis estar perto do dr. Gachet, um médico da região que lhe fora recomentado pelo pintor Pissarro. (Um retrato do dr. Gachet está entre as suas últimas obras, que também incluem uma pintura da igreja de Auvers.) Mas, principalmente, Van Gogh foi para Auvers para estar mais perto do seu irmão Theo.

***

A relação entre Vincent e Theo Van Gogh é das mais ricas e, finalmente, pungentes da história da arte. Não apenas porque a ajuda financeira de Theo permitiu a Vincent – que em toda a sua vida só vendeu um quadro – dedicar-se à pintura, mas porque tudo que se sabe sobre os pensamentos e os sentimentos de Van Gogh está nas suas cartas para o irmão mais velho, seu confidente e conselheiro. Sem Theo não haveria Vincent. Quando decidiu ir viver em Auvers, Van Gogh talvez estivesse inconscientemente se aproximando do irmão para morrer perto dele. No dia 27 de julho de 1890, Van Gogh se deu um tiro no peito. Morreu dois dias depois nos braços de Theo. Suas últimas palavras foram “La tristesse durera toujours”. A tristeza durará para sempre.

***

Há dias fomos ao cemitério de Auvers-sur-Oise onde estão enterrados Vincent e Theo, que morreu alguns meses depois do irmão. O cemitério fica numa colina em meio a um trigal. O trigo estava verde. Van Gogh poderia transformá-lo em amarelo, e acrescentar alguns redemoinhos ao azul daquele céu de primavera, mas o dia era irretocável. Os dois irmãos estão enterrados lado a lado. Sepulturas simples, com um quadrilátero de plantas na frente. As duas lápides são absolutamente iguais. Os nomes, as datas de nascimento e morte, e só. Com um pouco de imaginação você concluiria que, na morte como na vida, Theo estivesse ali para proteger seu desafortunado irmão. Mas nada nas lápides os diferencia. E Van Gogh tinha razão. A tristeza o perdurava. A tristeza durará para sempre.

Brod. Max Brod não era parente de Franz Kafka. Os dois só eram grandes amigos. E Kafka pediu a Max Brod que impedisse a publicação dos seus livros e queimasse todos os seus escritos, quando ele morresse. Não se sabe se Kafka pediu que Brod prometesse, solenemente, fazer o que ele pedia. Se fez o Brod jurar. O fato é que se deve à decisão de Brod de trair a confiança do amigo a existência literária de Kafka, que só foi publicado postumamente. Se a humanidade deve a Theo e sua dedicação ao irmão as grandes pinturas de Van Gogh, deve à infidelidade de Brod a obra impressa do Kafka. Sem Brod não haveria Kafka.

***

Sei pouco sobre a posteridade de Brod, que entrou para a história da literatura apenas como responsável pela posteridade de outro. Também não sei como foi sua escolha entre assegurar a posteridade de Kafka e honrar seu pedido. A fogueira já estaria acesa quando ele decidiu preservar os escritos? E o remorso? Alguma vez Brod se arrependeu de ter sido um amigo inconfiável, recusando a Kafka o esquecimento desejado? Seja como foi, obrigado Max. E você também, Theo.

Postado por Luis Favre
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Tags: crónicas, Luis Fernando Verissimo, Vincent Van Gogh
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Lições do churrascão

A polêmica da estação Angélica parece indicar que os paulistanos se cansaram de projetos anunciados e desmentidos ao sabor das pressões de interesses

Raquel Rolnik – O Estado de S.Paulo
Em protesto contra a reação negativa de moradores de Higienópolis, um dos bairros mais nobres de São Paulo, à construção de uma estação de metrô na Avenida Angélica, internautas marcaram através do Facebook um churrascão em frente ao Shopping Higienópolis. A polêmica estourou na web a partir do anúncio, por parte da Companhia do Metrô, de que a nova estação da Linha 6 não seria mais localizada na Angélica. Na sexta-feira pela manhã, quando o proponente decidiu cancelar o churrasco, quase 50 mil pessoas já haviam aderido ao protesto e o assunto ganhara as páginas dos jornais, com discussões técnicas sobre a localização da estação, análises sociológicas sobre o comportamento dos moradores contra e a favor da estação e declarações de representantes do Metrô procurando negar qualquer motivação que não fosse “estritamente técnica” em sua decisão.

Para além do debate sobre a melhor localização da nova estação, e até mesmo da prioridade dessa estação (e dessa linha!) em relação às gigantescas demandas de transporte coletivo de qualidade na região metropolitana de São Paulo, a polêmica dos últimos dias finalmente desnudou dois temas da maior importância para o urbanismo brasileiro, cuja discussão esteve restrita até agora a pequenos círculos acadêmicos e, com esse debate, ganha as ruas da cidade.

O primeiro tem a ver com o modelo de cidade que tem orientado o desenvolvimento de São Paulo (e das cidades brasileiras) pelo menos desde o final do séc 19: um urbanismo segundo o qual “qualidade” é sinônimo de “exclusividade”. Sua produção e hegemonia na política urbana se sustentam por meio de uma coalizão de interesses econômicos com grande capacidade de influenciar as decisões políticas de investimentos e legislação na cidade.

O nascimento do bairro de Higienópolis no final do século 19, na sequência de empreendimentos semelhantes (Campos Elísios, Vila Buarque, Av. Paulista) revela este mecanismo: o abandono dos velhos sobrados de taipa no triângulo central por chateaux, chalets e cottages circundados por jardins nos novos bairros se beneficiou da construção do Viaduto do Chá, em um movimento que aliou uma reterritorialização das elites ao emergente negócio de terras – o loteamento. Foi essa a trajetória de d. Angélica, filha do Barão de Souza Queiroz, que, ao deixar de viver em sua fazenda, em 1874, fixou residência na Chácara das Palmeiras, onde mandou edificar na esquina da Angélica com a Al. Barros uma réplica do castelo de Charlottenburg, conforme planos, materiais e decoração encomendados na Alemanha.

O prestígio dessas nobres residências contribuiu indubitavelmente para o sucesso dos “loteamentos exclusivos”, abertos na cidade na década de 1890. Sua localização – a Chácara do Carvalho e o Palácio de Elias Chaves nos Campos Elísios, o palacete da Vila Maria na Vila Buarque e o palacete de d. Angélica em Higienópolis – coincidia exatamente com a dos primeiros empreendimentos desse tipo. A construção do Viaduto do Chá foi fundamental para essa marcha ao sudoeste que se seguiria. Sua instalação viabilizaria os mais importantes empreendimentos imobiliários do final do século 19: Higienópolis e Paulista. Neles se envolveram proprietários de terras, investidores potenciais, engenheiros e políticos.

Na esteira de investimentos urbanos (esses bairros já eram abertos contando com rede de água, esgoto, gás e bonde, quando seus contemporâneos bairros operários Brás e Mooca, por exemplo, demoraram décadas para receber a mesma infraestrutura), uma legislação urbanística garantia a exclusividade, definindo um padrão de grandes lotes, uso exclusivamente residencial e obrigatoriedade de recuos. A verticalização do bairro de Higienópolis, que se intensificou a partir dos anos 70, mudou esse perfil, mas não desconstruiu, simbolicamente, o projeto.

A resistência que o bairro tem hoje para receber uma estação de metrô está justamente relacionada com a sua possível popularização e, consequentemente, a desvalorização imobiliária – uma postura rejeitada por muitos, inclusive moradores do próprio bairro, como bem demonstram as manifestações dos internautas, que ao rejeitá-la, afirmam o desejo de uma cidade heterogênea, multiclassista, multiétnica e multifuncional.

A direção do Metrô afirmou em nota oficial que a decisão de mudar a localização da estação se deu por razões técnicas (excessiva proximidade entre as estações Angélica e Higienópolis/Mackenzie) e não para atender à solicitação de moradores insatisfeitos. Entretanto, os anúncios (e “desanúncios”) de linhas e estações, metrôs que viram monotrilhos e corredores de ônibus que aparecem e desaparecem dos “planos” do governo evidenciam um segundo ponto essencial que bloqueia o desenvolvimento de um urbanismo de qualidade para todos: o processo decisório dos investimentos da cidade.

Na ausência de um processo de planejamento estável – aliado a uma estratégia urbanística pactuada coletivamente na cidade -, os planos e projetos são anunciados e desmentidos ao sabor das pressões dos interesses que conseguem ter acesso à mesa de decisão. Aqui, mais uma vez, convergem de forma perversa coalizões de interesses econômicos enlaçados – por relações pessoais ou de classe – com interesses políticos.

O recado que a polêmica da estação Angélica parece dar é que os cidadãos paulistanos estão cada vez mais cansados desse modelo.

RAQUEL ROLNIK É URBANISTA, PROFESSORA DA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA USP

sábado, 14 de maio de 2011

Conversa Afiada Professor de notório saber exige o fim da Anistia

Publicado em 14/05/2011 | Imprima | Vote (+29)

Cunha: só as feridas lavadas cicatrizam. Ou restarão o ódio e o nojo ?


O Conversa Afiada tem o prazer de oferecer ao amigo navegante trechos do discurso proferido por Luiz Claudio Cunha, na cerimonia de diplomação de Notório Saber em Jornalismo, na Universidade de Brasilia, no dia 9 de maio:



O jornalismo é a atividade humana que depende essencialmente da pergunta, não da resposta. O bom jornalismo se faz e se constrói com boas perguntas. O jornalismo de excelência se faz com excelentes perguntas.

Eu era uma criança de 12 anos quando irrompeu o golpe de março de 1964. Mas, como as crianças da escola de Realengo, já tinha a idade suficiente para reconhecer a violência, para sofrer o trauma, para sentir o medo. Os efeitos do longo pesadelo de 21 anos se projetaram no calendário. Meu primeiro voto para presidente da República só aconteceu quando tinha 38 anos. Cassaram nossa cidadania, limitaram nossa liberdade, calaram nossos amigos, exilaram nossos líderes, machucaram nosso povo.

Atacaram com violência maior o que mais assusta os tiranos: a universidade, o santuário do conhecimento, a trincheira do livre-pensamento, a sede da consciência crítica. Profanaram o espaço desta universidade, a Universidade de Brasília, a academia que estava no coração da nova ordem sem coração, o regime que combatia a força das ideias pela ideia da força armada, desalmada, desatinada.

Um regime que expurgou da UnB seus dois primeiros reitores, nomes primeiros da educação e do compromisso ético com a escola e com a liberdade do pensamento: Darcy Ribeiro, criador e fundador da UnB, e Anísio Teixeira, lançador do movimento da ‘Escola Nova’ – uma escola que enfatizava o desenvolvimento do intelecto e a capacidade de julgamento. Juntos, Darcy e Anísio assentaram os pilares desta universidade. Anísio inventou na Liberdade, o bairro mais populoso e pobre de Salvador nos anos 1940, a ‘Escola Parque’, que tinha padaria, um jornal diário e uma rádio comunitária por alto-falante, com médico e dentista e turno integral para as crianças. O modelo revolucionário inspirou Darcy a criar os CIEPs anos depois, no Rio de Janeiro. Anísio também ajudou a fundar a SBPC e a CAPES e dirigiu o INEP, Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, onde defendia o fim do ensino religioso obrigatório nas escolas.

A nova ordem que trazia a desordem institucional afastou ambos, Darcy e Anísio, da UnB, de Brasília, das escolas, dos jovens, do país. Em 12 de março de 1971, auge da violência do mandato do notório general Médici, Anísio desapareceu no Rio, depois de visitar o amigo Aurélio Buarque de Holanda. Os militares disseram que ele estava detido, mas não informaram o seu paradeiro. Dois dias depois, seu corpo foi encontrado, sem sinais de queda nem hematomas, no fundo do poço do elevador do prédio de Aurélio, na praia de Botafogo. Causa da morte: ‘acidente’.

Aqueles eram tempos estranhos, muito estranhos, quando nem os acidentes deixavam rastro.

Pensadores e mestres como Darcy e Anísio resumem bem a história do país e da UnB. E nenhum estudante simboliza melhor esta universidade do que o primeiro lugar em Geologia do ano de 1965, um jovem goiano de 18 anos chamado Honestino Guimarães. É um dos 144 desaparecidos políticos do país. Presidente da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília, foi preso pelo Exército e expulso da universidade por reagir à invasão do campus da UnB em 1968. Caiu na clandestinidade com o AI-5, chegou à presidência nacional da UNE e foi preso em outubro de 1973.

A jornalista brasiliense Taís Morais fez as perguntas certas e, no seu livro Sem Vestígios (Prêmio Jabuti de 2006), descobriu o macabro trajeto final de Honestino, percorrendo todo o alfabeto de siglas letais da repressão brasileira: detido no Rio de Janeiro pelo CENIMAR (Centro de Informações da Marinha), trazido a Brasília pelo CIE (Centro de Informações do Exército), torturado durante cinco meses no PIC (Pelotão de Investigações Criminais, no subsolo do prédio do Comando do Exército, na Esplanada dos Ministérios) e levado em fevereiro de 1974 a Marabá num jatinho fretado da Líder Táxi Aéreo por quatro agentes do CIE liderados por um certo major-aviador Jonas, do CISA (Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica).

Lá, no sul do Pará, Honestino foi executado e enterrado na selva pelas tropas que combatiam a guerrilha do Araguaia. Honestino desapareceu aos 26 anos, mas o hoje coronel-aviador da reserva (R-1), com nome, sobrenome e endereço conhecido, circula sem chamar a atenção por Brasília, sem que nenhum jornalista se aproxime dele para fazer uma simples e básica pergunta: − Coronel Jonas, o que aconteceu com Honestino?

A prepotência não permitia perguntas para números sem resposta: 500 mil cidadãos investigados pelos órgãos de segurança; 200 mil detidos por suspeita de subversão; 50 mil presos só entre março e agosto de 1964; 11 mil acusados nos inquéritos das Auditorias Militares, 5 mil deles condenados, 1.792 dos quais por ‘crimes políticos’ catalogados na Lei de Segurança Nacional; 10 mil torturados apenas na sede paulista do DOI-CODI; 6 mil apelações ao Superior Tribunal Militar (STM), que manteve as condenações em 2 mil casos; 10 mil brasileiros exilados ; 4.862 mandatos cassados, com suspensão dos direitos políticos, de presidentes a governadores, de senadores a deputados federais e estaduais, de prefeitos a vereadores; 1.148 funcionários públicos aposentados ou demitidos; 1.312 militares reformados; 1.202 sindicatos sob intervenção; 245 estudantes expulsos das universidades pelo Decreto 477 que proíbe associação e manifestação; 128 brasileiros e 2 estrangeiros banidos; 4 condenados à morte (sentenças depois comutadas para prisão perpétua); 707 processos políticos instaurados na Justiça Militar; 49 juízes expurgados; 3 ministros do Supremo afastados, o Congresso Nacional fechado por três vezes; 7 Assembleias estaduais postas em recesso; censura prévia à imprensa e às artes; 400 mortos pela repressão; 144 deles desaparecidos até hoje.

No início de 1962 oficiais das Forças Armadas foram a São Paulo para um encontro com o jornalista Júlio de Mesquita Filho, a quem entregaram um documento sobre as normas que iriam comandar o governo militar após a queda de Jango. O grupo, integrado pelos generais Cordeiro de Farias e Orlando Geisel, foi mais explícito com o dono de O Estado de S.Paulo: o novo regime queria ficar no poder por pelo menos cinco anos, o que viria a ser a primeira mentira do golpe. O regime militar perdurou quatro vezes mais.

Animado com a conversa, Mesquita chegou ao ponto de sugerir oito nomes para o futuro ministério golpista. O jornalista, acreditem, chegou a fazer o rascunho de um Ato Institucional para fechar Senado, Câmara e Assembleias e para cassar mandatos. Ironia da história: o instrumento de força esboçado por Júlio Mesquita era o mesmo a que a ditadura submeteria seu jornal em 1968 com o AI-5. Os ex-amigos do golpe confabulado pelo dono do Estadão forçariam o jornal a cobrir os espaços censurados nas páginas com versos de Camões e receitas de bolo.

Precisamos lembrar, devemos contar.

Guerrilha não se confunde com terrorismo, definido sim pelo deliberado objetivo de infundir terror entre a população civil, sob o risco assumido de vítimas inocentes – como no caso do terror consumado do 11 de Setembro em Nova York, como no caso do terror frustrado da bomba do Riocentro no Rio de Janeiro. É por isso que ninguém, nem mesmo um cínico, se atreve a escrever “terroristas de Sierra Maestra” ou “terroristas do Araguaia”.

Eram guerrilheiros, não terroristas. Terrorista era o Estado, que usou da força e abusou da violência para alcançar e machucar dissidentes presos, indefesos, algemados, pendurados, desprotegidos diante de um aparato impiedoso que agia à margem da lei, na clandestinidade, nos porões, torturando e matando sob o remorso de um codinome, encoberto na treva de um capuz. Terroristas eram os assassinos de Honestino Guimarães, Vladimir Herzog, David Capistrano da Costa, Manoel Raimundo Soares, Stuart Angel Jones, Manoel Fiel Filho, Paulo Wright, Zuzu Angel, entre tantos outros.

“A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”, ensinou Ulysses Guimarães, no dia da promulgação da Constituição de 1988. “Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”, reforçou Ulysses.

A hipocrisia nacional diz que a mera lembrança desses nomes e fatos não passa de revanchismo, de mera volta ao passado.
Uma médica chilena, torturada em 1975 e eleita presidente em 2006, desmente isso: “Só as feridas lavadas cicatrizam”, ensina Michelle Bachelet.

O Supremo Tribunal Federal teve, no ano passado, a chance de lavar esta ferida. E, vergonhosamente, abdicou desse dever.

Apenas dois dos nove ministros do STF – Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Brito – concordaram com a ação da OAB, que contestava a anistia aos agentes da repressão. “Um torturador não comete crime político”, justificou Ayres Brito. “Um torturador é um monstro. Um torturador é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso sofrimento alheio perpetrado por ele. Não se pode ter condescendência com o torturador. A humanidade tem o dever de odiar seus ofensores porque o perdão coletivo é falta de memória e de vergonha”.

Apesar da veemência de Ayres Brito, o relator da ação contra a anistia, ministro Eros Grau, ele mesmo um ex-comunista preso e torturado no DOI-CODI paulista, manteve sua posição contrária: “A ação proposta pela OAB fere acordo histórico que permeou a luta por uma anistia ampla, geral e irrestrita”, disse Eros Grau, certamente esquecido ou desinformado, algo imperdoável para quem é juiz da mais alta Corte e também sobrevivente da tortura. A anistia de 1979 não é produto de um consenso nacional. É uma lei gestada pelo regime militar vigente, blindada para proteger seus acólitos e desenhada de cima para baixo para ser aprovada, sem contestações ou ameaças, pela confortável maioria parlamentar que o governo do general Figueiredo tinha no Congresso: 221 votos da ARENA, a legenda da ditadura, contra 186 do MDB, o partido da oposição.

Nada podia dar errado, muito menos a anistia controlada.

Amplo e irrestrito, como devia saber o ministro Grau, era o perdão indulgente que o regime autoconcedeu aos agentes dos seus órgãos de segurança. Durante semanas, o núcleo duro do Planalto de Figueiredo lapidou as 18 palavras do parágrafo 1° do Art. 1° da lei que abençoava todos os que cometeram “crimes políticos ou conexos com estes” e que não foram condenados. Assim, espertamente, decidiu-se que abusos de repressão eram “conexos” e, se um carcereiro do DOI-CODI fosse acusado de torturar um preso, ele poderia replicar que cometera um ato conexo a um crime político. Assim, numa única e cínica penada, anistiava-se o torturado e o torturador.

Em 22 de agosto de 1979, após nove horas de tenso debate, o Governo aprovou sua anistia, a 48ª da história brasileira. Com a pressão da ditadura, aprovou-se uma lei que não era ampla (não beneficiava os chamados ‘terroristas’ presos), nem geral (fazia distinção entre os crimes perdoados) e nem irrestrita (não devolvia aos punidos os cargos e patentes perdidos).

Mesmo assim, o regime suou frio: ganhou na Câmara dos Deputados por apenas 206 votos contra 201, graças à deserção de 15 arenistas que se juntaram à oposição para tentar uma anistia mais ampliada. Um dos mentores do ‘crime conexo’ era o chefe do Serviço Nacional de Informações, o SNI, general Octávio Aguiar de Medeiros, signatário da anistia de agosto de 1979.

Menos de dois anos depois, em abril de 1981, um Puma explodiu antes da hora no Riocentro, no Rio de Janeiro. Tinha a bordo dois agentes terroristas do Exército: o sargento Guilherme do Rosário, que morreu com a bomba no colo, e o capitão do DOI-CODI Wilson Machado, que sobreviveu impune e, apesar das feias cicatrizes no peito, virou professor do Colégio Militar em Brasília.

Em 24 de abril passado, em trabalho admirável, os repórteres Chico Otávio e Alessandra Duarte, de O Globo, revelaram ao país a agenda pessoal do sargento morto, a agenda que o Exército considerou desimportante para seu arremedo de investigação. Pois lá estão anotados os nomes reais (sem codinome) e os telefones de 107 pessoas, de oficiais graduados a soldados, de delegados a detetives, passando pelo Estado-Maior da PM e o comando da Secretaria de Segurança. Nessa ‘Rede do Terror’ que conspirava para endurecer o regime não consta o nome de um único guerrilheiro. Todos os terroristas, ali, integravam o aparelho de Estado, patrono da complacente autoanistia que não satisfazia nem seus radicais.

O nome mais ilustre da agenda é Freddie Perdigão, membro de um certo ‘Grupo Secreto’ organização paramilitar de direita que jogava no fechamento político. Perdigão era coronel da Agência Rio do SNI do general Medeiros. Nada mais cínico e nada mais conexo do que isso.

O ‘Grupo Secreto’ é responsável por algumas das 100 bombas que explodiram no Rio e São Paulo entre a anistia de agosto de 1979 e o atentado do Riocentro de abril de 1981, endereçadas a bancas de jornal, publicações alternativas da oposição, Assembleia Legislativa e às sedes da OAB e da ABI.

Apesar da equivocada decisão do Supremo, o Brasil acaba de ser condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA por se eximir da investigação e punição aos agentes do Estado responsáveis pelo desaparecimento forçado de 70 guerrilheiros do Araguaia. “A Lei da Anistia do Brasil é incompatível com a Convenção americana, carece de efeito jurídico…”, criticou a Corte da OEA.

Em novembro passado, o Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou ação civil pública pedindo a responsabilização civil de três oficiais das Forças Armadas e um da PM paulista sobre morte ou desaparecimento de seis pessoas e a tortura de outras 20 detidas em 1970 pela Operação Bandeirante (Oban), o berço de dor e sangue do DOI-CODI, a sigla maldita que marcou o regime e assombrou os brasileiros. O capitão reformado do Exército Maurício Lopes Lima é frontalmente acusado pelos 22 dias de suplício a uma das presas, líder da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Nome da presa torturada: Dilma Rousseff.

Agora presidente, Dilma Rousseff encara este desafio que intimidou os cinco homens que a antecederam no Palácio do Planalto a partir de 1985, quando acabou a ditadura: a punição aos torturadores do golpe de 1964. Não será por revanchismo, mas pelo dever ético de todo país que respeita a verdade, a memória e sua história. Como fazem com altivez a Argentina, o Uruguai, o Chile ao lavar suas feridas, feias como as nossas.

Quando fui chamado para trabalhar na revista Veja em Porto Alegre, em 1971, o chefe da sucursal era Paulo Totti. Aos 32 anos, era o mais talentoso jornalista do Rio Grande do Sul, a melhor escola que um repórter poderia ter. Em dezembro de 2007, cinco meses antes de completar 70 anos, Totti conquistou o Prêmio Esso de Economia com uma reportagem sobre a China, publicada no diário Valor Econômico. O melhor jornalista gaúcho há 40 anos é ainda hoje um dos grandes repórteres brasileiros. É dele esta frase consoladora:
– A função do repórter é a única que vai sobreviver no jornalismo do futuro. Sempre vamos precisar, no futuro, de alguém que pergunte.

Totti disse e eu completo: o importante – ontem, hoje e sempre – é duvidar e perguntar.

Espero que o título honroso que a UnB hoje me confere seja o reconhecimento não às respostas que obtive, mas às perguntas que fiz ao longo destas últimas quatro décadas.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Verdade, propaganda e manipulação - Andrew Gavin Marshall - blog do miro

O Diário,português

Nunca como agora foi tão importante haver vozes e fontes de informação independentes e sérias. Somos, como sociedade, inundados e asfixiados por um dilúvio de informação proveniente de uma larga rede de fontes de informação, que de uma forma geral servem interesses poderosos e os que os detêm. As principais fontes de informação para consumo público e oficial incluem os media convencionais, os media alternativos, a universidade e os “laboratórios de ideias” (think tanks).



Os media convencionais são os mais óbvios quanto a manipulação e enviesamento. São propriedade directa de grandes empresas multinacionais e através dos respectivos quadros de direcção estão ligados a uma quantidade de outras grandes empresas globais e aos interesses das elites. Um exemplo destas ligações pode ser avaliado através do quadro da Time Warner.

A Time Warner detém, entre muitas outras, a revista Time, a HBO, a Warner Bros. e a CNN. O quadro de directores inclui indivíduos actual ou anteriormente ligados a: Conselho de Relações Internacionais, FMI, Fundação Rockfeller Brothers, Warburg Pincus, Phillip Morris e a AMR Corporation, entre muitas outras.

Duas das mais “apreciadas” fontes noticiosas nos EUA são o New York Times (tido como “jornal de referência”) e o Washington Post. O New York Times tem no seu quadro gente que está ou esteve ligada a: Schering-Plough International (indústria farmacêutica), Fundação John D. e Catherine T. MacArthur, Chevron Corporation, Wesco Financial Corporation, Kohlberg & Company, The Charles Schwab Corporation, eBay Inc., Xerox, IBM, Ford Motor Company, Eli Lilly & Company, entre outras. Difícil poder ser considerado um bastião de imparcialidade.

E o mesmo podia dizer-se do Washington Post, que tem nos seus quadros: Lee Bollinger, presidente da Columbia University e presidente do Federal Reserve Bank de New York; Warren Buffett, investidor financeiro multimilionário, presidente e director-geral do Berkshire Hathaway; e pessoas ligadas (agora ou no passado) a: Coca-Cola Company, New York University, Conservation International, Conselho de Relações Internacionais, Xerox, Catalyst, Johnson & Johnson, Target Corporation, RAND Corporation, General Motors e Business Council, entre outras.

É igualmente importante ver como os media convencionais estão interligados, por vezes confidencial e secretamente, ao governo. Carl Bernstein, um dos dois repórteres do Washington Post que cobriram o escândalo Watergate, revelou que havia mais de 400 jornalistas americanos que tinham “secretamente desempenhado missões para a Central Intelligence Agency.” Curiosamente, “a utilização de jornalistas tem constituído um dos mais produtivos meios de recolha de informação usados pela CIA.”

Entre as organizações que cooperaram com a CIA estão “a American Broadcasting Company, a National Broadcasting Company, a Associated Press, a United Press International, a Reuters, os Hearst Newspapers, a Scripps-Howard, a revista Newsweek, o Mutual Broadcasting System, o Miami Herald, o velho Saturday Evening Post e o New York Herald-Tribune.”

De acordo com funcionários da CIA, as mais valiosas destas ligações têm sido de longe com o New York Times, a CBS e a Time Inc. A CIA desenvolveu mesmo um programa de formação “para ensinar aos seus agentes a serem jornalistas,” para depois serem “colocados nas principais organizações noticiosas com a conivência das administrações.”

Estes tipos de ligação têm prosseguido desde há décadas, embora talvez mais discreta e disfarçadamente do que antes. Por exemplo, foi revelado em 2000 que durante o bombardeamento do Kosovo pela NATO, “vários oficiais do 4º Grupo de Operações Psicológicas do Exército dos EUA (PSYOPS) em Ft. Bragg trabalhavam na divisão noticiosa dos escritórios da CNN em Atlanta.”

A mesma farda de Psyop do exército “enxertou histórias nos media americanos apoiando as políticas do governo Reagan na América Central,” descritas pelo Miami Herald como uma “vasta operação de guerra psicológica do tipo que os militares desenvolvem para influenciar a população em território inimigo.” Estes oficiais PSYOP do exército trabalhavam também na Rádio Nacional Pública (NPR) ao mesmo tempo. Os militares dos EUA têm tido de facto uma forte relação com a CNN.

Em 2008, foi revelado que o Pentágono desenvolveu uma grande campanha de propaganda utilizando generais reformados e antigos funcionários do Pentágono para apresentarem uma boa imagem das políticas de guerra do governo. O programa começou na preparação da guerra do Iraque de 2003 e continuou até 2009. Estes oficiais, apresentados como “analistas militares”, regurgitam os pontos de vista do governo e muitas vezes têm assento nos quadros dos empreiteiros militares, detendo dessa forma interesses assegurados nos assuntos que são levados a “analisar”.

As principais fundações filantrópicas dos Estados Unidos têm frequentemente usado a sua enorme riqueza para cooptar vozes dissidentes e movimentos de resistência em canais seguros para os poderes vigentes. Conforme McGeorge Bundy, antigo presidente da Fundação Ford, uma vez disse que “tudo o que Fundação faz é tornar o mundo seguro para o capitalismo.”

Exemplos incluem filantrópicas como a Fundação Rockefeller, a Fundação Ford e a Fundação John D. e Catherine T. MacArthur que fornecem imenso apoio financeiro e organizacional a Organizações Não-Governamentais. Além disso, os media alternativos são muitas vezes financiados por estas mesmas fundações, o que tem como resultado influenciarem a orientação da cobertura dos assuntos, assim como a supressão da análise crítica.

* Tradução de Jorge Vasconcelos.

A distância entre imprensa livre e a boa - Washington Araújo - Carta Maior

terça-feira, 10 de maio de 2011

Existe uma distância razoável entre imprensa livre e imprensa boa. Podemos afirmar que temos no Brasil uma imprensa livre. Veículos de comunicação divulgam o que bem entendem, usam de sua liberdade como bem entendem – do contrário não haveria liberdade –, elevam assuntos de importância secundária para a condição de matéria de primeira página nos jornais, ou com maior minutagem e maior destaque nos telejornais. E fazem, também, o caminho inverso: relegam a um terceiro plano o que teria tudo para ser notícia de primeira, notícia com N maiúsculo.



Ainda assim, não podemos dizer que temos uma boa imprensa pela simples razão de que há uma carga bem pesada de subjetividade em afirmação de tal monta. Boa para quem, cara pálida? Para os veículos de comunicação? Para os governos? Para determinados segmentos da sociedade? Para a sociedade como um todo? Esta última questão esbarra no senso comum do "ora, nem Jesus Cristo agradou todo mundo... como a imprensa agradaria a toda a sociedade ou, no mínimo, seria por esta considerada boa?".

A imprensa é livre, por exemplo, para mudar o foco real do debate sobre liberdade de imprensa e liberdade de expressão. Qualquer ser pensante que se atreva a pedir mais transparência da imprensa, mais debate sobre suas necessárias formas de regulação – e não apenas aquelas abrigadas no conceito genérico da autoregulação – é logo considerado golpista, pessoa que possui um dos hemisférios cerebrais localizados no campo do autoritarismo, do cerceamento à liberdade de expressão. São apenas censores os que não tomam parte das legiões do pensamento único. E, na verdade, isso tem um nome. Chama-se ideologização e nada mais. Por que há muito de ideologia no ataque a qualquer proposta de regulação da mídia. Do contrário, seria um debate muito bem vindo e não o que se deseja lançar sobre a sociedade, ao reputá-lo como um atentado à liberdade de imprensa.

Todos os meios

Sabemos, de antemão, que tipo de imprensa não queremos. Nesse bloco podemos afirmar com grande margem de acerto e correção que será uma imprensa refém do capital pelo capital; uma imprensa travestida de partido político e, portanto, a serviço de determinados projetos de poder; uma imprensa que atua como tribunal de primeira à última instância, acusando, julgando e condenando sem deixar de antes fazer terra arrasada da reputação de seus declarados desafetos, os também chamados "bolas da vez". A imprensa que não desejamos é aquela que é generosa nos ataques e nas acusações e extremamente parcimoniosa no uso do direito de resposta, direito muitas vezes conseguido apenas nos tribunais.

É nesse contexto que julgamos salutar que o governo apresente um anteprojeto de regulação da mídia ainda neste ano. Que as experiências colhidas em governos anteriores sirvam de base para os estudos necessários e que este material seja disponibilizado para conhecimento da sociedade parece ser, desde já, um desafio e tanto. Temos que aproveitar o atual processo de convergência das mídias e o surgimento de novas tecnologias para proceder a uma atualização das regras do setor. Atualização que se faz urgente haja vista que normas brasileiras datam do agora distante ano de 1962, ano em que nem mesmo existiam a TV em cores, as transmissões por satélite e muito menos os meios virtuais – sítios, blogues, redes de relacionamento e tantas outras novidades.

A permanecer o status quo, temos o que temos: terra de ninguém, onde parece ter razão quem tem os meios de difundí-la a todo e a qualquer momento e, ainda mais, por todos os meios à sua disposição. Isto é, à disposição dos grandes conglomerados que produzem as notícias e sabem como despejá-las sobre a sociedade, usando o suporte escrito, radiofônico, televisivo e virtual.

Perspicácia

O importante mesmo é não deixar o debate morrer de inanição. Na luta por uma imprensa de boa qualidade – e esta somente poderá assim ser adjetivada se for fundada no inegociável estatuto de sua liberdade – não devem existir mocinhos e bandidos. Há que se buscar uma imprensa que melhor combine os atributos da liberdade de informar com a responsabilidade de informar, as características de empreendimento econômico-financeiro lucrativo com aquelas de empreendimento que favoreça a identidade nacional e o fortalecimento de nossa ainda incipiente cidadania.

É muito trabalho para pouco debate. Estamos apenas no início. Mas não se ganha batalha sem antes haver sido iniciada. E que tenhamos em mente a perspicaz observação do grande líder indiano Mahatma Gandhi (1869-1948) ao afirmar que "a liberdade para ser verdadeira precisa incluir a liberdade de errar."

Cinco estratégias comunicacionais dos EUA - Adital

Felson Yajure, do Aporrea,
:

As guerras da atualidade começam nos meios. Em cada guerra, os meios do imperialismo tentam convencer-nos de que seus governos estão atuando bem e, para isso, utilizam cinco estratégias:

1. Ocultar a verdade: que a causa real são nos interesses econômicos. 2. Colocar a vítima como agressor e culpada e ao agressor como o defensor da justiça. 3. Desprestigiar às vítimas. 4. Monopolizar a informação. 5. Ocultar a história.

Essas estratégias também foram aplicadas contra a Líbia, uma revolta espontânea rapidamente transformada em guerra civil, aprendendo com o caso do Egito, onde ainda existe o perigo de perda do controle. Podemos dizer: Na política, nada cai do céu!

1. Ocultar a verdade, que os interesses econômicos são a causa. Os imperialistas sempre têm que persuadir a opinião pública de que eles não atuam para obter benefícios econômicos; mas, para eliminar uma grave ameaça, que seja Saddam Hussein, Bin Laden, o comunismo, as Farc, as drogas, ou qualquer outra desculpa. Dizem que suas guerras são para libertar ao povo do tirano, ou para evitar que utilize armas de destruição massiva, para defender os direitos humanos; para evitar o bombardeio da população etc. Após invadir e tomar o controle se evidencia que mentiam de maneira descarada.

No caso recente da Líbia, que Gadafi estava bombardeando seu povo e Telesul enviou um correspondente ao local, desmentindo tais bombardeios. Aqui pretenderam semear a matriz de que há gente de Al Qaeda em Margarita e de acampamentos das Farc em nosso território para justificar uma agressão ou perseguição na Colômbia, para usá-la como instrumento da agressão ou para, caso a coisa se complique, eles possam, em seguida, intervir em defesa da Colômbia. No caso do conflito líbio, se explica, porque a África é estratégica para as multinacionais, porque sua prosperidade se baseia na pilhagem de seus recursos.

2. Colocar a vítima como agressor e culpada e ao agressor como o defensor da justiça. Em cada guerra, seus adversários sempre têm sido apresentados como cruéis assassinos, imorais e perigosos, com as piores descrições de suas atrocidades. Mais tarde, muitos desses relatos; às vezes, todos, vão perdendo importância; porém, não importa, já cumpriram seu objetivo: justificar as ações e manipular a emoção do público para impedi-lo de analisar os interesses que realmente estão em jogo.

3. Desprestigiar às vítimas. Nessa linha estratégica, tentam colocar o adversário como o pior entre os seres humanos, que golpeia mulheres, que ele e seus colaboradores estão associados ao narcotráfico, com Makled, com Marulanda...; bom, com o camarada, não, porque já morreu...; que a família rouba, e assim por diante.

4. Monopolizar a informação. A informação mostra-se de uma forma completamente tendenciosa, dando a conhecer somente um lado da história; claro, sem dizer, por exemplo, que a mídia imperial mostra um só lado de Gadafi, o que eles catalogaram como mau; porém, em absoluto mostram algum aspecto positivo. Quem nos informou sobre sua ajuda aos projetos de desenvolvimento africano? Quem nos disse que, segundo as instituições internacionais, a Líbia detém o mais alto ‘índice de desenvolvimento humano' de toda a África?

Outro exemplo seria quando em 1992, 45 países africanos tentaram obter um satélite africano para diminuir os custos de comunicação no continente. Telefonar desde ou para a África tinha a tarifa mais alta do mundo, já que havia um imposto de 500 milhões de dólares que a Europa cobrava a cada ano sobre as conversas telefônicas, inclusive no interior do próprio continente, pelo trânsito de voz pelos satélites europeus.

O satélite africano custava justamente 400 milhões de dólares pagáveis de uma só vez e não os 500 milhões de aluguel ao ano. Porém, como pode o escravo libertar-se da exploração servil de seu amo, solicitando-lhe sua ajuda para consegui-lo? Assim, estiveram o Banco Mundial, o FMI, os Estados Unidos, a União Europeia enredando inutilmente esses países por catorze anos. Então, Gadafi colocou na mesa 300 milhões de dólares, o Banco Africano de Desenvolvimento colocou 50 milhões; o Banco Oeste-Africano de Desenvolvimento colocou 27 milhões; e dessa forma a África, desde 27 de dezembro de 2007, tem seu primeiro satélite de comunicação de sua história. Vemos como um gesto pode mudar a vida de todo um continente.

A Líbia de Gadafi fez o ocidente perder não somente os 500 milhões de dólares ao ano, mas os milhares de milhões de dólares em dívida e juros que essa mesma dívida permite gerar até o infinito e a escala exponencial, contribuindo assim para manter oculto o sistema de espólio da África. Isso, com certeza, é parte do que a Europa agora cobra a Gadafi.

Também há muitos indícios de desinformação, por exemplo, os "seis mil mortos supostamente vítimas dos bombardeios de Gadafi sobre a população civil”. Onde estavam as imagens? Não havia nenhuma câmera, nenhum telefone celular por lá, como houve em Gaza, na Praça Tahrir ou em Tunes? É como o que acontece agora com o assassinato de Bin Laden: onde estão os vídeos e as fotos que mostravam como quando assassinaram ao Che Guevara ou a Hussein? Agora, nenhuma prova, nenhum testemunho fiável; bem esquisito tudo isso! Isso, em parte, foi desmentido pela Telesul, pelos satélites russos; porém, não houve retratação.

Em uma guerra civil, uma informação parcial sempre tentará fazer-nos crer que as atrocidades são cometidas por um só lado e, portanto, temos que apoiar ao outro lado. Porém, sempre é uma informação tendenciosa devido aos interesses político-econômicos.

5. Ocultar a história. Essa linha de desinformação é complementar às anteriores, todas atuantes em modo sinérgico. Para exemplificá-la basta um exemplo: o caso da invasão ao Kuwait, onde, em todo momento, se ocultou o fato histórico de que o território Kuwait foi parte do território iraquiano, e que foi desmembrado pelas potências imperiais devido às suas grandes jazidas petroleiras. A história da cruel exploração dos recursos naturais e da escravidão dos países colonizados nunca será contada nos meios de comunicação imperiais.

terça-feira, 10 de maio de 2011

cartacapital - Liberdade de imprensa ou estelionato midiático? - Aurélio Munhoz

4 de maio de 2011 às 9:54h

Uma outrora majestosa senhora agoniza no dia 3 de maio, em que o mundo deveria celebrar sua soberania. Falamos da liberdade de imprensa. Pobre liberdade. A menina dos olhos dos verdadeiros democratas já viveu dias mais gloriosos na época em que o idealismo, muito mais que as verdinhas, movia as mentes e corações dos jornalistas.

Mas de que liberdade de imprensa falamos? A genuína – e única. Aquela que pressupõe o compromisso inquebrantável com dois pressupostos: a verdade e o bem estar da maioria. Liberdade de imprensa, portanto, é o direito de qualquer cidadão dizer o que pensa. Mas com três condições: apenas se alicerçado pelos fatos, pelo bom senso e pelo seu propósito sincero de contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Isso tem outro nome: exercício responsável da democracia e da cidadania.

Do exposto, conclui-se o óbvio – e nele reside o cerne deste artigo: o povo do andar de cima de grande parte da mídia, nele incluídos muitos colegas jornalistas, não defende a autêntica liberdade, mas um clone teratológico. A liberdade que preconizam é somente a sua, não a da maioria dos cidadãos.

Consiste somente no seu suposto direito de deixá-los dizer tudo o que pensam e fazer tudo o que querem, sem nenhum arreio institucional.

Querem, claro, somente encher suas burras de reais, divertindo-se com o exercício de vilania que praticam quando atacam pessoas sem provas e de maneira absolutamente parcial. E também quando, acuados pelos abusos que cometem, vilipendiam sistematicamente a essência da liberdade com sua chorumela estridente e absolutamente falsa. Dizem-se agredidos quando atacados pela Justiça e pelas vítimas da sua língua ferina, mas são, na realidade, os verdadeiros agressores.

Este bando não é curador da liberdade de imprensa, mas mentor de um autêntico ato de estelionato midiático. Está lá, para quem quiser ler, no Código Penal Brasileiro, Título II, Capítulo VI, no já referido Artigo 171: estelionato é “obter para si ou para outrem vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”.

Não é outra coisa o que fazem os medalhões da mídia que tanto falam em liberdade e criticam ferramentas de controle da sociedade sobre o conteudo da mídia, como o Conselho Federal de Jornalismo e o Conselho Nacional de Comunicação Social, ambos sepultados por força do abonado lobby patrocinado por esta turma.

Exagero? Lanço um desafio a quem acha que 99% da nossa grande mídia pratica a verdadeira liberdade de imprensa. Convide um pedreiro ou uma telefonista com jeito para as palavras a tentar veicular, em qualquer grande jornal ou revista brasileiro, um bom texto sobre algum assunto que se choque frontalmente com os interesses dos donos do veículo em questão. Vejamos o que estes cidadãos comuns conseguem. Antecipo o destino do texto: a lata de lixo da caixa postal virtual do editor de Opinião.

Mas este não é a única chaga da nossa imprensa. Pior que propagar mentiras, querendo fazê-las passar por verdades, é não dizer de que lado se está. A Carta Capital diz. O conservador O Estado de S. Paulo, também. Por isso, merecem parabéns, já que assumem suas posições, sejam quais forem. Quantos mais têm a coragem de fazer isso?

Pior que ser de direita, como se vê, é ser hipócrita, como são os que nos escondem seus reais objetivos, bem como as identidades dos verdadeiros donos das capitanias hereditárias da mídia. Este bando defende, afinal, os interesses de quem? Os deles, somente os deles, jamais os nossos.

No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, reflitamos sobre o tema à luz do mestre Buda: “Um amigo falso e maldoso é mais temível que um animal selvagem; o animal pode ferir seu corpo, mas um falso amigo irá ferir sua alma”.

Aurélio Munhoz no Twitter: http://twitter.com/aureliomunhoz



Aurélio Munhoz
Aurélio Munhoz é jornalista, sociólogo, consultor em Comunicação e presidente da oscip Pense Bicho. Pós-graduado em Sociologia Política e em Gestão da Comunicação, foi repórter, editor e colunista na imprensa do Paraná. Endereço no Twitter: http://twitter.com/aureliomunhoz.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

drummond - poesia -

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Karl Marx - Eduardo Mancuso - cartamaior -

Dois séculos depois do desaparecimento do maior pensador socialista de todos os tempos, em plena crise sistêmica do capitalismo globalizado, que já ameaça a continuidade da vida humana no planeta, podemos concordar com o marxista norte-americano Marshall Berman: “Marx está vivo. E vai bem de saúde”.

Eduardo Mancuso

“Transformar o mundo”, disse Marx, “mudar a vida”, disse Rimbaud – para nós essas duas palavras de ordem são apenas uma.
(André Breton)

Karl Marx nasce em 5 de maio de 1818, em Trier, na Renânia, filho de judeus alemães convertidos ao cristianismo. Seu pai era um liberal admirador do Iluminismo e a família Marx tinha como vizinho o alto funcionário do governo da Prússia, barão Ludwig Von Westphalen, culto aristocrata, pai de Jenny, futura esposa do jovem Marx.

Em 1841, após alguns anos na universidade – em Bonn e Berlim – onde conhece a obra filosófica de Hegel, Marx aprova sua tese de doutorado sobre os pensadores gregos Demócrito e Epicuro, mas o reacionário governo prussiano recusa uma cátedra ao jovem doutor. Ele assume então a direção do jornal A Gazeta Renana, mas sua linha editorial democrático radical leva o governo a fechá-lo. Em 1843, casa-se com Jenny e emigra para Paris, onde conhece Engels , mergulha na história da Revolução Francesa e do socialismo e na efervescência das sociedades e dos clubes operários.

Em 1844, Marx colabora na publicação dos Anais Franco-Alemães e redige os Manuscritos econômico-filosóficos, também conhecidos como Manuscritos de Paris. Nessa obra de juventude, Marx define o comunismo como a superação da “pré-história” humana, e faz uma lúcida previsão:

Para superar o pensamento da propriedade privada, basta o comunismo pensado. Para suprimir a propriedade privada efetiva, é necessária uma ação comunista efetiva. A história virá trazê-la, e aquele movimento que já conhecemos em pensamento como um movimento que se supera a si mesmo percorrerá na realidade um processo muito duro e muito extenso.

Em 1845, Marx e Friederich Engels já haviam estabelecido uma sólida amizade e uma parceria política e intelectual que duraria décadas, e que se inicia com a elaboração a quatro mãos de A sagrada família, cujo subtítulo era Crítica de uma crítica crítica (apresentação sarcástica das idéias metafísicas de alguns filósofos idealistas alemães), em que definem a essência da sua concepção humanista e materialista da história:

A história nada faz, ela “não possui nenhuma riqueza imensa”, “não trava nenhuma batalha”. É o homem, o homem vivo, real, que faz tudo isto, que possui e luta; a “história” não é uma pessoa à parte, que usa o homem para seus próprios fins particulares; a história nada é senão a atividade do homem que persegue seu objetivo...

Nesse mesmo ano, expulso da França, Marx vai para Bruxelas, Bélgica. Ele escreve, então, as geniais e concisas Teses sobre Feuerbach, breves anotações feitas pelo jovem de 27 anos em seu caderno, marcadas por um humanismo radical e revolucionário que inaugura a filosofia da práxis. Engels as chamou de “germe genial de uma nova concepção do mundo”.

Com as Teses sobre Feuerbach, Marx lança as bases de “um novo materialismo”, profundamente dialético e distinto do materialismo vulgar existente até então. Na tese 2, Marx afirma a prática como critério de verdade:

A questão de saber se é preciso conceder ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão de teoria, porém uma questão prática. É na prática que o homem deve comprovar a verdade, isto é, a realidade efetiva e a força, o caráter terrestre de seu pensamento.

Na tese 3, a prática revolucionária aparece como síntese da mudança do mundo e da autotransformação:

A doutrina materialista da mudança das circunstâncias e da educação se esquece de que as circunstâncias são mudadas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado. (...) A coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou autotransformação só pode ser interpretada e racionalmente compreendida como prática revolucionária.

E conclui suas anotações com a célebre tese 11:

Os filósofos apenas interpretaram o mundo de forma diferente, o que importa é mudá-lo.

Em 1846, Marx e Engels concluem mais um trabalho conjunto, os dois volumes de A ideologia alemã. O manuscrito não foi publicado e ficou entregue “à crítica roedora dos ratos” segundo os próprios autores (sua primeira edição vem a público apenas no século XX). A ideologia alemã apresenta a definição clássica sobre a dominação ideológica:

As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual.

Em 1847, Marx publica A miséria da filosofia, uma crítica da doutrina contida na “filosofia da miséria” do pensador anarquista Proudhon. Segundo Engels A miséria da filosofia também apresenta “os princípios fundamentais de suas novas concepções históricas e econômicas”; esboça também a teoria sobre o sujeito revolucionário:

De todos os instrumentos de produção, a maior força produtiva é a própria classe revolucionária. (...) A condição de emancipação da classe operária é a abolição de todas as classes (...). No transcurso de seu desenvolvimento, a classe operária substituirá a antiga sociedade civil por uma associação que exclua as classes e seu antagonismo; e não existirá já em poder político propriamente dito, pois o poder político é, precisamente, a expressão oficial do antagonismo de classe, dentro da sociedade civil. Enquanto isso, o antagonismo entre o proletariado e a burguesia é a luta de uma classe inteira contra outra classe, luta que, levada a sua mais alta expressão, implica numa revolução total.

Marx e Engels ingressam na Liga dos Comunistas (antiga Liga dos Justos, organização de trabalhadores alemães emigrados), e redigem o programa do movimento. O Manifesto do Partido Comunista fica pronto e é editado no início de 1848, pouco antes de explodir as revoluções européias, a Primavera dos Povos, que apesar da derrota abre um novo período da luta de classes em escala internacional. Um espectro ronda a Europa, o espectro do comunismo, assim inicia o mais famoso panfleto político de todos os tempos, que apresenta como pressuposto que a história de todas as sociedades até o presente é a história das lutas de classes, resume a dialética da modernidade com a metáfora tudo que é sólido desmancha no ar, e conclui com a palavra de ordem: Proletários de todos os países, uni-vos!

Antevisão genial da globalização capitalista, o Manifesto é mais atual hoje do que há 150 anos. Para o sociólogo Michael Lowy, a atualidade do Manifesto Comunista se origina de suas qualidades ao mesmo tempo críticas e emancipadoras, isto é, da unidade indissolúvel entre a análise do capitalismo e o chamado à sua destruição, entre o exame lúcido das contradições da sociedade burguesa e a utopia revolucionária de uma sociedade solidária e igualitária.

Ainda em 1848, Marx e Engels voltam para a Alemanha e se instalam em Colônia, onde lançam o jornal Nova Gazeta Renana, mas o processo revolucionário reflui e Marx faz o balanço político do movimento em As lutas de classes na França, no qual conclui que o fim do ciclo das revoluções burguesas abriria a época das revoluções proletárias. Em março de 1850, na Mensagem ao Comitê Central da Liga dos Comunistas, Marx utiliza pela primeira vez o conceito de “revolução permanente” como o processo que levaria “até a conquista do poder estatal pelo proletariado” e “não em um único país, mas em todos os países dominantes do mundo inteiro”.

A partir daí, Marx fixa residência em Londres, onde passa anos na completa miséria, a ponto de algumas vezes não poder ir ao Museu Britânico, onde realiza suas pesquisas, em razão de ser obrigado a penhorar seu casaco de inverno para poder comprar papel e continuar escrevendo. Em 1852, ele escreve outra obra-prima, O dezoito brumário de Luis Bonaparte, sobre o golpe de estado de Napoleão III na França. As suas primeiras linhas são célebres:

Hegel observa, em uma de suas obras, que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. (...) Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.

Entre 1857-58, Marx redige vários manuscritos que dão origem aos chamados Grundrisse (Elementos fundamentais para a Crítica da Economia Política), que só serão conhecidos um pouco antes da Segunda Guerra Mundial, publicados pelo Instituto Marx-Engels –Lenin de Moscou, sem maior divulgação. Devido à sua importância na evolução intelectual da obra teórica de Marx, os Grundrisse são considerados por alguns analistas como uma espécie de “elo perdido” entre o “jovem Marx” e a sua obra da maturidade.

Em 1859, Marx publica Contribuição à Crítica da Economia Política, e no seu famoso prefácio resume as linhas gerais da sua concepção materialista da história:

Nas minhas pesquisas, cheguei à conclusão de que as relações jurídicas – assim como as formas de Estado – não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela dita evolução geral do espírito humano, inserindo-se, pelo contrário, nas condições materiais de existência... A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor dos meus estudos, pode formular-se resumidamente assim: na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência. Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave. Surge então uma época de revolução social.

Durante sua primeira década em Londres, o único rendimento de Marx era como colaborador do jornal Tribuna de Nova York, mas após esse período dificílimo, Engels garante a ele uma ajuda financeira regular, e um grande amigo, o militante comunista Wilhelm Wolf, deixa-lhe uma pequena herança. Marx dedica a ele o primeiro volume de O Capital (1867), que não consegue concluir em vida (Engels edita o volume II em 1885 e o volume III em 1894). Antes de publicar O Capital, Marx termina os três volumes intitulados Teorias da mais-valia, em que analisa criticamente o pensamento teórico sobre a economia política, particularmente o de Adam Smith e David Ricardo.

Em 1864, um congresso realizado em Londres funda a Associação Internacional dos Trabalhadores (Primeira Internacional) e Marx redige o seu Manifesto Inaugural, onde assinala que a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores. Durante o breve período de existência da Internacional, Marx se dedica a sua organização e assume a condição de principal dirigente do Conselho Geral. A derrota da Comuna de Paris, em 1871, quando o povo parisiense toma o poder na capital durante mais de dois meses e implanta um governo democrático revolucionário, mas é esmagado pelo exército francês em um banho de sangue, sela o destino da Internacional.

Para Marx, a Comuna é a primeira “ditadura do proletariado” da história (baseada no armamento do povo e no voto direto e universal), e mostra que o governo dos trabalhadores precisa destruir o Estado burguês e erguer um estado controlado democraticamente pelos produtores associados, destinado a desaparecer historicamente junto com a divisão da sociedade em classes sociais. Marx presta homenagem a Comuna de Paris publicando A guerra civil em França, e propõe ao Congresso da Internacional de 1872, realizado na Holanda, a transferência da sede da organização para os Estados Unidos, em razão da repressão generalizada que se segue ao massacre da Comuna; porém, a Primeira Internacional deixa de funcionar em 1876.

A partir da década de 1870, declina a capacidade de trabalho de Marx, em face do agravamento do seu estado de saúde, mas, preocupado com o programa adotado pelos socialistas alemães, em 1875 escreve a Crítica ao Programa de Gotha:

Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista media o período da transformação revolucionária da primeira na segunda. A este período, corresponde também um período político de transição, cujo Estado não pode ser outro que a ditadura revolucionária do proletariado.

Em 1882, no prefácio da edição russa do Manifesto Comunista, Marx realiza uma previsão ao mesmo tempo heterodoxa (para os padrões do socialismo até então) e genial: que uma revolução na Rússia pode constituir-se no sinal para a revolução proletária no Ocidente, de modo que uma complemente a outra. Em 1883, após a morte de sua esposa e de sua filha mais velha, Marx falece e é enterrado no cemitério de Highgate.

Dois séculos depois do desaparecimento do “pensador socialista que maior influência exerceu sobre o pensamento filosófico e social e sobre a própria história da humanidade”, conforme ressalta verbete do Dicionário do Pensamento Marxista; após a social-democracia e o stalinismo terem sido remetidos para a “lata do lixo da história”; e em plena crise sistêmica do capitalismo globalizado, que já ameaça a continuidade da vida humana no planeta; podemos seguramente concordar com o marxista norte-americano Marshall Berman: “Marx está vivo. E vai bem de saúde”.



(*) Historiador e membro do comitê organizador do FSM Grande Porto Alegre.