segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

blog do miro - Movimentos Sociais - CMS abre guerra contra “agenda regressiva"

Reproduzo artigo de Leonardo Wexell Severo, publicado no sítio da CUT:

A plenária nacional da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) elevou o tom contra a “agenda regressiva” imposta pelos interesses do sistema financeiro e sua mídia, decidindo pela realização de uma jornada unificada de lutas, ampla e massiva - já no primeiro semestre - por mudanças na política econômica e pela democratização do Estado.

As entidades populares defenderam a implantação de reformas estruturais - como a agrária, urbana, educacional e política -, e a construção de um novo marco regulatório das comunicações para pôr fim ao oligopólio privado e garantir a mais plena liberdade de expressão.

Com a presença de 80 dirigentes de entidades sindicais, de trabalhadores rurais e urbanos, estudantis, comunitárias, femininas e da negritude, representando 11 estados (AP, BA, ES, MG, MT, PR, RJ, RO, RS, SC, SP) e do Distrito Federal, a plenária realizada nesta sexta-feira (25) na sede central da Apeoesp, na capital paulista, debateu a conjuntura nacional e internacional, apontando formas unitárias de atuação no próximo período “para impedir o retrocesso”.

Conforme o documento aprovado pela plenária da CMS, embora a eleição da presidenta Dilma esteja ligada “à determinação do povo por mais mudanças, pela afirmação da soberania nacional e o aprofundamento da democracia”, “existe forte pressão dos setores conservadores e sua mídia para impor uma agenda regressiva ao próximo período”.

“As ações implantadas nesse início de mandato pela equipe econômica - sob justificativas do controle da inflação e das contas públicas – seguem num caminho diferente do apontado pelas urnas e reproduzem a pauta imposta pelos interesses do setor financeiro, sustentadas no Banco Central”. Exemplo disso, aponta a CMS, “é o aumento dos juros, o congelamento das contratações públicas, o contingenciamento de 50 bilhões de reais e o pouco diálogo no debate sobre o reajuste do salário mínimo”.

Abertura

Presente à mesa de abertura, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, lembrou que o aumento dos gastos de custeio ocorridos durante o governo Lula significou “aumento da transferência de renda” para as parcelas mais necessitadas da população e denunciou que, agora, ”é neste ponto que estão querendo mexer”. Artur salientou que “a agenda do mercado”, que identificou como a pauta dos derrotados nas últimas eleições, não interessa ao povo brasileiro.

O líder cutista alertou que “este namoro da Dilma com a mídia vai durar seis meses e aí depois o governo virá nos procurar para sustentá-lo, como fez em 2005”. Na época, a mobilização da CMS impediu a materialização do golpe contra o presidente Lula, tramado por demos e tucanos em sintonia com os barões da mídia sob o mantra do “combate à corrupção”.

Para Artur, o fundamental neste momento é construir uma “agenda prioritária” dos movimentos sociais para ampliar a pressão, “com diálogo e luta, negociação e mobilização” e garantir um espaço de interlocução com o governo federal. “Assim como os empresários têm interlocução direta, nós também precisamos ter. E não é reuniãozinha, mas um espaço institucional que envolva os ministérios e as autoridades afins para debater e resolver os nossos problemas, que são os do povo brasileiro”, assinalou.

E, saudando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Artur encerrou a intervenção com uma citação histórica da revolucionária Rosa Luxemburgo publicada no jornal do MST: “Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir. É preciso auto-disciplina interior, maturidade intelectual, seriedade moral, senso de dignidade e de responsabilidade, todo um renascimento interior do trabalhador. Com homens preguiçosos, levianos, egoístas, irrefletidos e indiferentes não se pode realizar o socialismo”.

Segundo Rosane Bertotti, secretária nacional de Comunicação da CUT e da direção operativa da CMS, “o mais importante é a existência de uma compreensão comum de que devemos estar unidos e mobilizados, movimento sindical e social, para avançar nas conquistas e barrar qualquer retrocesso”.

“Ficou evidente em cada fala, nas contribuições dos diferentes estados e entidades, que vamos à luta contra o corte de recursos, a suspensão de concursos públicos, a elevação dos juros e o freio à expansão salarial, anunciados recentemente pela equipe econômica. Nosso compromisso é com a melhoria das condições de vida e trabalho dos brasileiros e brasileiras e isso se faz com um Estado indutor, que exerça forte protagonismo no combate às injustiças sociais e regionais que ainda nos infelicitam”, sublinhou.

Rosane citou a recente participação em Dacar, no Fórum Social Mundial, para lembrar do enorme reconhecimento internacional ao papel do governo Lula, que é referência por ter defendido o mercado interno, expandido o salário e o emprego, contrariando a lógica do “ajuste fiscal” propagandeada pelo FMI e pelo Banco Mundial.

Em nome da coordenação do MST, Gilmar Mauro defendeu a democratização da comunicação como um elemento chave para o avanço da democracia no país, e alertou para os riscos do governo evitar mexer “nesse monopólio que criminaliza os movimentos sociais e a pobreza”. O caso Cutrale, onde o MST realizou uma ocupação no interior paulista para denunciar a grilagem de terras públicas – que o próprio INCRA confirmou pertencerem à União – é esclarecedor, citou.

Na época, a mídia privada – mais privada do que mídia – divulgou que os prejuízos causados pelo MST totalizaram R$ 1,2 milhão, referentes aos equipamentos danificados, aos defensivos agrícolas extraviados e à parte da lavoura de laranja derrubada. Embora a Justiça tenha desmentido a calúnia e dado ganho de causa ao MST, declarou Gilmar, “durante um tempo não podíamos sair na rua em Bauru, pois produziu-se um consenso para gerar processos coercitivos”.

Na prática, explicou, esta política de “coerção e consenso” fabricada pelos meios de comunicação a serviço do opressor tenta tornar palatáveis para as amplas maiorias as mais repugnantes formas de violência contra o oprimido. Assim, condenou, nos deixam sem opção, “nos perguntam com que molho queremos ser servidos”. Citando a fala de Artur Henrique, Gilmar disse que é preciso apresentar uma pauta unificada com os seguintes pontos, “não necessariamente nesta ordem”, brincou: reforma agrária, reforma urbana, reforma educacional, reforma política, democratização da comunicação, combate à criminalização do movimento sindical e da pobreza, defesa do pré-sal para o povo brasileiro, redução da jornada para 40 horas semanais e defesa das lutas sociais, como o passe livre para os estudantes e o combate à violência contra as mulheres.

Balde de água fria

O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Augusto Chagas, denunciou que as medidas que vêm sendo adotadas pela equipe econômica estão na contramão do projeto pelo qual a presidenta Dilma foi eleita e representam “um balde de água fria sobre o aquecimento da possibilidade de desenvolvimento brasileiro”.

“Salário mínimo de R$ 545,00, juros altos, corte assustador de R$ 50 bilhões, congelamento de contratações... E a justificativa para isso é um discurso mentiroso, como é o tal surto inflacionário, os gastos públicos”, protestou Chagas, esclarecendo que a real sangria está nas centenas de bilhões que saem dos cofres públicos para o pagamento de juros aos banqueiros, “uma distribuição de renda às avessas".

Sônia Coelho, da Marcha Mundial de Mulheres, destacou que o aumento irrisório dado ao salário mínimo é preocupante, pois mais do que o “valor”, encerra uma concepção que atenta contra o processo de valorização progressiva de um poderoso instrumento de justiça social. Segundo Soninha, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apresentou um estudo em 2007 que comprova um levantamento que o movimento feminista havia realizado anos antes: “a valorização do salário mínimo é uma política fundamental para alterar a condição de vida das mulheres e da população negra”.

Na avaliação do vice-presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Ubiraci Dantas de Oliveira, o argumento falacioso da “pressão inflacionária”, utilizado para frear a política de valorização do salário mínimo, deve ser combatido “uma vez que a inflação é externa e vem da especulação das commodities promovidas pelas multinacionais”.

Portanto, assinalou Bira, “aumento de juros, arrocho salarial e redução do investimento público, além de serem completamente ineficazes para enfrentar o problema, só tornam o país mais vulnerável”. “Nesta luta pela independência e a soberania nacional nós vamos mobilizar todos os patriotas e enquadrar o Palocci e o Mantega, que estão fazendo o jogo do atraso”, acrescentou.

Representando a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Rogério Nunes, declarou que o projeto que elegemos era de continuidade do governo Lula, para aprofundar as mudanças. Mas “ao contrário”, denunciou, o valor de R$ 545 aprovado para o salário mínimo reflete uma concepção retrógrada, desmerecendo uma política de valorização que ajudou a combater os efeitos da crise internacional. A decisão da equipe econômica, condenou Rogério, “é monetarista, retrai o crescimento e o desenvolvimento nacional”.

Para o veterano Gegê, da Central dos Movimentos Populares (CMP), é inadmissível que num governo eleito para fazer mudanças, a equipe econômica se coloque na posição de administradora da crise do capital, tentando jogá-la sobre os ombros dos trabalhadores. “É um comportamento oportunista, eleitoreiro, de gente que pega carona no nosso caminhar. Precisamos enfrentar esta concepção, pois é um peso de tora, difícil de carregar”, frisou.

Pressão sobre o governo e o parlamento

De acordo com o secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, a unidade de ação e mobilização da CMS será imprescindível para colocar a pressão das ruas dentro do governo e também do parlamento. Solaney citou especificamente a necessidade da aprovação da PEC 438, que expropria as terras onde for encontrado trabalho escravo. “A Lei Áurea teve dez dias de debate no parlamento, a PEC 438 já tem 10 anos. Precisamos garantir a sua aprovação para que estas pessoas que foram escravizadas passem a ser donas da terra”, defendeu.

Para Lúcia Stumpf, da União Brasileira de Mulheres (UBM), a plenária nacional mostra que os movimentos sociais "estão mais vigorosos do que nunca, no Brasil e no mundo, demonstrando que têm força para mudar a corrente do vento". As propostas apresentadas no Projeto Brasil, aprovado em 31 de maio de 2010 pela CMS, enfatizou, devem ser o foco das reivindicações por "reformas que mudem a estrutura do Estado, democratizando-o na essência".

Em nome do Coletivo Intervozes, João Brant denunciou o emaranhado de interesses escusos que se articulam em torno da mídia hegemônica, sublinhando o papel protagônico dos movimentos sociais para que as deliberações da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) não virem letra morta. A fim de que o novo marco regulatório do setor expresse o desejo e as expectativas da sociedade brasileira, destacou, o momento é de colocar pressão.

A plenária também reafirmou a posição da Assembleia dos Movimentos Sociais, aprovada no Fórum Social Mundial de Dacar, de fazer do 20 de março um Dia Mundial de Luta Contra as Bases Militares dos Estados Unidos e em solidariedade ao povo cubano e palestino, aproveitando a visita do presidente Barack Obama ao Brasil.

Entre outras lideranças, fizeram uso da palavra Edson França, da União de Negros pela Igualdade (Unegro); Yann Evanovick, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e Bartíria Costa, da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam

blog do nassif - Tudo sobre Fernando Pessoa

blog
luisnassif, dom, 27/02/2011 - 22:19
Autor: Ivan Claudio
Por Gilberto Cruvinel
Da Revista Isto É - 25.Fev.11

O poeta português ganha a sua primeira biografia escrita no Brasil. Na contramão do muito que já se falou sobre Pessoa, o advogado e escritor José Paulo Cavalcanti desmonta lendas e mitos e traz à luz fatos inéditos

Ivan Claudio




NOVAS LUZES
Fernando Pessoa em tela de AlmadaNegreiros: vida revista e esmiuçada

Desde a sua morte, em 1935, já se escreveram mais de seis mil livros sobre a obra do escritor português Fernando Pessoa, um dos maiores da língua portuguesa e da literatura mundial. Mas biografias só existem três. A escassez decorre da originalidade de sua poesia, que se desdobrou em uma centena de heterônimos (autores fictícios) e, por isso, polariza a atenção dos estudiosos.

Há também outra razão, mais prosaica: Pessoa, morto aos 47 anos, passou quase a totalidade de sua curta existência em Lisboa e, nela, circunscrito a uma área de no máximo quatro quilômetros quadrados – território exíguo onde morava, trabalhava e ficavam os cafés que frequentava. Uma vida voltada para a arte e sem grandes lances, que necessita de uma lupa para reverberar versos como o de sua persona mais famosa, o poeta Álvaro de Campos: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” É com essa lente de aumento do rigor e da meticulosidade que o advogado e escritor pernambucano José Paulo ­Cavalcanti, 62 anos, pesquisa há uma década a trajetória do poeta e lança no dia 24 de março o livro “Fernando Pessoa – Uma Quase Biografia (Record). É a primeira obra do gênero sobre esse escritor no Brasil e Cavalcanti diz que a escreveu “quase não querendo”: “Esse é o livro que eu sempre quis ler sobre Pessoa e que até agora não existia.” Sua publicação promete causar polêmicas de alcance mundial, já que revê muitos fatos tidos como certos em relação ao autor do “Livro do Desassossego” e do poema “Tabacaria”, do qual foram extraídos os versos citados acima.


PERSONAGEM
Pessoa criou muitos autores fictícios. A biografia acrescenta 60
desses heterônimos, além dos já conhecidos

O poema “Tabacaria”, primeiro contato de Cavalcanti com o universo do autor (ele o leu aos 16 anos), suscitou algumas das maiores descobertas a ser reveladas pelo livro inédito. A tal loja de cigarros e charutos, que sempre se creu que Pessoa via da janela de sua casa e que até hoje se pensava chamar-se A Morgadinha é, na verdade, a Havaneza dos Retroseiros (atualmente uma loja de peles). Pessoa não a via da janela do quarto como se acreditava, mas do escritório onde trabalhava com o amigo Luís Pedro Moitinho de Almeida. Para chegar a essa conclusão, Cavalcanti adotou o método empírico: visitou o lugar em que o poeta morava na época e provou que, mesmo se ele se encurvasse na janela, não veria tabacaria alguma. Outro erro: o poema é de 1928 e a Morgadinha foi fundada em 1958. Nesse período, ele não tinha máquina de escrever e varava as noites usando a do trabalho, no centro de Lisboa. Basta olhar da janela desse prédio: está lá a antiga Havaneza. As conclusões de Cavalcanti não param aí. O homem citado no poema, o “Esteves sem metafísica”, realmente existiu e foi quem, tempos depois, registrou o atestado de óbito do escritor. Cavalcanti vai mais longe e avança na questão dos heterônimos para provar que Pessoa não se multiplicava apenas em 67 autores fictícios, mas em 127. Faz até uma genealogia do perfil inventado por ele para o seu mais famoso “duplo”, Álvaro de Campos, o autor de “Tabacaria”: teria nascido em Tavira (terra do seu avô paterno), no dia 13 de outubro (aniversário de Friedrich Nietzsche) de 1890 (para ser um ano mais jovem que Alberto Caeiro, outro heterônimo). A tia-avó com quem o imaginário Álvaro de Campos vivia era na verdade duas, as tias Maria e Rita, essas sim reais – tias mesmo do próprio Pessoa. E por aí vai.

Também causará polêmica a tese do ­biógrafo, para quem o autor lisboeta era um “homem sem imaginação” – e isso no melhor sentido.
“Tudo o que Pessoa escreveu refere-se a ele e ao seu entorno, indo dos ­vizinhos às amizades literárias”, diz Cavalcanti. E foi atrás desses rastros “­reais” deixados aqui e ali em seus escritos que o biógrafo se embrenhou por Lisboa em cinco viagens ao ano para compor a obra. Serviram-lhe como guias, pesquisadores e consultores na checagem dos fatos um jornalista e um historiador. Cavalcanti entrevistou familiares e pessoas que moraram próximas aos 20 endereços diferentes onde o biografado teve residência – três o conheceram em vida, como Antonio, o filho do barbeiro que aparava o bigodinho do poeta. Outra fonte é o octogenário e aposentado Carlos Bate-Chapa. Ele explicou a Cavalcanti o significado dos pedidos cifrados que o escritor fazia nas mercearias quando começava a beber pela manhã: “Sete” era o vinho de sete tostões, servido em copo grande e escuro para disfarçar o alcoolismo; “286” era, por ordem, caixa de fósforos (dois tostões), cigarros (oito tostões) e um cálice de macieira brandy (seis tostões).




“Tudo o que Pessoa escreveu refere-se a ele e ao seu entorno,
indo dos vizinhos às amizades literárias”
José Paulo Cavalcanti, escritor

Os encontros com familiares terminaram por aumentar o acervo de peças raras que Cavalcanti tem sobre o escritor e que serão mostradas na exposição “Fernando Pessoa – Plural como o Universo”. A abertura da mostra no Rio de Janeiro coincide com o lançamento da biografia. Dos primos do escritor, ele comprou o restante da biblioteca que não foi para instituições. De Maria das Graças Queirós, a sobrinha de Ofélia Queirós, a grande paixão do poeta, Cavalcanti adquiriu o retrato assinado por Almada Negreiros, o famoso “homenzinho de óculos e bigode”. Ela se dispôs a vender a obra ao ouvir de Cavalcanti o episódio de seu encontro com um sósia do artista. Ele, Cavalcanti, não hesitou: começou a seguir o homem que desapareceu correndo pelas ruas de Lisboa. Maria das Graças não teve dúvida: era o espectro de Pessoa e esse seria um sinal de boas-vindas ao brasileiro.

“Se o fantasma dele realmente existir, pode ter certeza de que está satisfeito de esses pertences estarem comigo”, diz Cavalcanti. Do lado de cá, os brasileiros fazem coro.

O SOM DO RELÓGIO - F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora,
Só ele é a noite
E a noite se ignora.

Não sei que distância
Vai de som a som
Peguando, no tique,
Do taque do tom.

Mas oiço de noite
A sua presença
Sem ter onde acoite
Meu ser sem ser.

Parece dizer
Sempre a mesma coisa
Como o que se senta
E se não repousa

O Som do Relógio de Ferrabrás Pessoa.

O Som do Relógio
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora;
Ecoa o que dentro
Do meu peito mora.

Ah, como este inveja
O taque seguro
Do rival de aço, e
Seu firme futuro!

O toque dest'outro,
Ao mudar da sorte,
Ora falha, ou dispára,
Mais fraco, ou bem forte.

E do atrito dos anos
não há quem lhe repare
os sofridos danos---
Exceto sua morte.

O Som do Relógio de Filiberto Pessoa.

O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora
Qual passo de atleta
Que as léguas devora.

Martela-lhe o peito
Com pulso constante,
Pendulam-lhe os braços
Em ritmo ofegante.

Se nunca se cansa
Seu corpo de aço
É que toma alento
A cada compasso:

Repousa um momento
Suspenso no vão
Entre o salto no tique
E o toque no chão.

O Som do Relógio de Florêncio Pessoa

O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora,
E a fala das gentes
Minh'alma devora.

Como luzes que cegam,
Ou livros mendazes,
Palavras sufocam
As mentes capazes.

Agridem-me as vozes,
Embotam-me o ouvido
As frases ferozes
De vácuo sentido.

Nojento debate!
Bem mais me valia
O suave conselho
Da noite vazia

O Som do Relógio de Faramundo Pessoa

O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora,
Tem o tempo que foi-me,
E querem-me agora?

Tropeço na margem
Da noite cortante,
Da névoa sombria,
E querem que eu cante?

As poças refletem
O lume no poste,
O toque do sino,
E querem que eu goste?

A sós me deixaram
Na casa vazia,
Na vida gelada,
E querem que eu ria?


O Som do Relógio de Fortunato Pessoa.
O Som do Relógio
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora,
Chamando ao presente
Memórias de outr'ora:

De tom de tambores,
De tempos ardentes,
Feridas e dores
No corpo e nas mentes;

De vidas e lidas,
De toques, de cores,
Na infância perdida
Da noite os temores;

De ecos distantes,
De um algo a sorrir,
Do nada de antes ---
E do que há de vir.




O Som do Relógio de Fragolino Pessoa

O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora:
São gotas-instantes
Pingando na hora,

Enchendo-me assim
Da vida esse vão
Do primeiro sim
ao último não.

É um hino vazio,
Poema de nada,
Que oiço passivo
Na noite parada;

É o tempo escorrendo
Em volta do agora,
Enquanto que a vida
Vai indo-me embora.

O Som do Relógio de Francisco Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora
E diz que lá dentro
Angústia não mora.

Em seu autoplágio
Constante se esmera:
Só almeja tornar-se
Igual ao que era.

Com tal subterfúgio
De simples natura
Obteve uma vida
Sem mal que perdura:

É seu privilégio
Saber que, no vira,
Cada taque repõe
O que o tique lhe tira.


O Som do Relógio de Françoise Pessoa.

O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora
É voz que não mente
De mente que ignora.

Com toque seguro
De ser que se adora,
De quem não se sente
(Ou dor sua não chora),

Com taque tranquilo,
Entr'hora e sai hora,
Carrega o presente.
Pela vida afora.

Beato relógio ---
Seu fado, senhora
Não há quem lamente:
Só lembra do agora.

O Som do Relógio de Fructuoso Pessoa.

O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora,
Tem o gosto do espelho
E o rosto da amora.

As asas das nuvens
Nos ares repousam;
Querendo ou podendo
Pousar-se não ousam.

No toque dos ventos,
Na sombra do céu,
Na nau que não parte
Por falta de um véu,

O tempo circula,
Não sabe aonde vai:
Se passa, e perdura
Ou fica, e se esvai.

O Som do Relógio de Frederico Pessoa.

O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora:
Oiço-lhe, e diz-me:
«Eu trago tua hora.»

E a cada batida
Do seu calcanhar
Afirma-me, firme,
«Não hás de escapar.»

Na pausa que o tique
Do taque separa
Meu peito se aperta:
«Não pára, não pára!»

Transfixo, me quedo
No escuro a escutar:
Morrendo de medo
De o tempo acabar

O Som do Relógio de Famigério Pessoa.

O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora,
Enterra as ruinas
De reinos de outrora.

O Futuro amedronta
A turba mesquinha,
Os que fazem de conta
Que puta é rainha.

O Presente os espanta:
Seus feitos de ratos
Ninguém mais os canta,
Afundam nos fatos.

O Passado lhes resta:
Viver de memórias,
De lendas de festas
E trapos de glória.


O Som do Relógio de Fulgêncio Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora:
É seu necrológio,
E mortalha sonora.

Som do carpinteiro
Pregando o caixão,
Da pá do coveiro
Abrindo-lhe o chão.

Som do sino rouco
De vago bezerro,
Cambaleando um pouco,
Seguindo-lhe o enterro.

(Um plano que gora.
Uma insana paixão.
Um ato de louco.
Seu último erro.)


O Som do Relógio de Furfurino Pessoa.
O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora:
A noite é de todos
E a todos devora.

Seu tique resfria
O café pegajoso,
Seu taque consome
Um cigarro sem gozo.

Espelhos e luzes,
Cansados licores,
Escuros recantos
(Lacunas de amores),

Reflexos parados,
Palavras perdidas,
São cinzas e tocos
De sombras de vidas

O Som do Relógio de Feliciano Pessoa

O SOM DO RELÓGIO
F. Pessoa

O som do relógio
Tem a alma por fora;
Mas íntimo enigma
Que a mente devora.

Suas breves palavras
Escuto-lhe atento;
O senso escondido
Decifrar-lhe tento.

Mas inda me fogem
Sintaxe e sentido
Da seca linguagem
De áspero acento.

Soubesse eu apenas
Se finda seu verso
No taque contido
Ou no toque perverso.

O Ele Sem Fundo e os Outros Ele
Poemas Inépitos de F. Pessoa





estadão - Teles- Paulo Bernardo - ”O governo não vai investir bilhões em banda larga”

Após a recriação da Telebrás no ano passado para cuidar da banda larga no País, governo afirma agora que cabe às concessionárias privadas investir no acesso

Ethevaldo Siqueira e Renato Andrade / BRASÍLIA – O Estado de S.Paulo
“O governo tem de cuidar do lado fiscal. Não nos cabe investir pesadamente em banda larga. Tinha gente até dentro do governo que achava que o governo deveria botar alguns bilhões e fazer a infraestrutura do Plano Nacional de Banda Larga. Não vamos fazer isso. Aliás, quero lembrar o seguinte: nós privatizamos o serviço. Então não dá para cobrar do governo que faça essa infraestrutura.”

Com essas palavras, o ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, em entrevista exclusiva ao Estado, esclarece de forma definitiva sua posição sobre o que poderia ser um retrocesso no modelo das telecomunicações. Ele espera que as concessionárias cumpram a sua parte na questão da banda larga: “Depois, então, vamos discutir quanto temos de colocar. Até porque o orçamento do Ministério das Comunicações foi cortado em 55%. Eu não vou ficar correndo atrás do Guido Mantega (ministro da Fazenda), nem da Míriam (Belchior, ministra do Planejamento) para arrumar dinheiro”.

O ministro lembra que o problema das concessões de rádio e TV a políticos vem de longe. “Até 1988, durante a Constituinte, centenas de concessões de rádio e TV foram distribuídas àqueles parlamentares que votassem em favor de certas teses.” Mas esse modelo precisa ser revisto, “de modo a torná-lo mais descentralizado e mais democrático”.

No caso de emissoras em nome de terceiros, ou seja, de laranjas, “a legislação atual já tipifica esse procedimento como crime”. O ministro acha até que “o Ministério Público e a Polícia Federal deveriam estar cuidando disso”.

Paulo Bernardo não aceita a tese da independência das agências reguladoras: “Que é isso? O que elas têm de ter é autonomia. Acho que a agência tem de ter autonomia para decidir as coisas no âmbito da regulação, de fiscalização, de como fazer e quando fazer uma licitação. Mas não para formular políticas públicas. Todos os ministros têm autonomia. Nem a Dilma nem o Lula ficam olhando o que eu faço aqui. Se eu fizer lambança, aí sim, eu vou ter que responder”.

A seguir, trechos da entrevista:

O Ministério das Comunicações foi praticamente esvaziado no governo Lula. A presidente Dilma pretende resgatar o papel da pasta?

A presidente Dilma considera as Comunicações uma área absolutamente vital para o Brasil hoje. De certo modo, a expectativa do governo é a mesma da sociedade. Estamos nos preparando para ser a quinta economia do planeta. E, cada vez mais, o mundo e o País dependerão da informação. Muito mais do que realizar, cabe-lhe definir políticas públicas, envolvendo, entre outros segmentos, a internet e a política industrial.

O sr. declarou ser contra a concessão de emissoras de rádio e TV para políticos. Há como reverter o que foi feito?

Há distorções que ocorreram antes da Constituição de 1988. Até então, as concessões eram gratuitas, benesses. Sabemos que, durante a Constituinte, centenas de concessões de rádio e TV foram distribuídas a parlamentares que votaram a favor de certas teses. Essas distorções precisam ser corrigidas. Mas temos de ser realistas na hora da correção, pois as leis não têm efeito retroativo.

Mas o que acontece com as concessões em vigor?

Tudo depende do marco regulatório. Poderemos corrigir todos os casos na hora da renovação da concessão. Isso levará, naturalmente, 8 ou 10 anos para que possamos corrigir tudo.

Um dos instrumentos para correção é o cadastro das emissoras. É público e notório que esse cadastro apresenta nomes de terceiros em lugar dos verdadeiros donos. O que fazer?

Ouço sempre essa acusação, de que as emissoras estão em nome de terceiros. A legislação atual já tipifica esse procedimento como crime. Não precisamos mudar nada. É o mesmo que abrir uma padaria em nome de laranjas, para lavar dinheiro. É bom lembrar que fazemos o cadastro com base em documentos oficiais, com fé pública. Se houver indícios claros de que os titulares não são os verdadeiros donos, vamos punir os culpados.

O sr. pretende cuidar da apuração desses casos?

Com sinceridade, acho que o Ministério Público e a Polícia Federal já deveriam estar cuidando disso.

Os recentes escândalos dos Correios não são fruto de uma barganha política na escolha dos dirigentes?

Não sei. Acho que foi um descuido. Hoje temos uma diretoria que não foi indicada por ninguém, nenhum partido. Selecionamos todos por currículo e os nomeamos. Não sei se vai funcionar, mas fizemos o melhor. O que aconteceu no passado foi um problema de gestão.

Esse não é o critério que deveria prevalecer em todas as nomeações?

É claro que sim. Mas temos também um sistema político.

As indicações políticas sempre foram um problema para as agências reguladoras. As coisas vão mudar neste governo?

Quando a Anatel foi criada, ficou definido que a agência seria do PSDB. A Aneel (do setor elétrico) e a ANP (de Petróleo), do PFL. A ANTT (Transportes), do PMDB. Todos indicados por interesses políticos. Não fomos nós que inventamos isso. Nossa divergência com as agências reguladoras, no início do governo passado, era quanto à prerrogativa de definir políticas públicas, o que cabe ao Executivo. O que cabe a elas é fiscalizar e regular os serviços. É isso que está na lei.

Alguns criticam a falta de independência das agências. Há interesse em resolver isso?

Muitos dizem que as agências têm de ter independência. O que elas têm de ter é autonomia. Isso, sim. Todos os ministros têm autonomia. Nem a Dilma nem o Lula ficam olhando o que eu faço aqui. Se eu fizer lambança, aí sim, vou ter de responder. A agência tem de ter autonomia para decidir as coisas no âmbito da regulação, da fiscalização. As pessoas também argumentavam, quando estava no Ministério do Planejamento, que as agências tinham de ter seu orçamento todo liberado. Por quê? Ninguém, em nenhum lugar do mundo, tem todo o dinheiro que quer.

A Anatel seria mantida pelo Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), cuja arrecadação é seis ou sete vezes maior do que o orçamento da agência. O que acontece com o excesso de arrecadação?

Fica no Tesouro Nacional. Temos de suprir, seja a Anatel, seja qualquer outra agência, com um orçamento condizente com as necessidades. Eles recebem bem, não têm dificuldades em trabalhar.

O governo se apropria dos recursos dos três fundos do setor, que juntos arrecadaram R$ 32 bilhões desde que foram criados. Esse montante não poderia ser aplicado em coisas como a banda larga? Daria para fazer uma rede como a da Coreia.

Daria, só que continuaríamos tendo problema de equilíbrio fiscal, continuaríamos tendo o problema da carga tributária alta. Essas coisas não podem ser feitas isoladamente. O governo tem de cuidar do fiscal, não podemos abandonar isso, e temos de fazer esse tipo de investimento. Agora, quero lembrar o seguinte: nós privatizamos o serviço. Não dá para cobrar que o governo faça essa infraestrutura.

Mas a lei de telecomunicações diz que o governo pode desapropriar essas redes e fazer uma só, a rede compartilhada, ou “unbundling”.

Pode, mas isso é uma briga medonha, do ponto de vista político, do ponto de vista jurídico. O que temos dito para as empresas é que, primeiro, vamos fazer com que as concessionárias cumpram sua parte. Depois, vamos discutir quanto o governo terá de colocar. Cortaram meu orçamento em 55%. Não vou ficar correndo atrás dos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Míriam Belchior (Planejamento) para arrumar dinheiro e as empresas, que estão com capacidade instalada, vendendo serviço caro. Elas vão ter de ajudar nisso. Temos de acertar com as empresas para que elas ofereçam um serviço melhor e, aí, vamos ver o que falta. Por isso não estamos falando em universalização.

mídia e poder - publicidade -Mercado tem expansão de 18% em 2010

Gastos com anúncios em veículos de comunicação somaram R$ 29,1 bi

Segunda maior mídia, com 12,4% do total, jornais tiveram alta de 3,4%, indo para R$ 3,24 bilhões no ano passado

MARIANA BARBOSA
DE SÃO PAULO

O mercado publicitário movimentou R$ 35,96 bilhões no Brasil no ano passado, crescimento de 17,7% ante 2009.
Descontada a inflação (medida pelo IPCA), a alta foi de 12%. Deste total, R$ 29,1 bilhões foram investidos na aquisição de anúncios em veículos de comunicação.
Os dados fazem parte do Projeto Inter-Meios, uma parceria do Grupo Meio&Mensagem com a consultoria PriceWaterhouseCoopers e com os principais veículos de comunicação.
O projeto contabiliza dados de aproximadamente 90% dos veículos, que faturaram R$ 26,2 bilhões com publicidade.
A diferença de R$ 2,9 bilhões é calculada por estimativa. Nessa diferença estão incluídos os gastos com compra de mídia no Google, por exemplo, que domina o mercado de links patrocinados.
O grande destaque do ano passado foram as TVs abertas, segundo José Carlos Salles Neto, presidente do Grupo M&M. Apesar das previsões de queda de audiência com o aumento da presença da internet, a TV aberta bateu recorde de participação no bolo publicitário, concentrando 62,9% dos investimentos. No ano anterior, a fatia foi de 60,9%.
O faturamento bruto saltou de R$ 13,6 bilhões para R$ 16,5 bilhões, incremento de 21,6%.
"Uma mídia tradicional que concentra mais da metade do bolo publicitário conseguir crescer dois pontos percentuais é um feito e tanto", diz Salles Neto.
Segunda maior mídia em receita publicitária, os jornais viram as receitas com publicidade aumentarem em R$ 107 milhões, para R$ 3,24 bilhões (alta de 3,4%). A participação dos veículos impressos ficou em 12,4%.
Como vem acontecendo nos últimos anos, o meio que mais cresceu em termos percentuais foi a internet, com alta de 28%. O faturamento foi a R$ 1,2 bilhão, ante R$ 950 milhões em 2009.
A mídia digital passou o rádio no ano passado e já detém 4,6% do total do bolo publicitário. O número, no entanto, não contabiliza as receitas do Google com links patrocinados.
Pelos cálculos do M&M, o Google faturou R$ 1 bilhão em 2010. Se esse faturamento fosse contabilizado no Projeto Inter-Meios, a internet poderia superar o meio revista, que obteve uma receita bruta de R$ 1,97 bilhão no ano passado, com crescimento de 14,9%.
Apesar de ter pedido o quarto lugar para a internet, o meio rádio também cresceu. A receita bruta com publicidade passou de R$ 987 milhões para R$ 1,09 bilhão.
O rádio tem atraído anunciantes de peso como Nestlé e Disney, que recentemente batizaram emissoras com suas marcas.

CAUSAS
O desempenho do mercado publicitário durante o ano passado foi impulsionado pela Copa do Mundo e pelas eleições.
Mas ele foi bem maior no primeiro semestre (alta de 30%), devido à regra de que em ano eleitoral o poder público só pode anunciar feitos governamentais até a data-limite de 30 de junho.
Para este ano, Salles Neto prevê um crescimento de 10%. "É um crescimento expressivo, considerando que estamos saindo de uma base de forte crescimento em 2010."

mídia e poder - COMUNICAÇÃO - fsp - Frente governista entra em campo por regulação de mídia

DE BRASÍLIA - A decisão do governo de propor um novo marco regulatório da mídia digital levou 171 deputados aliados a criar frente em defesa do projeto, coordenada por PT e PSB.
O líder do PT na Câmara, deputado Paulo Teixeira (SP), disse que o debate é "prioritário" para a bancada e que será "iluminado pelos princípios da liberdade de imprensa". Segundo a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), a frente "fará a base para o governo enviar o projeto do marco regulatório".
Na semana passada, o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) disse que o marco deve ser encaminhado ao Congresso no segundo semestre e que não será divulgado agora, pois "tem grandes chances de ter uma besteira no meio".
A Folha apurou que o texto do governo já está quase finalizado, mas será enviado ao Congresso após a consolidação do movimento pró-marco. A ideia é anunciá-lo em março, com um manifesto em defesa da "democratização" do setor.
O representante do PT será o deputado Emiliano José (BA), jornalista e professor

domingo, 27 de fevereiro de 2011

época - linguística,política e poder - lula - Quem disse que Dilma fala pouco?

Compartilhe37 Em seus primeiros 55 dias de mandato, a presidenta falou 38% a mais que Lula, o governante que foi criticado por discursar demais
Ricardo Mendonça
Foram raras as análises sobre as primeiras semanas do novo governo que deixaram de destacar a “discrição”, o “comedimento” e o “recato” da presidenta Dilma Rousseff em relação ao antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, ambos do PT. Muitos críticos consideraram um alívio o fim do mandato de um presidente que não saía do palanque e parecia estar constantemente em campanha, falando e palpitando publicamente muito mais do que seria desejável e apropriado para um presidente da República. Por sua moderação nas aparições públicas, Dilma passou a ganhar elogios justamente por falar menos que o ex-presidente.

Com quase 80% de popularidade, fortemente engajado na última campanha presidencial e com uma oferta jamais vista antes de câmeras, microfones e gravadores à disposição, Lula provavelmente foi o governante que mais discursou no período final de mandato desde a proclamação da República, em 1889. No segundo semestre de 2010, era comum a ocorrência de dois ou três pronunciamentos por dia. Em 14 de outubro, uma quinta-feira, Lula chegou a fazer seis discursos seguidos para plateias distintas, possivelmente um recorde para o intervalo de 24 horas.

Um levantamento estatístico sobre as falas públicas de Lula e Dilma nos primeiros 55 dias de governo de cada um, porém, mostra um Lula menos palavroso e uma Dilma mais loquaz. Da posse até a semana passada, quem falou mais, na comparação direta, foi Dilma. E sua vantagem não pode ser considerada pequena. Em quantidade de palavras, ela falou exatamente 38% a mais que o Lula do início de 2003. Em números absolutos, bateu o antecessor com uma vantagem de 10.684 vocábulos.

Esse tipo de levantamento só pode ser feito com esse grau de precisão porque a Secretaria de Imprensa da Presidência divulga em seu site as transcrições de todas as intervenções públicas do ocupante do cargo máximo da nação desde o dia 1º de janeiro de 2003, data da posse de Lula. A conta que hoje dá vantagem a Dilma leva em consideração os discursos lidos e improvisados, pronunciamentos em rede de TV, entrevistas concedidas à imprensa e ao programa de rádio Café com o presidente, agora rebatizado como Café com a presidenta.

Entre a posse e o dia 24 de fevereiro de 2003, Lula fez 17 discursos, deu apenas uma entrevista (uma rápida coletiva ao lado do então presidente da França, Jacques Chirac) e não participou de nenhum programa oficial de rádio (o Café com o presidente só foi criado no fim de 2003). No intervalo equivalente, Dilma fez 16 discursos, mas concedeu seis entrevistas e participou de três Cafés com a presidenta. Mesmo sem os programas de rádio, ela continuaria na frente de Lula, com 8.750 palavras de vantagem.

Se Dilma fala mais que Lula, como surgiu a impressão de uma presidenta calada no Planalto? Para o cientista político Rui Tavares Maluf, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a quem foram apresentados os resultados desse levantamento, a explicação pode estar no conteúdo das falas de cada um. “É possível que a retórica do Lula tenha muito mais impacto midiático que a retórica da Dilma”, diz. “É surpreendente notar que ela discursou mais, mas repare que ela não dá declarações polêmicas, não faz provocações.”

Outra hipótese de Maluf diz respeito ao tamanho simbólico de cada personagem. “Goste-se ou não da figura política, todos são obrigados a admitir que Lula tem uma tremenda história. Ele fundou o PT, perdeu três eleições antes de chegar lá, sempre liderou a oposição. Então é possível que as falas de Lula tenham sido muito mais reproduzidas, repercutidas e analisadas que as falas de Dilma, mesmo as não polêmicas. Parece natural que Lula tenha gerado mais expectativa.”

A medição aritmética dos discursos de Lula e Dilma também permite comparar a frequência de uso de determinados termos nos discursos de cada um. Com isso, é possível identificar diferenças de estilo, expressões que marcam o momento histórico e até mudanças de prioridades. Um dos casos mais evidentes ocorre com a palavra “fome”, muito repetida no discurso de Lula. Levando em consideração a expressão “Fome Zero”, programa de segurança alimentar que recebeu enorme ênfase em 2003, Lula citou esse vocábulo 117 vezes em seus primeiros 55 dias de governo, enquanto Dilma, até agora, só usou “fome” em seis ocasiões. A presidenta, em compensação, vence Lula com folga no uso da palavra “miséria”: 27 a 12.

Há casos de palavras usadas com regularidade por Lula que até agora não apareceram na boca de Dilma – pelo menos nos pronunciamentos oficiais. Desde a posse, ela não fez nenhuma referência à “reforma agrária” ou ao “PT”. O discurso de Lula também era recheado de citações a Deus, com expressões como “graças a Deus” ou “se Deus quiser”. Com Dilma, isso diminuiu.

No sentido inverso, a presidenta recorre mais a “educação”, “saúde”, “saneamento” e “direitos humanos”. A palavra “crack”, repetida 12 vezes por ela, não foi citada nenhuma vez por Lula. Como era de esperar, “mulher” e “mulheres” são mais frequentes agora. E ela também vence Lula no uso de expressões que remetem à ideia de avanço econômico, como “crescimento” e “energia”. O PAC, que não existia em 2003, já apareceu 35 vezes.

Para o cientista político Marcus Figueiredo, as substituições de palavras nos discursos oficiais têm forte relação com a conjuntura política vivida por cada um. “O discurso da fome está superado porque o Bolsa Família resolveu bastante esse problema”, diz. “O mesmo ocorre com a reforma agrária, que era um foco bem mais forte de conflitos nos anos 1990 e início dos anos 2000, mas, de certa forma, foi encaminhada ao longo do governo Lula.”

Em algumas situações, nem a conjuntura ajuda. É o que ocorre com a palavra “meio ambiente”, por exemplo. É difícil imaginar outro tema que tenha conquistado tanto espaço ao longo da última década. Mas nem isso parece ter sido suficiente para que o tema entrasse com força no discurso oficial. Lula falou “meio ambiente” apenas duas vezes no início de seu mandato. Dilma fez três citações. Testes com “Amazônia”, “natureza” ou com a palavra “sustentável” dão resultados parecidos. “Esse é um caso típico de agenda governamental”, diz Figueiredo. “O que aparece no discurso do governante é a agenda do governante, não necessariamente a agenda da sociedade.”

Algumas mudanças são curiosas. Na transição Lula-Dilma, o empresário José Alencar deixou de ser vice-presidente da República, mas agora, vítima do câncer, passou a ser mais lembrado e homenageado nos discursos oficiais. Dilma o citou 16 vezes, seis a mais que Lula. Outra mudança curiosa ocorre com as expressões de tratamento. A palavra “companheiro” e sua variante de gênero, bordão tradicional dos petistas, eram repetidas à exaustão por Lula. Dilma não abandonou o termo, mas tem preferido chamar os outros de “querido” ou “querida”.

Apesar de ter falado mais que Lula no início do mandato, seria exagero dizer que Dilma discursa em demasia. Para o cientista político Fernando Abrucio, colunista de ÉPOCA, a comparação direta só favorece a presidenta hoje porque Lula, no início de 2003, falava muito menos que o necessário. “Ele era criticado por não dar entrevista, lembra? Depois, em 2010, mudou completamente e passou a ser criticado pelo excesso.” Abrucio afirma que em momentos de ajuste fiscal, como o atual, é natural que o governante fale pouco. “Quando Dilma começar a colher resultados de suas políticas, certamente vai falar mais do que fala hoje”, diz. Se a frequência de seus discursos aumentar na mesma proporção do padrão Lula, ela ainda corre o risco de virar a tagarela do Planalto.

política - brasil e a ditadura - operação condor - blog náufrago da utopia - Celso Lungaretti -

ANOS DE CHUMBO: OS LONGOS BRAÇOS DA REPRESSÃO








"O golpe de 1964 encastelou no poder um grupo de militares fanáticos pela doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG), organizada em 1946.


Ao longo de quase 20 anos, os militares e civis da ESG formularam e desenvolveram a doutrina e formaram uma nova 'elite' para dirigir o país.


Várias tentativas de golpe de estado, durante as décadas de 50 e 60 haviam falhado. Mas, em 1964, a Segurança Nacional estava no poder.


(...) O Exército recebeu a tarefa de submeter a nação aos ditames da ideologia golpista.


Com a intenção de subjugar qualquer tentativa de reação democrática, foram criados organismos de repressão, sendo o primeiro deles a Oban (Operação Bandeirante), lançada em junho de 1969, que, posteriormente, recebeu a denominação de DOI-Codi (Departamento de Operações Internas - Centro de Operações de Defesa Interna).




Havia também organismos não oficiais clandestinos, que serviam ao sistema, como o Esquadrão da Morte, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). A organização denominada Tradição Família e Propriedade (TFP), embora fosse uma associação legal, possuía, segundo depoimentos, uma facção ilegal, inclusive com centros de treinamento de guerrilha anticomunista em Minas Gerais.

Durante a década de 50 do Século XX, era visível o crescimento, dentro da Igreja, de setores que apoiavam as lutas populares e a defesa dos direitos dos pobres e oprimidos socialmente, num prenúncio do que viria a ser a Teologia da Libertação.


Em reação a esse processo, surgiu a Sociedade Brasileira em Defesa da Tradição, da Família e da Propriedade, (...) uma organização católica de extrema direita, cujos membros recebem treinamento paramilitar, e cujo ideário é bastante próximo ao neonazismo, exceto pela pregação religiosa bastante fanática e obscurantista que caracteriza esta organização.


A TFP existe até os dias de hoje, e organiza campanhas contra a reforma agrária (para eles, uma bandeira dos comunistas), contra o direito ao aborto, e contra o Projeto de Lei da Parceria Civil Registrada, e possui fortes financiadores, não somente da alta hierarquia da Igreja Católica, mas também de setores do grande empresariado.



Um terceiro braço da repressão, talvez o mais terrível e que só recentemente veio à luz e está sendo desvendado e denunciado, foi a Operação Condor, ou melhor, é a Operação Condor, visto que, segundo farto material jornalístico nacional e internacional, inclusive depoimentos de participantes, continua em atividade.

De acordo com o descobridor dos Arquivos do Terror, o advogado paraguaio e ex-preso político Martin Almada, a Operação Condor continua em funcionamento.


O advogado e ex-prisioneiro político paraguaio Martín Almada apresentou os chamados arquivos do terror à Comissão de Direitos Humanos do Parlamento do Uruguai, onde sustenta que a operação repressiva continua em andamento no Cone Sul.


Entre os documentos entregues (...) à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, há declarações do uruguaio Gustavo Insaurralde, militante do Partido pela Vitória do Povo, que teriam sido obtidas sob tortura, além de informações sobre seu traslado em avião militar à Argentina.



O documento denuncia uma lista de 40 uruguaios detidos no Paraguai pela ditadura, além de outro documento que indicaria os nomes do co-fundadores da Operação Condor e dos possíveis 'vôos da morte' em ambos países.

Almada também diz ter encontrado documento que mostra que, em abril de 1997, 'um coronel paraguaio disse a um colega equatoriano: envio aqui uma lista de subversivos paraguaios para a elaboração de uma lista de subversivos da América Latina'.


O ativista denuncia também que, durante a presidência de Carlos Menem na Argentina, um grupo de militares esteve reunido em Bariloche para intercambiar dados e nomes de 'subversivos da região'.


Ele disse ainda que as reuniões também foram feitas em 1997, em Quito, capital do Equador, em 1999, em La Paz, capital da Bolívia, e em Santiago do Chile, em 2001...



A Operação Condor foi responsável por milhares de assassinatos e desaparecimentos de militantes revolucionários latino-americanos."


(Neusah Cerveira, doutora em História Social pela FFLCH/USP, no artigo
"Rumo à Operação Condor - ditadura, tortura e outros crimes", publicado
em junho/2009, na edição nº 38 do Projeto História, São Paulo)

fsp -mídia e poder - ditadura - 90 anos em 9 atos

2.jul.1951/Folhapress

Carro utilizado pela reportagem e na entrega de jornais nos anos 50

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Houve um tempo em que os leitores se referiam à Folha no plural. Afinal, até os anos 50 havia três Folhas: a da Manhã, a da Tarde (depois relançada) e a da Noite. Em 1960, a Folha de S.Paulo reuniu os títulos, e hoje se diz Folha, no singular.
O plural, no entanto, aplica-se bem à história do jornal. Em 90 anos, houve várias Folhas: a dos anos 20, vespertina e coloquial; a dos anos 50, que vivenciou um processo de modernização; a dos anos 60, que se tornou a ponta de lança de um conglomerado; a dos anos 70, que ganhou credibilidade com a abertura política; a dos 80, que mudou o jornalismo brasileiro com o Projeto Folha; e a atual, que foi pioneira na integração das plataformas impressa e on-line.
Os nove momentos abordados neste texto mostram como a Folha é plural -e singular. Oscar Pilagallo, jornalista, é autor de "A Aventura do Dinheiro" e "A História do Brasil no Século 20", entre outros

1 - O NASCIMENTO DE UMA FOLHA
Se houvesse uma bíblia do jornalismo brasileiro, lá estaria escrito que a Folha nasceu de uma costela do jornal "O Estado de S. Paulo". Com o título de "Folha da Noite", a publicação que daria origem à Folha de S.Paulo nasceu em 19 de fevereiro de 1921 por obra de um grupo de profissionais egressos do jornal da família Mesquita, em cujas oficinas começou a ser impressa.
Os jornalistas, entre eles Júlio de Mesquita Filho, que escreveu o "programa" do jornal publicado na primeira edição, haviam ficado órfãos da edição vespertina do "Estado", informalmente chamada de "Estadinho", que fizera sucesso durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18).
Ao contrário do matutino, mais sisudo, o "Estadinho" se permitia um coloquialismo que era do agrado dos jovens jornalistas. Depois de seis anos de vida, o vespertino foi fechado. "Não nos conformávamos com o seu desaparecimento. Daí a ideia de 'Folha da Noite'", escreveu Paulo Duarte, um dos integrantes do grupo.
Duarte e Mesquita logo voltaram ao "Estado", e a "Folha da Noite" ficou sob a responsabilidade de outros dois fundadores, Pedro Cunha e, sobretudo, Olívio Olavo de Olival Costa, responsável pela política editorial. Não à toa o jornal era chamado de a "Folha do Olival".
Mas bem que poderia ter sido também a "Folha do Belmonte", o caricaturista Benedito Bastos Barreto, que, com seu personagem Juca Pato, deu identidade à "Folha da Noite".

2 - A MODERNIZAÇÃO DE NABANTINO
A Folha moderna começou a nascer com José Nabantino Ramos, que em março de 1945 assumiu o controle da "Folha da Noite" e da "Folha da Manhã", esta criada em 1925. Seu primeiro movimento foi afastar o conde Francisco Matarazzo Júnior, que havia adquirido o jornal para usá-lo como tribuna contra Assis Chateaubriand, que o atacava pelas páginas das publicações dos Diários Associados.
Uma vez no comando, Nabantino tratou de imprimir às "Folhas" uma política editorial pautada pela imparcialidade. Se nem sempre teve êxito, diferenciou os jornais da concorrência, toda ela alinhada ao conservadorismo da UDN (União Democrática Nacional).
Em 1948, publicou o Programa de Ação para as Folhas, tentativa pioneira de conceituar a atividade em termos editoriais e empresariais, o que foi consolidado em 1959 num documento de 275 páginas.
Seu legado foi um jornal de porte médio, a Folha de S.Paulo, fusão das Folhas da Manhã, da Tarde e da Noite concretizada em 1º de janeiro de 1960.

3 - A FORMAÇÃO DO CONGLOMERADO
O primeiro passo em direção ao conglomerado jornalístico foi dado em 13 de agosto de 1962, quando Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho compraram a Folha. Assim que saldaram as dívidas contraídas para pagar o negócio, os sócios começaram a ampliar o grupo.
Em 1965, entraram no ramo do jornalismo popular com a aquisição da "Última Hora" e do "Notícias Populares". No mesmo ano, compraram um terço da TV Excelsior, então líder de audiência. Dois anos depois, foi relançada a "Folha da Tarde". E surgiu o "Cidade de Santos", enquanto os dois sócios assumiam o controle administrativo da Fundação Cásper Líbero.
Com tamanho apetite para incorporações, a concorrência desconfiou da origem dos recursos, que na realidade eram prosaicas operações bancárias.

4 - O PAPEL NA DITADURA
A Folha apoiou o golpe militar de 1964, como praticamente toda a grande imprensa brasileira. Não participou da conspiração contra o presidente João Goulart, como fez o "Estado", mas apoiou editorialmente a ditadura, limitando-se a veicular críticas raras e pontuais.
Confrontado por manifestações de rua e pela deflagração de guerrilhas urbanas, o regime endureceu ainda mais em dezembro de 1968, com a decretação do AI-5. O jornal submeteu-se à censura, acatando as proibições, ao contrário do que fizeram o "Estado", a revista "Veja" e o carioca "Jornal do Brasil", que não aceitaram a imposição e enfrentaram a censura prévia, denunciando com artifícios editoriais a ação dos censores.
As tensões características dos chamados "anos de chumbo" marcaram esta fase do Grupo Folha. A partir de 1969, a "Folha da Tarde" alinhou-se ao esquema de repressão à luta armada, publicando manchetes que exaltavam as operações militares.
A entrega da Redação da "Folha da Tarde" a jornalistas entusiasmados com a linha dura militar (vários deles eram policiais) foi uma reação da empresa à atuação clandestina, na Redação, de militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional), de Carlos Marighella, um dos 'terroristas' mais procurados do país, morto em São Paulo no final de 1969.
Em 1971, a ALN incendiou três veículos do jornal e ameaçou assassinar seus proprietários. Os atentados seriam uma reação ao apoio da "Folha da Tarde" à repressão contra a luta armada.
Segundo relato depois divulgado por militantes presos na época, caminhonetes de entrega do jornal teriam sido usados por agentes da repressão, para acompanhar sob disfarce a movimentação de guerrilheiros. A direção da Folha sempre negou ter conhecimento do uso de seus carros para tais fins.

5 - SURFANDO A ONDA DA ABERTURA
No início de 1974, Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, foi procurado por Golbery do Couto e Silva, futuro chefe da Casa Civil do governo de Ernesto Geisel, prestes a tomar posse.
Os dois militares seriam os principais artífices do projeto de distensão e abertura política, e Golbery encontrou-se com donos de jornais para expor o plano. Sabendo que enfrentaria a resistência da linha dura, queria a imprensa como aliada natural.
No caso da Folha, Golbery deixou claro que ao futuro governo não interessava ter um único jornal forte em São Paulo. A conversa coincidiu com discussões internas na empresa, com vistas a aproximar a Folha da sociedade civil. A empresa tinha saldado as dívidas iniciais e se expandido. O passo seguinte seria transformar o matutino num jornal influente.
Em meados de 1974, uma reunião em Nova York entre Frias, Cláudio Abramo e Otavio Frias Filho foi decisiva para a definição da nova estratégia. Sob a inspiração de Frias pai, uma ampla reforma editorial foi concebida e executada nos anos seguintes por Abramo, que trabalhava na Folha desde 1965. As páginas 2 e 3 se tornaram espaços de opinião crítica. Passaram a fazer parte da equipe editorial colunistas renomados, como Paulo Francis e, mais tarde, Janio de Freitas.
A trajetória teve um desvio em 1977, quando, por pressão da linha dura do governo, Abramo foi afastado de seu cargo. O revés, no entanto, seria passageiro. Boris Casoy, que o substituiu, manteve a orientação e garantiu que o jornal tivesse um espaço relevante no processo de redemocratização.

6 - O JORNAL DAS DIRETAS
Em 1983, o Brasil estava num limbo político: tinha-se como certo que o ciclo militar se aproximava do fim, mas a eleição para presidente ainda era indireta. Foi nesse contexto que, timidamente, surgiu o movimento das Diretas-Já.
A Folha foi o jornal que mais se associou às Diretas. Seu engajamento é anterior ao das principais lideranças de oposição que, em fins de 1983, ainda não formavam uma frente compacta, deixando prevalecer os interesses partidários. Nessa altura, quando o movimento mal conseguia encher uma praça, o jornal criticou o sectarismo dos políticos e o silêncio da imprensa.
Os jornais só passaram a dar importância às Diretas-Já a partir de 25 de janeiro de 1984, quando o aniversário da cidade se transformou no primeiro dos muitos megacomícios que seriam realizados nos três meses seguintes.
Quando praticamente toda a imprensa cobria o movimento, o diferencial da Folha foi o tom de campanha. Jornalistas da sede em São Paulo viajavam para todas as capitais e grandes cidades onde eventos eram realizados. Os textos, com frequência ufanistas, procuravam inflamar os ânimos, de modo a arrastar mais pessoas para as ruas. No auge do movimento, a Folha passou a ser chamada até nos palanques de "o jornal das Diretas".
Com a autoridade moral conquistada durante a campanha, o jornal também criticou desvios de lideranças políticas, ao identificar manobras por baixo do pano com vistas a garantir a eleição indireta de um civil de oposição.
Quando as Diretas foram derrotadas no Congresso, em 25 de abril, a Folha foi o jornal que captou com mais intensidade a decepção popular. "A NAÇÃO FRUSTRADA!" foi a manchete do dia seguinte, ao lado de um editorial que chamava os parlamentares responsáveis pelo resultado de "fiapos de homens públicos" e "fósseis da ditadura".
Apesar da derrota, o movimento pavimentou o caminho para a eleição indireta do oposicionista Tancredo Neves. Quanto à Folha, saiu da campanha com capital editorial suficiente para se tornar um dos jornais mais influentes do país.

7 - PROJETO FOLHA
As Diretas-Já representaram o apogeu e o fim de um consenso suprapartidário das oposições. Sem mais uma causa em comum a defender, cada partido tratou de traçar sua própria estratégia. Com o término do bipartidarismo, PMDB, PT, PDT, PTB e outras siglas surgidas entre fins dos anos 70 e início dos anos 80 passaram a buscar cada qual o seu espaço.
Respondendo a essa fragmentação, a direção do jornal elegeu o pluralismo e o apartidarismo (predicados valorizados em outros momentos da história do veículo) como os principais pilares do Projeto Folha.
O projeto começou, na prática, um mês depois da votação das Diretas-Já, quando Otavio Frias Filho assumiu a Direção de Redação. Três meses depois entrava em vigor o "Manual Geral da Redação", consolidando as linhas centrais do projeto. Do ponto de vista formal, tentava-se estabelecer um padrão que eliminasse os excessos de opinião e impressionismo característicos da cobertura das Diretas.
A redação foi informatizada em 1983-84. Surgiram programas de treinamento, bolsas para jornalistas atuarem no exterior, avaliação interna das equipes e uma mensuração sistemática dos erros cometidos pelo jornal, assim como a seção "Erramos" e o cargo de ombudsman, jornalista contratado para criticar o próprio periódico num boletim interno diário e numa coluna semanal. Criado nessa fase, o instituto Datafolha, além de pesquisas eleitorais, passou a fazer levantamentos periódicos do perfil do leitor do jornal.
Implantado com rigor, o Manual da Redação enfrentou a resistência de parte dos jornalistas, sobretudo de alguns dos mais experientes repórteres, que se sentiam tolhidos por regras draconianas que, em versões posteriores, foram abrandadas e substituídas pelo exercício do bom-senso.
Superadas as dificuldades internas, o Projeto Folha teria ainda que passar pelo crivo da sociedade civil com a qual o jornal se identificava desde meados dos anos 70. Já na eleição indireta de 1985, a Folha tratou igualmente os dois candidatos, Tancredo e Paulo Maluf, este em aliança com a desgastada base governista dos militares. A cobertura, criticada pela opinião majoritária do chamado campo progressista, mostrou como não é simples a prática do apartidarismo.

8 - O CONFRONTO COM COLLOR
Quando Fernando Collor assumiu a Presidência da República, em 15 de março de 1990, suas relações com a Folha já eram conflituosas. O jornal fizera uma série de reportagens que manchavam sua reputação de "caçador de marajás", construída com a ajuda da mídia. Também o comparou, em artigos de Clóvis Rossi, a Jânio Quadros; ele seria mais um salvador da pátria, um produto do marketing político.
A posição da Folha contrastava com a da grande imprensa, que, seduzida por seu discurso liberal, endossou a candidatura de um político até então pouco conhecido que chegou à disputa presidencial a bordo de um partido nanico.
A Folha também elogiou sua defesa da modernização do capitalismo brasileiro, tema do discurso de posse. Ainda assim, na semana seguinte, a Polícia Federal invadiu a sede do jornal, acusado de desrespeitar o tabelamento de preços --na realidade, uma tentativa de intimidação. Seis meses mais tarde, o presidente processou quatro jornalistas da Folha, inclusive Otavio Frias Filho, tentando caracterizar como calúnia um conjunto de reportagens e notas contidas numa seção de bastidores da economia. Em janeiro de 1992, os jornalistas foram absolvidos.
Nessa altura, já estava em marcha o Collorgate. Em 30 de junho, em editorial de primeira página, a Folha pediu a renúncia do presidente. Três meses depois, em 29 de setembro, Collor foi afastado pela Câmara, com a abertura do processo de impeachment.

9 - A INTEGRAÇÃO IMPRESSO-ON-LINE
Desde meados dos anos 1980, a Folha tem feito reformas gráficas a cada 5 ou 6 anos. A mais recente ocorreu em maio do ano passado, com ampliação do tamanho das letras impressas e uso mais generoso de imagens. Também no ano passado, em abril, a Folha se tornou um dos primeiros jornais do país a promoverem a fusão entre as equipes voltadas ao jornal impresso e à versão online, que passou a se chamar Folha.com.
O objetivo de unir sob o mesmo comando editorial as duas plataformas noticiosas é ampliar as possibilidades de acesso do leitor a informações.
Ao preservar a identidade de cada meio, a integração permite que o leitor escolha entre o papel e a tela, de acordo com sua conveniência.
A sintonia entre os dois meios mostra que, ao contrário do que ocorre com alguma frequência no universo da internet, a agilidade do noticiário on-line não é incompatível com a preservação dos padrões de qualidade editorial, típica do veículo impresso.

FOLHA" ADMITE QUE ENTREGOU A DIREÇÃO DA FT A ENTUSIASTAS DA REPRESSÃO
Suzana Singer, a ombudsman da Folha de S. Paulo, repreende o jornal na coluna deste domingo, por ter transformado a comemoração dos seus 90 anos de existência numa festa imodesta.


Eu usaria outro adjetivo para qualificar a imagem maquilada que Calibâ produziu de si mesmo para fins de efeméride, mas ombudsman que não doura a pílula deixa de ter seu mandato renovado pelo herdeirozinho que manda e desmanda...


Sobre o caderno comemorativo, Singer diz algo interessante:
"É verdade que o especial de 90 anos da Folha teve (...) a coragem de explicar o apoio do jornal ao golpe militar e o alinhamento da Folha da Tarde à repressão contra a luta armada. Trouxe também críticas duras feitas pelos ex-ombudsmans. Mas foram apenas notas dissonantes [grifo meu]".
Sim, no meio da overdose de auê, passou despercebido o texto 90 anos em 9 atos, de Oscar Pilagallo, cuja principal função foi a de servir como uma espécie de álibi para quando alguém acusasse o jornal de não ter autocrítica.


Enfim, vale a pena conhecermos o que a Folha finalmente admite sobre seu passado -- embora, óbvio ululante, não tenha admitido tudo, mas apenas o que já havia sido inequivocamente estabelecido por seus críticos e não compensava continuar negando:
"O PAPEL NA DITADURA


A Folha apoiou o golpe militar de 1964, como praticamente toda a grande imprensa brasileira. Não participou da conspiração contra o presidente João Goulart, como fez o "Estado", mas apoiou editorialmente a ditadura, limitando-se a veicular críticas raras e pontuais.
Confrontado por manifestações de rua e pela deflagração de guerrilhas urbanas, o regime endureceu ainda mais em dezembro de 1968, com a decretação do AI-5. O jornal submeteu-se à censura, acatando as proibições, ao contrário do que fizeram o "Estado", a revista "Veja" e o carioca "Jornal do Brasil", que não aceitaram a imposição e enfrentaram a censura prévia, denunciando com artifícios editoriais a ação dos censores.
As tensões características dos chamados "anos de chumbo" marcaram esta fase do Grupo Folha. A partir de 1969, a "Folha da Tarde" alinhou-se ao esquema de repressão à luta armada, publicando manchetes que exaltavam as operações militares.
A entrega da Redação da "Folha da Tarde" a jornalistas entusiasmados com a linha dura militar (vários deles eram policiais) foi uma reação da empresa à atuação clandestina, na Redação, de militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional), de Carlos Marighella, um dos 'terroristas' mais procurados do país, morto em São Paulo no final de 1969.


Em 1971, a ALN incendiou três veículos do jornal e ameaçou assassinar seus proprietários. Os atentados seriam uma reação ao apoio da "Folha da Tarde" à repressão contra a luta armada.


Segundo relato depois divulgado por militantes presos na época, caminhonetes de entrega do jornal teriam sido usados por agentes da repressão, para acompanhar sob disfarce a movimentação de guerrilheiros. A direção da Folha sempre negou ter conhecimento do uso de seus carros para tais fins.


SURFANDO A ONDA DA ABERTURA


No início de 1974, Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha, foi procurado por Golbery do Couto e Silva, futuro chefe da Casa Civil do governo de Ernesto Geisel, prestes a tomar posse.


Os dois militares seriam os principais artífices do projeto de distensão e abertura política, e Golbery encontrou-se com donos de jornais para expor o plano. Sabendo que enfrentaria a resistência da linha dura, queria a imprensa como aliada natural.


No caso da Folha, Golbery deixou claro que ao futuro governo não interessava ter um único jornal forte em São Paulo. A conversa coincidiu com discussões internas na empresa, com vistas a aproximar a Folha da sociedade civil. A empresa tinha saldado as dívidas iniciais e se expandido. O passo seguinte seria transformar o matutino num jornal influente.


Em meados de 1974, uma reunião em Nova York entre Frias, Cláudio Abramo e Otavio Frias Filho foi decisiva para a definição da nova estratégia. Sob a inspiração de Frias pai, uma ampla reforma editorial foi concebida e executada nos anos seguintes por Abramo, que trabalhava na Folha desde 1965. As páginas 2 e 3 se tornaram espaços de opinião crítica. Passaram a fazer parte da equipe editorial colunistas renomados, como Paulo Francis e, mais tarde, Janio de Freitas.


A trajetória teve um desvio em 1977, quando, por pressão da linha dura do governo, Abramo foi afastado de seu cargo. O revés, no entanto, seria passageiro. Boris Casoy, que o substituiu, manteve a orientação e garantiu que o jornal tivesse um espaço relevante no processo de redemocratização".
A última afirmação chega a ser hilária. Me engana que eu gosto...


A primavera da Folha acabou no exato instante em que o jornal se vergou ao ultimato militar, afastando Cláudio Abramo da direção de redação e o despachando para Londres, demitindo vários colaboradores e impondo evidentes restrições aos que ficaram.


Durante cerca de três anos, a Folha teve a cara do Abramo. A partir de 1977, passou a ter a cara do Casoy (e, depois, a do Otávio Frias Filho).


Para quem conhece estes três personagens, eu não preciso dizer mais nada.

mídia e poder - venda de jornais no país

fsp
Circulação registrada foi de 301,9 mil exemplares por dia no mês de janeiro; patamar é mantido há três meses

IVC diz que números apontam retomada do setor, puxada pelo crescimento de jornais de circulação nacional

DE SÃO PAULO

Pelo terceiro mês consecutivo, a Folha manteve a média diária de vendas acima dos 300 mil exemplares, consolidando-se na liderança do mercado de jornais. Nenhum outro rompeu essa marca.
Em janeiro, a circulação média diária da Folha foi de 301,9 mil exemplares, alta de 0,21% em relação a dezembro do ano passado.
"O Globo" teve queda de 6,51% em sua circulação média diária, passando a 277,6 mil exemplares no mês. Mesmo assim, manteve-se na segunda colocação entre os jornais de circulação nacional.
"O Estado de S. Paulo" ficou na terceira posição, com 253,6 mil exemplares diários, alta de 1,42% no período.
O "Agora", que pertence ao Grupo Folha, também aumentou sua vantagem, crescendo 4,35% em janeiro. Com uma média diária de 94,6 mil exemplares vendidos, o jornal teve circulação maior que a de seus dois concorrentes diretos somados, "Jornal da Tarde" (42.775) e "Diário de S.Paulo" (33.761).
Os números divulgados pelo IVC (Instituto Verifi- cador de Circulação) confirmam a tendência de que os jornais de circulação nacional vão liderar o crescimento do setor nos próxi- mos anos, após o arrefecimento da crise financeira.

RETOMADA
Até meados do ano passado, o mercado assistiu à expansão dos títulos "populares" de circulação regional.
Esses veículos ganharam força durante a crise, que fez os títulos "nacionais" pisarem no freio.
Naquele momento, os "populares" apostaram na venda do jornal atrelada a brindes. Os analistas do IVC previam que essa estratégia seria insustentável.
No mês, o "Super Notícia", que circula em Belo Horizonte e é o líder na categoria, já teve queda de 1,6% nas vendas -média diária de 292,3 mil exemplares.
Com a recuperação econômica, as publicações "nacionais" retomaram investimentos, principalmente em assinatura, e inovaram em promoções.
Muitas passaram a vender a assinatura permitindo acesso livre ao site. Também lançaram versões para iPad e smartphones.
Nesse período, a Folha manteve o investimento para garantir sua distribuição. Ao mesmo tempo, implementou uma reforma editorial e gráfica, integrando o jornal com sua plataforma de internet.
Ainda segundo os analistas do IVC, essa mudança teve impacto positivo e atraiu novos leitores, principalmente entre os jovens.
Resultado: nos últimos 12 meses, a Folha passou de uma média diária de 286,1 mil exemplares diários para 301,9 mil exemplares, uma alta de 5,5%

Ciência - MARCELO GLEISER Infinito, elétron e outras invenções

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Baseamos os nossos argumentos no que podemos medir. E o que vem a ser a coisa real? Talvez nunca saibamos
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OUTRO DIA, meu filho de quatro anos perguntou: "Pai, você pode contar até infinito?" "Não posso, filho, não ia acabar nunca". "Mas quanto é infinito menos três?" "É infinito também". "Mas como se escreve o número infinito?" "É um oito deitado." "Mas isso é um número, feito um ou dois?"
O infinito é mais uma ideia do que um número. É um conceito que criamos para representar sequências infindáveis de números, ou um ponto no espaço ou no tempo infinitamente distante da nossa posição ou do nosso momento presente.
O infinito não é algo a que chegamos; é algo sobre o qual pensamos.
Uma representação de nossas limitações, já que somos finitos no espaço e no tempo. Por outro lado, é também exemplo da nossa criatividade.
Mesmo que arredio, o infinito está por toda parte. Em cosmologia, dados atuais indicam que o Universo é infinito. Se andarmos numa direção e mantivermos a rota, jamais retornaremos ao ponto de partida. Se o universo fosse finito, feito a superfície de uma bola (em 3D), poderíamos circunavegá-lo, como o fez Fernão de Magalhães com a Terra (ou os que restaram de sua tripulação.)
Podemos ter certeza de que o universo é infinito? Não. Sabemos apenas que a porção do espaço que podemos medir, o que chamamos de horizonte -a distância percorrida pela luz em 13,7 bilhões de anos- é plana (ou quase). E uma geometria plana, como a superfície de uma mesa, estende-se ao infinito. Mas nossa certeza termina aí.
É possível que nossa porção plana do espaço faça parte de um universo curvo gigantesco. Se não temos acesso ao que há fora do horizonte, não temos certeza do que existe lá. Podemos apenas inferir.
E os pontos e linhas da geometria? Conceitos estranhos, também.
Um ponto marca uma posição no espaço, mas não ocupa espaço: seu volume é nulo. Uma linha, ligando dois pontos no espaço, não tem espessura. E é feita de pontos adjacentes. Coisas sem volume, lado a lado, fazem uma linha sem espessura!
Portanto, representamos coisas no espaço usando coisas que não existem no espaço, mais ideias do que coisas. Representações matemáticas, como quando desenhamos pontos num papel e os conectamos com linhas, mesmo que ilusórias, funcionam extraordinariamente bem. O real baseia-se no intangível.
Quando procuramos pelos menores pedaços de matéria, encontramos ideias semelhantes. Átomos são formados de elétrons, prótons e nêutrons. Prótons e nêutrons são formados de quarks. Portanto, dizemos assim que a matéria é feita de quarks e elétrons.
Será que quarks e elétrons são feitos de coisas ainda menores? Um elétron não é simplesmente uma bola de energia com carga negativa.
Um físico de partículas diria que um elétron não tem estrutura interna, que não há nada "lá dentro". Mas não podemos ter certeza.
Baseamos nossos argumentos no que podemos medir. Podemos tratar o elétron como uma partícula "pontual", com carga elétrica negativa, mas devemos lembrar que esta representação é uma aproximação da coisa real. E o que é essa coisa real? Talvez nunca saibamos. Como pontos e linhas, os elétrons e quarks são construções que usamos para representar como vemos o mundo.
Eles são como os vemos.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

sábado, 26 de fevereiro de 2011

cartamaior - FSM pode ter Fórum Mundial de Mídia Livres e Alternativas

Assembléia pelo direito à comunicação, realizada no Fórum Social Mundial 2001, no Dacar, aprovou no dia 11 de fevereiro uma declaração em defesa do direito à comunicação. Organizações que assinam documento anunciam intenção de organizar um Fórum Mundial de Mídias Livres e Alternativas em 2012 no bojo do processo do Fórum Social Mundial. Declaração denuncia ausência quase generalizada de leis que garantam o acesso dos cidadãos à informação.
Redação

Nós, sujeitos da informação alternativa e militantes que utilizamos a comunicação como uma ferramenta de transformação social

Constatando, num contexto mundial caracterizado:

- pela influência dos poderes políticos, econômicos e industriais sobre a comunicação e a instrumentalização da informação pelos Estados;

- pela negação, obstaculização e repressão à liberdade de expressão dos povos;

- por pouco ou nenhum acesso à informação garantido ao conjunto dos cidadãos;

- pela repressão violenta contra os cidadãos e sujeitos da informação;

- pela mercantilização e a uniformização da informação;

- pela desconfiança crescente da opinião pública em relação à informação veiculada pelas mídias tradicionais,

Observando em particular na África:

- a ausência quase generalizada de leis que garantam o acesso dos cidadãos à informação;

- uma liberdade de expressão e de imprensa restritas por leis liberticidas;

- entraves ou censuras feitas às comunidades pelo exercício da comunicação comunitária,

Que, ao mesmo tempo, perspectivas se colocam diante destas constatações preocupantes, tais como:

- uma tomada de consciência e uma capacidade maior dos cidadãos de participar da produção e veiculação de informação para promover a justiça social;

- a emergência de mídias alternativas e cidadãs que contribuem com transformações sociais e políticas, como mostram os recentes acontecimentos na Tunísia e no Egito.

Declaramos que o direito à comunicação é um direito fundamental e um bem comum da humanidade.

E nos engajamos a :

- defender, apoiar e promover todas as iniciativas que garantem e reforçam o direito à comunicação e à informação como um direito humano fundamental;

- disputar um marco regulatório e legislativo para as mídias públicas, alternativas e comunitárias, garantindo o exercício do direito à comunicação inclusive através do acesso a frequências de radiodifusão;

- reconhecer e proteger os sujeitos da informação e da comunicação em todo o mundo;

- criar e reforçar as sinergias entre todos os sujeitos da transformação social;

- promover o acesso, a acessibilidade e a apropriação das mídias e das novas tecnologias de informação e comunicação por todos os cidadãos, sem restrição de gênero, classe, raça ou etnia;

- promover mecanismos de comunicação permanente entre os atores, os participantes e as organizações dos Fóruns Sociais, sobretudo o Fórum Social Extendido e as experiências de comunicação compartilhada;

- apoiar o desenvolvimento e fortalecimento das mídias comunitárias e alternativas;

- combater a censura e garantir a liberdade de expressão na internet;

- refletir sobre um modelo de financiamento que garanta a viabilidade, a sustentabilidade e a independência das mídias alternativas;

- colocar as questões ligadas ao direito à comunicação no centro do debate do processo do Fórum Social Mundial.

Plano de Ação

- Realizar campanhas de informação e sensibilização sobre temas chave da agenda internacional (Rio+20, G8-G20, Fórum da Palestina, Durban, etc.)

- Organizar um Fórum Mundial de Mídias Livres e Alternativas em 2012 no bojo do processo do Fórum Social Mundial.

Enquanto sujeitos da comunicação, afirmamos nosso apoio aos povos tunisiano e egípcio, reivindicando a seus governos o fim de toda a censura e da repressão contra a população e os produtores de informação.

Convocamos igualmente todos os sujeitos da transformação social a unirmos nossas forças na luta pelo direito à informação e à comunicação, sem os quais nenhuma transformação será possível.

Participantes da Assembléia pelo Direito à Comunicação

mídia,tv e poder - Paulo Bernardo defende novo modelo de fiscalização para rádios e TVs

Jacson Segundo - Observatório do Direito à Comunicação
22.02.2011

Em entrevista ao programa É Notícia, da Rede TV!, transmitido na madrugada de segunda-feira (21), o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, deu mais algumas informações sobre o conteúdo do projeto de revisão do marco regulatório que está sendo preparado pelo governo. Uma delas é diz respeito à mudança na fiscalização dos meios de comunicação que está sendo planejada.

O ministro voltou a defender que acredita ser importante que existam duas agências de regulação no setor. Uma para os serviços de telecomunicações e outra para a regulação de rádios e TVs, incluindo seus conteúdos. A primeira continuaria sendo a Anatel e a segunda, uma nova. Essa poderia ser criada a partir da Agência Nacional de Cinema (Ancine), hoje vinculada ao Ministério da Cultura (MinC), que continuaria existindo, mas cumprindo a função de fomento à produção de audiovisual apenas.

A nova agência fiscalizaria se as emissoras estão cumprindo os preceitos constitucionais em relação aos conteúdos. Coibiria, por exemplo, divulgação de conteúdos racistas e outras violações de direitos humanos previstas em lei. Além disso, verificaria o cumprimento de limite de publicidade nas televisões (25%) e de programas jornalísticos (5%), entre outras possíveis funções.

Modelo

Mas quem nesta agência faria a avaliação dos conteúdos? Para Paulo Bernardo, isso seria feito por um conselho indicado pelo Governo Federal e pelo Congresso. “O melhor critério é o que existe hoje. O presidente indica um conselheiro que é aprovado pelo Senado. Não vão ser os jornais que vão escolher os conselheiros evidentemente”, afirmou o ministro.

Este modelo defendido pelo ministro é o que existe na Anatel. Seu Conselho Diretor é composto por cinco membros indicados pelo presidente, após aprovação do Senado. Eles têm mandato de cinco anos, com vencimento sequencial. Substitui-se um conselheiro por ano. O presidente do Conselho é o presidente da Agência, função atualmente ocupada pelo embaixador Ronaldo Sardenberg.

O ministro chegou a exemplificar como seria a aplicação de penalidade em caso de abusos de um concessionário de TV. “Você vai receber uma multa, a televisão provavelmente vai ter que colocar uma tarja dizendo que aquilo foi considerado inadequado”, explicou.

Sociedade civil

Na visão de Paulo Bernardo, esse conselho da nova agência não seria ocupado por representantes da sociedade civil (empresários ou não). “A agência tem que ter estabilidade, desvinculação de interesses econômicos, político-partidários. Se a presidente não tem legitimidade pra indicar (os conselheiros), quem tem?”, opinou. No entanto, ele também não descartou que os conselheiros sejam eleitos. “Se alguém propuser outra forma, pode ser”, relevou.

Mesmo sem definições sobre a questão, Paulo Bernardo foi enfático em afirmar a importância de uma regulação externa nos meios de radiodifusão. “Se o setor de mídia quisesse, poderia ter feito uma autoregulação. Só que nunca fez”, criticou ele, defendendo também que a ação do Ministério Público não tem sido suficiente para coibir os desvios de conduta dos concessionários de rádio e TV.

teles - internet - LGT e contratos emperram Programa Nacional de Banda Larga

Pedro Caribé - Observatório do Direito à Comunicação
23.02.2011

A Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e os contratos firmados na privatização das empresas de telefonia fixa na década de 90 emperram o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL). Por isso, depois de seis meses de tensões na negociação do 3º Plano Geral de Metas e Universalização (PGMU III), tende naufragar o desejo do Planalto de ter expansão da infraestrutura para internet vinculada às projeções do Serviço de Telefonia Fixa Comutada (STFC).

O imbróglio começa com os modelos de autorizações de cada serviço na LGT. O STFC [telefonia fixa] é uma concessão em regime público, isso significa que a infraestrutura pertence à União e cabe aos concessionários universalizar o seu uso dentro das metas estipuladas. Já o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), que inclui a Internet, segue o modelo de autorização de regime privado, que pode ter no máximo metas de massificação e de qualidade da oferta. Diferente do STFC, a infraestrutura da SCM [banda larga] pertence às empresas e não é tarifado, cabendo aos proprietários decidir pelo compartilhamento com outras empresas, como pequenos provedores e a Telebrás.

O problema é que parte rede de troncos do SCM - o backhaul - foi desenvolvida basicamente com recursos da STFC, tornando as empresas de telefonia fixa as principais fornecedoras do SCM no país. Um emaranhado que muitas vezes infringi a Resolução Nº 272 de 2001 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que instituiu o SCM, mas não determinou se o backhaul funcionaria em regime público ou privado.

Na definição utilizada no PGMU II de 2008 o backhaul é :"infraestrutura de rede de suporte do STFC para conexão em banda larga, interligando as redes de acesso ao backbone da operadora". Em setembro de 2010, já com o PGMU III em debate, a reativada Telebrás estabeleceu conceito técnico mais detalhado para o backhaul: "Realiza a distribuição da capacidade de trânsito de dados aos municípios vizinhos ao backbone" e "poderá ser de dois tipos: rádio enlace, usando rádios ponto-a-ponto de alta velocidade, ou óptica em anéis metropolitanos para atendimento a grandes cidades e capitais".

A partir destas definições, a maioria dos backhauls das operadoras se concentram na capitais do eixo sul-sudeste, segundo Flávia Lefèvre, advogada do instituto de defesa do consumidor Pró-Teste. Nesses locais há grande quantidade de usuários, suficiente para altos lucros que financiaram o bachkaul e consequente oferta de internet em alta velocidade por preços atualmente mais baratos.

Público x privado

A proposta inicial do governo no PGMU III era que as empresas teriam como uma das metas a expansão do backhaul pelo país, o que atingiria basicamente as regiões metropolitanas. Nesses termos, o plano abria brechas para definir essa infraestrutura no regime público e consequentemente tarifar e compartilhar a sua utilização. Em resposta, as teles entraram na justiça sob alegação de ilegalidade da proposta e reforço na tese de que o backhaul está no regime privado. As empresas se valem da LGT que impede a prática de subsídio cruzado, ou seja, a reversibilidade de metas de um serviço para outro, neste caso do STFC para SCM - por essa lógica, é ilegal obter pacotes conjuntos de banda larga e telefonia, prática muito comum das operadoras.

Antes de sair da presidência, Lula conseguiu a retirada dessas ações na justiça, como pré-requisito para retomar o diálogo. Na volta das negociações em 2011 o Ministério das Comunicações continuou a bater na tecla que o backhaul poderia ser incluído no PGMU III porque no processou que culminou no leilão da Telebrás em 1998 foi permitida às empresas de STFC a licença para oferecer o Serviço de Rede e Transporte de Telecomunicações (SRTT), apta a transportar sinais de voz e dados, o que se adequa para internet. Posteriormente o SRTT foi convertido em SCM, em 2001.

Desta forma, as empresas já praticam o subsídio cruzado desde origem em 1998, quando fatiaram o Sistema Telebrás com direito a licença do SRTT. Depois utilizaram os recursos oriundos das metas de universalização do STFC para expandir a banda larga - por isso é comum ter acesso à internet na mesma empresa de telefone fixo no Brasil. Tal situação foi endossada pelo PGMU II e bem aceito pelas teles, quando o backhaul foi incorporado às metas de universalização.

A diferença é que agora a infraestrutura de telefonia fixa já foi praticamente concluída, não interessando aos empresários fazer novos investimentos deste caráter e ainda serem passíveis de incorporação às metas do PNBL sob regime público. Pra completar, as teles desejam que recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) sejam utilizados para o desenvolvimento de backhaul sob caráter privado, o que também é ilegal e foi vetado pelo governo. O Fust só pode ser disponibilizado para telefonia fixa, por ser de regime público.

Travado na infraestrutura no PGMU III, o governo tenta endossar novos caminhos para o PNBL, em especial regular a oferta de internet no atacado por cerca de R$ 30,00 com velocidade média de 500 kbps. Outro caminho imediato foi liberar a Telebrás para comercializar a banda larga no varejo com a licença para o SCM por tempo indeterminado, publicada no Diário Oficial do dia 21 de fevereiro.

Alternativas

Em 2008 o Instituto Pró-Teste entrou com ação pública para regulamentar o backhaul como regime público. No PGMU III o instituto classificou o Acesso Individual Classe Especial (AICE) de ilegal e risível - o AICE é o telefone fixo social que o novo PGMU pretende ofertar por R$ 15,00. Flavia Lefèvre apelida a proposta do governo no PGMU III de um "puxadinho", dotado de muita fragilidade jurídica, e acredita que o melhor caminho é reaver o contrato de privatização e a LGT.

Já Veridiana Alimonti, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), defende que a revisão do setor deve ser acompanhada da definição de Marco Legal para internet, no qual o serviço da banda larga deve ser em regime público, com metas de universalização desvinculadas da telefonia fixa. Outro ponto central para o Idec é aumentar a competição no setor com o fortalecimento dos pequenos provedores


Embates do ICMS e da privatização das teles são retomados no PNBL

Pedro Caribé - Observatório do Direito à Comunicação
23.02.2011

O Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) reativou debates estabelecidos no ano de 1998, durante a privatização do antigo Sistema Telebrás. Os valores e regras das vendas formaram a base das dezenas de ações judiciais protagonizadas pelo PT com o objetivo de barrar as negociações. O então presidente do partido, José Dirceu, classificou como "gângster" e "trambiqueiro" o Ministro das Comunicações do período, Luís Mendonça de Barros. Durante o governo Lula o tema foi revisado pelo PT, que passou a defender as qualidades da privatização do setor. Já a presidenta Dilma Rousseff elogiou a comercialização das teles nos debates da campanha eleitoral em 2010.

Entretanto o Ministro das Comunicações de Dilma, Paulo Bernardo, já deu sinais que o PT pode voltar a defender algumas teses dos anos 90. Em um programa de televisão, Bernardo rebateu a repórter da Folha de S. Paulo, Elvira Lobato, sobre a lisura das vendas na bolsa de valores: "O que escandaliza foi a condição que foi feita a privatização. As empresas foram vendidas a preços de banana". Bernardo questionou a utilização de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), a falta de transparência e direcionamentos nos leilões e também alegou que o país não teve retorno patrimonial, já que o dinheiro arrecado se esvaziu com os juros das dívidas da União.

A declaração foi um das poucas ásperas do recém empossado Paulo Bernardo sobre as teles e casou com os embates do 3º Plano Geral de Metas e Universalização (PGMU III), que deixa a cúpula do governo irritada por esbarrar nos contratos do Serviço de Telefonia Fixa Comutada (STFC) para colocar em ação o PNBL. O STFC permite que as empresas explorem conjuntamente o provimento de internet a partir das licenças de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), que em 1998 chamavam-se Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações (SRTT).

As autorizações em SRTT foram concedidas dois dias antes do leilão, mas não significou aumento no valor das ações. Avaliado inicialmente por R$ 40 bilhões pelo Ministro Sérgio Motta, o valor do Sistema Telebrás foi diminuindo até chegar a R$ 13 bilhões. A venda final foi de R$ 22,2 bilhões, o que foi comemorado pelo PSDB e aliados pelo ágio na casa de 60%.

ICMS

A utilização da infraestrutura para o PNBL está travada no PGMU III e também no fato da oferta no varejo pela Telebrás ainda estar em desenvolvimento. Por isso interferir na oferta da internet para os usuários final se tornou principal alvo do governo. O objetivo é reduzir as tarifas para cerca de R$ 30,00, mas a definição também está nas mãos dos governos estaduais, responsáveis pelas taxas mais caras do serviço: o Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS).

A proposta do governo federal é a adesão dos estados na retirada integral do imposto cobrado na comercialização da banda larga. Segundo levantamento do Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) o ICMS das teles chega a ser mais oneroso que cosméticos e armamentos e representa entre 42% e 60% do valor final.

Durante palestra no Sindicato dos Bancários do Estado de São Paulo, Paulo Bernardo respondeu que alguns governos estaduais já sinalizaram apoio, todavia a definição só ocorrerá quando as operadoras fixarem metas que agradem o PNBL: "Nossa proposta é reduzir a zero ICMS sobre serviços de banda larga nos estados, desde que seja repassado ao consumidor", explicou o Ministro. Para ele a contrapartida aos estados estaria na movimentação econômica indireta propiciada pela banda larga.

A participação dos governos estaduais no desenvolvimento das teles estava insossa desde dias que antecederam o leilão do Sistema Telebrás. Na época coube ao ex-governador de Pernambuco, o falecido Miguel Arraes, o papel de melar um dos pilares das negociações. O Conselho Nacional de Políticas Fazendária (Confaz) fechou acordo no qual os governos estados abdicavam do ICMS retroativo a partir de 1993, uma dívida de R$ 800 milhões da Telebrás, que deixaria de ser herdada pelos novos compradores.

O Confaz é composto pelas secretarias da fazenda dos Estados e o veto de um dos membros na época impediu a amortização da dívida. Arraes foi o único contrário e alegou que sua decisão era política, porque o governo FHC estava agindo de forma centralizadora, sem permitir a participação dos Estados e Municípios na discussão. Para minimizar o impacto, o governo Federal acolheu cerca de 15% da dívida do ICMS, R$ 75 milhões.

mídia,tv e poder - futebol - O jogo que a Globo não quer perder

Max Dias e Gésio Passos - para o Observatório do Direito à Comunicação
25.02.2011

Dizem que 1968 foi o ano que não terminou. Pode até ser, mas para o torcedor brasileiro apaixonado por futebol, 1987 é o ano que nunca vai terminar. E essa história se repete novamente não apenas como tragédia, mas como farsa. E por trás dessa trama a especialista em novelas segue dissimulando sua estratégia.

Até 1986, os principais clubes pouco lucravam com uma competição longa, desgastante e com péssimos regulamentos. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) se perdia em suas negociatas políticas, prejudicando o espetáculo e a venda do mesmo como produto. Em 1987 a desordem era tanta que o presidente da entidade Octávio Pinto Guimarães decidira não organizar o campeonato nacional de clubes. Em razão disso, e pensando em grandes lucros, 13 dos maiores clubes do país na época (Atlético Mineiro, Bahia, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco da Gama), donos de 95% da torcida, criam uma instituição própria chamada Clube dos 13. A principal tarefa era organizar o campeonato de 1987 e gerar bons dividendos para os times (além de fazer frente com a CBF). Varig, Coca-Cola, Editora Abril e a Rede Globo foram os principais patrocinadores da Copa União.

Para não perder a briga, a CBF pressionou os clubes e criou dois campeonatos paralelos: o módulo verde, que reuniu o Clube dos 13 e mais Goiás, Coritiba e Santa Cruz e o amarelo, com 16 times escolhidos pela Confederação. Após a disputa de cada torneio separado, haveria uma final entre os campeões e vices de cada módulo. Como o Clube dos 13 não aceitava esta regra, Flamengo e Internacional (campeão e vice do verde) não disputaram as finais com Sport e Guarani e o time de Recife foi considerado campeão nacional depois de vencer o time de Campinas. Assim, a Copa União terminou mal e o resultado foi parar na justiça. No último dia 21 de fevereiro, 24 anos depois, em mais uma jogada duvidosa, a CBF reconheceu o Flamengo como um dos campeões daquele ano, ao lado do Sport.

Apesar de toda confusão, a união dos clubes contra o desmandos da CBF se tornou um excelente exemplo de organização lucrativa do futebol, aliado aos bons resultados de público – que até hoje é a segunda melhor média da história, além de ser o campeonato mais debatido, estudado e comentado.

A TV Globo ficou bastante satisfeita com a audiência e o retorno financeiro foi imediato. Desde então a emissora vem negociando diretamente com o Clube dos 13 a exclusividade nas transmissões. Entretanto, passados mais de 20 anos, o que se viu não foi um avanço em relação à transmissão e o fortalecimento do futebol como esporte e cultura. Pelo contrário: a exclusividade deu a Globo um retorno financeiro sem tamanho, desbancando toda a concorrência em relação à audiência e contratos publicitários, aumentando ainda mais seu poder de barganha na hora de negociar novos contratos. A transmissão dos jogos, que em 1987 era decidida por sorteio 15 minutos antes das partidas, passou a ser concentrada pela Globo nos jogos de Flamengo e Corinthians, enquanto a diversidade do futebol brasileira fica restrita ao sistema de TV paga. Além da criação de horários esdrúxulos para a prática do futebol, como os de 21h50.

Em 2011, 1987 retornou. E não apenas como tragédia. Após o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) decidir agir contra o monopólio das transmissões, obrigando o Clube dos 13 e a Globo a acabarem com a garantia que emissora tinha de sempre vencer as "licitações" pelos jogos, a disputa no futebol nacional passou a se esconder por trás do campeão de 1987. A taça das bolinhas virou motivo de discórdia entre o Clube dos 13 e um álibi para Ricardo Teixeira, atual presidente da CBF, e para a Rede Globo. Em tempos de crescimento vertiginoso da emissora do bispo Macedo, a Rede Record entra na disputa pelos direitos de transmissão como franca favorita e não está só nesta briga. Telefônica, Oi e GVT tem capital de sobra para brigar pelas transmissões de TV por assinatura e internet.

Não sendo mais unanimidade entre os times e a direção do Clube dos 13, a Rede Globo tem alardeado que o campeonato brasileiro não é tão lucrativo como antigamente e não pretende fazer uma proposta maior que a atual – em torno de 850 milhões de reais – para garantir a exclusividade de transmissão em todas as mídias. No entanto, o que se vê nos bastidores é uma atitude bastante diferente. Mesmo que a Lei Pelé (Lei 6915/98) tenha permitido a criação de ligas independentes das federações, a CBF ainda mantém um poder muito grande na organização do futebol brasileiro, tanto que no ano passado Ricardo Teixeira articulou uma chapa pró-CBF para a presidência do Clube dos 13 e impediu qualquer projeto de criação de uma liga independente. E hoje existe ainda uma relação muito estreita entre os interesses da Confederação e da Rede Globo, já que esta mantém contratos de exclusividade nas transmissões das partidas da seleção e das Copas do Mundo.

Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco e Corinthians já decidiram que vão negociar suas cotas de transmissão em separado e ameaçam uma grande ruptura com o Clube dos 13. O que isso significa? Impedir a criação de uma nova liga dos clubes brasileiros? Influir na sucessão de Teixeira na CBF? Significa que a Globo não vai acatar a decisão coletiva do Clube dos 13 e, por meio de uma manobra, vai passar por cima da resolução do CADE. Tudo conforme o padrão Globo de qualidade, contando com o arranjo de Ricardo Teixeira.

Assim, o Clube dos 13 caminha para se dividir em dois. Outros clubes devem se unir aos cariocas e ao Corinthians e os demais manteriam sua antiga organização em torno do Clube dos 13. Nesse jogo, definitivamente, a família Marinho não gosta de perder e utiliza da velha estratégia de guerra: "dividir para conquistar".

Max Dias é jornalista, mestre em história e associado ao Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Gésio Passos é jornalista, membro da Comissão de Liberdade de Imprensa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal e também associado ao Intervozes