terça-feira, 30 de novembro de 2010

mídia - Reality show em tempo real

Por Muniz Sodré em 30/11/2010


"A fascinante violência no Rio de Janeiro foi de novo um sucesso."

A frase final de um artigo do editor de Destak (sexta-feira, 26/11), jornal carioca de distribuição gratuita nos sinais de trânsito, vale como sintoma do que foi a cobertura jornalística (imprensa escrita e televisão) do terrorismo delinquente nas ruas do Rio e da consequente reação das forças policiais. Em termos de modelagem ideológico-editorial, não há diferença entre a pequena e a grande imprensa.

Como preliminar, é preciso deixar claro que a operação policial, com o apoio logístico da Marinha e reforço posterior do Exército e da Polícia Federal, foi recebida com aplausos pela população, inclusive a maior parte dos moradores do complexo de favelas invadido, todos já psicologicamente saturados dos efeitos desgastantes do domínio dos bandos ilegalistas sobre os cidadãos de todas as classes sociais. Na sociedade e na web: uma ligeira vista de olhos pelas redes sociais permite localizar endereços de Facebook com caveiras (emblema do Bope) estampadas.

Por outro lado, se nas ruas do "asfalto" o medo ronda pedestres e motoristas, nos morros, ou "comunidades periféricas", registra-se o imenso alívio de moradores que, além do cerceamento do direito constitucional de ir e vir, eram ultimamente obrigados a servir comida a marginais desfalcados da renda costumeira do tráfico de drogas, em virtude da ação das "unidades pacificadoras".

Jornalismo "técnico"

Mas não há nada de "fascinante" nisso tudo, nem mesmo a ser "celebrado", como frisou o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame. A hora é de preocupação ou de pausa para a reflexão, bem ao contrário da espetacularização encenada pela mídia. Na verdade, é mesmo ocasião para alguma tristeza em face do número elevado de mortos e da convicção de que a situação a que agora se chegou é o resultado de desgovernos anteriores e da crescente mafialização da vida pública. Este fenômeno abrange a composição de partes significativas de câmaras legislativas, a corrupção policial, a fragilidade do Poder Judiciário, a disseminação das milícias (potencialmente mais perigosas do que o narcotráfico) e a escandalosa indiferença da própria sociedade ao consumo de drogas.

A mídia é aqui também objeto de preocupação.

É verdade que foi provavelmente uma imagem veiculada pela TV Globo (dezenas de bandidos armados e reunidos na Vila Cruzeiro, o bunker das ações terroristas nas ruas) a deflagradora da invasão e ocupação do local por tropas de elite da polícia, escudadas por veículos blindados da Marinha. Imagens de TV – mas também o risco de arranhão na imagem internacional da cidade que abrigará a Copa e as Olimpíadas – são claramente motivadoras da ação. Afinal, o poder constituído sabia desde muito tempo atrás do incremento exponencial de sua contrapartida nas favelas, o poder do ilegalismo.

Mas a cobertura jornalística dos acontecimentos, a televisiva principalmente, revelou o anacronismo cívico de um jornalismo puramente "técnico", movido pelo espetáculo do fato e praticado nos moldes de uma presumida filmagem, ao vivo, da realidade. "Globocop", nome do helicóptero da TV Globo, é a máquina equipada com quatro tripulantes e uma câmera capaz de girar em 360 graus e de captar imagens com precisão a um quilômetro de distância.

"Como Copa do Mundo"

Evocativa de Robocop, conhecido personagem cinematográfico, a máquina televisiva associou-se à metáfora da "máquina de guerra", usada pela mídia para caracterizar as ações policiais. Com ela, a cobertura converteu-se numa espécie de "Tropa de Elite 3", produzindo efeitos de identificação projetiva, segundo os quais estariam entrando em ação aqueles que o colunista Merval Pereira designou como "centenas de capitães Nascimento encarnados em cada um dos soldados do Bope" (O Globo, 26/11/2010).

Como num filme ou numa telenovela, constrói-se uma polaridade (os bons contra os maus), da qual se alimenta a narrativa midiática. O texto de Destak é explícito: "Éramos nós atirando, acenando com bandeiras brancas sobre lajes e nos escondendo dos tiros dentro de casa, contra eles, que fugiam ou nos afrontavam. (...) A cidade se uniu diante da TV, tentando torcer por si". Essa polaridade ("nós" contra "eles") é tão falsa quanto a polaridade entre polícia e bandido, já que, na corrupção cotidiana, não raro um termo equivale ao outro.

Mas a lógica do espetáculo demanda uma oposição folhetinesca. Assim, as palavras em itálico (cena, torcida) são índices semióticos da espetacularização, confirmada na coluna de Merval Pereira: a cobertura seria de fato "um reality show em tempo real". Seria algo como um game, encenação televisiva de um "show da vida" ou uma partida de futebol, capaz de converter o cidadão em torcedor: "Uma sensação parecida com ver um jogo de Copa do Mundo. Em vez de um time representando o país, eram policiais. Em vez de gol, a vibração surgiu no momento em que dois traficantes em fuga a pé foram alvejados" (Destak).

Razões da impunidade

Há algo de socialmente obsceno nesse transbordamento do espetáculo. É moralmente inadmissível essa assimilação de uma tragédia urbana, com mortes e sofrimento, a um show de TV. Nem faz justiça ao comportamento da polícia: o Bope sentiu-se prejudicado, em plena ação, pela cobertura televisiva; o secretário de Segurança enfatizou que "não há nada a celebrar". O comedimento da polícia é uma crítica implícita à falta de consciência crítica dos jornalistas.

Como poderia manifestar-se essa consciência?

Antes de tudo, no questionamento desse modelo de jornalismo, que confunde a informação responsável do fato com a exposição obscena (em seu sentido radical, esta palavra de origem latina significa postar-se diante da cena – ob-scenum – sem as devidas mediações culturais) dos acontecimentos. Simplesmente mostrar não é informar. Pode ser, no limite, um modo de excitar a pulsão escopofílica do espectador.

Informar criticamente – o que se revela socialmente imprescindível no caso em pauta – seria comunicar os acontecimentos dentro do quadro explicativo de suas causas, aliás bastante evidentes para qualquer observador atento. Pode-se começar com os constituintes de 1988, que legislaram em matéria penal com a ditadura e o preso político em mente e, ao fundo, a doutrina liberal-individualista do direito pós-Revolução Francesa. Resultou daí uma legislação tíbia frente ao delinquente comum, com a impunidade no horizonte. Mata-se por dá cá essa palha.

Comedimento e responsabilidade

Em seguida, seria preciso colocar em pauta a corrupção avassaladora de governos, políticos, policiais etc. Não deixar também de indagar sobre a responsabilidade da sociedade civil (se é que esse conceito se aplica ao Brasil) no tocante às drogas e à mafialização generalizada, que vem pondo em segundo plano o problema do tráfico de drogas. Finalmente, tentar jogar alguma luz sobre as perspectivas de emprego para quem se dispõe a abandonar o crime.

Certo, o jornalista poderá responder a tudo isso com a alegação de que o imediato de sua condição profissional lança-o sob pressão sobre a superfície do fato, para dar conta a seu público das ocorrências em bruto. A notícia seria, assim, a pura e simples mercadoria de sua prática industrial. É o que se aprende, é o que se faz – e o que dá certo em termos de audiência e mercado publicitário.

Esse é, de fato, o modelo consagrado pelo jornalismo tal como o conhecemos e talvez não possa ser mudado sem mais nem menos. Mas é certamente um modelo sem amanhã cívico; portanto, algo a ser debatido e repensado.

Nesse meio tempo, seria oportuno um pouco mais de comedimento e responsabilidade social. A morte violenta do outro não pode converter-se em fantástico show da vida.

mídia - A valorização da fofoca

Por Luciano Martins Costa em 30/11/2010

Comentário para o programa radiofônico do OI, 30/11/2010

O vazamento de informações sigilosas de correspondências diplomáticas dos Estados Unidos, por intermédio da organização não governamental Wikileaks, está produzindo controvérsias pelo mundo afora sobre limites no direito à informação.

Desde os tempos da Guerra Fria, os jornalistas se habituaram à idéia de que existem informações reservadas, de interesse da segurança do Estado, que não podem ser publicadas imediatamente. Em períodos nos quais a liberdade de imprensa ficou restrita no Brasil, um dos mais gostosos exercícios do jornalismo era o de revelar certos "segredos" – como, por exemplo, tentativas de maquilar índices econômicos ou manipulação de dados sobre tragédias, como aconteceu na explosão de um duto de gasolina na Vila Socó, em Cubatão, no dia 24 de fevereiro de 1984.

Mas em tempos de plena liberdade, qual deveria ser o critério da imprensa?

Existem organizações, como este Observatório e as ONGs Artigo 19, Intervozes e FNDC, que lutam pelo direito de acesso a toda informação de interesse público. No entanto, ocorrem circunstâncias em que o vazamento de uma informação pode colocar em risco projetos essenciais para o país.

Serviço ao marketing

Imagine-se, por exemplo, o que teria acontecido no mercado de petróleo se os dados sigilosos sobre prospecções na camada do pré-sal tivessem sido publicados antes da hora.

Como deve agir o jornalista em cada caso? Ou como se certificar de que o vazamento não é provocado para favorecer uma das partes envolvidas em determinadas negociações?

Uma coisa é a importância de trazer a público denúncias sobre torturas e assassinatos no Iraque, como ocorreu na estréia do Wikileaks. Outra coisa é dar curso a intrigas diplomáticas. E uma terceira seria revelar segredos de Estado.

No caso das comunicações divulgadas mais recentemente pelo Wikileaks, pode-se considerar que, até aqui, o máximo de danos que podem produzir é algum constrangimento em certos personagens apanhados em inconfidências.

Os cidadãos que acompanham com algum interesse o noticiário sobre as relações internacionais não se surpreendem com o significado da maioria dos comentários que têm vindo a público. Portanto, a encenação de que tais conteúdos representam revelações bombásticas serve mais ao marketing de alguns jornais do que propriamente ao interesse dos leitores.

Intrigas e conspirações

Um exemplo dessa "forçada de barra" pôde ser visto na manhã de segunda-feira (29/11) na edição online da Folha de S.Paulo, que anunciava: "Leia íntegra dos arquivos do Wikileaks obtidos pela Folha" – sugerindo uma exclusividade que não existia.

Qualquer pessoa poderia, por sua conta, acessar as mesmas informações na internet, em inglês, segundo alertava a rede de emails Vila.Vudu, uma das mais virulentas iniciativas de críticas à imprensa do país.

A rigor, o que tem vazado recentemente é pouco mais do que intrigas de diplomatas. Intriga é o esporte predileto do setor, embora a partir dessas comunicações se possa avaliar com mais detalhes certos interesses em jogo no cenário internacional, como as controversas relações no mundo árabe.

Alguns desses comentários podem até mesmo alimentar certas teorias conspiratórias, mas raramente estarão disponíveis grandes revelações. Mesmo porque a fonte desses conteúdos não estava resguardada sob sistemas sofisticados de segurança.

Há, claramente, certo exagero na tentativa de dar mais valor ao trabalho do Wikileaks. Por exemplo: anunciar na primeira página, como faz a Folha na edição de terça-feira (30/11), que, para alguns diplomatas dos Estados Unidos, o Itamaraty é "antiamericano", não representa novidade nenhuma. Essa afirmação foi feita publicamente por um representante da diplomacia brasileira, em evento promovido pela revista CartaCapital, no hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, há pelo menos cinco anos. Desde que o Brasil tentou reduzir a dependência com os Estados Unidos, rejeitando a Alca para apoiar o Mercosul, a diplomacia americana tem essa opinião.

A questão de fundo, que está apenas veladamente em discussão nos jornais, é o limite entre a liberdade e as responsabilidades da imprensa. Divulgar o que pensam diplomatas ou governantes sobre a figura de Silvio Berlusconi é apenas alimentar o folclore político internacional. Mas revelar segredos que podem colocar em risco a segurança de populações inteiras seria usar a liberdade de maneira irresponsável.

literatura - Jorge Luis Borges - O Fazedor

Nunca se havia demorado nos gozos da memória. As impressões resvalavam sobre ele, momentâneas e vívidas; o cinábrio de um oleiro, a abóbada carregada de estrelas que também eram deuses, a lua, donde tinha caído um leão, a lisura do mármore sob as lentas gemas sensíveis, o sabor da carne de javali, que gostava de dilacerar com dentadas brancas e bruscas, uma palavra fenícia, a sombra negra que uma lança projecta na areia amarela, a proximidade do mar ou das mulheres, o pesado vinho cuja aspereza era mitigada pelo mel eram capazes de abarcar por inteiro o âmbito da sua alma. Conhecia o terror mas também conhecia a cólera e a coragem, e uma vez foi o primeiro a escalar um muro inimigo. Ávido, curiosos, casual, sem outra lei que não a fruição e a indiferença imediata, andou pela variada terra e contemplou, numa e noutra costa do mar, as cidades dos homens e os seus palácios. Nos mercados populosos ou ao pé de uma montanha de cimo incerto, onde podia perfeitamente haver sátiros, fora-lhe dado ouvir complicadas histórias, que recebeu como recebia a realidade, sem indagar se eram verdadeiras ou falsas.
Gradualmente, o formoso universo foi-o abandonando; uma obstinada neblina apagou-lhe a linha das mão, a noite despovoou-se de estrelas, a terra tornou-se-lhe insegura debaixo dos pés. Tudo se afastava e tornava confuso. Quando soube que estava a ficar cego, gritou; o poder estóico ainda não tinha sido inventado e Heitor podia muito bem fugir sem menosprezo. Não mais verei (sentiu) nem o céu cheio de pavor mitológico, nem essa cara que os anos hão-de transformar. Dias e noites passaram sobre esse desespero da sua carne, mas uma manhã acordou, olhou (já sem assombro) as nebulosas coisas que o rodeavam e inexplicavelmente sentiu, como quem reconhece uma música ou uma voz, que já lhe tinha acontecido tudo isso e que tudo isso havia encarado com temor, mas também com júbilo, esperança e curiosidade. Desceu então até à sua memória, que lhe pareceu interminável e conseguiu arrancar àquela vertigem a recordação perdida que reluziu como uma moeda debaixo de chuva, talvez por nunca a ter olhado, a não ser porventura num sonho.
A recordação era a seguinte: Um outro rapaz tinha-o injuriado e ele tinha corrido para junto do pai e contara-lhe a história. O pai deixou-o falar como se não lhe desse ouvidos ou não compreendesse e dependurou da parede um punhal de bronze, muito belo e carregado de poder, que o rapaz havia cobiçado furtivamente. Agora tinha-o nas mãos e a surpresa da posse anulou a injúria sofrida, mas a voz do pai fez-se ouvir: Que alguém saiba que és um homem. E havia uma ordem na voz. A noite cegava os caminhos; abraçado ao punhal, em que pressentia uma força mágica, desceu a brusca ladeira que rodeava a casa e correu até à beira-mar, sonhando-se Ajax e Perseu e povoando as feridas e de batalhas a obscuridade salobra. O sabor preciso daquele instante era o que ele procurava. Queria lá saber do resto: as afrontas do desafio, o torpe combate, o regresso com a lâmina a sangrar.
Outra lembrança, em que também havia uma noite e uma iminência de aventura, desprendeu-se daquela. Uma mulher – a primeira que os deuses lhe proporcionaram – esperara por ele na sombra dum hipogeu, e ele pôs-se à procura dela através de galerias que eram como redes de pedra e através dos despenhadeiros que se dissolviam na sombra. Por que motivo chegavam até ele essas memórias e por que razão lhe chegavam sem amargura, como uma mera prefiguração do presente?
Não sem grave assombro compreendeu. Naquela noite, dos seus olhos mortais, a que agora descia, esperavam-no também o amor e o risco. Ares e Afrodite, porque já adivinhava (porque já o cercava) um rumor de glória e de hexâmetros, um rumor de homens que defendem um templo que os deuses não salvarão e de baixéis negros que procuram no mar uma ilha querida, o rumor das Odisseias e Ilíadas que era o seu destino cantar e deixar ressoando concavamente na memória humana. Sabemos estas coisas, mas desconhecemos as que sentiu ao descer à última sombra.

Jorge Luis Borges. Poemas Escolhidos. Edição bilingue.
Selecção e Trad. Ruy Belo. Dom Quixote, Lisboa, 2003, pp 69-73.

Postado por Luis Favre

VALOR - PT paulista busca classe média para se refundar

Eleições: Documento do partido prega foco em lisura, ambiente, segurança pública e emprego de qualidade

Ana Paula Grabois e Cristiane Agostine | De São Paulo

Os 20 milhões de votos recebidos pela candidata do PV a presidente, Marina Silva, causaram uma mudança no discurso que o PT pretende adotar em São Paulo. Em busca de mais votos em 2012 e em 2014, o diretório paulista coloca como prioridade o tema do desenvolvimento sustentável, de acordo com documento debatido pelos dirigentes em reunião no sábado.

Por meio da exploração da questão ambiental, o partido pretende se aproximar da classe média mais resistente ao PT e dos jovens. “Ambiente e juventude têm que ser bandeiras prioritárias para o nosso partido, têm que fazer parte da nossa formulação programática”, diz um trecho do texto obtido pelo Valor.

Parte da direção do PT argumenta que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi “o que mais combateu o desmatamento e o que mais se preocupou com as questões ambientais”, embora o tema tenha sido identificado com a candidata do PV.

Para os petistas, a presidente eleita Dilma Rousseff terá “legitimidade” para defender o assunto. “Cabe ao PT construir uma agenda que insira como prioridade um modelo de desenvolvimento que busque a sustentabilidade. É prioridade quebrarmos o bloqueio que os setores médios têm em relação ao nosso projeto”, afirmam.

Outra análise da direção do PT paulista diz respeito aos efeitos negativos do suposto envolvimento da ex-ministra da Civil Erenice Guerra em tráfico de influência. Já frustrada com o escândalo do mensalão, parte dos eleitores de classe média desistiu de Dilma por conta das denúncias e votou em Marina, nulo ou em branco.

“Os setores médios dialogam conosco, mas tendo as crises políticas de 2005 e 2006 debaixo dos braços. Quando surgiu o caso Erenice, todas as crises enfrentadas pelo nosso partido foram ressuscitadas e a oposição criou o grande fato da conjuntura política eleitoral, gerando o segundo turno da eleição nacional”, afirma o documento.

A agenda proposta para as próximas eleições inclui demandas da classe média, como segurança pública, criação de emprego de qualidade para quem completou o ensino superior, trânsito e transporte público.

Tanto Dilma quanto o candidato do PT ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, perderam dos concorrentes tucanos no Estado. Antes do primeiro turno, Dilma chegou a ter vantagem de cerca de 10 pontos percentuais sobre o candidato do PSDB, José Serra. A presidente eleita chegou ao fim do primeiro turno no Estado com 3,3 pontos percentuais abaixo do tucano, o equivalente a 783 mil votos a menos. No segundo turno, a distância de Serra ampliou-se: o tucano recebeu parte dos votos dados a Marina Silva e ficou com 1,85 milhão de votos a mais que a petista.

O desempenho de Mercadante foi ainda pior. Perdeu já no primeiro turno para Geraldo Alckmin (PSDB), cuja votação superou o petista em 15,4 pontos percentuais, uma diferença de 3,5 milhões de votos.



A resistência da classe média é observada em todo o país, avaliam os petistas, sobretudo nas capitais e nas cidades maiores. Trata-se de uma classe média já consolidada sem ligação com a nova classe média que explodiu no governo Lula.

“Em São Paulo, uma parte desses setores médios já se referenciou no ademarismo, no malufismo, depois no quercismo. Como o declínio desses projetos políticos, durante o governo Covas e com a ascensão do governo FHC, o PSDB fez um giro para a centro-direita e conquistou uma parte significativa desses setores médios do Estado”, diz o documento.

Ao ceder território para os tucanos, o PT perdeu a simpatia de parte dessa classe média já consolidada, o que resultou na atual inversão de bases do partido. Quando fundado, o PT tinha “mais facilidade de diálogo com setores médios mais politizados e mais dificuldades com setores populares”. O texto do partido, contudo, classifica como um “desafio” a manutenção do diálogo com a base popular e criação, ao mesmo tempo, de espaço para uma agenda da classe média. A legenda defende até a participação dos movimentos populares e sindical na formulação de ações voltadas aos setores médios do eleitorado.

A estratégia do partido, segundo o documento, é preparar-se às eleições municipais de 2012 com esforços na expansão da base de apoio em cidades com mais de 100 mil habitantes. Nesse plano, os petistas consideram fundamental a aliança com o PMDB no Estado, presidido pelo ex-governador Orestes Quércia, opositor ao governo federal. Com apoio do PT, o vice-presidente eleito, Michel Temer, lidera movimento governista dentro do partido e tem negociado a entrada do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM).

O PT faz um balanço crítico sobre a demora para a definição do nome que iria disputar o governo paulista em 2010. Mercadante preferia concorrer por mais um mandato no Senado e só foi lançado em meados deste ano, depois de sofrer pressão da direção do partido e do presidente Lula. Agora, a intenção do PT é lançar as pré-candidaturas das eleições de 2012 no fim do ano que vem. O texto vai circular entre os filiados. Em fevereiro, os dirigentes devem aprovar um documento final que irá traçar a estratégia para as próximas eleições.

Lula manda repórter fazer psicanálise

Segundo a Folha, o presidente Lula se irritou com um repórter que perguntou a ele se agradeceria o apoio político da “oligarquia Sarney” no Maranhão. Ao que Lula respondeu:

“Eu agradeço [aos Sarney] e a pergunta preconceituosa sua é grave para quem está há oito anos comigo em Brasília. Significa que você não evoluiu nada do ponto de vista do preconceito, que é uma doença. O presidente Sarney é o presidente do Senado. E o Sarney colaborou muito para que a institucionalidade fosse cumprida. Você devia se tratar, quem sabe fazer psicanálise, para diminuir um pouco esse preconceito”, disse o presidente. Roseana ainda disse que a pergunta demonstrava “preconceito contra a mulher”.

José Serra pregando na Assembléia de Deus - virou pastor?

- ´Mídia e Dilma - CARTAMAIOR - A conjuntura internacional e a direita

A lógica da política não é mero penduricalho da economia. Se a economia estadunidense desce a ladeira, a extrema direita norte-americana constrói o paradigma de um ideário e de um comportamento tipo exportação na política.

Luiz Marques

Os Estados Unidos perderam a “liderança intelectual e moral” que conquistaram ao tornar o american way of life baseado no consumo individual um ideal para todas as sociedades modernas. Os social-ambientalistas mostraram ser impossível a generalização de um modo de vida baseado em um desenvolvimento não-sustentável, na ilusão de que os recursos da natureza sejam infinitos. Os EUA, contudo, não perderam a “liderança econômica e militar” no mundo. Aliás, cada vez menos “econômica” à medida que o centro da economia mundial desloca-se para a Ásia e cada vez mais “militar” como observou-se no Iraque com o objetivo de controlarem a torneira do petróleo no Oriente Médio (G. Arrighi, J. Silver, “Caos e governabilidade no moderno sistema mundial”, Contraponto ed., RJ, 2001). A vitória de Barack Obama para a Casa Branca sinalizou uma resposta à essa visível perda de prestígio do Tio Sam.

O fato é que, modernamente, a crise de hegemonia do poder unipolar tem sido substituída pela criação dos mercados regionais que hoje cumprem a tarefa de organização do conjunto da economia capitalista. Nenhuma expressão, neste sentido, tergiversa e encobre tanto o fenômeno em curso pelo uso midiático como a chamada “globalização”, por funcionar à maneira de uma cortina de fumaça e impedir que se veja a importância estratégica da formação da União Européia e do Mercosul. Sem tais articulações seria o caos.

A lógica da política não é mero penduricalho da economia, porém. Se a economia estadunidense desce a ladeira, a extrema direita norte-americana constrói o paradigma de um ideário e de um comportamento tipo exportação na política. Recém realizadas, as eleições legislativas revelaram a potência dos valores esgrimados pela vertente extremista do Partido Republicano, o movimento Tea Party, que deu uma surra no Partido Democrata conferindo maioria aos conservadores nos governos estaduais, na Câmara e um quase empate no Senado onde os democratas tinham uma supremacia avassaladora, de 60 a 20 representantes.

“É de se notar que as guerras nas quais os EUA continuam a se atolar e desperdiçar fortunas não foram mencionadas na campanha: tornaram-se consensuais”, escreveu o articulista da Carta Capital (10/11/2010). O belicismo, refúgio da dominação exercida manu militari por Washington, anda agora junto com um programa que propõe um corte nos gastos públicos (não naqueles que sustentam a militarização), desregulamentações generalizadas (para fomentar a dinâmica de acumulação privada), inviabilização da reforma da saúde (pelo contingenciamento dos recursos financeiros) e a asfixia do ensino público (para fazer da educação uma mercadoria). Enfeixa o conjunto de dispositivos, que têm como âncora a questão fiscal, o empenho pela redução demagógica de impostos (para os ricos, bem entendido).

Ao tentar a concertação com a agenda dos republicanos, Obama acentuou seu isolamento em relação à população jovem, às minorias e aos pobres que não se sentiram motivados para sair de casa, aumentando o índice de abstenção num sistema em que o voto é facultativo e, os eleitores, necessitam ser motivados para participar do processo eletivo. O resultado foi a fragorosa derrota dos democratas nas urnas, que liberou o Federal Reserve (Fed, banco central) para inflar a base monetária e acirrar a disputa cambial nas relações internacionais com a desvalorização do dólar.

Tal “política econômica”, simbolizada no corte de gastos em detrimento de investimentos estatais para retomar o crescimento e combater o desemprego, remete ao receituário que muitos analistas julgavam na lata de lixo da história. Inútil lembrar a catástrofe, a maior desde a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, cujas cicatrizes doloridas seguem abertas suscitando sofrimento e miséria. As nuvens no horizonte reiteram a tendência à estagnação econômica dos EUA e duras batalhas entre as nações em torno do câmbio.

A vitória de Dilma no pleito presidencial ocorreu nessa conjuntura contraditória, que aporta angústia ao Norte em contraposição à esperança despertada ao Sul pela ascensão da (centro-) esquerda na América Latina. Considerando que o Tea Party manifesta-se contra todos os órgãos de cooperação, a ONU, o G-20 e ainda a OMC e o FMI, sem mencionar seu repúdio à ajuda para países em dificuldade e aos acordos ambientais para proteger a camada de ozônio, dá para depreender os efeitos cataclísmicos do direitismo que vem do frio. A utopia conservadora aponta para a dissolução do “contratualismo” que está na base do projeto acalentado pela modernidade, na direção de um “pós-contratualismo” que desfaria contratos de proteção aos indivíduos, grupos, classes e até continentes em situação de vulnerabilidade social e econômica. O ponto de chegada redundaria em um “fascismo societal” (Boaventura de Sousa Santos, “Reinventar la democracia, reinventar el Estado”, Clacso, Buenos Aires, 2006).

Para além da defesa de uma economia de mercado, como os neoliberais, os novos conservadores almejam uma SOCIEDADE DE MERCADO, em maiúsculas, em que a propriedade reine acima de qualquer ponderação social ou humanitária e em que a mercantilização seja a medida de todas as coisas. Na literatura da Ciência Política, essa linha de pensamento atende pelo nome de “anarco-capitalismo”, a corrente antiestatal do liberalismo que concebe o Estado como uma besta-fera nociva às ações, por definição, virtuosas da livre iniciativa. A mais leve intervenção sobre a racionalidade mercantil é tida como indevida pelos que acusam o primeiro presidente negro dos EUA de “socialista”, “anticolonialista” e “anti-empresarial” empurrando o ganhador do Nobel da Paz para um caminho que ele não parece capaz de evitar: a guerra com o Irã. Sem ousadia para enfrentar as forças da reação e expor o núcleo elitista das críticas que o vitimam, Obama age como o personagem de uma tragédia grega, impotente frente ao inexorável destino.

O padrão político da direita representada pelo Tea Party foi sintetizado na palavra-de-ordem “Obama tem de fracassar”, através de uma plataforma que transformou temas de foro íntimo, a exemplo do aborto, da fé religiosa, do homossexualismo e da perseguição aos imigrantes em eixos para a demarcação de campos ideológicos. O obscurantismo e o medievalismo de sua tática de persuasão do eleitorado expressou antes e depois uma total aversão aos assuntos públicos e à cidadania, ao mesmo tempo que afastou-os o quanto possível do indigesto debate sobre o papel do Estado em um contexto marcado pela desigualdade social, no qual urgem políticas de promoção da igualdade de oportunidades e de empregos.

No Brasil, essa atitude preconceituosa e xenófoba foi reatualizada na campanha tucana, em especial no segundo turno das eleições presidenciais e no discurso de José Serra depois de encerrada a apuração. O “até logo”, “não foi dessa vez”, no arrogante pronunciamento do prócer derrotado pela vontade soberana do povo, soou como uma paródia do brado revanchista dos republicanos. Traduzindo: “Dilma tem de fracassar”. A senha foi compreendida pela grande mídia demotucana imediatamente. Dia seguinte, teve então início o terceiro turno sob a falsa denúncia em manchetes garrafais de que a candidata eleita pretendia reinstituir o imposto sobre as movimentações financeiras, a CPMF, numa prova de estelionato eleitoral do PT. Pouco importou esclarecer que há um projeto de lei há meses tramitando no Congresso Nacional e de que a sugestão viera dos governadores estaduais eleitos. Reiniciava o jogo sujo. As falhas técnicas no ENEM, que atingiram menos de 1% dos estudantes, serviram de ensejo para reiterar as pechas de “má gestão” e mesmo “corrupção” no governo Lula. Pouco importou a nota explicativa da gráfica que confeccionou as provas para o exame que democratizou o acesso às universidades federais. O importante é a geração contínua de escândalos políticos pré-fabricados.

No Rio Grande do Sul, a mensagem agourenta foi trazida pelos deputados Germano Bonow (DEM) e Osmar Terra (PMDB) que apressaram-se em organizar um “jantar de confraternização” entre os partidos do reacionarismo no pleito vencido pelo petista Tarso Genro, já no primeiro turno. “Tarso tem de fracassar com a Dilma, por isso não podemos nos dispersar”, eis a tônica que animou os presentes na reunião e articulou-os “porque a luta continua pela liberdade (leia-se, do mercado) e pela democracia (leia-se, do capital)”. A intenção da turma do contra será a de acordar os demônios adormecidos no Brasil e no RS profundos, atiçar os ressentimentos das classes médias contra as políticas distributivas de renda e criar empecilhos a uma reforma tributária que se paute pela progressividade e pela justiça social. Parafraseando La Pasionaria frente aos avanços dos fascistas na Espanha dos anos 30, devemos repetir alto e bom som: no pasarán!

MÍDIA - Fragmentação versus convergência na comunicação

Por Venício A. de Lima em 24/4/2007


Há algum tempo parece haver uma contradição entre a inevitável convergência tecnológica nas comunicações e a crescente fragmentação que tem ocorrido na pesquisa e na formação profissional do campo da Comunicação no Brasil.

É fato conhecido e estudado que a chamada revolução digital diluiu as fronteiras entre as telecomunicações, a comunicação de massa e a informática, provocando uma convergência tecnológica que está tendo repercussões importantes na economia política, na legislação e no amplo espaço de formação e exercício profissional do setor.

A própria definição conceitual do campo parece ser melhor expressa pelo plural comunicações que reuniria, numa única palavra, áreas hoje integradas que até há pouco tempo estavam diferenciadas pelas antigas tecnologias.

É no quadro de referência dessa convergência tecnológica que se postula a necessidade de um novo marco regulatório, de um novo modelo de negócios e, por conseqüência, de uma rediscussão das formas tradicionais de formação profissional – em boa parte ainda orientadas pela clivagem das antigas tecnologias.

Sentido oposto

Uma rápida panorâmica sobre o ensino e a pesquisa da Comunicação, no entanto, revela uma ausência de sintonia com o que está a ocorrer na economia política, na legislação e nas profissões do setor.

A principal entidade científica de Comunicação, a Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, inclui entre os objetos de seus núcleos de pesquisa conteúdos que vão desde a ficção seriada até o turismo e a hospitalidade.

Já a Compós – Associação dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, lista em seu sítio na internet cerca de duas dúzias de programas de pós-graduação surgidos no país da década de 1970 até hoje. Há informação de que, pelo menos, 25 desses programas estão em funcionamento. Talvez não seja exagero afirmar que a característica principal deles é a diversidade de seu conteúdo e de suas linhas de pesquisa, que vão da semiótica às tecnologias da informação.

Tanto os núcleos de pesquisa quanto os programas de pós-graduação em Comunicação padecem da ausência de uma "convergência" em torno de um objeto que os articule e os identifique como constituidores de um campo específico de estudo e pesquisa.

Os últimos anos assistiram também ao surgimento de diversas associações que reúnem pesquisadores em subáreas autodefinidoras de seus respectivos interesses e objetos de pesquisa: Sociedade Brasileira de Pesquisadores de Jornalismo (SBPJor); Fórum Nacional de Professores de Jornalismo; Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Cibercultura; Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação e Política; e a Unión Latina de Economía Política de la Información, la Comunicación y la Cultura, que embora não seja exclusivamente brasileira, reúne pesquisadores brasileiros identificados com esta área.

Numa importante instituição de ensino e pesquisa – a Universidade Federal da Bahia – houve até mesmo a separação formal entre os estudos da comunicação e da cultura com a criação do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade. Esse foi um movimento, registre-se, em sentido oposto ao que deu origem ao importante Center for Contemporary Cultural Studies, na Inglaterra dos anos 1960, até hoje uma referência para os estudos do campo.

Políticas públicas

Claro que essa fragmentação revela o estado de efervescência do campo da Comunicação. Anualmente há um sem-número de congressos, encontros, seminários e, consequentemente, centenas de trabalhos e relatos de pesquisa podem ser apresentados e discutidos. Há novas publicações e novos sítios na internet dessas diferentes entidades e programas.

A primeira conseqüência desse quadro de fragmentação e ausência de identidade, todavia, aparece na qualidade da formação profissional que predomina na Comunicação. A revista Caros Amigos nº 121 traz longa matéria sobre o que pensam os estudantes brasileiros de jornalismo. A reportagem deveria servir de alerta não só para as muitas centenas de responsáveis pelos cursos de graduação em comunicação (jornalismo) – públicos e privados –, como para todos aqueles que se interessam pelo futuro do jornalismo no país.

Sem jornalistas com formação humanística sólida e consciência crítica, como avançar em questões – como, por exemplo, a credibilidade – com que se defronta o jornalismo brasileiro?

A segunda conseqüência, aliás já sentida faz tempo, é a impressionante ausência institucional dos programas e entidades de Comunicação do debate sobre as definições de políticas públicas por que passa o setor. Onde está a contribuição que anos e anos de estudo e pesquisa acumuladas têm a oferecer ao país?

Formação profissional e participação na formulação de políticas públicas são questões sabidamente complexas e polêmicas. Uma reflexão se impõe, sobretudo no momento em que se discute o futuro do setor e a sociedade brasileira precisa, por isso, da contribuição de todos para fazer avançar a democratização das comunicações.

É hora de cada um colocar na mesa o que tem e pode oferecer.

Mídia versus comunicação

Por Venício A. de Lima em 26/2/2008


Depois de um longo processo de consultas, iniciado há mais de um ano e aberto a alunos, ex-alunos e professores, um dos mais tradicionais centros de ensino e pesquisa da Comunicação nos Estados Unidos está mudando de nome: o College of Communications da Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, vai se chamar College of Media.

A Universidade de Illinois é uma instituição pioneira no ensino de jornalismo, lá introduzido em 1902. Em 1927 foi criada a School of Journalism que mudou de nome, em 1950, para School of Journalism and Communications. Em 1957, mudou novamente para College of Journalism and Communications e, em 1968 – há 40 anos – para College of Communications. Esta, portanto, não será a primeira vez que seu nome é alterado.

A troca de nomes, por si só, não mereceria maior atenção se suas razões não revelassem as profundas mudanças por que passa esse campo de estudos e se não servissem de reflexão para o ensino e a pesquisa da Comunicação em geral.

O processo de mudanças semânticas, ensina Raymond Williams no precioso Palavras-Chave (Boitempo, 2007), especialmente nos períodos de transformações sociais, indica que as questões de significação estão vinculadas aos problemas sobre os quais as palavras estão sendo usadas para explicar. O uso de diferentes significados das palavras identifica formas diversas de ver as questões centrais de nosso tempo e são indicativos de formas de pensar e compreender o mundo.

Comunicação midiatizada

Na justificativa que apresenta no último Alumni News (vol. 5, nº 1, pág 3) para a troca de communications por media, o dean Ronald Yates afirma:

"O que nos realmente fazemos é estudar e ensinar `comunicação midiatizada´ [mediated communications] (...). Nós estudamos e ensinamos mídia – mídia velha, mídia nova, mídia emergente, mídia futura. Em resumo, o College of Communications é sobre mídia. O mais importante de tudo isso (…) não é encontrar uma nomenclatura precisa, mas dar conta das mudanças que estão ocorrendo (...). A enorme mudança que produz informação e entretenimento a qualquer hora, em qualquer lugar, tem forçado as pessoas a se adaptarem constantemente. O resultado é que elas estão ficando mais sábias e discernindo melhor como gastar o dinheiro e o tempo delas, como buscar as notícias e como responder à mídia. Essas mudanças nas formas de distribuição [de informação e entretenimento] e na maneira como as pessoas pensam a respeito da mídia provocaram mudanças no escopo das comunicações como disciplina."

Na verdade, o que caracteriza tanto a formação profissional quanto a pesquisa é que elas lidam com a comunicação intermediada por ferramentas tecnológicas. Se essas tecnologias, durante muitos anos, definiram os "departamentos" acadêmicos – televisão, rádio, cinema, jornal, revista – a revolução digital e a convergência tecnológica das últimas décadas, além de ter introduzido novas mídias – o computador, a internet, o celular – diluíram inteiramente as diferenças existentes entre as velhas tecnologias. Além disso, tornou-se indispensável estudar e pesquisar também a economia política do setor, sobretudo compreender as poucas mega-instituições que hoje midiatizam a comunicação globalmente.

Uma das conseqüências desse quadro de mudanças é que, embora continue a se interessar pela comunicação per se – a comunicação face-a-face – do ponto de vista do ensino e da pesquisa, o estudo da mídia se afasta cada vez mais desse objeto. Por exemplo: nos Estados Unidos os antigos departamentos de speech communication estão também mudando os seus nomes para departamentos de communication.

É interessante ainda observar que embora o nome do College of Communications esteja mudando, as suas unidades de ensino e os graus que elas conferem (ainda) não vão mudar. Continuarão existindo os cursos de graduação em jornalismo, publicidade e estudos de mídia (media studies); os mestrados em jornalismo e publicidade; e o doutorado em comunicações oferecido pelo Institute of Communications Research (ICR).

Aqui vale registrar que o ICR, fundado pelo pioneiro Wilbur Schramm, em 1947, foi, desde a sua concepção, um centro de pesquisa multidisciplinar integrando disciplinas de vários campos do conhecimento. Além disso, sempre teve como objeto de ensino e pesquisa as dimensões social e tecnológica tanto das telecomunicações quanto da comunicação de massa (para usar a velha terminologia). Daí o plural communications – e não o singular communication – que sempre foi empregado no nome do ICR e, a partir de 1950, no do College (então, School).

Lições para o Brasil

Não se pode, evidentemente, considerar as necessidades educacionais brasileiras no campo da Comunicação como equivalentes àquelas dos Estados Unidos. No entanto, é inegável que as mudanças tecnológicas afetaram de forma significativa não só a economia política da mídia como estão transformando o mercado de trabalho e as exigências de formação profissional entre nós.

De certa forma, pode-se afirmar que o "mercado" brasileiro demanda hoje um profissional que lembra os velhos pioneiros, isto é, um profissional que compreende a mídia em suas variadas dimensões, sua importância no mundo contemporâneo, e é capaz de produzir "comunicação" que possa ser distribuída em diferentes tecnologias. Em resumo: o profissional de hoje é multimídia, não é um especialista.

Apesar disso, entre nós predominam cursos de graduação em unidades acadêmicas ainda vinculadas às divisões das velhas tecnologias, enquanto na pós-graduação prevalece uma tendência de forte fragmentação do campo de estudos (ver, neste Observatório, "Fragmentação versus convergência na comunicação").

Resguardas as diferenças – e não são poucas – será que teríamos algo a aprender com as mudanças que estão ocorrendo nas principais instituições de ensino e pesquisa de mídia dos Estados Unidos?

O perfil da Internet brasileira

blog luisnassif, seg, 29/11/2010 - 23:21
Por André Leite

Olá Nassif. Há três anos a F/Nazca faz pesquisas constantes sobre sobre o acesso e uso da Internet no Brasil. Hoje no Meio & Mensagem saiu um artigo comentando alguns dados desse mapeamento.

Há várias informações muito interessantes. Seguem alguns destaques:

- O país tem hoje 54% de pessoas acima de 12 anos que costumam acessar a Internet (ou 81,3 milhões)

- A penetração em casa segue em patamares baixos: apenas 27% dos brasileiros possuem conexão com banda larga em casa e 6% com conexão discada.

- 57% dos brasileiros afirmam que "costumam colocar algum conteúdo feito por si próprio na Internet

- 93% dos brasileiros se consideram mais informados e 60% mais independentes desde que começaram a usar a Internet.

- A única mídia de informação que mantém relevância estável em todas as faixas etárias são as ferramentas de busca (leia-se Google), mantendo-se em torno de 50% para todas as faixas etárias.

- Embora a televisão continue sendo a mídia de consumo de informação preferida (45%), seguida pela Internet (40%), pelo rádio (7%), pelo jornal impresso (4%) e pela revista (2%), os jovens de 12 a 24 anos se informam prioritariamente nas suas redes sociais (80% entre 12 e 15 anos, 60% entre 16 e 24 anos) e nas ferramentas de busca (55% de 12 a 15 anos e 52% entre 16 e 24 anos).

- Os portais, sites de mídia impressa e blogs só possuem relevância para os mais velhos.

- A pesquisa compreende todos os brasileiros acima de 12 anos, em 143 municípios e é realizada pelo Datafolha.

Segue a íntegra do artigo

Fonte: http://www.alphen.com.br/2010/11/29/ja-somos-813-milhoes-em-acao/

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Já somos 81,3 milhões em ação

Há 3 anos, a F/Nazca faz um estudo aprofundado (F/Radar) sobre fenômenos sociais impulsionados pela popularização da Internet no país. Alguns paradigmas foram quebrados ao longo do estudo, e os dados falam por si só.

A pesquisa é quantitativa e abrangente: compreende todos os brasileiros acima de 12 anos, em 143 municípios de todo o Brasil, e tem margem de erro estatístico de dois pontos percentuais. O campo é realizado pelo Datafolha. Seguem alguns pontos mais polêmicos da última leitura (segundo semestre de 2010):

- Universalidade e democratização relativa

O país tem hoje 54% de pessoas acima de 12 anos que costumam acessar a Internet. A penetração é de 84% na classe AB, 51% na C e 23% nas classes DE. Noventa e um por cento dos jovens de 12 a 15 anos costumam acessar a Internet, sendo que esse número cai sucessivamente nas outras faixas etárias.

No entanto, se podemos nos surpreender com a extrema rapidez do "hábito de acesso" (diferente de "ter acesso"), a penetração em casa segue em patamares baixos: apenas 27% dos brasileiros possuem conexão com banda larga em casa e 6% com conexão discada.

O acesso em casa determina uma série de comportamentos diferenciados quando comparados com o acesso fora de casa e consubstancia uma fronteira social: 73% da classe AB possui acesso em casa, enquanto que na classe C são apenas 24%. Vale salientar ainda que a posse de Internet tem um crescimento pífio nas classes CDE.

O acesso em casa é, por exemplo, o principal gargalo para a popularização do comércio online. Apenas 25% dos brasileiros costumam fazer compras online e há uma relação direta entre classe social e compras online.

- A Internet é um dos principais fatores de emancipação cultural

Apesar dos rumores alarmistas que correm na mídia e que dão conta do excesso de informação, distração, superficialidade cultural e patologia social, a Internet é vista pelos brasileiros como uma chave para a vida moderna.

Noventa e três por cento dos brasileiros se consideram mais informados, 89% mais práticos, 88% mais comunicativos, 88% mais conectados, 88% mais instruídos e 60% mais independentes, desde que começaram a usar a Internet. A Internet só é vista como negativa por uma pequena minoria dos brasileiros.

- Colaboração na Internet é relacionamento e identidade.

Quando perguntado sobre colaboração voluntária e "autoral" na Internet, 57% dos brasileiros afirmam que "costumam colocar algum conteúdo feito por si próprio na Internet". Esse percentual vem crescendo à base de 5% por semestre.

Os principais conteúdos são fotos (52%), textos (20%) e vídeos (19%), e a principal motivação é relacionar-se com alguém (30%) e ilustrar ou contar algo sobre a vida pessoal (20%).

- Colaboração na Internet chama-se Orkut

Cinquenta e cinco por cento das pessoas que costumam acessar a Internet de forma ativa dizem fazê-lo por meio de seu perfil ou por meio de comunidades no Orkut (40% e 15% respectivamente).

As demais (e ruidosas) redes são incipientes. Apesar de terem taxas de crescimento significativas, o Twitter e o Facebook só respondem por 7% e 4%, respectivamente, das menções a "colaboração online".

- Mídia de informação se chama Google

A única mídia de informação que mantém relevância estável em todas as faixas etárias são as ferramentas de busca (leia-se Google), mantendo-se em torno de 50% para todas as faixas etárias.

O comportamento de consumo de notícias do brasileiro possui, no entanto, uma enorme diferença em função da faixa etária.

Embora a televisão continue sendo a mídia de consumo de informação preferida (45%), seguida pela Internet (40%), pelo rádio (7%), pelo jornal impresso (4%) e pela revista (2%), os jovens de 12 a 24 anos se informam prioritariamente nas suas redes sociais (80% entre 12 e 15 anos, 60% entre 16 e 24 anos) e nas ferramentas de busca (55% de 12 a 15 anos e 52% entre 16 e 24 anos).

Os portais, sites de mídia impressa e blogs só possuem relevância para os mais velhos.

- Jogar: uma mania nacional, mas uma mania gratuita ou pirateada

Quarenta e dois por cento da população brasileira costuma jogar através de algum dispositivo (29% pelo celular, 27% pelo computador, 23% por videogame tradicional e 6% por videogame portátil).

Esse número tem evidentemente penetração muito maior entre os mais jovens (90% de 12 a 14 anos e 70% de 16 a 24 anos), e os jogos mais populares são disparadamente os de futebol (27%).

No entanto, quando perguntado onde obtêm seus jogos, 81% dos brasileiros que jogam o fazem gratuitamente: 36% através daqueles obtidos das operadoras de celular gratuitamente, 29% emprestados de amigos, 22% baixados sem pagar em sites de compartilhamento de arquivos e 19% entrando sem pagar em sites de jogos em rede. Apenas 19% afirmam comprar seus jogos, sendo que um terço destes compra jogos em camelôs e banquinhas de rua (leia-se piratas).

Mais informações sobre o F/Radar em www.fnazca.com.br

Artigo originalmente publicado no Meio & Mensagem do dia 29/11/2010

mídia - O diploma e os desafios contemporâneos

Não seria o caso de outros setores da sociedade – além de empresários e grupos ligados a doutrinas religiosas – também se preocuparem com a formação do profissional em "jornalismo independente"? Por exemplo, os sindicatos de trabalhadores?

Venício Lima

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

São raras as atividades das quais participei nos últimos dois ou três anos nas quais, independente do tema sendo discutido, não aparecesse alguém e cobrasse minha posição sobre a obrigatoriedade do diploma de curso superior em jornalismo para o exercício da profissão de jornalista profissional.

Tenho constatado que a resposta a essa pergunta provoca inesperadas paixões e, em geral, serve como critério para colocar quem a responde no céu ou no inferno. Se a audiência for, majoritariamente, composta de estudantes de Jornalismo e/ou militantes de sindicatos de jornalistas, relativizar a importância do diploma e chamar a atenção para as transformações radicais pelas quais passa o campo das comunicações – e as incontornáveis conseqüências desse fato para o jornalismo e a profissão de jornalista – pode ser o caminho seguro para hostilidades e intolerância.

Assumo, mais uma vez, o risco e boto a minha mão no vespeiro.

Transformações radicais

Nos Estados Unidos, como se sabe, não há exigência de diploma para o exercício profissional de jornalista. Aliás, a exigência não é encontrada em nenhum país de tradição democrática.

Em artigo publicado neste Observatório há cerca de três anos, comentei que o College of Communications, na minha alma mater, a Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, estava mudando seu nome para College of Media (ver "Ensino & Pesquisa: Mídia versus comunicação").

Reproduzi a justificativa oferecida pelo então dean do College, Ronald Yates, para a troca de communications por media. Disse ele:

"O que nos realmente fazemos é estudar e ensinar ‘comunicação midiatizada’ [mediated communications] (...). Nós estudamos e ensinamos mídia – mídia velha, mídia nova, mídia emergente, mídia futura. Em resumo, o College of Communications é sobre mídia. O mais importante de tudo isso (…) não é encontrar uma nomenclatura precisa, mas dar conta das mudanças que estão ocorrendo (...). A enorme mudança que produz informação e entretenimento a qualquer hora, em qualquer lugar, tem forçado as pessoas a se adaptarem constantemente. O resultado é que elas estão ficando mais sábias e discernindo melhor como gastar o dinheiro e o tempo delas, como buscar as notícias e como responder à mídia. Essas mudanças nas formas de distribuição [de informação e entretenimento] e na maneira como as pessoas pensam a respeito da mídia provocaram mudanças no escopo das comunicações como disciplina."

Na ocasião comentei também que, guardadas as diferenças, o "mercado" brasileiro demanda hoje um profissional que lembra os velhos pioneiros, isto é, um profissional que compreende a mídia em suas variadas dimensões, sua importância no mundo contemporâneo, e é capaz de produzir "comunicação" que possa ser distribuída em diferentes tecnologias. Em resumo: o profissional de hoje é multimídia, não é um especialista.

Apesar disso, afirmava, entre nós continuam a predominar cursos de graduação em unidades acadêmicas ainda vinculadas às divisões das velhas tecnologias, enquanto na pós-graduação prevalece uma tendência de forte fragmentação do campo de estudos (ver, neste OI, "Fragmentação versus convergência na comunicação").

Posição explicitada

Em pequeno livro concluído antes da decisão do STF, de junho de 2009, que considerou "não recepcionado" pela Constituição de 1988 o decreto que requer a obrigatoriedade do diploma de curso superior em jornalismo para o registro profissional, afirmei:

"Essa é uma questão sobre a qual tenho pensado há muito tempo. Mais recentemente, o surgimento da internet e o aparecimento dos blogs fizeram com que eu consolidasse uma posição amadurecida. Acredito que a melhor solução, aliás, já adotada em muitos países, inclusive no país que sempre é tido como referência na discussão sobre o jornalismo – os EUA – é a seguinte: existem os cursos de jornalismo nas escolas, nas universidades. As entidades profissionais fazem o ranking de qualidade desses cursos, que é amplamente divulgado. Os alunos que passam pelos melhores cursos acabam sendo valorizados no mercado profissional. Apesar disso, não há Lei impedindo alguém que não tenha feito o curso oferecido nessas escolas de exercer a profissão. Isso significa que ter freqüentado cursos de jornalismo, ter diploma, não é critério para o exercício da profissão. Mas também significa, evidentemente, que as escolas de jornalismo não devem deixar de existir. Ao contrário, elas devem existir. As melhores formarão os melhores profissionais" (cf. Bernardo Kucinski e Venício A. de Lima; Diálogos da Perplexidade – reflexões sobre a mídia; Editora Fundação Perseu Abramo, 2009; p. 27).

Formação profissional

Ao longo dos últimos três anos, os fatos parecem confirmar as tendências apontadas e a posição explicitada.

Noticiou-se recentemente que "a Universidade do Colorado estuda fechar seu curso de graduação em Jornalismo para criar um programa que combine preceitos jornalísticos e de ciência da computação". O novo curso seria algo próximo de uma "graduação em mídias". Além disso, informa-se que não é só a Universidade do Colorado "que estuda mudanças drásticas na grade de Jornalismo ou até mesmo a extinção do curso. Ao menos outras trinta escolas no país, entre elas Wisconsin, Cornell, Rutgers e Berkeley, consideram modificar os cursos para que se adequem às novas tendências do mercado de trabalho" (ver aqui).

No Brasil, aos poucos, vai desaparecendo a tradição de formação crítica e humanista das universidades públicas. Ela vem sendo substituída pelo comprometimento exclusivo com o "mercado", predominante nos cursos oferecidos nas escolas privadas. Mais recentemente identifica-se uma clara movimentação por parte de setores do empresariado tradicional de mídia no sentido de atuar diretamente na formação profissional de jornalistas.

Além do conhecido e controvertido "Master em Jornalismo" (sic), que há mais de dez anos é oferecido no Brasil em associação com a Universidade de Navarra, recentemente a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) anunciou que iniciará, no próximo ano, cursos de graduação e pós-graduação em jornalismo. Os cursos terão a parceria do Instituto de Altos Estudos em Jornalismo (IAEJ), criado em 2010 por Roberto Civita, principal executivo do grupo Abril. A pós-graduação terá ênfase em "Direção Editorial", será coordenada pelo jornalista e professor Eugênio Bucci e, nas palavras do diretor-presidente da ESPM, deverá "aliar os valores e práticas do jornalismo independente a noções avançadas de gestão. Vamos desenvolver nos alunos a capacidade de coordenar a produção de conteúdos multimídia de qualidade" (cf. "Um impulso extra para a carreira de jornalistas" in Imprensa, nº 262, pp. 22-25).

Desafios imediatos

Não seria o caso de outros setores da sociedade – além de empresários e grupos ligados a doutrinas religiosas – também se preocuparem com a formação do profissional em "jornalismo independente"? Por exemplo, os sindicatos de trabalhadores?

A questão da obrigatoriedade ou não do diploma, inevitavelmente passará para segundo plano se considerarmos a indiscutível centralidade da mídia nas sociedades contemporâneas e a necessidade que a sociedade civil organizada tem de utilizar plenamente os enormes potenciais democratizantes que a internet oferece para tornar públicas suas posições e travar a cotidiana "batalha das idéias".

Esse é um desafio concreto e imediato que torna mais importante – e não menos – a profissão de jornalista, mas que, ao mesmo tempo, torna inevitável a rediscussão (a) das profundas transformações que ocorrem no campo das comunicações; (b) de suas implicações na redefinição do jornalismo e do jornalista profissional; e, também, (c) do que significa a conquista do pleno exercício do direito à comunicação.

Apesar de todas as paixões que o tema desperta, não podemos esquecer que mais importante do que a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o registro profissional é a universalização da liberdade de expressão e o aprimoramento da democracia.



Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

filosofia e economia - O homem e o boi - VLADIMIR SAFATLE

Depois da crise econômica, a Europa agora conhece a crise social. Um após o outro, os países europeus caem.
Antigos modelos de desenvolvimento até então vendidos como exemplo de sucesso, como a Irlanda (o "tigre celta"), expõem a olhos nus o apodrecimento de seu sistema financeiro. Outros, como Portugal, mostram claramente como não tinham nenhuma margem de manobra para se contrapor à "desconfiança do mercado". Países como o Reino Unido anunciam a supressão de 400 mil empregos no serviço público e o fim efetivo da educação pública universitária. A França parte para a milésima reforma da sua previdência social.
Diante de tal situação de catástrofe que parece nunca terminar, todos os países europeus conhecem só uma resposta: "plano de austeridade". A escolha da palavra é uma pérola. Afinal, quem poderia ser contra a retidão moral da austeridade a não ser crianças mimadas, acostumadas ao desperdício e àquilo que um ministro britânico teve a coragem de chamar de "cultura da dependência", produzida, segundo ele, pelo Estado do bem-estar social?
Mas é engraçado ver como nos escondemos atrás das palavras. Se quiséssemos realmente respeitá-las, "austeridade" deveria significar ser austero e duro contra aqueles que produziram tal crise, ou seja, o sistema financeiro.
Significaria não instaurar um verdadeiro "capitalismo de espoliação", no interior do qual o sistema financeiro espolia o Estado chantageando-o com a ameaça da propagação de uma crise que, no fundo, já se propagou. Significaria não pegar dinheiro do povo para pagar "stock-options" de executivos especialistas em maquiar balanços. Melhor seria decretar moratória, controle estrito de capitais e, se necessário, quebra de contratos.
Mas os governos europeus preferem transformar a "austeridade" em uma cortina de fumaça que visa esconder o mais brutal processo de pauperização social e de desmantelamento de redes de assistência que o continente conheceu. Tudo isso embalado em uma xenofobia cínica, que tenta fazer acreditar que o problema está na fronteira, quando ele está no coração da City.
Contra isso, vemos as populações europeias radicalizando sua insatisfação através de greves gerais e manifestações constantes.
Certamente, este é apenas o começo. A era das mobilizações volta paulatinamente.
Porque logo os europeus aprenderão a beleza da poesia de Torquato Neto, o mesmo que escreveu: "Leve um homem e um boi ao matadouro; aquele que berrar é o homem.
Mesmo que seja o boi".
O que faz do homem um homem é sua capacidade de gritar quando quem o governa lhe oferece a pura e simples imagem do matadouro

Os donos da mídia estão nervosos

A Veja andou atrás do blogueiro Renato Rovai querendo saber como foi feita a articulação para que o presidente Lula concedesse uma entrevista a blogs de diferentes pontos do Brasil. Estão preocupadíssimos.

Laurindo Lalo Leal Filho

O blogueiro Renato Rovai contou durante o curso anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, realizado semana passada no Rio, que a Veja andou atrás dele querendo saber como foi feita a articulação para que o presidente Lula concedesse uma entrevista a blogs de diferentes pontos do Brasil. Estão preocupadíssimos.

À essa informação somam-se as matérias dos jornalões e de algumas emissoras de TV sobre a coletiva, sempre distorcidas, tentando ridicularizar entrevistado e entrevistadores.

O SBT chegou a realizar uma edição cuidadosa daquele encontro destacando as questões menos relevantes da conversa para culminar com um encerramento digno de se tornar exemplo de mau jornalismo.

Ao ressaltar o problema da inexistência de leis no Brasil que garantam o direito de resposta, tratado na entrevista, o jornal do SBT fechou a matéria dizendo que qualquer um que se sinta prejudicado pela mídia tem amplos caminhos legais para contestação (em outras palavras). Com o que nem o ministro Ayres Brito, do Supremo, ídolo da grande mídia, concorda.

Jornalões e televisões ficaram nervosos ao perceberem que eles não são mais o único canal existente de contato entre os governantes e a sociedade.

Às conquistas do governo Lula soma-se mais essa, importante e pouco percebida. E é ela que permite entender melhor o apoio inédito dado ao atual governo e, também, a vitória da candidata Dilma Roussef.

Lula, como presidente da República, teve a percepção nítida de que se fosse contar apenas com a mídia tradicional para se dirigir à sociedade estaria perdido. A experiência de muitos anos de contato com esses meios, como líder sindical e depois político, deu a ele a possibilidade de entendê-los com muita clareza.

Essa percepção é que explica o contato pessoal, quase diário, do presidente com públicos das mais diferentes camadas sociais, dispensando intermediários.

Colunistas o criticavam dizendo que ele deveria viajar menos e dar mais expediente no palácio. Mas ele sabia muito bem o que estava fazendo. Se não fizesse dessa forma corria o risco de não chegar ao fim do mandato.

Mas uma coisa era o presidente ter consciência de sua alta capacidade de comunicador e outra, quase heróica, era não ter preguiça de colocá-la em prática a toda hora em qualquer canto do pais e mesmo do mundo.

Confesso que me preocupei com sua saúde em alguns momentos do mandato. Especialmente naquela semana em que ele saía do sul do país, participava de evento no Recife e de lá rumava para a Suíça. Não me surpreendi quando a pressão arterial subiu, afinal não era para menos. Mas foi essa disposição para o trabalho que virou o jogo.

Um trabalho que poderia ter sido mais ameno se houvesse uma mídia menos partidarizada e mais diversificada. Sem ela o presidente foi para o sacrifício.

Pesquisadores nas áreas de história e comunicação já tem um excelente campo de estudos daqui para frente. Comparar, por exemplo, a cobertura jornalística do governo Lula com suas realizações. O descompasso será enorme.

As inúmeras conquistas alcançadas ficariam escondidas se o presidente não fosse às ruas, às praças, às conferências setoriais de nível nacional, aos congressos e reuniões de trabalhadores para contar de viva voz e cara-a-cara o que o seu governo vinha fazendo. A NBR, televisão do governo federal, tem tudo gravado. É um excelente acervo para futuras pesquisas.

Curioso lembrar as várias teses publicadas sobre a sociedade mediatizada, onde se tenta demonstrar como os meios de comunicação estabelecem os limites do espaço público e fazem a intermediação entre governos e sociedade.

Pois não é que o governo Lula rompeu até mesmo com essas teorias. Passou por cima dos meios, transmitiu diretamente suas mensagens e deixou nervosos os empresários da comunicação e os seus fiéis funcionários, abalados com a perda do monopólio da transmissão de mensagens.

Está dada, ao final deste governo, mais uma lição. Governos populares não podem ficar sujeitos ao filtro ideológico da mídia para se relacionarem com a sociedade.

Mas também não pode depender apenas de comunicadores excepcionais como é caso do presidente Lula. Se outros surgirem ótimo. Mas uma sociedade democrática não pode ficar contando com o acaso.

Daí a importância dos blogueiros, dos jornais regionais, das emissoras comunitárias e de uma futura legislação da mídia que garanta espaços para vozes divergentes do pensamento único atual.



Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

mídia e ditadura - É válido noticia com base em depoimento obtido sob tortura?

blog do zé
Publicado em 29-Nov-2010
Ombudman da Folha coloca validade em discussão...
Julgo da maior utilidade - e gostaria muito que discutissem isso comigo, quero ter a visão de vocês - o debate suscitado pela ombudsmann da Folha de s.Paulo, Suzana Singer, sobre a validade da publicação de reportagens que tenham como base dossiês e documentos de processos da ditadura militar com depoimentos arrancados de presos políticos sob tortura.

A ombusdsman levanta a questão em cima dos depoimentos contidos nos processos a que respondeu sob tortura a presidenta eleita Dilma Rousseff, durante a ditadura militar, quando ele ficou presa por três anos. A Folha requereu esses documentos, teve o acesso negado, mas em nova decisão, obteve a liberação pelo Superior Tribunal Militar (STM) e agora, com base neles tem publicado reportagens a respeito.

O jornal, ou melhor, sua ombudsman, diz que eu exagero quando defini os documentos do processo da Dilma como "lixo puro". Mas, é isso mesmo. Não é que não devam ser publicadas matérias com base neles, mas é necessário que aquilo que vier a público seja acompanhado máximo de esclarecimentos, principalmente de que aquilo foi obtido sobre tortura a que, na maioria dos casos, as vítimas eram levadas a um ponto em que era humanamente impossível resistir.

No debate que suscitou a ombudsman da Folha antecip a sua opinião: "A presidenta Dilma tem todo o direito de não ver publicado o que confessou ou inventou aos 22 anos pendurada em um pau de arara", conclui Suzana Singer, um final com o qual eu concordo plenamente. Daí ter dado a definição para os documentos - "lixo puro" - que ela considerou exagerada

Os efeitos de Lula na blogosfera

Carlos Castilho
Observatório da Imprensa:

Caso o presidente Lula leve adiante a sua idéia de ingressar na blogosfera logo depois de passar o governo em janeiro, esta decisão representará a transformação da internet brasileira numa nova arena partidária, com muitas chances de ofuscar os debates parlamentares e reduzir ainda mais o papel da imprensa na mediação com o público.

A entrevista de Lula a blogueiros, no dia 25 de novembro, pode ser vista como o primeiro passo concreto nesta direção, marcando um novo espaço político onde o presidente vai interagir diretamente com os internautas, passando ao largo do seu próprio partido. Pode ser o que um amigo definiu como “Lula em estado puro”, sem o protocolo presidencial e sem os entraves institucionais.

Caso ele aprenda a manejar os segredos de um blog e do twitter, o presidente poderá voltar ao estilo conversa em “porta de fábrica” que lhe trouxe tanta popularidade. Só que agora usando o espaço cibernético, cujo alcance é muitíssimo maior do que o megafone dos seus tempos de sindicato.

Se Lula inaugurou um novo estilo de governar durante os seus oito anos de presidente, ele agora pode promover mais uma inovação, ao criar um novo modelo de fazer política, sem a mediação da imprensa e dos partidos políticos. O contexto lhe é muito favorável já que vai sair do Planalto com a popularidade em alta e, mesmo fora do governo, tudo o que disser acabará na agenda política nacional, com ou sem blog.

É inevitável. Se não for Lula, pode ser qualquer outro político a empunhar o computador como ferramenta de comunicação, da mesma forma que Brizola usou a rádio para projetar-se no cenário político nacional, nos idos de 1961.

O ingresso de políticos na blogosfera é apenas uma questão de tempo, porque o sistema oferece vantagens demasiado atraentes para serem desprezadas. Para os políticos é uma plataforma barata e eficientíssima, por conta de seu alcance universal. Para o cidadão é ainda mais atraente porque lhe dá a possibilidade de intervir no debate, coisa que até agora era inviável.

Durante a campanha eleitoral de 2010, a blogosfera entrou em transe por conta das discussões contra e a favor de Lula. Vocês já imaginaram o que acontecerá quando e se o próprio Lula começar a postar sobre tudo e sobre todos?

Há, no entanto, uma outra cara da moeda. A polarização inevitavelmente gera uma guerra informativa em que a verdade é sempre a primeira vítima. Já tivemos um pouco disso na última campanha eleitoral, mas o fenômeno pode se tornar ainda mais intenso, caso a polêmica entre lulistas e anti-lulistas se transfira de corpo e alma para o espaço cibernético, onde as limitações são muito menores

teles - Cresce a concentração nas telecomunicações

Jacson Segundo,
Observatório do Direito à Comunicação:

Em compasso com o que ocorre no resto do mundo, o mercado de telecomunicações no Brasil está cada vez mais oligopolizado. Movimentos recentes das empresas do setor comprovam a tendência. Este ano a Portugal Telecom (PT), de Portugal, comprou parte da Oi. Em contrapartida, a PT vendeu sua participação na Vivo para a Telefônica.

A transação foi anunciada pela Portugal Telecom em 28 de julho deste ano. A empresa afirmou que pretende adquirir até 22,4% das ações da Oi - a um custo de cerca de R$ 8 bilhões -, o que a deixaria na posição de maior acionista da Oi. A PT tem metade de suas receitas no mercado internacional, basicamente nos países de língua portuguesa.

O presidente da Oi, Luiz Eduardo Falco, acredita que a união entre as operadoras vai gerar ganhos para ambas. Ele prevê, por exemplo, a possibilidade de compras conjuntas de equipamentos de rede.

Essa operação foi condição para que a a PT vendesse sua parte na Vivo à Telefônica. Ao assumir o controle da Vivo, a Telefónica passa a ser a maior empresa de telecomunicações do país, tanto em receita quanto em número de assinantes. Segundo reportagem da revista CartaCapital, o faturamento da empresa espanhola deve ser da ordem de R$ 32 bilhões anuais, ante R$ 29,9 bilhões da Oi/Portugal Telecom. A nova companhia ainda terá 68,4 milhões de clientes, ante 62,3 milhões da “supertele”, agora luso-brasileira.

No entanto, o impacto desse tipo de acordo comercial no mercado dificilmente é motivo para desfazer uma operação. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por exemplo, emitiu em 29 de outubro deste ano sua anuência para entrada da Portugal Telecom no bloco de controle da Oi. O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) ainda não emitiu parecer sobre o assunto.

Falta controle

A permissão que a Anatel vem dando a esses processos de mudanças societárias é outro porém. O Tribunal de Contas da União (TCU) tem questionado os acordos feitos entre a Anatel e as concessionárias. Neste último caso, envolvendo PT e Oi, o TCU avaliou que as condicionantes impostas pela agência não avaliaram corretamente os impactos anticoncorrenciais que a fusão deve gerar.

O parecer do TCU sobre a fusão da Brasil Telecom com a Oi também criticou a atuação da Anatel. O Tribunal afirmou que as condicionantes feitas pela agência reguladora foram todas sugeridas pela própria beneficiada. Além disso, parte delas eram obrigações legais ou regulamentares já existentes, demonstrando falta de um controle mais rígido por parte do órgão regulador.

“O capitalismo hoje é global e, se o países fazem esforços enormes para atraírem capital estrangeiro, a essas agências cabe mais é referendar esses movimentos, consumando fatos já criados”, comenta o professor da Unisinos Valério Brittos.

Dessa forma, as fusões seguem acontecendo sem entraves e imposição de condicionantes mais agressivas por parte do poder público. “A competição entre operadoras é vista na Anatel como um inconveniente maior, capaz de colocar em risco o objetivo principal. Sendo assim, todo o resto é acessório, inclusive o direito que todo o cidadão tem ao acesso aos serviços de telecomunicações. Para verificar na prática o que estou dizendo, basta ir a São Sebastião, periferia de Brasília, para constatar que a 15 KM da Anatel e do Ministério das Comunicações nenhuma empresa oferece banda larga”, critica o presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), Brígido Ramos.

Depois da movimentação entre PT e Oi, Telefônica e Vivo, se cogita outra grande fusão. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo existe um processo de unificação entre três gigantes ligadas ao grupo América Movilles, do mexicano Carlos Slim: a operadora de celular Claro, a operadora de telefonia fixa Embratel e a Net, que oferece TV paga e banda larga. No entanto, esse negócio ainda não foi oficializado.

Assim como em outros setores da economia, a oligopolização das telecomunicações pode trazer grandes prejuízos aos cidadãos. Não é à toa que a falta de concorrência é apontada por especialistas como um fator determinante para termos serviços de telefonia e internet entre os piores do mundo. E por isso também que um dos eixos do Programa Nacional de Banda Larga é o estímulo à concorrência.

O presidente da Fittel até acredita que a fusão entre Oi e PT pode gerar certos barateamentos de serviços, advindos dos ganhos de escala que serão gerados. “Mas a questão não é essa. O fato é que os brasileiros pagam muito mais por um serviço do que a maioria dos habitantes do planeta. Pesquisa da UIT/ONU feita no ano passado revela que o país é o 114º colocado entre 150, no que diz respeito ao comprometimento da renda com serviços de telecomunicações”, avalia Brígido Ramos.

Internacionalização

Outro risco previsto na operação da Oi é de sua desnacionalização. Apesar de o presidente Lula ter afirmado que a empresa continuará “brasileira da silva”, a transferência do controle da Oi não parece ser apenas uma alteração societária. Ela também pode significar mudanças de atuação no mercado, já que a PT pretende ter força nas definições estratégicas da Oi. “Não estamos investindo para ser mais um minoritário”, disse o presidente executivo da PT, Zeinal Bava, em teleconferência com analistas.

De certa forma, fica no ar um suposta contradição com o discurso anterior do governo no momento da fusão da Brasil Telecom com a Oi (BrOi), em que pretendia-se criar uma “supertele” nacional para competir com as operadoras internacionais. Agora, enquanto o Cade ainda nem emitiu um parecer favorável a essa transação da BrOi, ele próprio terá que se debruçar sobre outra mudança societária na Oi, envolvendo um grupo estrangeiro.

“Além de contraditório, o discurso do governo foi enganoso. Não sei se foi ato premeditado da parte do governo, com o intuito de desmobilizar a sociedade organizada e os trabalhadores da Brasil Telecom, mas o fato é que o discurso nacionalista não foi sincero, foi propaganda”, opina Brígido Ramos

IBGE - População do Brasil ultrapassa 190 milhões, mostra Censo 2010

29/11/2010 - 14h03 / Do UOL Notícias
Em São Paulo

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou na tarde desta segunda-feira (29) os primeiros dados definitivos coletados pelo Censo 2010. Segundo o instituto, o Brasil contava com uma população de 190.732.694 de pessoas em 1º de agosto, quando começou a pesquisa.

Em comparação com o Censo 2000 (último levantamento realizado pelo IBGE), ocorreu um aumento de 20.933.524 pessoas. Esse número demonstra que o crescimento da população brasileira no período foi de 12,3%, inferior ao observado na década anterior (15,6% entre 1991 e 2000).

O Censo 2010 mostra também que a população é mais urbanizada que há 10 anos: em 2000, 81% dos brasileiros viviam em áreas urbanas, agora são 84%.

Regiões
Entre as regiões do Brasil, a Sudeste continua sendo a mais populosa, com 80.353.724 pessoas, e Nordeste vem em segundo, com mais de 53 milhões.

"Entre 2000 e 2010, perderam participação as regiões Sudeste (de 42,8% para 42,1%), Nordeste (de 28,2% para 27,8%) e Sul (de 14,8% para 14,4%). Por outro lado, aumentaram seus percentuais de população brasileira as regiões Norte (de 7,6% para 8,3%) e Centro-Oeste (de 6,9% para 7,4%)", diz o IBGE.

Estados
Entre as unidades da federação, São Paulo lidera o ranking com 41.252.160 pessoas. No outro extremo, Roraima é o Estado menos populoso, com 451.227 pessoas.

Em uma década, os maiores percentuais de crescimento foram verificados no Amapá (40,18%), Roraima (39,10%) e Acre (31,44%). Já os menores percentuais ocorreram no Rio Grande do Sul (4,98%), Bahia (7,28%) e Paraná (9,16%).

População nas regiões, segundo o Censo
2000 2010
Brasil 169.799.170 190.732.694
Norte 12.900.704 15.865.678
Nordeste 47.741.711 53.078.137
Sudeste 72.412.411 80.353.724
Sul 25.107.616 27.384.815
Centro-Oeste 11.636.728 14.050.340
Municípios
Em relação aos municípios do Brasil, houve mudanças no ranking dos maiores do país. São Paulo continua sendo o mais populoso (com 11.244.369 moradores), seguido de Rio de Janeiro (6.323.037) e Salvador (2.676.606).

Já Brasília pulou de 6º para 4º lugar e Manaus de 9º para 7º. Por outro lado, Belo Horizonte foi de 4º para 6º, Curitiba de 7º para 8º e Recife 8º para 9º.

Homens e mulheres
A população brasileira é composta por 97.342.162 mulheres e 93.390.532 homens. Atualmente existem 95,9 homens para cada 100 mulheres --são 3,9 milhões de mulheres a mais que homens. Em 2000, para cada 100 mulheres, havia 96,9 homens.

Entre os municípios, o que tinha maior percentual de homens era Balbinos (SP); já o que tinha maior percentual de mulheres era Santos (SP).

Os mais velhos
Segundo o Censo 2010, existiam 23.760 brasileiros com mais de 100 anos durante o levantamento. A Bahia é o Estado a contar com mais brasileiros centenários (3.525), seguido de São Paulo (3.146) e Minas Gerais (2.597).

O levantamento
A coleta do Censo 2010 durou cerca de quatro meses, durante os quais trabalharam 230 mil pessoas, sendo 191 mil recenseadores. Segundo o IBGE, foram visitados 67,6 milhões de domicílios nos 5.565 municípios e ao menos um morador forneceu informações sobre todos os moradores de cada residência.

A partir do dia 4 de novembro, o IBGE realizou um trabalho de supervisão e controle de qualidade de todo material coletado.

Dezenove municípios brasileiros têm crescimento superior a 100%
Em uma década, 19 dos 5.565 municípios brasileiros pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o Censo 2010 dobraram a população. Os números definitivos do levantamento foram divulgados nesta segunda-feira (29).

MUNICÍPIOS QUE MAIS CRESCERAM
2000 2010 %
Balbinos (SP) 1.313 3.932 199,47%
Rio das Ostras (RJ) 36.419 105.757 190,39%
Pedra Branca do Amapari (AP) 4.009 10.773 168,72%
São Félix do Xingu (PA) 34.621 91.293 163,69%
Canaã dos Carajás (PA) 10.922 26.727 144,71%


Os maiores percentuais foram registrados em Balbinos (SP), com 199,47% de crescimento, Rio das Ostras (RJ), com 190,39%, e Pedra Branca do Amapari (AP), com 168,72%. Em números absolutos, no entanto, a cidade fluminense foi a que registrou maior contingente populacional em relação ao Censo 2000: foram 36.419 habitantes, naquele levantamento, diante dos 105.757, no atual.

Já 1.520 municípios registraram decréscimo de população nesses últimos dez anos. As maiores quedas ficaram por conta de Maetinga (BA), com 48,63% a menos que em 2000, Itaúba (MT), com -46,64%, e Severiano Melo (RN), com -45,63%.

Na última década, a população brasileira ficou 12,3% maior –190.732.694 pessoas no atual levantamento contra 169.799.170 em 2000– e mais urbanizada, com 84% diante dos 81% registrados anteriormente.

Os dados foram coletados durante quatro meses e apontam a região Sudeste do país novamente como a mais populosa do território nacional, com 80.353.724 habitantes, ainda que a participação de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, com 40,28% no total da população em 2010, tenha decaído em relação aos 40,82% em 2000.

Em uma década, os maiores percentuais de crescimento foram verificados no Amapá (40,18%), Roraima (39,10%) e Acre (31,44%). Já os menores percentuais ocorreram no Rio Grande do Sul (4,98%), Bahia (7,28%) e Paraná (9,16%).

De dez municípios com mais homens, nove são de SP
O Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgado nesta segunda-feira (29), reforça que a população geral do Brasil tem mais mulheres que homens –97.342.162 delas e 93.390.532 deles. Um ranking, entretanto, mostra que das dez cidades que tem maioria de homens, nove estão no Estado de São Paulo.

As maiores proporções masculinas estão em Balbinos (SP), Pracinha (SP) e Lavínia (SP), respectivamente com 82,2%, 72,83% e 70,46%. Também pelos paulistas, Iaras (65,81%), Reginópolis (63,93%), Álvaro de Carvalho (63,63%), Guareí (61,29%) e Serra Azul (61,04%) completam a lista, que traz ainda o município de São Pedro de Alcântara (SC) com mais homens que mulheres: percentual de 63,57%.

No Censo 2000, os maiores contingentes de homens, em comparação com mulheres, foram observados em Novo progresso (PA), Álvaro de Carvalho –único paulista, então, em um ranking de 10 com mais homens– e Nova Ubiratã (MT). Naquele ano, por sinal, o Mato Grosso, também com os municípios de Novo Mundo, Nova Bandeirantes, São José do Xingu e Apiacás, foi o Estado que liderou os maiores percentuais de homens.

São Paulo lidera o ranking dos Estados mais populosos, com 41.252.160 pessoas, enquanto Roraima, com 451.227 pessoas, está na ponta oposta. Os números mostram que o contingente maior é o de mulheres, com 3,9 milhões a mais que homens, diante de um total de 67,6 milhões de locais consultados pelos 191 mil recenseadores em 5.565 municípios.

Regiões Norte e Centro-Oeste crescem duas vezes mais do que resto do país, diz Censo
População nas regiões, segundo o Censo
2000 2010
Brasil 169.799.170 190.732.694
Norte 12.900.704 15.865.678
Nordeste 47.741.711 53.078.137
Sudeste 72.412.411 80.353.724
Sul 25.107.616 27.384.815
Centro-Oeste 11.636.728 14.050.340
A população do Norte e Centro-Oeste cresceu cerca de duas vezes mais do nas outras regiões do país na última década, segundo o Censo 2010, divulgado nesta segunda-feira (29) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O levantamento apontou que a população brasileira saltou de 169.799.170 habitantes em 2000 --quando foi realizado o penúltimo censo-- para 190.732.694 em 2010, o que representa um crescimento de 12,3%. No mesmo período, a população da região Norte subiu de 12.900.704 para 15.865.678, variação de 22,98%. A região teve o maior crescimento populacional do país.

No Centro-Oeste, o Censo indicou que a população aumentou de 11.636.728 para 14.050.340, crescimento de 20,74%. O menor crescimento populacional ocorreu no Sul (9,07%), onde o número de habitantes subiu de 25.107.616 para 27.384.815.

No Sudeste, a variação foi de 10,97% (72.412.411 para 80.353.724), e no Nordeste o crescimento no período foi de 11,18% (47.741.711 para 53.078.137 habitantes).

Bertotti avalia que debate sobre mídia passa por rever concessões de rádio e TV

Virginia Toledo
Rede Brasil Atual

Publicado em 27/11/2010, 13:40

Última atualização às 10:06


Rosane Bertotti acredita que o Brasil pode sofrer atrasos se não debater a regulação da comunicação (Foto: Parizotti. CUT)
São Paulo - A mobilização dos movimentos sociais e sindicais são responsáveis pelo atual debate sobre regulação da comunicação no Brasil. Rosane Bertotti, diretora de comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), entende que a militância pela democratização do setor vai crescer ainda mais no país.

A defesa da sindicalista corrobora a declaração do ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins, em seminário sobre liberdade de imprensa, no qual afirmou que o debate é mérito da sociedade, "que conquistou a duras penas uma compreensão profunda de que a liberdade de imprensa é algo absolutamente indispensável para o exercício da democracia."

Bertotti acrescenta que a participação social no debate foi fortalecida com a realização da Conferência de Comunicação (Confecom), em dezembro passado. No entanto, adverte sobre a necessidade de fazer com que as questões levantadas na conferência não sejam esquecidas. "Não há como democratizar sem mudar a estrutura de concessão, que foi muito debatida na conferência".

Durante a Confecom, foi consenso que é preciso estabelecer a proibição de sublocação de espaços na programação e estudar o estabelecimento de critérios mais rígidos para outorgas e renovação de concessões, este último visando a impedir a formação de monopólios midiáticos.

Bertotti também faz destaque ao orçamento estrondoso que as empresas de telecomunicações alcançaram este ano, e afirma ser consequência da não regulamentação pública. Para ela,da maneira como o setor é conduzido no Brasil, o próprio mercado ou o capital acabam fazendo a regulamentação, que passa a ser uma espécie "do que quem é maior, pode mais".

Os motivos, segundo Bertotti, são relacionados à legislação que rege o setor, que não leva em consideração a situação tecnológica e o debate sobre liberdade de imprensa. "Ou nós entramos nesse processo para definir aquilo que a gente quer da comunicação brasileira ou então o Brasil ficará para trás". Para ela, isso levaria à perda de qualidade na produção do conteúdo informativo, além de haver uma depreciação ao processo democrático. "Precisamos continuar essa discussão na linha das propostas e do enfrentamento”, defende a sindicalista.

Espaço ao trabalhador
Rosane acredita que a luta pela democratização da mídia já começou antes mesmo da consolidação de um marco regulatório. Ela cita um projeto articulado dentro da CUT e que já encontra-se em tramitação no Congresso Nacional, em que as emissoras de rádio e televisão serão obrigadas a conceder às centrais sindicais horário gratuito na programação. Se aprovada, a transmissão deverá ser, obrigatoriamente, de matérias de interesse do trabalhador e da sociedade. O texto, que tramita em caráter conclusivo, já passou pela Comissão de Trabalho na Câmara e será analisado pelas comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; e de Constituição e Justiça e de Cidadania

Para Singer, almas capitalista e radical do PT seguirão convivendo

Para Singer, almas capitalista e radical do PT seguirão convivendo

João Peres
Rede Brasil Atual

Publicado em 29/11/2010, 11:34

Última atualização às 11:34


O cientista político André Singer. (Foto: José Cruz/ABr)
São Paulo – André Singer, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, entende que o PT é, hoje, um partido mais popular do que foi ao longo de sua história, ao mesmo tempo em que sofreu uma separação da classe média que não se resolverá facilmente.

Singer considera que a mudança teve origem em 2002, quando o partido aceitou incorporar os pontos previstos na Carta ao Povo Brasileiro, compromisso firmado durante o processo eleitoral como aceno ao capital, ação complementada pela inclusão do empresário José Alencar na condição de vice na chapa de Lula. “Se formos traduzir, o partido dizia: 'vamos conter o gasto público até o patamar em que o capital considere que está bem'”, avalia o pesquisador, que na última semana participou de um seminário organizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Na ocasião, ele expôs os argumentos contidos no artigo “A segunda alma do Partido dos Trabalhadores”. Na visão de Singer, 2002 foi o ano que trouxe para o seio da sigla, de maneira repentina, essa segunda alma, conectada ao capital. A primeira alma corresponde à origem do partido, nascido da cultura das décadas de 1970 e 1980, efervescentes em lutas de massa dos movimentos sociais e ideias radicais no âmbito acadêmico.

De sua fundação, em 1980, até 2002, o PT trazia dentro de si apenas esta primeira alma, representante do radicalismo por meio de ideias socialistas, que se refletia em diversas atitudes do partido: a decisão de não apoiar a eleição indireta de Tancredo Neves à Presidência da República, a rejeição ao apoio do PMDB no segundo turno das eleições presidenciais de 1989 e a recusa a firmar a Constituição nascida em 1988.

“A cara dessa síntese, curiosamente, é um projeto nacional desenvolvimentista com um viés pluriclassista”, avalia o professor, que entende que o governo de Lula foi exitoso em reverter a herança de gestões que tentavam promover um processo de “restauração”, ou seja, de assegurar o não cumprimento de alguns dos pontos previstos na Constituição antes rejeitada pelo PT. Ele discorda da avaliação de que, atualmente, a segunda alma prevaleça sobre a primeira, que teria ficado presente apenas no discurso. “Há um limite para a elasticidade das palavras”, define. “Quando se comparece a uma reunião do PT, o que se vê é a primeira alma bastante presente. Fala-se em uma proposta socialista, na necessidade de baixar os juros, em reforma agrária”.

Ou seja, ao mesmo tempo em que a atual gestão presidencial assegurou o cumprimento dos anseios dos setores que representam o capital, houve espaço para cumprir parte da agenda dos antigos segmentos, que esperam uma mudança radical na agenda social brasileira – uma conciliação que tem como figura fundamental Lula, líder político ímpar na habilidade em fazer lados diferentes conviverem.

Por isso, ele avalia que não há possibilidade de uma separação neste momento. Por conta dos acontecimentos históricos, tampouco acredita que a segunda alma do PT possa se juntar às alas ditas progressistas do PSDB, já que os dois partidos devem seguir como os únicos que têm condições de polarizar as disputas eleitorais de nível federal. Singer considera que não é verdadeira a avaliação de que os dois partidos se parecem em relação a programas, ponderando que as diferentes visões sobre papel do Estado são o eixo das diferenças. “O PSDB é um partido em que a ala progressista não domina. O que domina é uma concepção mercadista. Já o PT tem uma adesão à ideia de ordem, o que é bastante diferente de imaginar que o mercado possa resolver, sozinho, os problemas sociais.”

Mais popular, menos classe média
A situação se refletiu numa mudança da configuração da sigla. Se, durante as décadas de 1980 e 1990, o PT se caracterizava por um amplo apoio das classes média e alta urbanas, a partir de 2002 passa a conquistar o apoio dos estratos mais pobres da população. Para Singer, o ponto de mudança é 2005, quando, atingido pelas denúncias do chamado “mensalão”, o partido perde boa parte do apoio das classes médias – na visão do professor, um divórcio que pode ser irreparável. “Como o PSDB está muito identificado com a classe média, é uma tendência que, à medida em que cresça esse setor, como vem ocorrendo, isso gere uma preferência por esse partido. Mas essa mudança não é automática e devemos ponderar que o quadro não é estático, que os demais partidos também vão buscar mudanças”, pontua Singer.

Entre as classes baixas, no entanto, e em especial nas capitais periféricas, a legenda assiste a um forte crescimento, que resulta no fortalecimento de um processo já em curso, o da consolidação como única sigla de massas do Brasil. Em seguida à redemocratização, cabia ao PMDB esse papel, mas o PT se expandiu fortemente e, atualmente, tem a preferência de mais de 24% dos brasileiros, muito à frente das demais siglas, que figuram com no máximo 6%. O professor entende que 2002 foi, novamente, fundamental para a atração dos segmentos de menor renda. “O fator principal para que o subproletariado se torne a base do PT é a ideia de ordem, a noção de que não haverá uma quebra desta ordem.”

A divisão por faixas de rendimentos deixa mais clara a tendência. De acordo com as pesquisas Datafolha republicadas no artigo de Singer, o PT é a sigla de preferência de 22% dos que recebem até dois salários mínimos, contra 15% imediatamente antes da chegada ao poder e 8% em 1998, uma situação muito parecida à que se nota na faixa entre dois e cinco salários mínimos. Nos dois segmentos de renda mais alta, no entanto, o que se assiste é a um rápido declínio logo após o episódio do mensalão. Em 1992, as duas faixas de rendimentos mais baixos representavam, somadas, 40% do total do eleitorado que apontava o PT como sigla de preferência. Após a adesão à “ordem”, para usar os termos de Singer, o que ocorre é uma inversão destas proporções, que atingem 67% em 2002 e 85% neste ano.

Saber o futuro desta convivência entre duas almas é o desafio daqui por diante. Em seu artigo, ele expõe que a síntese do quadro atual é a retomada do projeto sustentado sobre uma aliança de classe, possibilidade que parecia revogada desde o golpe de 1964. “A convivência das duas almas do PT leva a paradoxos. (...) As diferentes descrições da mudança do PT, que apontam ora no sentido da opção maximizadora, ora da manutenção do sentido ideológico original, perdem de vista que o característico da fase que se abre em 2002 é a coexistência de dois vetores opostos em um mesmo corpo partidário.”

literatura - AS ASAS DOS DESEJOS QUE ENVOLVIAM AS BARATAS SITIANTES.RETESAVAM NERVOS DE ÓDIO, EMUDECIAM A TODOS E CONTAGIAVAM MEDOS ENCALACRADOS

EU, DE MADRUGADA,LEMBRANDO TEIAS E NINHHOS DE SERPENTES KAFKIANAS: QUANDO ACORDEI,UM ANJO TORTO DISSE, VAI SER INSETO ASSIM LÁ A CASA DAS LARVAS DO SARALHO...

domingo, 28 de novembro de 2010

literatura - O DNA da língua - RUY CASTRO

Com todos os seus erros, grosserias e belezas

RESUMO
Dois dicionários recém-lançados -um etimológico e outro de expressões populares- recuperam expressões idiomáticas e palavras (como "baderna" e "zupar na bisca") que, além de testemunharem as mudanças da língua portuguesa e da cultura brasileira, podem ser fonte de grande prazer para os amantes da leitura.


QUEM CONHECEU A CASA DE TOM JOBIM no alto do Jardim Botânico, no Rio, não conseguia deixar de se surpreender. Na estante de sua sala, poucos livros sobre música. Mas, ocupando as prateleiras, tomando a tampa do piano e empilhando-se sobre poltronas, alguns livros de poesia -e muitos dicionários. Dezenas deles, em várias línguas e de todos os gêneros: analógico, de sinônimos, tupi-guarani, de gíria brasileira e americana, de folclore, de pássaros.
Fazia sentido. As notas musicais, que Tom usava para trabalhar, já estavam todas na cabeça. Mas as palavras, sua grande paixão, não podiam ficar soltas pela casa. Seu lugar era dentro dos livros, em forma de poema, ou dos dicionários, como exércitos de reserva, de plantão para o combate, para a esgrima das ideias. Elas dominavam também boa parte das conversas de Tom em mesa de bar. E não importava muito o interlocutor. Na verdade, era como se ele dialogasse com elas, mais do que com a pessoa à sua frente. Uma de suas fixações eram as palavras que começavam com "al", denotando a presença árabe na península Ibérica e, daí, entre nós. "Alarido, alaúde, alazão, albornoz, Albuquerque, alcachofra, alcaçuz, alcaide, alcaparra, alcateia, alcatifa...", ele as ia desfiando, até que algum engraçadinho -o que era invariável- o interrompesse, citando o gângster Al Capone. Acho que ele desfiava o rosário de "als" para provocar a menção a Al Capone -e, se era assim, não fui o único a morder a isca.
Tom não cairia na armadilha de confundi-las com outras palavras em "al", mas não de origem árabe, como "albatroz", do francês "albatros", por intermédio do inglês "albatross", o qual, incrível, vem do português "alcatraz", uma espécie de pelicano -e esta, sim, talvez proveniente do árabe "al-gattás". Ou as latinas "alegria", "alegoria" e "aleluia", a francesa "alergia", as hispânicas "almofada" e "alpiste", a inglesa "alumínio". Tom não cometeria esse erro porque gostava de estudar, fazia a lição de casa e, claro, devia ter mais de um dicionário etimológico -entre os quais o ótimo "Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa", do filólogo carioca Antônio Geraldo da Cunha, publicado originalmente em 1982 e que está saindo em nova e enriquecida edição [Lexikon/Faperj, 744 págs., R$ 74,90].
A etimologia -"ciência que investiga as origens próximas e remotas das palavras e sua evolução histórica", segundo o próprio dicionário- é uma espécie de genealogia da língua. E um dicionário do gênero é o seu, digamos, DNA. Para quem gosta das palavras, a leitura de um dicionário etimológico pode ser tão emocionante quanto a de um romance de capa e espada. Aliás, os quiproquós não são muito diferentes: a língua também comporta a luta de classes, a sobrevivência das espécies, manobras econômicas, trocas comerciais, invasões estrangeiras, correrias, perseguições, fugas -a diferença é que, em vez de damas de peruca empoada e heróis mascarados, os protagonistas são as palavras. Há palavras que entram na língua disfarçadas e pela janela; outras que desaparecem e são esquecidas, e, um dia, são encontradas mortas num sebo de livros; e ainda outras que surgem de repente, brilham por um momento nos salões, e também acabam abandonadas. Um dicionário etimológico conta, em pílulas, tudo o que aconteceu na língua.
Ele nos ensina também sobre a nossa própria índole. Quem diria, por exemplo, que palavras como "botequim", "malandro" e "baderna" -três vocábulos que, às vezes, andam juntos até altas horas- não vieram do carioquês castiço ou de uma remota raiz africana, mas do... italiano? Sendo que "baderna" (desordem, confusão) nasceu de uma dançarina italiana, Maria Baderna, que atuou no Rio em 1851 e deixou os estudantes brasileiros em polvorosa.
E quem diria também que "bossa" (inchação, protuberância, mas também aptidão, queda, vocação) vem do francês "bosse" e se usa em português desde o século 18? Ou que Garrincha, o jogador, cujo nome derivou de um passarinho chamado garricha, pode ter a ver com "garrir", do latim "garrire", significando ressoar, tagarelar, chilrear? E não é interessante que "moleque" (indivíduo sem palavra ou sem seriedade, canalha, velhaco, patife) esteja regredindo em São Paulo a seu sentido original em quimbundo, "mu'leke", menino, rapazote?
Antônio Geraldo da Cunha (1924-99) não viveu para ver verbos como "deletar", "googlar" e "twittar" se intrometerem na língua do Brasil -com uma facilidade que não encontram em outras terras. E seus continuadores preferiram deixar esses estrupícios, por enquanto, de fora do dicionário. Mas tais verbos têm uma boa chance de, um dia, encontrar abrigo no "Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa", do estudioso cearense João Gomes da Silveira, que acaba de sair pela WMF Martins Fontes [980 págs., R$ 98].
Neste, que se subintitula "Riqueza idiomática das frases verbais; uma hiperoficina de gírias e outros modismos luso-brasileiros", o critério é mais liberal -basta que o povo adote uma expressão para que ela comece a fazer parte da língua. De "abafar a banca" (ganhar no jogo todo o dinheiro do banqueiro), gíria do Rio, à coimbrã "zupar na bisca" (sair habilmente de qualquer embaraço), passam-se mais de 900 páginas de chulices menos ou mais conhecidas, mas quase todas deliciosas.
Este é um livro que, apesar do peso, pode ser levado para e lido em qualquer lugar, sozinho ou em grupo, com a garantia de gerar prazer. O prazer, por exemplo, de descobrir as meiguices da língua: "acatitar os olhos" (arregalar os olhos), "andar à esparavela" (andar nu), "armar-se em parvo" (fazer-se de bobo), "bater com as dez" (morrer), "estar-se nas tintas" (não ligar, não dar bola), "ladrar à lua" (falar sem ser ouvido); "lamber embira" (passar miséria), "passar à espada" (namorar muitas mulheres) -a maioria, de origem lusa, mas que podíamos aplicar aqui. Permite também fazer mau juízo de expressões inocentes: "alçar a caganeta" (ir-se embora), "botar o cu na goteira" (ficar prevenido), "comer escoteiro" (comer um único tipo de alimento, sem acompanhamento), "melar a vara" (estragar um negócio), "meter nos cornos" (decorar, fixar na memória), "tomar na cuia" (ser vencido, perder uma questão).
É verdade que, em muitos casos, a expressão, além de suspeita, é mesmo culpada. Pode-se, por exemplo, afogar o ganso, o grilo, o jegue e o Judas, tudo com o mesmo sentido. No sentido contrário, dependendo da região do Brasil ou de Portugal, pode-se dar a goiaba, a maricotinha, o boga, o chicote, o disco, o fiofó, o frosquete, o furico, o oitão, o oiti, o tareco e, mais universalmente, o rabo.
Aliás, quando se trata de inventar expressões para descrever o ato sexual, brasileiros e portugueses são tão criativos que nem parecem religiosos -a não ser que toda essa riqueza de chulices se refira exclusivamente ao sexo para fins de reprodução.
O dicionário de Gomes da Silveira [leia entrevista em folha.com/ilustrissima] pereniza expressões outrora comuns e hoje em risco de extinção, como "abrir o bué" (chorar), "deixar a pão e laranja" (deixar passar fome), "ir à garra" (perder o rumo, ficar à deriva) e tantas outras. De uma ou duas décadas para cá, a língua parece estar sendo reduzida a um vocabulário básico -a maioria das pessoas fala e escreve do mesmo jeito, niveladas, creio, pela mediocridade da televisão. Com isso, livros como este dicionário serão indispensáveis para o dia em que a língua for efetivamente restaurada, com todos os seus erros, grosserias e belezas. Tom Jobim iria adorar.

Quando se trata de inventar expressões para descrever o ato sexual, brasileiros e portugueses são tão criativos que nem parecem religiosos -a não ser que toda essa riqueza de chulices se refira exclusivamente ao sexo para fins de reprodução

Para quem gosta das palavras, a leitura de um dicionário etimológico pode ser tão emocionante quanto a de um romance de capa e espada