quinta-feira, 31 de março de 2011

O golpe de 64 e o direito à verdade - Emiliano José - cartamaior -

Um padre amigo me citou certa vez um trecho do Evangelho de São João: “queiram a verdade, porque a verdade vos tornará livres”. Ou então o que dizia o notável Gramsci: aos revolucionários só interessa a verdade, nada mais do que a verdade. Simples assim. A verdade sobre o regime militar, mais cedo ou mais tarde, deverá ser exposta porque liberta. Vejo como uma purificação da alma brasileira. Uma catarse necessária, fundamental. Temos de olhar para os monstros que torturaram e mataram sem piedade, reconhecê-los. Ao menos isso. O artigo é de Emiliano José.
Emiliano José (*)

O 47º aniversário do golpe militar de 31 de março de 1964 é uma boa oportunidade para refletirmos sobre uma grande mancha, uma nódoa moral que mancha a alma brasileira. O golpe militar violentou o Estado de direito, derrubou um presidente constitucional, desrespeitou as liberdades individuais e coletivas e, sobretudo, submeteu o país aos interesses do grande capital nacional e internacional, capital que se acumpliciou inteiramente com o golpe. Os responsáveis pelo golpe militar cometeram um crime de lesa-pátria. E com o Ato Institucional Nº 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, os militares radicalizaram a ditadura, institucionalizando o terror de Estado, acabando com quaisquer vestígios de legalidade, e atentando, a partir daí de modo cotidiano, contra os direitos humanos.

Alguns historiadores concluíram, numa explicação rasa, simplista, que a anarquia militar deu origem à ditadura e ao terrorismo de Estado. Penso que não. A ditadura militar e o terrorismo de Estado foram resultado de um planejamento na Escola Superior de Guerra (ESG) que reproduziu pensamentos de guerra de escolas norte-americanas, que não admitiam um governo democrático reformista, progressista, porque era essa a natureza do governo Goulart. Todos os generais-presidentes eram foras-da-lei. Cúmplices na derrubada de um governo constitucional, e também na criação de um ordenamento jurídico autoritário e espúrio.

Esses generais-presidentes, por mais de 20 anos, comandaram o martírio imposto aos jovens estudantes, aos operários, a todos os que se opuseram ao regime militar das mais variadas maneiras e adotando as mais diversas formas de luta. Os generais-presidentes são criminosos. Não podemos, a Nação não pode, eximi-los da responsabilidade dos crimes de prisão, tortura, assassinato, desaparecimento de opositores ocorridos dentro das instituições das forças armadas e nas ações chamadas de combate.

Lamentavelmente, temos que dizer que as forças armadas brasileiras, as daquele período histórico, têm as mãos sujas de sangue. Essa gente tem nome e sobrenome. Daí a importância do resgate da verdade. Se ainda estão vivos, torturadores e assassinos precisam ser punidos, e o primeiro passo é o conhecimento da verdade. Não há prescrição para esse tipo de crime. Não pode haver. À luz do direito internacional, do nosso direito e à luz dos direitos humanos.

Esclareço, embora me pareça óbviom, que ao fazer isso ninguém está pretendendo julgar os militares brasileiros de hoje, que se encontram cumprindo suas funções constitucionais. Mais: creio que às Forças Armadas atuais deveria interessar que toda a verdade viesse à tona, que se desse nome aos torturadores publicamente, de modo a separar o joio do trigo, a enterrar de vez aquele período, e a não permitir de modo nenhum que tais Forças Armadas voltassem a se envolver em políticas terroristas, como ocorreu durante a vigência da ditadura militar inaugurada em 1964.

Um padre amigo me citou certa vez um trecho do Evangelho de São João: “queiram a verdade, porque a verdade vos tornará livres”. Ou então o que dizia o notável Gramsci: aos revolucionários só interessa a verdade, nada mais do que a verdade. Simples assim. A verdade sobre o regime militar, mais cedo ou mais tarde, deverá ser exposta porque liberta. Vejo como uma purificação da alma brasileira. Uma catarse necessária, fundamental. Temos de olhar para os monstros que torturaram e mataram sem piedade, reconhecê-los. Ao menos isso.

Direito à verdade. Direito à memória. Temos que reconhecer que lamentavelmente grande parte de nossa juventude de hoje não tem a menor idéia do que aconteceu nos porões da ditadura. É preciso que a sociedade medite sobre o que aconteceu, sobre a covardia que é submeter à tortura prisioneiros de qualquer natureza. É curioso assinalar que nem mesmo a legislação da ditadura, nem mesmo ela, admitia que a tortura fosse admissível. Eles não quiseram passar recibo. Mas, não adianta: a história registra as coisas. Na pele, no corpo, na alma de milhares de brasileiros ficaram gravadas as garras dos assassinos da ditadura. Não é panfletarismo gratuito: é que eram assassinos, e da pior espécie, e além de tudo covardes. A tortura é um ato de covardia, para além de monstruoso.

Do ponto de vista jurídico não há impedimento para o julgamento dessas pessoas, militares e civis. Pelo sistema de direitos humanos sacramentado pela ONU, pela OEA, não há prescrição para crimes deste tipo. Não é objetivo da Comissão da Verdade, sei, até porque impossível, até porque fora de suas atribuições, promover quaisquer espécies de julgamento. Ela quer apenas e tão-somente conhecer, garantir que a sociedade brasileira conheça a verdade. Saiba sua própria história.

Quando o General De Gaulle assumiu o governo provisório, após a libertação da França na Segunda Guerra Mundial, fez uma declaração singular: sua primeira medida seria instituir tribunais regulares para julgar os colaboracionistas, porque a França jamais poderia encarar o futuro com confiança se não liquidasse as contas do passado. Poderíamos acusá-lo de revanchista? Certamente não. Em nosso caso, não liquidamos as contas do passado e isso prolonga a nódoa moral criada pelo terrorismo de Estado.

Não apenas não liquidamos as contas, como o fizeram tantos países latino-americanos, como o Argentina, o Chile, o Uruguai, que viveram ditaduras também. Na Argentina, os carrascos, maiores e menores, amargam prisões, depois de julgamentos regulares, sob um Estado democrático. Jorge Videla está na prisão. Nós, nem ainda conhecemos toda a verdade.

Essa impunidade histórica alimenta um vício secular na política brasileira. O vício de um sentimento de imunidade do poder. No poder, os autoritários, fardados ou não, se julgam inatingíveis, se corrompem, traem os interesses nacionais, entregam as riquezas do país, relativizam atrocidades cometidas, como se os fins justificassem os meios. Creio que estamos mudando. Que no governo Lula, houve prisão de gente de colarinho branco, embora sob protestos de parte de nossa elite. Mas, ainda temos muito que avançar para acabar com quaisquer imunidades ou impunidades. Todos estão ou devem estar submetidos à lei. Ninguém tem o direito de torturar ninguém, e quem o fizer nunca deixará de estar ao alcance da lei.

A mídia anunciou que o Exército Brasileiro retirou da agenda a “comemoração” do 31 de março. Se corresponde aos fatos, ainda há esperança. Só temos a saudar tão sábia decisão. Chega a ser trágico que os novos militares cultuem com ordem unida e desfile público os crimes cometidos pelos generais do passado. Não dá para construir uma verdadeira democracia com esse tipo de tradição. O 31 de março só merece repúdio. Nunca comemoração. Ao fazer isso, creio, se de fato o fizeram, se acabaram com tais celebrações, as Forças Armadas atuais se incorporam definitivamente ao ideário democrático, se adequam aos novos tempos do Estado democrático.

A Comissão da Verdade quer apenas a verdade, o exercío do direito à verdade, à memória. O direito que tem qualquer pai, qualquer mãe de família, qualquer parente de saber o que ocorreu com seus entes queridos, muitos deles desaparecidos, milhares torturados pelos criminosos fardados ou não sob as ordens dos generais-presidentes entre 1964 e 1985.
Porta-vozes dos criminosos do passado tentam carimbar a Comissão da Verdade como revanchismo. Ela não tem esse caráter. Ela segue o caminho de todos os países que enfrentaram regimes genocidas, ditaduras terroristas, como foi o nosso caso. Queremos justiça, apenas justiça. Quer resgate de uma dívida do Estado brasileiro, na letra e no espírito da Constituição Federal. Quer o direito coletivo à verdade, um direito das vítimas da ditadura, um direito dos brasileiros.

Aqui, minha saudação aos bravos militantes brasileiros que tombaram na luta contra a ditadura de 31 de março de 1964. Minha saudação aos que lutaram e sobreviveram. E que não querem se esquecer do que houve. E ao manter na memória aqueles tempos não o fazem por qualquer espírito revanchista. Agem assim primeiro porque quem passa pela tortura, pela prisão, e sobrevive, nunca mais se esquece. E segundo, ao não se esquecerem e ao lembrarem publicamente dos crimes da ditadura, advertem as novas gerações que devem prezar muito as liberdades democráticas, valorizar a democracia, firmar a convicção de que ditadura nunca mais.

(*) Jornalista, escritor, deputado federal (PT/BA), e ex-preso político.

Dilma e Lula comentam morte de José Alencar



O discurso de Canotilho saudando Lula
Enviado por luisnassif, qui, 31/03/2011 - 09:45
Lula da Silva é "um lutador contra a miséria, a fome e a desigualdade" - Joaquim Gomes Canotilho (C/ VíDEO) - Notícias - Sapo Notícias

Lula da Silva é "um lutador contra a miséria, a fome e a desigualdade" - Joaquim Gomes Canotilho (C/ VíDEO)
30 de Março de 2011, 13:33
*** Serviço vídeo disponível em www.lusa.pt ***

Coimbra, 30 mar (Lusa) -- Lula da Silva é "um 'cidadão do mundo', um 'estadista global', um lutador contra a miséria, a fome e a desigualdade", sublinhou Joaquim Gomes Canotilho, hoje, em Coimbra, no doutoramento 'honoris causa' do ex-Presidente do Brasil.

O antigo chefe do Estado brasileiro "afirmou-se como um mensageiro da paz e da justiça", acrescentou o catedrático da Faculdade de Direito, no discurso de elogio do doutorando 'honoris causa', durante a cerimónia, na Sala Grande dos Atos, na Universidade de Coimbra.

a da Silva deu sempre "ressonância mundial à língua portuguesa", sustentou Joaquim Gomes Canotilho, comparando o homenageado ao Padre António Vieira, que "arrancou da injustiça pedras toscas, duras, brutas e informes".

Nessas pedras, Lula da Silva desbastou "o destino que joga com a vida das pessoas, eliminou o grosso do desamparo e esculpiu alguns pedaços de humanismo político".

Enquanto primeiro magistrado da "pátria irmã", os atos de Lula foram marcados pelos "valores cimeiros" da nossa cultura: "a dignidade da pessoa e dos povos, a liberdade, a solidariedade, a igualdade e a justiça", defendeu Canotilho.

A atribuição do grau de 'doutor honoris causa', pela Universidade de Coimbra, sob proposta da Faculdade de Direito, ao ex-presidente do Brasil, é afinal, concluiu o orador, a "expressão simbólica da sua imensa sabedoria".

Uma sabedoria, a de Lula da Silva, regada com "azeite da alma e da luta", salientou Gomes Canotilho, ao pedir, como manda a tradição, a "imposição de insígnias doutorais ao eminente humanista e homem de Estado", que é o antigo Presidente brasileiro.

Embora tivesse sido incumbido, pela sua Faculdade, de fazer o discurso de elogio do apresentante ou padrinho do novo 'doutor honoris causa', Jorge Coutinho de Abreu também se referiu ao homenageado.

"O Presidente Lula da Silva sonhou e ousou realizar sonhos lindos" e convocou, por "gestos e prosa" a poesia para muitos foros, afirmou, parafraseando o poeta brasileiro Carlos Drumond de Andrade.

Lula da Silva não fez a revolução do sistema, mas promoveu "revoluções de mobilização e inclusão social", disse o professor da Faculdade de Direito, sustentando que o ex-Presidente brasileiro possibilitou a "milhões de pessoas alcançar direitos básicos".

Sobre o apresentante do doutorando -- o anterior reitor da Universidade de Coimbra -- o autor do elogio, Jorge Coutinho de Abreu, deteve-se particularmente sobre os "marcantes" oito anos (2003-2011) de reitorado de Fernando Seabra Santos.

Apesar dos "escolhos", designadamente "escassez de recursos financeiros", ideias e práticas de "autarcia exacerbada" e "preconceitos ideológicos", Seabra Santos teve "engenho e arte para conduzir, de "modo admirável, o empreendimento universitário", salientou.

Com estes e outros méritos do padrinho do ex-Presidente do Brasil, Jorge Coutinho de Abreu pediu atribuição do título de 'doutor honoris causa' para Lula da Silva, cumprindo assim a tradição coimbrã, na Sala Grande dos Atos, na manhã de hoje, perante os presidentes do Brasil, de Cabo Verde e de Portugal.

Nosso comentarista em Coimbra
Enviado por luisnassif, qui, 31/03/2011 - 08:31
Por Gabriel

Estive lá na sala dos capelos acompanhando o doutoramento do Lula. Ninguém disse aqui, mas todos os últimos presidentes do Brasil democratimente eleitos (à exceção do Collor, por motivos óbvios) foram agraciados com o mesmo título. Trata-se de um reconhecimento da mais antiga universidade de língua portuguesa (com mais de 800 anos de história), e de certo modo do povo português, ao Brasil e às relações que unem os dois países. Portanto, não venham com essa de que o doutoromento é um modo de Portugal "pedir" dinheiro ao Brasil. Esse comentário maldoso é uma diminuição leviana da história da universidade e do homenagenado.

Lula foi recepcionado como um ídolo pop. As poucas reclamações, como o protesto em relação a Belo Monte, feito de forma legítima por alguns estudantes (que não receberam de ninguém para isso), foi localizado - e esses próprios estudantes depois foram prestigiar o ex-presidente. Todos queriam estar perto de Lula. Havia desde os mais exaltados, portando bandeiras e camisas do Brasil, até os mais contidos, engravatos ou com a tradicional capa preta da academia de Coimbra. Autoridades também estavam lá. Todos queriam se promover? Alguns, talvez, mas certamente boa parte estava lá por pura admiração e respeito. Já vi outros doutoramenteos h.c. em Coimbra. Há menos de um mês foi o do prêmio nobel Amartya Sen. Mas "nunca dantes da história de Coimbra" houve uma cerimônia tão concorrida. Todos os grandes doutores de Coimbra estavam lá, incluindo Gomes Canotilho, Castanheira Neves e Boaventura de Souza Santos. Precisariam eles de promoção? Duvido. São acadêmicos consagrados em todo o mundo. Apenas admiravam um político que se tornou um ídolo pop.

A impressão que se tem, aliás, é que se Lula se candidatasse em Portugal ganharia a eleição. Os portugueses nutrem uma admiração sincera por ele. Lula foi aplaudido e reverenciado pelos portugueses, enquanto Sócrates foi vaiado.

Por fim, sugiro que o Nassif procure garimpar o belíssimo e erudito discurso promovido pelo Canotilho, talvez o maior jurista em lingua portuguesa vivo. Discurso esse que, entre outras belíssimas passagens, tratou da indicação de Lula ao prêmio nobel da paz no ano que vem.
Lula: doutor 'honoris causa'
Enviado por luisnassif, qui, 31/03/2011 - 00:19
Por Thiago Barros
Caro Nassif e amigos do blog,

Sou estudante do mestrado em Economia e Finanças da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e hoje presenciei a titulação 'honoris causa' do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, um dos maiores estadistas do Brasil.

O discurso de Lula foi bem afinado, retratou a evolução dos 8 anos que esteve a frente do Brasil, destacando a assaz relevante revolução social e os maciços investimentos em educação. Em traço geral, o ex-presidente asseverou que a missão de Dilma é investir 7% do PIB em educação e dar continuidade ao processo de mudança social no Brasil, não se esquecendo da pujança econômica tupiniquim e do fortalecimento do mercado interno em seu mandato. Ademais, Lula ressaltou que o povo brasileiro recuperou a auto-estima e voltou a acreditar em seu potencial, os diversos estudantes brasileiros que presenciavam a cerimônia aplaudiam o grande homenageado, quebrando qualquer protocolo acadêmico da tradicional instituição e o silêncio profundo que reina na sala dos Capelos.

As frases ditas pelo sábio ex-presidente, com sólida formação na universidade da vida (assim designado pelo renomado constitucionalista Dr. JJ Canotilho e o excelentíssimo reitor da Universidade de Coimbra) despertaram nos brasileiros ainda mais esperança nessa nação e demonstraram aos europeus nossa grandeza. Assim, citando autores, dados e feitos, Lula dedicou o título a José de Alencar, que esteve sempre ao seu lado nos tempos de governo, e apregoou que o ex vice-presidente era uma pessoa muito boa e de alma grandiosa.

Destarte, pode-se dizer que Lula representou bem o Brasil em terras lusitanas, juntamente com a atual presidenta Dilma Rousseff, que também impressionou pela legítima simplicidade e atenção com os presentes...

AVANTE BRASIL! Nosso povo merece...

NOTA RÁPIDA: Como já salientava Tom Jobim, "o Brasil não é para principiantes" e não é mesmo! Esse país é um imenso almanaque que vai de Pixinguinha, Celso Furtado e Rui Barbosa à Guimarães Rosa, Paulo Freire e Aleijadinho... Um dia hei de ensinar Tupi Guarani para esse povo europeu, alá Policarpo Quaresma e seu nacionalismo ufânico!

blog do miro - Nilmário Miranda - Golpe de 1964: Quem tem medo da verdade?

Reproduzo artigo de , publicado no sítio da Carta Maior:

Eu não tinha 17 anos quando veio o golpe, destruindo meus sonhos das grandes reformas de base. Morava na então pequena Teófilo Otoni (MG). Os ferroviários da lendária Estação de Ferro Bahia-Minas cruzaram os braços. Foi o único e solitário protesto (no ano seguinte a EFBM foi extinta).

Em poucos dias nada menos que 74 pessoas foram presas pelos “revolucionários” e levados ao QG dos golpistas em Governador Valadares. Ferrovias, comerciários, bancários, estudantes, militantes da Igreja, do Partidão, do PTB, pequenos comerciantes – dentre eles meu pai, uma pessoa pacata, educada, incapaz de fazer mal a ninguém, uma alma gentil.

Chocou-me também a prisão de Dr. Petrônio Mendes de Souza, ex-prefeito, médico dos pobres, figura hierática. Lá pelos dias encontrei-me com o filho do ferroviário Nestor Medina, carismático, inteligente, autodidata, homem de grande dignidade. Desde aquela noite fiz juras de por todos os dias enquanto durasse, combateria a ditadura, o que realmente aconteceu.

No ano seguinte mudei para Belo Horizonte para estudar e participar da resistência. 1968 foi o ano do crescimento da oposição à ditadura. A Marcha dos Cem Mil no Rio; as duas greves (Contagem e Osasco) desafiando a rigorosa legislação anti operária; a fermentação no meio cultural; a Frente Ampla que uniu o impensável (a UDN de Carlos Lacerda, o PSD de JK, o PTB de Jango); as primeiras ações da resistência armada. A recusa da Câmara de conceder a licença para processar Márcio Moreira Alves foi um pretexto para a edição do AI-5 em 13 de dezembro, instituindo o Terror de Estado.

Eu respondia a processo pelo LSN depois da prisão por 32 dias após a greve de Contagem; vi-me em um dilema: sair do país, para o exílio; ou cair na clandestinidade. Estudava Ciências Econômicas na UFMG. Optei pela resistência na clandestinidade, aos 21 anos. Todas as portas foram fechadas; os espaços para a oposição foram extintos.

Desde as prisões em Ibiúna de mais de 700 estudantes de todo o país, as odiosas listas negras para os trabalhadores rebeldes, a “aposentadoria” forçada de três ministros do STF como recado para amordaçar a Justiça, a censura prévia na imprensa, o fim do habeas corpus. A polícia política tinha dez dias de prazo para apresentar o detido ao juiz militar, e a criação de centros de detenção e tortura na prática era a institucionalização da tortura.

Passar à resistência clandestina era a opção de colocar a própria integridade física em risco. Mas essa foi a opção de milhares de brasileiros. Nada menos que 479 pessoas foram eliminadas, 163 das quais se tornaram desaparecidos políticos.

Denominar a ditadura de “ditabranda” é piada de péssimo gosto. Pior ainda é a insistência de alguns comandos militares de comemorar o 31 de março como uma “revolução democrática”, em desafio à cúpula militar que retirou esta data do calendário de efemérides.

Aprovar e instalar a Comissão Nacional da Verdade, confiando à sete pessoas idôneas, probas e éticas a tarefa de passar os 21 anos da ditadura à limpo dá uma interpretação fiel ao que se passou no país para constar dos livros e currículos escolares, inclusive das academias militares. É mais uma grande e importante etapa na construção de nossa democracia, incorporando o direito à verdade.

(*) Nilmário Miranda é jornalista, Presidente da Fundação Perseu Abramo, ex-Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) [e membro do conselho consultivo do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé].

economia - china - Em visita, Dilma levará à China moda, tecnologia e alimentos

Pão de queijo e vinho nacional serão servidos em jantar no país

FLÁVIA FOREQUE
DE BRASÍLIA

De olho na manutenção do saldo comercial positivo com a China, o governo estabeleceu cinco áreas consideradas estratégicas para selecionar a comitiva de cerca de 300 empresários que acompanhará a presidente Dilma Rousseff na sua primeira viagem ao país, em abril.
Além de setores estratégicos, como energia e infraestrutura, foram incluídos moda, indústria alimentícia e tecnologia.
A indústria alimentícia aproveitará o almoço que será servido para cerca de 800 empresários no país para divulgar seus produtos. Vinho, carne e pão de queijo nacionais estão previstos no menu do encontro.
"Vamos montar uma mostra, porque não adianta falar que temos capacidade de exportação e não mostrar", afirmou o embaixador Norton Rapesta, diretor do departamento de promoção comercial do Itamaraty.
Um dos principais objetivos da viagem é combinar o aumento das vendas brasileiras para a China com uma maior variedade de produtos, sobretudo os que têm mais inovação tecnológica.
Hoje, a pauta de exportação do Brasil para a China está tomada por produtos básicos, como minério de ferro, soja e petróleo.
"O desafio dos nossos empresários será identificar quais são os produtos de mais alto valor agregado que podemos exportar para a China", afirmou a embaixadora Maria Edileuza Reis, uma das responsáveis pela organização da viagem. "Não é um mercado muito fácil, mas há possibilidades."
Nos últimos anos, o Brasil conseguir reverter sua relação comercial com os chineses. Além de torná-los o maior parceiro comercial, passou a vender mais do que comprar da China.
No passado, as importações somaram US$ 25,6 bilhões, um crescimento de mais de 60%. As exportações do Brasil alcançaram US$ 30,8 bilhões, alta de 46,6%. O Brasil luta para manter essa relação equilibrada, evitando a volta de saldos comerciais negativos.
Outro ponto de interesse do Brasil é ampliar os investimentos chineses em novos setores. De acordo com levantamento do Conselho Empresarial Brasil-China, cerca de 90% dos US$ 29 bilhões em investimentos anunciados pela China no Brasil, no ano passado, foram nos setores de energia, mineração e siderurgia.
Desses total, US$ 8,6 bilhões ainda estão em negociação. A maior parte dos recursos que ingressou efetivamente no país veio por meio de fusões ou compras parciais de empresas.

quarta-feira, 30 de março de 2011

fsp - De luto, Lula recebe título sem improvisos

Ex-presidente homenageia Alencar ao ser condecorado por universidade portuguesa

VAGUINALDO MARINHEIRO
ENVIADO ESPECIAL A COIMBRA

Nada de brincadeiras com a plateia, de improvisos, de quebras de protocolo.
Ao receber ontem seu primeiro título de doutor honoris causa numa universidade europeia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiu à risca rituais do século 18 numa cerimônia na qual tudo é predeterminado, da cor das roupas à proibição de bater palmas.
Lula foi o sexto ex-presidente do Brasil a receber o título, dado antes a Juscelino Kubitschek, Café Filho, Tancredo Neves, José Sarney e Fernando Henrique Cardoso.
A titulação, na Universidade de Coimbra, começou às 10h30, na Biblioteca Joanina.
De lá saiu um cortejo com doutores das várias faculdades, identificadas pelas cores dos capelos (capa que vai sobre os ombros).A da faculdade de direito, que concedeu o título a Lula, é vermelho.
Na Sala dos Capelos, construída no século 13, Lula foi o primeiro a falar. Leu seu discurso em dez minutos, sem acrescentar nada.
Nele, elogios à presidente Dilma Rousseff, que o acompanha na solenidade, ao vice José Alencar e a si próprio.
Disse que em seu governo o Brasil deixou para trás "um passado de frustração". "Nos últimos oito anos, [o povo brasileiro] realizou, de modo pacífico e democrático, uma verdadeira revolução econômica e social."
Falou, então, da importância do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), "coordenado com talento pela querida companheira Dilma Rousseff".
Por fim, citou Alencar, que morreu na terça-feira: "Nada disso teria sido possível sem a colaboração generosa e leal daquele que foi o meu parceiro de todas as horas, um dos homens mais íntegros que já conheci".
Na sequência, dois professores da faculdade de direito também discursaram.Lembraram da educação não-formal de Lula (ele não tem nenhum diploma universitário) para elogiá-lo.
Foram mais de duas horas de cerimônia. Num dia normal, Lula trocaria de roupa e iria comemorar com os brasileiros e alguns portugueses que lá fora gritam seu nome.
Mas o luto por José Alencar desaconselhava, e ele entrou no carro e foi embora com Dilma com destino ao Brasil

Telefonia x Radiodifusão: A guerra anunciada - OVenício Lima - Observatório da Imprensa

Será que teremos aqui uma versão explícita da briga entre teles e radiodifusores como está ocorrendo no México? O que está acontecendo ao norte do Equador pode perfeitamente vir a acontecer também ao sul, vale dizer, aqui mesmo entre nós.
Artigo publicado originalmente no
Salvo por uma matéria traduzida da The Economist, publicada na Carta Capital nº 639, a grande mídia brasileira optou por não noticiar a briga de gigantes deflagrada no México, nos últimos dias.

E por que interessaria ao público brasileiro o que ocorre no México? Quando nada, um dos gigantes envolvidos é sócio (alguns dizem, majoritário) da maior operadora de televisão paga do Brasil: a NET, ligada às Organizações Globo. Ademais, o que está acontecendo ao norte do Equador pode perfeitamente vir a acontecer também ao sul, vale dizer, aqui mesmo entre nós.

Monopólio vs. monopólio
As operações de telefonia e televisão no México são praticamente monopolizadas por dois grandes grupos.

Cerca de 80% das linhas de telefonia fixa estão conectadas à Telmex – a mesma empresa que é sócia da NET – e 70% do mercado de telefonia móvel (celular) são controlados pela Telcel, outra empresa do mesmo grupo – ambas de Carlos Slim, o homem mais rico do planeta.

Por outro lado, o grupo Televisa, do empresário Emilio Azcárraga, controla cerca de 70% da audiência da televisão aberta. O que sobra, em boa parte, está sob controle da TV Azteca, comandada por Ricardo Salinas, outro magnata mexicano.

Os grupos conviviam em relativa harmonia, cada um com seu respectivo "mercado". Agora, diante da convergência tecnológica, resolveram se enfrentar abertamente.

Um grupo de 25 empresas de telecomunicações, incluídas a Cablevisión (propriedade do Grupo Televisa) e Iusacell (do Grupo Salinas, da TV Azteca), entrou com uma ação na Comissão Federal de Competição (Cofeco, equivalente ao nosso Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, do Ministério da Justiça) contra o alto custo das tarifas de interconexão cobradas pela Telcel. Ao mesmo tempo, a Telmex apresentou quatro denúncias contra a Televisa, a Televisión Azteca, a Cablesivion, a Megacable, a Cablemas, a Television Internacional e a Yoo por "práticas de monopólio e correlatos".

As ações legais vieram acompanhadas de anúncios de página inteira nos jornais parceiros da Televisa denunciando o "monopólio caro e ruim" da indústria de telecomunicações, enquanto Carlos Slim retirava os anúncios de suas empresas – cerca de 70 milhões de dólares anuais – dos canais da Televisa. Em represália e solidariedade à Televisa, a TV Azteca passou a recusar os anúncios do Grupo Telmex.

Disputa de mercado
O que está em jogo, por óbvio, é o controle do mercado convergente de telefonia e televisão. Como explica didaticamente a matéria da The Economist:

"A tecnologia transformou os negócios de telefonia e televisão em um único mercado: a televisão hoje inclui telefone e internet em seu serviço de TV a cabo, e quer adicionar telefones celulares. Salinas, que também controla uma empresa de celulares, a Iusacell, lançou um pacote semelhante em 2010. Slim deseja usar seus cabos de telefonia para distribuir TV paga (setor em que se tornou o maior ator no resto da América Latina), mas o governo não quer permitir.

"Agora os bilionários pedem o tipo de reforma da concorrência de que suas respectivas indústrias precisavam há muito tempo. Os magnatas da TV querem que Slim reduza o valor cobrado quando, um telefone rival liga para um celular Telcel (a agência reguladora das teles do México lhe disse para reduzir algumas taxas). A atual tarifa de interconexão é 43,5% acima da média da maioria dos países ricos da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Isso torna impossível que outras operadoras ofereçam tarifas competitivas. A Comissão Federal de Concorrência (CFC) do México diz que os consumidores se beneficiariam de 6 bilhões de dólares por ano se as taxas de conexão se equiparassem à média da OCDE. A CFC recomenda deixar Slim concorrer na televisão quando tiver relaxado seu poder no setor de telefonia. Se a Telmex entrasse no mercado de tevê paga, o aumento da concorrência colocaria os preços ao alcance de mais 3,8 milhões de residências, admite a CFC."

E no Brasil?
A situação brasileira é diferente da mexicana, mas a briga entre teles e radiodifusores tradicionais ocorre também aqui. O locus dessa disputa, desde 2007, tem sido o projeto de lei que tramita no Congresso Nacional e "abre o setor de TV por assinatura para as teles, cria a separação de mercado entre produtores de conteúdo e empresas de distribuição e ainda cria cotas de programação nacional nos pacotes de canais pagos", além de revogar a Lei do Cabo de 1995.

Na sua versão atual o projeto – PLC 116 do Senado Federal – é o resultado da articulação inicial de três propostas representando grupos e interesses distintos: o PL 29/2007 representa as empresas de telefonia; o PL 70/2007 representa os radiodifusores; e o PL 323/2007 situa-se em posição intermediária entre os interesses dos dois setores. Aprovado em junho de 2010 na Câmara dos Deputados, até hoje tramita no Senado Federal.

Será que teremos aqui uma versão explícita da briga entre teles e radiodifusores como ocorre no México?

A ver.

terça-feira, 29 de março de 2011

O Google derrota o jornalismo. De goleada - viomundo

por Luiz Carlos Azenha

No início de 2012 eu completo 40 anos de jornalismo. Prefiro dizer que serão 40 anos de vida de repórter. Entenda, caro leitor que não tem intimidade com uma redação, que os repórteres formam uma tribo à parte.

Ninguém gosta de repórter. O chefe não gosta de repórter porque, na rua, frequentemente o repórter derrota a “tese” do chefe. Explico melhor. O chefe leu em algum lugar, ouviu falar ou acredita piamente numa teoria. Encomenda uma reportagem. Mas o repórter vai lá e descobre que não é bem assim. O conflito resultante produz uma reportagem-frankenstein, quando não uma demissão.

O mesmo podemos dizer do pauteiro, que não tem tanto poder quanto o chefe, mas tem muito mais teorias que ele.

E assim é com o chefe de redação, o chefe de reportagem, os editores em geral e os editores-chefe em particular. Também acontece com os apresentadores que nunca foram repórteres, às vezes nem mesmo jornalistas.

E olhem que estou falando apenas dos colegas de trabalho. Mas o apego à verdade factual também nos custa caro com as fontes, com as autoridades em geral, com os relações públicas e os aspones encarregados de plantar notícias.

Ou seja, caro leitor, a lista de inimigos em potencial de um repórter é ampla.

Razão pela qual os repórteres se dão muito bem com… outros repórteres.

Outro dia um ótimo repórter, o Tony Chastinet, dizia que o Google estava derrotando, aos poucos, o jornalismo.

“Azenha”, disse o Tony, “o pessoal agora acha que faz reportagem pelo Google”.

Ele não falou exatamente assim (um repórter só usa aspas para declarações textuais), mas foi esse o sentido.

O Tony hoje é produtor de TV, ou seja, costuma entregar tudo mastigadinho para aquele que aparece na TV.

Quando ele disse aquilo eu me lembrei do Tim Lopes, que foi meu colega de redação na TV Globo do Rio. Fizemos várias reportagens juntos. O Tim era repórter investigativo e, portanto, dispensava o Google. O Tim descolava pautas conversando com as pessoas. Conversando com as pessoas! Na padaria, no ônibus, no trem de subúrbio, na praia. O Tim era um repórter que conversava com as pessoas! Era muito engraçado vê-lo dividindo redação com jovens que chegavam à Globo trazidos por motoristas particulares…

O Tim costumava brincar: “Se falar em Madureira por aqui tem gente que acha que é uma árvore”. Não, ele nunca disse isso textualmente. Mas brincava com a ideia de jovens jornalistas cariocas que nunca tinha saído da zona Sul.

Não estou entre os saudosistas, que acreditam que tudo era melhor no meu tempo. Os meninos e meninas de hoje chegam às redações muito bem informados, falam dois ou três idiomas, às vezes se especializam desde cedo numa área específica.

A diferença é que antes os remediados eram a imensa maioria nas redações. Ainda que inconscientemente, havia uma boa dose de inconformismo, de rebeldia, de identidade de classe. Hoje nossa profissão é de classe média.

“O Google é o pai do conformismo jornalístico”, diz o Tony Chastinet. “Eles caminham juntos”. Eu continuo inventando aspas, mas foi mais ou menos o que ele quis dizer.

Acho que entendi o sentido: o repórter do passado apoiava sua apuração quase que exclusivamente nas pessoas que encontrava nas ruas, nos ônibus, nas padarias. Hoje ele reproduz de forma bovina as notas oficiais e os press releases e, a título de dar espaço ao “outro lado”, reproduz informações que sabe ser mentirosas.

Ah, sim, e consulta “especialistas” nas ocasiões mais absurdas.

Quando eu era correspondente em Nova York, fiz uma reportagem sobre uma tremenda demonstração de solidariedade humana. Quando estava quase tudo pronto, veio a sugestão: ouça um psicólogo para explicar a solidariedade humana.

Percebi, então, que havia algo de errado com o jornalismo.

1964: data incômoda para a direita - emir sader - cartamaior

A cada ano, quando nos aproximamos da data do golpe de 1964, uma sensação incômoda se apossa da direita – dos partidos, políticos e dos seus meios de comunicação. O que fazer? Que atitude tomar? Fingir que não acontece nada, abordar de maneira “objetiva”, como se eles não tivessem estado comprometidos com a brutal ruptura da democracia no momento mais negativo da história brasileira ou abordar como se tivessem sido vítimas do regime que ajudaram a criar?

Difícil e incômoda a situação, porque a imprensa participou ativamente, como militância politica, da preparação do golpe, ajudando a criar um falso clima tanto de que o Brasil estivesse sob risco iminente de uma ruptura da democracia por parte da esquerda, como do falso isolamento do governo Jango. Pregaram o golpe, mobilizaram para as Marchas da Família, com Deus, pela Liberdade, convocadas pela Igreja, tentaram passar a ideia de que se tratava de um movimento democrático contra riscos de ditadura e promoveram a maior ruptura da democracia que o Brasil conheceu e a chegada ao poder da pior ditadura que conhecemos.

Na guerra fria, a imprensa brasileira esteve plenamente alinhada com a politica norteamericana da luta contra a “subversão” contra o “comunismo”, isto é, com o radicalismo de direita, com as posições obscurantistas e contrárias à democracia, estabelecida com grande esforço no Brasil. Estiveram em todas as tentativas de golpe contra Getúlio e contra JK. Em suma, a posição golpista da imprensa brasileira em 1964 não foi um erro ocasional, um acidente de percurso, mas a decorrência natural do alinhamento na guerra fria com as forças pró-EUA e que se opuseram com todo empenho ao processo de democratização que o Brasil viveu na década de 1950.

Deve prevalecer um misto de atitude envergonhada de não dar muito destaque ao tema, com matérias que pretendam renovar a ideia equivocada de que a imprensa foi vitima da ditadura – quando foi algoz, aliado, fator no desencadeamento do golpe e da ditadura. (O livro de Beatriz Kushnir, Cães de guarda, da Boitempo, continua a ser leitura indispensável para uma visão real do papel da mídia no golpe e na ditadura.) Promoveu o golpe, saudou a instalação da ditadura e a ruptura da democracia, tratou de acobertar isso como se tivesse sido um movimento democrático, encobriu a repressão fazendo circular as versões falsas da ditadura, elogiou os ditadores, escondeu a resistência democrática, classificou as ações desta resistência como terroristas – em suma, foi instrumento do regime de terror contra a democracia.

Por isso a data é incômoda para a direita, mas especialmente para a imprensa, que quer passar por arauto da democracia, por ombudsman das liberdades politicas. Quem são os Mesquitas, os Frias, os Marinhos, os Civitas, para falar em nome da democracia?

Por isso escondem, envergonhados, seu passado, buscam a falta de memória do povo, para que não saibam seu papel a favor da ditadura e contra a democracia, no momento mais importante da história brasileira. Por isso tem que ressoar sempre nos ouvidos de todos a pergunta: Onde você estava no golpe de 1964?

No Uruguai, Lula defende realizações da esquerda

No dia 26 de março de 1971, dezenas de milhares de uruguaios realizaram um ato político tão massivo, tão grande e tão bem organizado que todo o país ficou comovido. Aquele ato marcou o surgimento da Frente Ampla. No 40° aniversário da manifestação, Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos destaques do ato. Lula se posicionou como um homem de esquerda que mudou radicalmente a realidade do maior país da América do Sul, que fez seu povo acreditar que podia desenvolver o país e mudar todos os seus indicadores sociais. O compromisso da esquerda, acrescentou, é com o fim da pobreza e com uma nova etapa de consolidação de justiça e de direitos. O artigo é de Milton A. Ramírez.
Milton A. Ramírez - Uypress

Na noite de 26 de março realizou-se em Montevidéu o 40° aniversário de comemoração do ato político que mudou a história do Uruguai. Para a esquerda uruguaia é uma data muito importante. No dia 26 de março de 1971, dezenas de milhares de uruguaios realizaram um ato político tão massivo, tão grande e tão bem organizado que todo o país ficou comovido. Aquele ato original representou o primeiro marco de uma nova realidade política que demonstrava que havia uma parcela da cidadania que queria mudanças no rumo do país e que batizava uma nova organização, surgida no mês anterior e chamada Frente Ampla, com a presença massiva da cidadania na rua.

Os partidos tradicionais do Uruguai, Branco e Colorado, compreenderam rapidamente que este novo partido em forma de frente política estava surgindo para disputar uma porção importante do poder. Até ali puderam ver. A história continuaria.

O ato de 26 de março de 1971 evidenciou o mais importante, no que se refere aos destinos da República. Havia um modelo de governar, uma forma de fazer política que estava esgotada. Os ancestrais partidos Colorado e Nacional estavam sem um norte para seguir. Não tinham um projeto nacional. Seu ciclo estava começando a declinar enquanto este novo partido formulava sua visão da sociedade no longo prazo, propunha medidas no médio prazo, formulava de forma estruturada um programa de governo e, além disso, havia lançado um conjunto de 30 medidas urgentes de curto prazo para solucionar os problemas mais importantes do país.

O resto da história já é um pouco mais conhecida. A Frente Ampla chegou ao governo em 2004 com o apoio de mais da metade da cidadania do país. Passou daqueles 7 deputados e 4 senadores para uma maioria absoluta das duas câmaras, até o dia de hoje. O país cresceu e cresce a taxas muito altas que foram entre 4% até os 8,5% de 2010, e todos os indicadores sociais melhoraram quantitativamente e qualitativamente. Não é preciso abusar das cifras neste tipo de nota.

A esquerda
Logo depois do processo exitoso vigente, a esquerda também começou a repensar seu destino. A esquerda precisava de uma sacudida de ideias que a permitisse posicionar-se em direção ao futuro e seus compromissos na elaboração de uma sociedade melhor. Mas agora a esquerda podia e pode elaborar suas ideias e seus projetos com uma mudança substancial, um profundo conhecimento da realidade. A época das consignas passou a uma época de outra riqueza. Agora a esquerda elabora suas ideias e seus programas, seus planos, suas políticas e suas medidas executivas baseadas na mais clara e concreta das realidades. Das realidades reais, digamos.

Esquerda radical
E Lula veio e falou disso. O homem duas vezes presidente do Brasil, torneiro mecânico de origem, não esqueçamos deste dado, falou à esquerda uruguaia. Falou desde a emoção das palavras e sentimentos, mas se posicionou como um homem de esquerda que mudou radicalmente a realidade do maior país da América do Sul, que fez seu povo acreditar que podia desenvolver o país, que podia desenvolver sua indústria, que podia mudar todos os indicadores sociais, que era possível ingressar em uma nova cultura de desenvolvimento e de construção de uma nova autoestima no marco da integração em pé de igualdade com os demais países da região.

Reconheceu todas as dificuldades, mas marcou a realidade dos números sociais e produtivos. Números que implicam que, em cada um deles, há seres humanos de carne e osso. Números que implicam que o norte da preocupação e das responsabilidades da esquerda é o fim da pobreza, o fim dos miseráveis e o começo da nova etapa de consolidação de justiça e de direitos.

E Lula parou diante dos EUA. Deu as costas à lisonja de Obama, e deu as mãos às economias latino-americanas com as quais hoje tem um sustentável e equilibrado comércio exterior, tema que destacou em seu discurso em Montevidéu. Lula falou do desenvolvimento, mas de um desenvolvimento em integração. Falou do imperialismo, mas disse que o Brasil não ia construir um novo imperialismo e que essas ideias que algum momento já estiveram na cabeça de alguns, hoje, deram lugar à via da verdadeira integração multilateral, da integração da América Latina.
Lula disse: somos companheiros, somos parceiros, somos uma nova realidade que chegou para mudar a realidade sem olhar nunca mais os paradigmas dos países desenvolvidos. Países que hoje estão vendo que eles, os desenvolvidos, podem rapidamente “latinoamericanizar-se”, ao velho estilo do empobrecimento e endividamento infinito de seus países.

Uruguai
No final do ato, a Frente Ampla exibiu um vídeo de cerca de 10 minutos. Essa peça traz a mais exata síntese do que a esquerda está fazendo e concretizando. Sempre se pode aparentar muito mais, com palavras radicalmente estrondosas. Mas as mudanças radicalmente revolucionárias são as que esse vídeo mostrou com simplicidade e precisão. (UyPress – Agência Uruguaia de Noticias)

A homenagem a Lula em Lisboa - blog luisnassif

ter, 29/03/2011 - 06:51
Por Webster Franklin





Brasil: Presidente e ex-chefe de Estado no nosso País

Lula homenageado em Lisboa e Coimbra



Na cerimónia de doutoramento honoris causa, o ex-presidente brasileiro receberá um anel de ouro, símbolo do seu compromisso com a Universidade de Coimbra

Lula homenageado em Lisboa e Coimbra


O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva vai receber hoje na Assembleia da República, em Lisboa, o Prémio Norte-Sul, atribuído pelo Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. A homenagem, que Lula receberá ao lado de Louise Arbour, presidente do International Crisis Group, a outra galardoada, antecederá outra importante distinção, a de doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra.

Por: Domingos G. Serrinha, Correspondente Brasil

O Prémio Norte-Sul distingue anualmente personalidades que, pela sua acção e exemplo, contribuem para a promoção da solidariedade e interdependência mundiais. Lula foi escolhido este ano, segundo o Centro Norte-Sul, pelo dinamismo que imprimiu às relações Sul-Sul e por ter conduzido uma política externa apostada em promover à escala mundial a luta contra a pobreza, o desenvolvimento económico e a igualdade social.

Amanhã, Lula receberá em Coimbra o doutoramento honoris causa pela Faculdade de Direito, uma honra que, há anos, seria inimaginável para um operário pobre e pouco instruído. Um dos símbolos dessa ligação definitiva que Lula passará a ter com uma das mais antigas universidades europeias é um anel de ouro português. Criado pelo joalheiro António Cruz, o anel, maior do que o usual para estes casos, tem 13 gramas de ouro e um rubi cor de sangue de pombo, remetendo para as insígnias vermelhas do Direito.

A seu lado, amanhã, Lula terá outra mulher que faz história no mundo, a actual presidente do Brasil. Dilma Rousseff efectua uma visita de três dias a Portugal, a convite do homólogo Cavaco Silva. A presidente visita hoje, a título particular, a Universidade Coimbra, estando também presente amanhã na cerimónia de doutoramento do seu antecessor. De regresso a Lisboa, Dilma encontra-se com o presidente da República e com o primeiro-ministro José Sócrates

bolsa-família - ”O fim da pobreza é uma espécie de Santo Graal: inatingível”

Daniel Bramatti – O Estado de S.Paulo
ENTREVISTA – Marcelo Neri, ECONOMISTA DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV)

Para o economista Marcelo Neri, especialista em políticas públicas de combate à pobreza, a meta de erradicação da miséria é inatingível, mas buscá-la é algo positivo. Segundo ele, a presidente Dilma Rousseff teria sido mais realista se apresentasse como objetivo a redução da miséria pela metade até o fim de seu governo.

A declaração da presidente Dilma de que a erradicação da miséria talvez não se concretiza até 2014 é um sinal de que a meta é ambiciosa demais?

A meta é ambiciosa, sim. Teoricamente, basta existir ainda uma pessoa miserável para perder essa guerra. Seria mais realista se comprometer a reduzir a miséria à metade. Mas também é difícil ser contra a meta da erradicação. Não é possível erradicar a pobreza, mas é viável reduzir muito o peso desse problema. O fim da pobreza é uma espécie de Santo Graal: é inatingível, mas a busca por ele enobrece o espírito da sociedade brasileira.

No final de 2010 o senhor estimou que, se fosse mantido o ritmo de redução da pobreza dos anos anteriores, ainda haveria mais de 10 milhões de miseráveis em 2014. O quanto é preciso acelerar esse ritmo?

Nos oito anos do governo Lula a pobreza caiu 50,6%. Desde o lançamento do Plano Real, a queda foi de 67%. Sem nenhum esforço adicional, levando-se em conta apenas os resultados anteriores, seria possível reduzir a taxa de pobreza de 15,3% para 8,6% até 2014. Ainda teríamos 16,1 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza (com renda per capita inferior a R$ 142, segundo os critérios da Fundação Getúlio Vargas). Mas esforços adicionais já têm sido feitos, como o reajuste do Bolsa Família.

Houve reajuste do Bolsa Família, mas o salário mínimo não teve ganho real. O que tem mais impacto?

Seguramente o mais importante, como estratégia para combater a miséria, é aumentar o Bolsa Família. O programa atende mais a faixa etária de zero a 15 anos, onde a taxa de pobreza chega a 27,5%, O aumento do salário mínimo beneficia principalmente os mais idosos, faixa em que a pobreza é de 4,4%.

Qual o custo para levar a pobreza a taxas mínimas?

Existe um cálculo que estima esse custo em cerca de R$ 22 bilhões por ano, mas, se levarmos em conta as rendas não monetárias dos pobres – o que recebem em doações, o que cultivam em lavouras de subsistência e outros itens não medidos em pesquisas oficiais -, esse custo pode cair para R$ 7 bilhões por ano. É um valor alto, mas não é absurdo.

kotscho - Quem é o autor do slogan “Lula-Lá”?

Compartilhe: Twitter O assunto foi tratado pela primeira vez aqui no Balaio no dia 26 de maio de 2010, no início da campanha presidencial, quando a Folha publicou matéria com o título “Marina recorre a inventor do `Lula-Lá ´”.

No mesmo dia, publiquei post contestando a informação da Folha, pois trabalhei na campanha de Lula em 1989 e sabia como e por quem o jingle havia sido criado: “Folha errou: `Lula-Lá ´é de Hilton Acioly”.

Dizia a matéria da Folha: “PV recruta Paulo de Tarso, mas diz rejeitar marqueteiro profissional. Autor do jingle petista nas eleições de 1989 já prepara senadora para eventos. Contrato ainda estaria em negociação”.

Se o PV rejeita marqueteiro profissional, então é porque está recrutando um marqueteiro amador, se é que isso ainda existe (além do falecido Carlito Maia, criador do slogan “Lula-Lá”, não conheço nenhum). Se é amador, para que negociar contrato? Não fica claro.

A verdade é que a Folha confundiu slogan com jingle e errou duas vezes: o publicitário Paulo de Tarso não é autor de nenhum dos dois. Foi apenas o marqueteiro que levou o slogan de Carlito, criado no ano anterior, como sugestão para o compositor Hilton Acioli usar no jingle da campanha de 1989, que acabou virando um hino.

Pensei que o assunto estivesse esclarecido e morto, quando na semana retrasada me ligou uma repórter da Folha querendo checar uma informação publicada sobre o assunto na coluna da minha amiga Monica Bergamo. Repeti-lhe o mesmo que está escrito no meu post de maio do ano passado.

Dias depois, o sr. Paulo de Tarso Santos enviou um comentário desvairado ao meu blog, que nem me dei ao trabalho de responder.

Só agora entendi o motivo: a família de Carlito Maia resolveu contestar a versão dada por Paulo de Tarso e encampada pela Folha, reinvindicando a autoria do slogan.

Maurício Maia, filho de Carlito, enviou-me neste final de semana a longa troca de correspondência que manteve com a Folha.

Ao final da leitura das mensagens, que reproduzo abaixo, não tenho a menor dúvida, diante da cronologia dos fatos e das notas publicadas em jornais, inclusive na própria Folha, de que a autoria do slogan é mesmo do meu querido amigo Carlito Maia e o jingle da campanha foi criado por Hilton Acioly.

O slogan de Carlito é bem anterior à montagem da estrutura de comunicação da campanha, em meados de 1989. Só eu e o colega Sergio Canova começamos a trabalhar mais cedo, cuidando da área de imprensa, no início daquele ano.

Sei por experiência própria que a Folha tem grande dificuldade em reconhecer erros históricos que comete, preferindo reescrever a história, mas neste caso não dá para ficar calado diante de um episódio do qual fui testemunha.

Peço aos leitores deste Balaio que porventura também tenham trabalhado na primeira campanha presidencial de Lula, em 1989, ou guardem consigo qualquer lembrança ou documento daquela época que, por favor, ajudem a esclarecer esta polêmica sobre um fato ocorrido 21 anos atrás.

Stédile e os desafios do MST - blog do miro -

O Povo:

João Pedro Stédile, fundador e um dos coordenadores nacionais do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), passou na última terça-feira por Fortaleza. Coisa rápida, para cumprir agenda intensa, que incluiu uma série de reuniões internas, uma audiência com o governador Cid Ferreira Gomes (PSB) e palestra no auditório do Centro de Formação Frei Humberto, no Pio XII.

Tudo em poucas horas, apertando-se entre um compromisso e outro. No meio de tudo isso, encaixar um tempo para ele conversar com O POVO demandou paciência do repórter e alguma engenharia dos assessores. Finalmente conseguiu-se “15, 20 minutos”, para um bate-papo rápido, que terminaria exigindo um complemento posterior, via email, para ser transformado em entrevista.

Stédile é duro com o agronegócio, crítico da imprensa, irônico e firme com os Estados Unidos, mas cuidadoso quando fala do que foi o governo Lula e do que poderá vir a ser a gestão Dilma Rousseff. Mesmo que reafirme, enfaticamente, que o MST não recebe dinheiro do governo e nem se considera partícipe dele. Admite decepções, mas tenta explicá-las, e se diz esperançoso com as perspectivas de futuro.

O resultado final da conversa com João Pedro Stédile, a parte presencial e a que se deu através da internet, pode ser conferido a seguir.

Por que a reforma agrária não parece ter avançado no Brasil mesmo após oito anos de um governo dito de esquerda, com o petista Luiz Inácio Lula da Silva a comandá-lo?

De fato a reforma agrária, compreendida como um processo de democratização da propriedade da terra e maior acesso à terra dos trabalhadores e diminuição das grandes propriedades, não avançou. Ao contrário, segundo os dados do IBGE do Censo de 2006, o índice de concentração da propriedade da terra em 2006 é maior do que em 1920, quando recém havíamos saído da escravidão e do monopólio quase total da propriedade da terra.

Isso aconteceu, primeiro, porque a lógica de atuação do capital, através das empresas e dos grandes proprietários. é ir acumulando e comprando cada vez mais terras, independente do governo. Quanto maior é o lucro das atividades agrícolas, maior será o preço das terras e maior será a concentração da propriedade da terra.

Segundo, há uma disputa na sociedade brasileira entre dois modelos de organização da produção agrícola. De um lado o agronegócio que é a junção dos grandes proprietários com as empresas transnacionais, querendo impor o monocultivo, os agrotóxicos, a mecanização e expulsam os trabalhadores do campo. É um modelo sem gente, sem agricultores. E de outro o modelo de agricultura familiar, camponesa que defende a produção de alimentos, com uso intensivo de mão de obra, para o mercado interno, sem veneno e criando condições de fixação do homem no meio rural.

Infelizmente, com a internacionalização do capital e com aumento do poder das grandes empresas transnacionais sobre a agricultura, o modelo do agronegócio tem hegemonia e consegue iludir até setores do governo.

Preocupa ao MST a demora em indicar o novo presidente do Incra? O ritmo geral do novo governo não parece ainda muito lento?

Infelizmente, há ainda muitas disputas medíocres de correntes partidárias, que ficam apenas se preocupando com a pequena política de disputa de cargos. Nós precisamos discutir e disputar programas de políticas públicas. E essas disputas medíocres acabam atrapalhando o governo como um todo.

Espero que a presidente tenha coragem de tomar uma decisão mais adequada, para que os novos dirigentes da reforma agrária combinem conhecimento técnico com compromisso político com o combate à pobreza. E que haja mudanças claras na forma de atuação do Incra e das empresas do setor publico agrícola, como a Conab e a Embrapa.

O MST, que existe e atua desde 1984, faz que tipo de autocrítica quando analisa sua trajetória?

Desde a sua fundação como um movimento social, amplo, nós procuramos ir construindo princípios organizativos em nosso movimento a partir da experiência organizativa da classe trabalhadora ao longo da história. Sempre adotamos o principio de direções colegiadas, sem presidentes ou disputas de cargos. Todas as instâncias são coletivas e com ampla participação de mulheres e jovens.

Defendemos o principio do estudo, do conhecimento da realidade e da necessidade permanente de formar militantes e quadros. E também sempre adotamos o principio da critica e autocrítica. Internamente sempre fazemos avaliação de nossos erros e acertos. Em toda trajetória que fizemos procuramos apreender com os erros. Cometemos muitos e vamos procurando ajustar nossa linha política e nossa forma de atuar para superá-los.

Por que a pobreza não parece ter sido reduzida nos assentamentos?

A pobreza se reduziu muitos nos assentamentos. Acontece que a grande imprensa sempre procura comparar uma família assentada, com o fazendeiro, que toma milhões do BNB e do Banco do Brasil, para sua fazenda e mora numa praia no litoral. Mas não compara o assentado, com sua condição anterior, de sem-terra, de sem-nada. Hoje, as condições de vida num assentamento garantem a todas as famílias: terra, trabalho o ano todo, escola para os filhos e comida na mesa.

Mas ainda não conseguimos mudar o padrão da renda. E por isso, apresentaremos ao novo governo uma proposta de mudanças que esteja fundado na organização de cooperativas e agroindústria, única maneira de aumentar a renda agrícola. Quem vende matéria prima, nunca vai melhorar de vida. Então o sem terra era miserável, conquistou a terra e agora é um pobre com dignidade.

A violência, que muitos acusam de ser praticada pelo MST nas suas atuações de invasão, é um instrumento aceitável na luta pelo acesso á terra no Brasil?

O MST é contra qualquer forma de violência. No campo quem pratica a violência histórica, estrutural e até física contra os trabalhadores, sempre foram os grandes proprietários e seus prepostos. Organizar os trabalhadores e fazer lutas massivas é, pelo contrário, uma forma de proteger os trabalhadores da violência , que os exclui de todos os direitos democráticos. E é uma forma de transformar a luta contra opressão e exploração, não um caso pessoal ou de violência, mas uma luta social.

A mobilização social, em passeatas, em ocupações de terra, não é um ato violento, é uma necessidade, é um direito social. Por isso seguiremos organizando os trabalhadores para que façam a luta social, para que continuem ocupando os latifúndios improdutivos. E com isso pressionamos e ajudamos ao governo a cumprir a lei maior que é a Constituição. Sem luta social jamais haverá justiça social.

O MST pode, um dia, se transformar em partido político?

Jamais.

Por quê?

O dia que o movimento virasse partido acabaria. Pois sua natureza é organizar trabalhadores para lutarem pela reforma agrária, combater a pobreza no campo e construir uma sociedade mais justa. Os partidos têm outra natureza, justa, de disputa de programas, de disputa dos espaços públicos.

O MST está rachado? O que representa o movimento liderado por José Rainha, especialmente no interior de São Paulo?

De forma alguma (está rachado). Mas o MST não é um movimento monolítico. Nem queremos ter a exclusividade da luta pela terra e pela reforma agrária. Quanto mais trabalhadores se organizarem e lutarem pela terra e pela reforma agrária, melhor. No caso do Zé rainha, ele era nosso militante no Pontal do Paranapanema, mas em determinado momento da vida achou melhor se separar e organizar seu próprio movimento, que ele agora chama de MST pela Base. Nós achamos que ele tem todo direito.

A agricultura, no conceito que é pensada pelo MST, é incompatível com o agronegócio? Há chances de os interesses de ambos convergirem algum dia e em alguma situação?

O agronegócio e a agricultura familiar são incompatíveis, enquanto proposta de formas de você organizar a produção de alimentos. Eles são incompatíveis, porque o agronegócio defende o monocultivo, nós a policultura. Eles usam venenos, cada vez mais, nós defendemos a agroecologia. Eles usam máquina, nós queremos usar pequenas máquinas e fixar a mão-de-obra no campo. Eles praticam técnicas agressoras do meio ambiente, nós defendemos técnicas em equilibro com o meio ambiente. Eles querem lucro, nós queremos produzir alimentos saudáveis. Eles querem produzir commodities para entregar para as empresas transnacionais exportarem, nós queremos priorizar cooperativas, a Conab e o mercado interno. Eles concentram a renda. Nós distribuímos entre todos pequenos agricultores. Os proprietários do agronegócio moram na cidade, longe do campo. Os camponeses moram em cima de sua terra. Essa é a incompatibilidade de projetos de sociedade.

Haverá ‘Abril Vermelho’ em 2011?

Nossa luta pela reforma agrária deve ser permanente. No entanto, em abril de 1996, houve o massacre de Carajás em que foram assassinados 19 companheiros, e alguns meses depois perdemos mais dois, além de outros 69 feridos que ficaram incapacitados para o trabalho agrícola. Até hoje não houve nenhuma punição. Ninguém foi preso. É uma obrigação honrarmos a memória desses mártires do campo, com mais mobilizações.

E o próprio governo Fernando Henrique Cardoso, envergonhado com o massacre que as forças conservadoras fizeram no seu governo, antes de deixar o cargo assinou um decreto instituindo dia 17 de abril, dia nacional de luta pela reforma agrária. De modo que agora é até lei, uma obrigação em abril aumentarmos a luta pela reforma agrária. E certamente nos mobilizaremos em todo País, e até no exterior, pois a Via Campesina transformou dia 17 de abril no dia internacional de luta camponesa.

Qual a expectativa de mudança com Dilma Rousseff, que o MST, sendo anti-Serra, acabou apoiando na última campanha eleitoral?

Nossa expectativa é positiva, porque houve uma disputa nas últimas eleições entre os dois blocos de classe e de programa político. De um lado um setor da burguesia aliado com os interesses do capital americano, queria a volta do neoliberalismo, o neocolonialismo. E tinha como porta-vozes a candidatura José Serra (do PSDB).

A vitória da Dilma foi a vitória de uma coalizão de classes que reuniu setores da burguesia brasileira, da classe média e a ampla maioria da classe trabalhadora e dos pobres. Então, a disputa ideológica que houve nas eleições e a derrota do projeto das elites construiu uma correlação de forças para o governo Dilma avançar mais rapidamente para um projeto, que ela mesmo chamou de neo-desenvolvimentismo, que seria a combinação de políticas de desenvolvimento nacional com o combate a pobreza.

Qual reforma política o MST defende? Se é que defende alguma...

É evidente que a democracia e, sobretudo, o regime político no Brasil é capenga e manipulado. Precisamos aperfeiçoá-lo permanentemente. O MST, e os movimentos sociais do campo, estamos articulados com outros movimentos, com as centrais sindicais, com a OAB e com a CNBB, para apresentar uma proposta ampla de reforma política. E nessa proposta um dos elementos centrais deve ser criar mecanismos em que o povo tenha de fato o maior poder possível para decidir.

Assim, o povo precisa ter o direito de convocar plebiscitos sobre qualquer tema que considerar importante para a sociedade, por exemplo, para revogação de mandatos de qualquer eleito que traiu o programa. Temos que ter fidelidade partidária e votação em lista dos partidos, para que o povo vote em programas e não em pessoas, iludidos pela propaganda ou pelo dinheiro. Ter unicamente financiamento público de campanha e proibir qualquer doação privada com pena de cassação da candidatura.

Enfim, há muitas propostas interessantes sendo recolhidas e esperamos que nesse ano haja um debate intenso na sociedade. E depois que as propostas sejam consolidadas, deve haver um plebiscito nacional, para que o povo voto sobre cada um das propostas.

Existe algum temor de retrocesso, com Dilma, na política brasileira para América Latina e, em especial, a América do Sul?

De forma alguma. Acho até que o governo Dilma, como disse antes, pela correlação das forças que o apoia, pode fazer uma política externa ainda mais ousada. A imprensa burguesa é que vem pautando esse tema, dizendo que a Dilma está recuando em relação a política do Lula, como uma forma de pressioná-la a recuar mesmo. Já que toda grande imprensa brasileira, como a Globo, Estadão, revistas semanais como a Veja, estão alinhados com os interesses do imperialismo americano. E são opositores da política externa desenvolvida pelo governo brasileiro nos últimos oito anos.

Qual avaliação o senhor faz da recente visita do presidente dos EUA, Barack Obama?

Uma vergonha. O governo dos Estados Unidos perdeu muito espaço na América Latina e no Brasil nos últimos dez anos, desde a eleição do Chavez em 1999 na Venezuela. Bush era um idiota e militarista. Agora, Obama quer usar seu carisma, para recolonizar as ex-colônias. Mas acho que é tarde. O mundo mudou. A correlação de forças internacionais mudou. O império americano começou a descer a ladeira. Se sustenta apenas no dólar e na força militar.

Sua viagem foi uma tentativa de disputar aqui no Brasil apenas as reservas de pré-sal e o etanol para as empresas e os interesses americanos.. Mas o povo brasileiro não é bobo. E o governo Dilma tampouco. Eles queriam, por exemplo, reunir 500 mil puxa-sacos para ouvir um discurso em inglês em plena Cinelândia. Tiveram que cancelar, quando as pesquisas de opinião revelaram que ele era apenas mais um. E teve que se contentar em falar para apenas 500 puxa-sacos da elite carioca que foram no teatro municipal.

Os governos e os povos da América Latina, ao contrário, estamos construindo mecanismo de integração continental e popular, cada vez mais importantes, para fugir da dependência dos Estados unidos. E nosso maior parceiro comercial, por exemplo, agora é a China... e a América Latina.

Perfil

Natural de Lagoa Vermelha, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 25 de dezembro de 1953, é formado em economia pela PUC, de Porto Alegre, além de ter pós-graduação na Universidade Autônoma do México. Um dos fundadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), até hoje se mantém como um dos seus coordenadores nacionais. Filho de pequenos agricultores originários da província de Trento, Itália, reside atualmente em São Paulo. Participa desde o ano de 1979 das atividades da luta pela reforma agrária, no MST e na Via Campesina Brasil.

Números

24 Estados

O MST está organizado em quase todo o território brasileiro.

27 anos

O MST foi criado no ano de 1984, no interior do Paraná.

ditadura - Araguaia: militares ordenaram “eliminação”- CartaCapital

Os resquícios da ditadura no Brasil ainda atormentam quem sofreu ou perdeu alguém da família ou amigo. Após mais de 20 anos do fim do regime militar, documentos do Comando da Marinha, datados de 1972, mostram a frieza dos repressores. A ordem dos militares era a de matar os integrantes da Guerrilha do Araguaia.

A ação era chamada de Operação Papagaio – uma ofensiva das Forças Armadas contra o grupo de militantes de esquerda criado pelo PCdoB – e confirma relatos de testemunhas de que comunistas foram mortos mesmo depois de presos.

De acordo com a reportagem da Folha de S.Paulo publicada neste domingo, 27, a documentação, que era confidencial até 2010, foi liberada para consulta pública.

Leia alguns trechos dos documentos abaixo:

“A FFE [Força dos Fuzileiros da Esquadra] empenhará um grupamento operativo na região entre Marabá e Araguaína para, em ação conjunta com as demais forças amigas, eliminar os terroristas que atuam naquela região”, afirmam duas “diretivas de planejamento”.

“Impedir os terroristas que atuam na margem daquele rio de transporem-no para a margem leste, eliminando-os ou aprisionando-os”.

política - blogueiros Beto Richa persegue blogueiro do Paraná - blog do miro

Reproduzo matéria de André Cintra, publicada no sítio do Barão de Itararé:

Não é por “problemas técnicos” que, volta e meia, o blog do jornalista Esmael Morais (http://esmaelmorais.com.br) sai do ar. A página, uma das mais influentes do Paraná, sofre ataques à margem da lei do governador Beto Richa (PSDB) — que não suporta a publicação de nenhum tipo de crítica ou mesmo notícia que lhe seja desfavorável.

Richa promove uma versão alternativa do modo tucano de reprimir jornalistas independentes. O expoente maior dessa tradição tucana é o ex-governador José Serra. Se um jornalista da grande mídia o incomoda com perguntas indesejáveis, Serra não pensa duas vezes: telefona para o dono da empresa e pede a demissão do desavisado entrevistador.

No caso dos blogueiros — que não têm patrão —, o ex-governador se limita a lançar infâmias contra eles, tachando os blogs progressistas de “falanges do ódio”, “sujos”, entre outros rótulos. Beto Richa também partilha da estratégia de patrulhar a imprensa e ofender a blogosfera — mas, como não tem tanto apoio midiático quanto Serra, faz parcerias é a com a Justiça.

Um tema particularmente constrangedor para o tucano — e corajosamente denunciado pelo Blog do Esmael — diz respeito ao chamado Comitê Lealdade. Em 2008, quando Richa disputou a reeleição à Prefeitura de Curitiba, o PRTB decidiu apoiar Fabio Camargo (PTB). De uma hora para outra, 23 candidatos a vereador do partido desistiram da candidatura, anunciaram uma inusitada dissidência e organizaram a fundação de um comitê em apoio a Richa.

Soube-se, meses depois, que a adesão foi paga com caixa 2 (dinheiro não declarado à Justiça Eleitoral) e cargos na gestão municipal. O chefe do esquema era Alexandre Gardolinski, que foi pessoalmente indicado por Richa e se responsabilizou pelos pagamentos — em espécie. O Comitê Lealdade parecia funcionar como fachada.

Em depoimento ao Ministério Público Regional Eleitoral do Paraná, o empresário Rodrigo Oriente — um dos arrecadadores do Comitê Lealdade — denunciou a participação pessoal de Beto Richa na negociata. O órgão confirmou a existência de Caixa 2, mas inocentou o prefeito — apesar de a Resolução 22.175/2008 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dizer que “os candidatos são responsáveis solidários por qualquer informação ou ilegalidade” na campanha.

Em 2010, depois de renunciar ao cargo para concorrer ao governo estadual, o tucano tentou emplacar na campanha a fama de “gestor moderno”. Mas a marca mais notória de sua candidatura foi a ofensiva judicial para proibir a divulgação de todas as pesquisas de intenção de votos que mostravam seu adversário, Osmar Dias (PDT), na liderança.

Ao mesmo tempo, Richa desencadeou a perseguição a jornalistas independentes e à mídia alternativa. “Ele já me tirou do ar duas vezes. A censura ao blog começou durante a campanha de 2010”, diz Esmael. O blog reconstituía as denúncias do Comitê Lealdade e refrescava a memória do eleitor paranaense. “Não fui só eu que disse que houve desvio de dinheiro para comprar políticos. As acusações apareceram até no Fantástico e derrubaram integrantes do alto escalão da Prefeitura.”

Por decisão de um Judiciário local sempre simpático a Beto Richa, Esmael teve de apagar “postagens ofensivas” ao tucano. Para todos os efeitos, o blogueiro aproveitou o próprio blog para denunciar Richa na ocasião:

"Eu, Esmael Morais, comunico a todos os internautas que por livre vontade visitam o meu blog que medida liminar deferida em ação intentada pelo Sr. CARLOS ALBERTO RICHA (CANDIDATO DO PSDB AO GOVERNO DO ESTADO) determinou a retirada do meu blog de todo conteúdo que considerou ofensivo ao autor. A decisão tem um alcance ilimitado e considero humanamente impossível verificar mais de 20 mil postagens. Isto levaria semanas ou talvez meses.

"Assim, em razão da decisão não indicar expressamente quais as inserções seriam ofensivas, e diante da ameaça de imposição de multa e retirada do site do ar, decidi, por cautela, suspender as inserções até que seja delimitado o alcance da decisão.

"Estou adotando as medidas judiciais para revisão da referida liminar, ingressando com os recursos cabíveis, de modo a continuar expressando a minha opinião".

“Como eram mais de mil publicações sobre o Richa, pedi para o juiz determinar o que é e o que não é ofensivo. No final, sob ameaça de receber multa de R$ 10 mil por dia, tive de retirar umas 500 postagens, a maioria sobre o Caixa 2”, recorda-se.

Foi tão-somente o começo de uma férrea perseguição. Segundo Esmael, Richa passou a atacar a empresa Locaweb, que, coagida, suspendeu a hospedagem do blog. “Consultei especialistas: só é permitido retirar um blog do ar quando a publicação de conteúdos é anônima. Mesmo assim, fui censurado.”

O jornalista trocou a Locaweb pela americana Just Host em outubro de 2010— mas a repressão não cessou. Na semana passada, a pedido dos advogados do governador, a Just Host tirou do ar, por alguns dias, o Blog do Esmael — o jornalista estaria movendo uma “campanha de ódio” ao tucano. “O governador censura porque não quer ser alvo de críticas. É uma violência, um crime. Ele pode procurar a Justiça, mas jamais atentar contra o Estado Democrático de Direito.”

O caso Esmael já repercute na blogosfera, em emissoras paranaenses de rádio e até na grande mídia. “Conversei longamente, na última sexta, com a repórter Estelita Carazzai, da Folha — mas, até agora, não saiu nada.”

O jornalista promete levar sua causa ao 1º Encontro Estadual dos Blogueiros Progressistas do Paraná, que ocorre nos dias 9 e 10 de abril, em Curitiba. “Num dos painéis do encontro, sobre censura, defenderei a construção de um sistema de hospedagem blindado e imune, com gestão pública”, diz. “Para fazermos blogs políticos que desagradem ao status quo, não podemos ficar reféns dessas empresas privadas, geralmente associadas ao capital estrangeiro.”

Dilma e a mídia: Não morder a isca - Emiliano José - CartaCapital

Antes que fossem concluídos os 30 dias do governo Dilma, estabeleceu-se, em alguns órgãos da mídia hegemônica, um curioso debate em torno da personalidade da presidenta, descoberta agora como uma mulher decidida, capaz, com um estilo próprio, e simultaneamente, o discurso de que ela rompia com o estilo Lula, e que isso seria muito positivo. Deixava sempre trair o profundo preconceito contra Lula, pela comparação entre uma presidenta letrada (que cumprimenta em inglês a secretária Hillary Clinton…) e o outro, com seu português, essa língua desprezível. Não se sabe se seriam esquizofrenias da mídia hegemônica, ou táticas confluentes destinadas a diminuir o extraordinário legado do presidente-operário e a camuflar a continuidade de um mesmo projeto político.

Não custa tentar avaliar essa operação. Durante a campanha, a mídia seguiu a orientação de que Dilma era uma teleguiada, incapaz de pensar por conta própria. No governo, como era inexperiente, seria manipulada por Lula. Bem, ocorre que foi eleita. O que fazer diante da esfinge? Nos primeiros momentos, cobra que ela fale o tanto que Lula falava. Dilma, que tem estilo próprio, ao contrário do que a mídia dizia, seguia adiante, sem subordinar-se às cobranças. Toca o governo com toda firmeza, que é o que importa. Não se rende às expectativas midiáticas, sinal de uma personalidade forte, muito distante da figura de fácil manipulação que se tentou esculpir antes.

As coisas estão no mundo, minha nega, só é preciso entendê-las, é Paulinho da Viola. A mídia não raramente passa batida diante das coisas que estão no mundo. Ou tenta dar a interpretação que lhe interessa sobre a realidade já que de há muito se superou a idéia de um jornalismo objetivo e imparcial por parte de nossa mídia hegemônica. Todo o esforço para separar Lula e Dilma é inútil. Parece óbvio isso. Mas, não para a mídia. Ela prossegue em sua luta para isso. Lula e Dilma, e lá vamos nós com obviedades novamente, são diferentes. Personalidades diversas. E o estilo de um e de outro naturalmente não são os mesmos. O que não se pode ignorar é que Dilma dá continuidade ao projeto político transformador iniciado com a posse de Lula em 2003. Essa é a questão essencial.

Dilma seguirá com as políticas destinadas a superar a miséria no Brasil, tal e qual o fez Lula nos seus oito anos de mandato, coisa que até os adversários reconhecem, e o fazem porque as evidências são impressionantes. Mexeu-se para melhor na vida de mais de 60 milhões de pessoas, aquelas que saíram da miséria absoluta e as que ascenderam à classe média. Agora, a presidenta pretende aprofundar esse caminho, ao situar como principal objetivo de seu mandato combater a miséria absoluta que ainda afeta tantas pessoas no Brasil. Essa é a principal marca de esquerda desse projeto: perseguir a idéia de que é possível construir, pela ação do Estado, um país mais justo, que seja capaz de estabelecer patamares dignos de existência para a maioria da população. O desenvolvimento tem como centro a distribuição de renda, e o crescimento econômico deve estar a serviço disso. Aqui se encontram Dilma e Lula. O resto é procurar pêlo em ovo.

A terrorista cantada em prosa e verso pela mídia durante a campanha virou agora a heroína dos direitos humanos, e nós saudamos a chegada da mídia na defesa dos direitos humanos quando se trata de outros países. Que maravilha, do ponto de vista de pessoas que amargaram tortura e prisão no Brasil, ver a presidenta recebendo as Mães da Praça de Maio na Argentina e se emocionando com elas. E condenando qualquer tipo de violação dos direitos humanos no mundo.

No caso da mídia, seria muito positivo que ela também apoiasse a instalação da Comissão da Verdade para apurar a impressionante violação dos direitos humanos no Brasil durante a ditadura militar. Foi Lula que encaminhou o projeto da Comissão da Verdade, apoiando proposta do então ministro Paulo Vannuchi. As últimas eleições consagraram o projeto político desse novo Brasil que começou em 2003. Dilma está sabendo honrar a confiança que foi depositada nela, uma digna sucessora de Lula.

A mídia não descansará em seus objetivos. O de agora é o de tentar desconstruir Lula, tarefa que, cá pra nós, é pra lá de inútil pela força não apenas do carisma extraordinário do ex-presidente operário, mas pelo significado real das políticas que ele conseguiu levar a cabo, mudando o Brasil pra valer. Com esse objetivo, a desconstrução de Lula, elogia Dilma e destrata Lula. Este, naturalmente, não está nem aí. Sabe que a mídia hegemônica nunca gostou dele, nunca vai gostar. Ele é uma afronta às classes conservadoras, às quais a mídia hegemônica pertence. A existência dele como o mais extraordinário presidente de nossa história afronta a consciência conservadora. Ele seguirá seu caminho de militante político, cujos compromissos políticos sempre estiveram vinculados ao povo brasileiro, às classes trabalhadoras de modo especial, às multidões.

O segundo passo, mesmo que não consiga nada com o primeiro, que seria desconstruir Lula, será o de vir pra cima da presidenta, que ninguém se engane. Nós não temos o direito de nos iludir. As classes conservadoras mais retrógradas não podem aceitar um projeto como este que vem sendo levado a cabo desde 2003, quando Lula assumiu. A mídia hegemônica integra as classes conservadoras, é a intérprete mais fiel delas. Por isso, não cabe a ninguém morder essa isca. As diferenças de estilo entre Lula e Dilma são positivas. E é evidente que uma nova conjuntura, inclusive no plano mundial, reclama medidas diferentes, embora, como óbvio para quem quer enxergar as coisas, dentro de um mesmo projeto global de mudanças do País, sobretudo com a mesma idéia central de acabar com a miséria extrema em nossa terra. O povo brasileiro sabe o quanto recolheu de positivo do governo Lula. E tem consciência de que estamos no mesmo rumo sob a direção da presidenta Dilma. Viva Lula. Viva Dilma.

* Emiliano José é jornalista, escritor, deputado federal (PT/BA).

Lula em Portugal

Brasil está certo em apoiar investigação no Irã, diz
Lula diz não ter ido a jantar com Obama para não competir com Dilma Rousseff
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em Lisboa que é favorável ao envio de um relator da ONU para investigar a condição dos direitos humanos no Irã.

"Eu sou favorável a que tenha um relator. Acho que foi correto o voto do Brasil. Tem que ter um relator que vá ao Irã investigar. O relator não é obrigado a concordar com as acusações feitas por outros países, mas você não pode impedir que vá alguém investigar se há ou não atrocidades contra os direitos humanos", disse o ex-presidente em entrevista à BBC Brasil e ao jornal Valor Econômico, em Portugal.

Na última quinta-feira, o Brasil votou no Conselho de Direitos Humanos da ONU a favor da nomeação de um relator para investigar a situação dos direitos humanos no Irã. O gesto foi considerado uma mudança na postura do Brasil em relação às frequentes abstenções no governo Lula.

Prêmios
Em Lisboa, Lula vai receber o Prêmio Norte-Sul, do Conselho da Europa, e na quarta-feira se tornará doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra.

Questionado sobre o que o Brasil pode fazer para ajudar Portugal, que tem sofrido instabilidades políticas e econômicas, Lula afirmou:
"Isso é uma coisa que a presidenta Dilma vai discutir com o presidente Cavaco Silva e com o primeiro-ministro (José) Sócrates. Eu, particularmente, acho que a retomada das relações entre Brasil e Portugal, o trabalho conjunto que nós possamos fazer com os países africanos, os investimentos das empresas brasileiras em Portugal, até para que a gente possa entrar nos mercados europeus, é muito importante. Acho que este é um momento muito importante para fortalecer as relações entre Brasil e Portugal".

Lula atribuiu a crise econômica na Europa à crença de que o "mercado poderia resolver todos os problemas". "É preciso rever o desenvolvimento da Europa, sem que as pessoas abram mão das conquistas sociais que adquiriram nos últimos 40 anos", afirmou.

Sobre as revoltas no Oriente Médio e no norte da África, disse que as transformações vêm sendo provocadas pela juventude: "É uma sede de democracia que bateu na juventude. O que aconteceu com a juventude é que eles queriam dignidade, queriam ter esperança outra vez. Eu acho que a democracia é isto, você permitir que as pessoas participem das decisões, que as pessoas tenham alternância de poder. Isto resulta num benefício importante para o mundo e para o Oriente Médio".

Brasil
A respeito da ameaça de volta da inflação no Brasil, o ex-presidente afirmou que o país vive uma situação melhor do que os outros países.

"Acho que se tem um país que não tem problemas é o Brasil. O Brasil continua crescendo, a inflação está controlada e vai ser controlada, não há nenhuma perspectiva de a inflação voltar. Eu tenho lido e ouvido pronunciamentos da presidenta Dilma de que ela fará todo o esforço possível para não permitir a volta da inflação, porque ela sabe que a volta da inflação significa prejuízo aos trabalhadores que vivem de salário".

Lula explicou por que não foi ao jantar com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em que estiveram os outros ex-presidentes, durante a visita do americano ao Brasil.

"Foi por uma razão muito simples. Fazia apenas dois meses e meio que eu tinha deixado a Presidência. Eu acho importante que o Fernando Henrique Cardoso tenha ido, que o Collor tenha ido, que o Itamar tenha ido, que tenha ido o Sarney como presidente do Senado. Agora eu, fazia apenas dois meses e meio que tinha saído da Presidência da República. Eu não poderia voltar ao Itamaraty, tinha que deixar passar um tempo. Senão seria eu competindo com a nossa presidenta".

Lula negou que tenha divergências com a presidente Dilma. "Não há hipótese de haver divergência. Porque quando houver divergência, ela está certa".

Para o ex-presidente, a visita de Obama ficou abaixo das expectativas.

"Eu esperava que ele anunciasse algumas coisas mais importantes, por exemplo que o Brasil deveria entrar no Conselho de Segurança da ONU, que ele reconhecesse e cumprisse a decisão da OMC (Organização Mundial do Comércio) em relação à questão do algodão, que ele diminuísse a taxação do etanol e mais ainda que ele retomasse as negociações da rodada de Doha, porque a rodada de Doha parou por causa das eleições nos Estados Unidos e na eleição da Índia. Porque somente o comércio é que vai criar condições para a melhoria da vida dos países mais pobres".

Sobre seus planos para o futuro, ele disse que nas próximas semanas vai fazer conferências em vários países e, depois, retomará a militância no Brasil.

"A partir da segunda quinzena de abril eu vou fazer uma agenda mais forte dentro do Brasil. Quero ajudar a fortalecer o PT, quero ajudar a fortalecer o movimento social, quero manter contato com o movimento sindical. Vou voltar à porta de fábrica em São Bernardo do Campo, porque eu apenas deixei de ser presidente da República, mas eu jamais serei um ex-militante político, um ex-militante sindical, um ex-militante social. Está na minha vida fazer isso e eu vou continuar fazendo porque é uma coisa que eu gosto e que eu preciso".

segunda-feira, 28 de março de 2011

vermelho - Linguistas descobrem singularidade no idioma português do Brasil

O português falado no Brasil tem certas propriedades sintáticas que não se encontram no português europeu, nem em outros idiomas. Durante mais de quatro anos, um grupo de pesquisadores se dedicou a analisar o conhecimento já reunido sobre essas propriedades, a fim de discuti-lo sob a perspectiva do mais novo paradigma da pesquisa linguística: o chamado Programa Minimalista.
Concluído no fim de fevereiro, o Projeto Temático Sintaxe gerativa do português brasileiro na entrada do século 21: Minimalismo e Interfaces, financiado pela FAPESP, foi coordenado por Jairo Nunes, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).

De acordo com Nunes, o principal resultado do projeto foi o livro Minimalist Essays on Brazilian Portuguese Syntax (“Ensaios minimalistas sobre a sintaxe do português brasileiro”), lançado em 2009, que reúne dez artigos produzidos por seus participantes.

“O objetivo central do projeto consistiu em capitalizar o conhecimento já adquirido sobre as propriedades sintáticas distintivas do português brasileiro e discuti-lo à luz do Programa Minimalista, descobrindo em que medida essas propriedades podiam ser explicadas na sua interface com outros componentes da gramática”, disse à Agência FAPESP.

O Programa Minimalista foi estabelecido a partir de 1995 pelo linguista Noam Chomsky, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, derivado da Teoria de Princípios e Parâmetros, formulada pelo mesmo autor na década de 1980 a partir de uma tradição linguística iniciada em meados do século 20.

A Teoria de Princípios e Parâmetros estabeleceu a ideia de que há um componente inato, biologicamente fundamentado, na predisposição humana a aprender uma língua, e que todas as produções linguísticas seguiriam uma “gramática universal”, comum a todos os seres humanos.

“Descobriu-se então que o conhecimento linguístico se organiza em termos de princípios – propriedades invariáveis de todas as línguas – e parâmetros, que são os padrões e opções que codificam feixes dessas propriedades. A tarefa de uma criança que aprende uma língua seria, portanto, estabelecer os valores desses parâmetros”, explicou Nunes.

O Programa Minimalista tem a proposta de não apenas investigar quais são as propriedades da faculdade da linguagem e seu papel na aquisição de uma língua natural, mas também tentar explicar por que a faculdade da linguagem tem exatamente essas e não outras propriedades.

Por estabelecer um fundo comum entre todos os idiomas, o novo paradigma da Teoria de Princípios e Parâmetros, de acordo com Nunes, possibilitou a comparação detalhada entre as línguas mais variadas, em diversos estágios de desenvolvimento.

“Isso desencadeou uma gigantesca explosão de conhecimento no domínio da linguística. Não é nenhum exagero dizer que, a partir da década de 1980, aprendemos mais sobre a língua humana que em todos os séculos anteriores”, afirmou.

De acordo com Nunes, desde então houve uma grande profusão de trabalhos sobre o português brasileiro, que mostraram que a língua falada no Brasil possui uma gramática muito especial em relação ao português europeu e às outras línguas românicas.

“A partir da década de 1980, a pergunta que orientava as pesquisas era: quais são e como se organizam as propriedades das línguas humanas? No Projeto Temático, procuramos redimensionar esse conhecimento acumulado à luz dos novos avanços conquistados pelo Programa Minimalista. A pergunta central passou então a ser: por que as propriedades se organizam da maneira que se observa?”, disse.

Sujeito nulo

Um dos tópicos centrais na discussão feita sobre o português brasileiro, segundo Nunes, é a questão do chamado “sujeito nulo”, conhecido na gramática tradicional como “sujeito oculto”.

“Quando comparado ao sujeito nulo do português europeu, ou das outras línguas românicas, o sujeito nulo do português brasileiro é muito singular. O uso que fazemos do sujeito nulo é mais parecido com as construções infinitivas do inglês, ou as formas subjuntivas das línguas balcânicas, por exemplo”, disse.

O impacto dessa característica singular é muito grande, já que o tipo de sujeito nulo encontrado no português brasileiro simplesmente não deveria existir.

“Na medida em que as nossas pesquisas demonstraram que essa possibilidade teórica existe, propusemos que boa parte do modelo de análise linguística deverá ser reformulada, a fim de incorporar esses dados relativos ao português brasileiro”, disse o professor da FFLCH-USP.

A proposta de reformulação foi reportada no livro Control as movement, publicado em 2010 pela Cambridge Press University, de autoria de Nunes, Cedric Boeckx, da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha), e Norbert Hornstein, da Universidade de Maryland (Estados Unidos).

“Boa parte da discussão procura retomar os dados sobre o sujeito nulo. Mostramos como o modelo teórico terá que ser modificado em função das novas descobertas nesse campo”, afirmou.

Tanto o português brasileiro como o lusitano permitem o sujeito nulo, segundo Nunes. Mas, quando se observam os usos específicos, percebe-se que essa estrutura recebe um sentido bem diferente na língua falada no Brasil. “Uma das hipóteses que levantamos para explicar isso se relaciona com o enfraquecimento da concordância verbal e nominal no português brasileiro”, disse.

A previsão que se fazia antes das descobertas era de que não deveria haver línguas com o sujeito nulo em orações indicativas, com uma série de propriedades associadas com o que chamamos de movimento sintático.

“Imaginava-se que essa seria uma das propriedades universais: nenhuma língua teria esse tipo de sujeito. Mas mostramos que ele é encontrado no português brasileiro. Portanto, não é uma propriedade universal. O novo modelo terá que explicar não apenas a característica do nosso português, mas também precisará explicar por que essa ocorrência é tão rara”, afirmou.

A interpretação da frase “o João acha que a mãe do Pedro disse que vai viajar”, segundo Nunes, é clara para o brasileiro: a mãe é o sujeito de “vai viajar”, que está oculto. “Mas, para as outras línguas, se a frase for construída dessa forma, não fica claro se quem vai viajar é a mãe, o Pedro, ou o João. A interpretação nesse caso é muito difícil para quem não é brasileiro”, apontou.

Por outro lado, na frase “Maria disse que o médico acha que está grávida”, a interpretação para os brasileiros é que se torna difícil. “Soa muito estranho para nós. Dá a impressão de que o médica está grávido. Para o português europeu, não há nenhuma dúvida: quem está grávida é a Maria”, explicou.

Para uma sentença como “o João é difícil de elogiar”, o português brasileiro admite dois significados. Mas no português europeu, o significado está claro: “é difícil elogiar o João”. “Em alguns casos vamos ter mais possibilidades interpretativas no português brasileiro, em outros, no português europeu”, disse Nunes.

Outro tópico explorado no Projeto Temático no tema do sujeito nulo se refere a frases comuns no português brasileiro coloquial, como “eles parecem que vão viajar”.

“Isso é completamente impossível no português europeu. É algo que só se explica pelo que chamamos de ‘movimento’. Mas basta um deslocamento do pronome para que a frase se torne compreensível em Portugal: ‘parece que eles vão viajar’”, disse.

O movimento pode envolver expressões idiomáticas do português brasileiro, configurando um tipo de sentença que se tornaria ainda mais incompreensível em outras línguas.

“Podemos dizer ‘a vaca parece que foi para o brejo’. Isso é impossível em outra língua, ou no português europeu. O sujeito nulo só pode ser usado dessa forma no português brasileiro graças à ação de um feixe de propriedades diferentes”, disse Nunes.

REGULAÇÃO DA MÍDIA O debate de uma nota só - Luciano Martins Costa - observatório da imprensa

em 24/3/2011

Comentário para o programa radiofônico do OI, 24/3/2011

O Globo promoveu no dia 16 de março, em parceria com o Instituto Millenium, um seminário intitulado "Liberdade em Debate – Democracia e Liberdade de Expressão". O resultado, publicado em caderno especial que circulou na quarta-feira (23/3) no Globo e no Estado de S.Paulo, revela muito claramente quais são os limites admitidos pelas grandes empresas de comunicação para a discussão do tema regulação da mídia. E esses limites são muito estreitos.

O eixo central das "discussões" foi a presença do jornalista americano David Harsanyi, autor do livro intitulado O Estado Babá, no qual critica o que considera excessos da regulamentação nos Estados Unidos. Sua obra gira em torno de bobagens inseridas em legislações municipais ou estaduais, mas tem a pretensão de defender a tese de que, nos Estados Unidos, a tutela do Estado em casos como saúde pública, proteção da infância e defesa dos animais acaba por afetar a liberdade de escolha dos cidadãos.

Em cima dessa plataforma aparentemente consensual, sobre a qual superficialmente não florescem divergências, os organizadores do evento montaram um arsenal de manifestações contrárias ao anunciado propósito do governo federal de regular o setor de comunicação.

Alinhamento automático

Como, oficialmente, o próprio setor parece ter descartado a possibilidade de regular a si próprio, o seminário organizado pelo Globo serve claramente como contraponto para propostas que o governo ainda não fez, e marcam a absoluta intolerância que a mídia tradicional estabelece para a questão.

O caderno especial é uma grande lição negativa para estudantes de jornalismo, de como viciar um debate a partir da elaboração de suas premissas para se obter como conclusão um pressuposto que se quer demonstrar.

Ao misturar certa tendência ao "proibicionismo" de legislações protecionistas e politicamente corretas com a proposta de estabelecer algumas regras para a atuação das empresas de mídia, o seminário viciou o diálogo, desrespeitou os participantes que não se alinham automaticamente aos interesses das grandes empresas jornalísticas e queimou uma grande oportunidade de contribuir para fazer avançar o debate real.

Cortina de fumaça

O pressuposto básico do seminário é de que as empresas, ou seja, organizações privadas de interesse específico, sabem exatamente quais são as melhores escolhas em relação aos interesses difusos da sociedade. O Estado estaria, portanto, dispensado de fazer a mediação de certas escolhas que interferem nesses interesses específicos.

Trata-se de um aforismo essencial nessa questão, nunca explicitado mas sempre presente nas manifestações das empresas jornalísticas nos debates sobre regulação da mídia. Para fazer essa assertiva, levantaram-se teses no mínimo controversas, como aquela segundo a qual os excessos na regulação têm como premissa a idéia de que as pessoas são hipossuficientes.

Não parece ter passado pela cabeça dos participantes a hipótese de que o mesmo pode valer para um sistema no qual uma única empresa de comunicação, dominando majoritariamente uma região ou um país inteiro, com todos os meios tecnológicos disponíveis, considere-se a única dona da verdade sobre todos os assuntos, da economia ao lazer, da política ao humor.

O resultado das intervenções, cuidadosamente editado durante uma semana inteira, certamente reflete o pensamento da direção do Globo.

Patrocínio sintomático

Publicações que reproduzem eventos de interesse das empresas, que na redação da Folha de S.Paulo costumavam ser chamadas de "Operação Portugal", demoram a ser concluídas por que os dirigentes da organização fazem questão de revisar linha por linha o que será apresentado ao público.

São verdadeiros editoriais.

Portanto, deve-se considerar que aquilo que está publicado alinha-se completamente com o que a direção do Globo pensa a respeito da regulação dos negócios de comunicação.

Para completar, basta observar que o caderno especial foi publicado sob patrocínio da Souza Cruz, o que pode parecer uma ironia acidental, já que uma das mais acirradas batalhas do chamado Estado regulador desde meados do século 20 tem sido no sentido de proteger crianças e adolescentes do assédio da indústria do tabaco.

Trata-se de um caderno especial muito educativo, da primeira à última linha

MÍDIA & SOCIEDADE - Comunicação social e construção da realidade - observatório da imprensa

Por Luiz Gustavo Patriani Alexandre em 22/3/2011


Compreender o tempo histórico no qual estamos inseridos constitui uma tarefa árdua. Pressupõe que estejamos profundamente inseridos na complexa teia de relações que nos permeiam e que não é consolidada à nossa revelia. Estamos entremeados por esta dinâmica que, dialogicamente, construímos e somos por ela construídos. O jornalismo ocupa uma posição privilegiada no que tange a oferecer elementos que desvelem e tragam à baila o modo como estas relações se estabelecem. Todavia, a reconstrução desta dinâmica pode ser feita por intermédio de diferentes meios, perpassando desde os registros escritos da historiografia tradicional até os atuais registros fotográficos.

É no interior desta variada gama de possibilidades que se situa a prática do jornalismo e sua responsabilidade de retratar a realidade tal como ela se configura. Por muito tempo, a objetividade foi – e ainda é – objeto de preocupação das ciências sociais. Seria possível debruçar-se sobre os agrupamentos humanos e compreendê-los de modo objetivo, sem a interferência da carga subjetiva do cientista? Esta indagação também se apresenta como um problema ao ofício jornalístico. Durante a produção da notícia, o profissional depara com questões desta natureza – tentar reportar-se ao fato e reproduzi-lo de modo fiel, sem imprimir sua marca ao relato.

Os antropólogos também dispenderam significativo empenho intelectual em numerosas linhas com o escopo de justificar essa vicissitude durante as pesquisas etnográficas. A mera presença do pesquisador altera a dinâmica habitual de determinada organização social. A partir dessa constatação, começou a se cogitar a hipótese do observador participante, aquele que se integrava ao contexto alvo da pesquisa.

Interesses econômicos e de classe

Cultura é comumente concebida como aquilo que engloba os modos comuns e apreendidos da vida, transmitidos pelos indivíduos e grupos em sociedade. É, portanto, o conjunto de elementos que caracterizam um grupo social e fazem com que cada membro deste grupo interprete o mundo de modo mais ou menos parecido. Desse modo, a leitura da realidade será mediada pelas crenças, valores e normas vigentes nessa sociedade. Não obstante, é difícil desconsiderar a influência que a herança cultural exerce sobre a formação da visão de mundo e, por conseguinte, de percepção da realidade. Até dado momento, privilegiou-se destacar a função do aspecto cultural na leitura que o indivíduo desenvolve acerca da realidade.

Há outros fatores não menos importantes. Interesses econômicos e de classe também definem o recorte da realidade que será feito pelos veículos de comunicação. À medida que adotam uma linguagem específica, falam de um determinado lugar, dirigem-se a um nicho previamente selecionado e determinam como os fatos são organizados no interior da escala hierárquica de importância.

Totalitarismo da mídia começa a ser contestado

É indubitável e amplamente sabido o papel que os meios de comunicação desempenham na organização social e no processo de mediação da realidade. O advento da internet e das chamadas novas mídias – e a consequente introdução de linguagens e possibilidade até então inexistentes – promoveu um redimensionamento no modelo editorial convencional e sua respectiva ressonância na opinião pública. Faz-se necessário repensar a produção e difusão de informações. A histórica via de comunicação linear entre emissor e receptor, este último passivo, está sob profunda mudança.

Os meios de comunicação de massa, até então protagonistas, eram responsáveis pela apresentação da realidade – ou aspectos dela – ao público receptor. No momento da escolha do que e de que maneira produzir, tais meios de comunicação orientavam nosso olhar acerca da realidade. A produção de conteúdo e a fabricação de notícias ficavam restritas a centros especializados, tais como redações. Com a expansão, sobretudo, das ferramentas de amplitude, foi concedida ao espectador a possibilidade de criação e difusão de conteúdos. O leitor ou espectador, ao arquitetar seu próprio repertório, elenca suas preferências. Sob o domínio dos veículos tradicionais de comunicação de massa, os indivíduos se organizavam em torno de um determinado conteúdo, criado por centros e profissionais institucionalmente legitimados. Nos dias atuais, somos diuturnamente cercados por conteúdos de diversas origens e naturezas. Isto nos permite procurá-los e selecioná-los a partir de nossos interesses. A opinião pública não mais se articula apenas ao redor dos temas da grande agenda. O totalitarismo da mídia tradicional começa a ser contestado.