terça-feira, 29 de setembro de 2020

EM TESE - GUERRA DO CONTESTADO (12/03/15)

A Guerra dos Pelados (1970) Directed by Sylvio Back with English subtitles

Webdocumentário "Órfãos do Contestado" - 2020

Shoshana Zuboff: Überwachungskapitalismus und Demokratie

Redes sociais são as novas armas de guerra cultural

Doc da Netflix sobre uso de dados ignora solução que Assange defende há anos o filme segue um roteiro previsível. Humaniza os culpados, espetaculariza o problema, dramatiza as consequências e não traz soluções práticas

MARIANA SERAFINI Carta Maior Carta Maior São Paulo (SP) (Brasil) 24 de set de 2020 às 11:11 RECEBA NOSSAS NOTÍCIAS E NOVIDADES EM PRIMEIRA MÃO! E-mail Há poucas semanas a Netflix lançou “Dilema das redes”, o documentário dirigido por Jeff Orlowski que denuncia o mau uso feito pelas Big Techs (Google, Facebook, Instagram e várias outras) com os dados dos usuários. Apesar de uma ou outra informação interessante – nada necessariamente novo – o filme peca no ponto chave da questão: não é um dilema. Fora isso, traz entrevistas com meia dúzia de designers, engenheiros de software e programadores do Vale do Silício. Eles trabalharam para construir esse sistema que hoje nos controla. E não é porque se arrependeram, depois de ver o estrago, que são inocentes. O “dilema” apresentado no documentário é falso, uma vez que a proteção de dados dos usuários deveria ser um direito e não uma mercadoria. É daí que o debate tem que partir, e não de algumas poucas soluções individuais como “use menos as redes sociais” e “limite o uso das telas para as crianças”. Há mais de uma década existem movimentos ao redor do mundo que denunciam o impacto negativo que essas empresas poderiam causar. O lema dos cypherpunks é bastante razoável: “privacidade para o cidadão, transparência para os poderosos”. Porém, mexer com esse sistema é colocar o dedo direto na ferida de um dos negócios mais lucrativos do mundo contemporâneo e, ao mesmo tempo, mais nocivos para o futuro da humanidade. É por isso que um dos expoentes, Julian Assange, está preso e com a cabeça a prêmio. Se for condenado, pode ser extraditado para os Estados Unidos e morto. E tudo que ele defendeu foi uma solução para o que Orlowski apresenta como um dilema irresolúvel. Foto: Divulgação Cena de “Dilema das redes”, documentário dirigido por Jeff Orlowski Em entrevista à Carta Maior há sete anos, logo que começou seu longo exílio na embaixada do Equador em Londres, Assange qualificou a internet como “o sistema nervoso da civilização”. Ele alertava sobre como as redes sociais coletam os dados dos usuários e fazem disso os mais diversos usos que podem ter fins comerciais ou políticos. A solução só pode ser a regulação, não há fórmula mágica. O problema é que o sistema nervoso adoeceu e a sensação que se tem é de uma distopia acelerada pela pandemia do coronavírus. Distopia, aliás, é uma palavra que aparece muito no documentário. O mecanismo de algoritmos usados pelas redes sociais chegaram tão fundo nas nossas vidas que hoje elas sabem mais de nós que nós mesmos e com isso conseguem prever e induzir nossas ações e pensamentos. “Dois bilhões de pessoas terão pensamentos que não teriam normalmente, porque um designer do Google disse: é assim que as notificações vão aparecer na tela para a qual você olha quando acorda”, confessa Tristan Harris, ex-designer que trabalhou na criação da interface do Gmail. Harris é o “protagonista” da saga de ex-funcionários das grandes empresas que se arrependeu. Ao se dar conta do que estava criando, ele fez um manifesto, chegou a chacoalhar reuniões na Google e no final não aconteceu nada. Foi assim que ele saiu da empresa e se tornou um ativista – não exatamente pela proteção dos dados – pelo uso “ético” das informações. Além de Harris, o documentário traz depoimentos de outros funcionários do Pinterest, Facebook, Uber. Todos se dizem muito chocados com o rumo que as coisas tomaram. E juram com os olhos fixos na câmera que também são vítimas do monstro que criaram. Essas redes nos conduzem, com seus sistemas de algoritmos, por um caminho difícil de voltar depois do primeiro “like”. O objetivo principal de todo o sistema é nos manter presos às telas o máximo de tempo possível. Afinal, somos nós o produto. Precisamos postar, receber respostas, clickar nos links de propaganda e, claro, comprar, comprar muito. Mas esse mecanismo perverso atinge a vida humana em muitas esferas. Desde o vício em redes sociais, até toda uma nova geração com distúrbios de ansiedade e depressão pelo uso excessivo das telas e a desestabilização de democracias ao redor do mundo. As eleições no Brasil em 2018 são um exemplo de como estamos vulneráveis ao capitalismo de vigilância. O disparo de fake news em massa pelo WhatsApp foi um dos elementos que levaram Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto. Mas antes, outros países já haviam sido usados como laboratórios desse tipo de experiência. Assange denunciava isso quando dezenas de nações africanas tiveram suas eleições manipuladas dessa forma. Mas enquanto não chegou em grandes economias, o problema não recebeu a atenção que merecia. Agora soa como um dilema irreversível porque parece impossível imaginar o mundo sem as redes sociais. A questão é que não se trata de acabar com as redes e sim de regular a atuação das empresas. Elas não podem estar acima do Estado, dos governos e das Constituições. Não podem decidir o destino de nações inteiras e sair impunes. Para prender a atenção, o filme segue um roteiro previsível. Humaniza os culpados, espetaculariza o problema, dramatiza as consequências e não traz soluções práticas. Tudo que os ex-funcionários apresentam como uma possível saída para o falso dilema é uma regulação econômica. Isso obrigaria as empresas a serem mais “transparentes” com o destino que dão aos dados de quase um terço da humanidade. E mesmo depois de mostrar que o problema é muito mais profundo do que se imaginava, o documentário apela para soluções individuais. Como se ao controlar o uso das telas, mudar as configurações de notificações do celular ou abandonar as redes sociais fosse resolver o caos em que fomos lançados. A resposta para o dilema é a regulação: “privacidade para os cidadãos, transparência para os poderosos”. Defender esse lema é atacar o próprio capitalismo. Por isso Assange está a um passo de ser assassinado. Quem controla tudo que a gente sabe e ainda vai vir a saber não aceita esse tipo de ameaça ao sistema. Assista o trailer Mariana Serafini, Jornalista e especialista em América Latina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

domingo, 27 de setembro de 2020

Como funciona o Córtex, super sistema de vigilância do governo

cortex - sistema de vigilância do governo e o autoritarismo

Sem alarde, o Ministério da Justiça está expandindo uma das maiores ferramentas de vigilância e controle de que se tem notícia no Brasil. Trata-se do Córtex, uma tecnologia de inteligência artificial que usa a leitura de placas de veículos por milhares de câmeras viárias espalhadas por rodovias, pontes, túneis, ruas e avenidas país afora para rastrear alvos móveis em tempo real. O Córtex também possui acesso em poucos segundos a diversos bancos de dados com informações sigilosas e sensíveis de cidadãos e empresas, como a Rais, a Relação Anual de Informações Sociais, do Ministério da Economia. A poucos cliques, oficiaSis podem ter acesso a dados cadastrais e trabalhistas que todas as empresas têm sobre seus funcionários, incluindo RG, CPF, endereço, dependentes, salário e cargo. Em tese, é uma ferramenta poderosa de combate ao crime. Na prática, o sistema pode ser usado para monitoramento e vigilância de cidadãos, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, lideranças políticas e manifestantes, em uma escala sem precedentes. O Ministério da Justiça, oficialmente, nega que o sistema seja integrado à base de dados do Ministério da Economia. Mas não é o que mostra um vídeo enviado ao Intercept por uma fonte anônima. Na gravação, feita em abril deste ano, o capitão da Polícia Militar de São Paulo Eduardo Fernandes Gonçalves explica como usar a ferramenta. Desde 2018 cedido pelo governo de São Paulo à Seopi, a Secretaria de Operações Integradas da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Fernandes demonstra a facilidade em se cruzar informações a partir de um registro de placa de carro. A Rais está entre as bases de dados da demonstração. “O que é interessante aqui? Que, com base no CNPJ, eu recupero a relação de todos os funcionários que trabalham hoje na empresa”, diz Fernandes na apresentação. “Cruzando essas informações aqui com as bases de CPFs, que os senhores também terão à disposição, dá para ter uma relação bem rápida de onde essa pessoa mora”. Os agentes conseguem a partir da placa do carro saber toda a sua movimentação pela cidade, com quem você se encontrou, quem te acompanhou nos deslocamentos e quem te visitou. Também podem cruzar esse histórico com informações pessoais e dados de emprego e salários, incluindo boletins de ocorrência e passagens pela polícia. No vídeo, o que se vê é uma ferramenta poderosa que está à disposição de milhares de pessoas das forças de segurança e setores de inteligência dos governos federal, estaduais e até municipais, tudo sem critérios claros de controle sobre seu uso. A fonte que enviou o vídeo ao Intercept, que não se identificou por medo de retaliações, estima que cerca de 10 mil servidores tenham acesso ao sistema. Assine nossa newsletter Conteúdo exclusivo. Direto na sua caixa de entrada. Eu topo A Seopi, que desenvolveu o Córtex, era um setor do Ministério da Justiça praticamente desconhecido até julho, quando a existência de um dossiê de inteligência contra policiais e professores ligados a movimentos antifascistas produzido ali veio a público. O diretor de Inteligência da Seopi, Gilson Libório, um dos responsáveis diretos tanto pelo Córtex quanto pelo dossiê secreto, foi exonerado depois que o caso virou um escândalo e passou a ser investigado pelo Ministério Público Federal. Em decisão plenária, os ministros do STF decidiram mandar o ministério suspender a produção de dossiês por motivações políticas. Mas o Córtex continua em expansão. O sistema foi usado pela Seopi nas cinco cidades-sede da Copa América no ano passado, nas eleições e no Enem de 2018. Hoje conta com pelo 6 mil câmeras, de acordo com declarações do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, em cuja gestão foi implantada a tecnologia. Quem, quando e onde em dois segundos No sistema, quando um “alvo móvel” é cadastrado e passa por uma câmera com capacidade de leitura de placas, leva dois segundos para os agentes de inteligência ou policiais interessados serem avisados até por push no app do celular. A partir daí, é possível realizar uma série de tarefas: continuar monitorando o alvo, mandar o policial mais próximo tentar abordá-lo ou cruzar as informações do veículo e seu dono com diversas outras à disposição do governo federal. No vídeo enviado ao Intercept, Fernandes, o PM escalado para o treinamento, deixa clara a facilidade em operar o sistema e cruzar os dados. Tudo pode ser feito direto pelos agentes, antes de qualquer autorização judicial. O vídeo mostra que são acessíveis com o Córtex bancos de dados do Denatran, o Departamento Nacional de Trânsito; o Sinesp, Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública; o Depen, Departamento Penitenciário Nacional; o cadastro nacional de CPFs; o cadastro nacional de foragidos; o de boletins de ocorrência; e o banco nacional de perfis genéticos; além do Alerta Brasil da Polícia Rodoviária Federal e do Sinivem, o Sistema Integrado Nacional de Identificação de Veículos em Movimento. Nosso trabalho depende muito de você AJUDA AQUI! Nosso trabalho depende muito de você Questionado, o ministério da Justiça negou que o Cortex tenha acesso à Rais, a base de dados do ministério da Economia. Não é o que se vê no vídeo de uma hora, um minuto e 48 segundos. Ali, Fernandes dá até um exemplo: com a ajuda do Córtex, ele acessa todas as informações dos funcionários da concessionária do aeroporto de Viracopos, em Campinas, diz quantos funcionários a empresa tem e começa a esmiuçar alguns nomes. Na gravação, ele abre uma planilha com todos os funcionários da empresa – com dados com CPFs e datas de nascimento –, e afirma ser possível saber quais deles transitaram pela cidade de Guarulhos no dia 10 de janeiro. Funcionário público do governo de São Paulo cedido para o Ministério da Justiça, Fernandes trabalha desde pelo menos 2018 na área de inteligência do governo. Lá, trabalha na diretoria de tecnologia, onde recebe mais de R$3 mil acrescidos ao seu salário de policial para participar de um “grupo de trabalho responsável por elaborar propostas de soluções tecnológicas”. Nas contas do governo federal, é um servidor “mobilizado”. Nas redes sociais, é um fã incondicional do presidente Bolsonaro. Na época das eleições, o PM ostentou até uma foto ao lado do então candidato de extrema direita. Pouco depois, ele trabalharia na área de inteligência do governo.Na época das eleições, o PM ostentou até uma foto ao lado do então candidato de extrema direita. Pouco depois, ele trabalharia na área de inteligência do governo. Foto: Reprodução/Facebook “Jogando aqui, fazendo a consulta, tem uma placa aqui, ele pertence a um funcionário da empresa que administra o aeroporto, e transitou em Guarulhos nesse dia”, diz o PM no vídeo, mostrando detalhes do deslocamento do funcionário, que inclui avenidas, sentido e horário. “Às 20 horas ele tava no sentido bairro-centro, então ele tava voltando”, diz Fernandes. “Aí vai a criatividade. Joga a placa do carro, levanta itinerário, quem tava junto, levanta. Ou melhor, pega a placa do carro, vai pro CPF do proprietário, vai pra Rais, vê onde trabalhava, vê quem trabalhou junto”, disse. Os dados dos alvos ficam armazenados por dez anos e o índice de acerto nas leituras é de 92%, segundo a demonstração em vídeo da tecnologia. De acordo com a fonte anônima que enviou o material ao Intercept, cerca de 10 mil pessoas da Abin, a Agência Brasileira de Informação, ministério da Justiça, PRF, PF, PMs estaduais, Polícia Civil e até guardas municipais possuem acesso ao sistema. Questionado, o Ministério da Justiça não confirmou nem desmentiu. No tutorial, Fernandes afirma que todos os movimentos dentro do Córtex ficam registrados e são auditáveis. “Se houver algum tipo de desvio nesse uso, o profissional que fez isso vai sofrer as consequências do cadastro indevido”, alerta o agente no vídeo. Apesar disso, ele não explica que consequências seriam essas e quem fiscaliza o uso do sistema pelos milhares de usuários com acesso simultâneo. Na prática, a operação do Córtex e o próprio trabalho da Seopi não possuem regras claras e estão cercados de sigilo. cortex-bIlustração: Felipe Mayerle para o Intercept Brasil Integração nacional Oembrião do que viria a se tornar o Córtex surgiu ainda no governo Dilma Rousseff, com a criação do Sinesp, Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e Sobre Drogas. A iniciativa pretendia unir em um único sistema informações de bancos de dados estaduais como boletins de ocorrência, veículos com alerta de furto e roubo, presos e foragidos. Pouco antes a Copa do Mundo de 2014, o governo federal lançou o Centro Integrado de Comando e Controle Nacional, que reunia representantes e informações das secretarias de segurança pública das cidades-sede do evento e imagens em tempo real de câmeras viárias e de segurança espalhadas por estas cidades. A principal preocupação do governo era a eventual ação de grupos terroristas, crime organizado e manifestações que colocassem em risco o evento como as que aconteceram no ano anterior. Quem não cumpre fica sem o repasse de recursos federais para a área de segurança pública. Já em 2015, um decreto da presidente sistematizou, ampliou e oficializou o uso do Alerta Brasil — criado pela PRF em 2013, também em meio aos investimentos em segurança pública para o mundial de futebol da Fifa. Em 2018, já no governo do presidente Michel Temer, foi aprovada a lei que criou o Susp. A partir dali, ficou estabelecido o compartilhamento com a Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça de uma série de bancos de dados até então separados das secretarias de segurança pública dos estados. Quem não cumpre fica sem o repasse de recursos federais para a área de segurança pública. Até o final do ano passado, de acordo com informações da PRF, pelo menos 12 estados compartilhavam suas câmeras com o Córtex: Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima e Amapá. Destes, as secretarias de segurança pública de RJ, SC, AP, AC, GO, MT e RR e DF estavam conectadas com o Córtex. Além dos governos estaduais existem parcerias — e acesso às câmeras — direto com os municípios. No final de 2017, por exemplo, a Prefeitura de Atibaia, em São Paulo, anunciou que suas câmeras viárias leitoras de placas passariam a fazer parte do Alerta Brasil, sistema de monitoramento de placas criado pela Polícia Rodoviária Federal em 2013. Andre Mendonca, Brazil's new minister of justice, center, applauds during an inauguration ceremony with Jair Bolsonaro, Brazil's president, at Planalto Palace in Brasilia, Brazil, on Wednesday, April 29, 2020. Medonca is taking over after Sergio Moro quit the post following Bolsonaro's firing of the federal police chief. Photographer: Andres Borges/Bloomberg via Getty ImagesO ministro da Justiça, André Mendonça, durante sua posse após a saída de Moro. A Seopi foi criada em 2019, mas com Mendonça ganhou contornou políticos. Foto: Andres Borges/Bloomberg via Getty Images O braço de vigilância do ministério da Justiça OAlerta Brasil foi uma das tecnologias precursoras do Córtex. Em setembro do ano passado, o então ministro da Justiça, Sergio Moro, disse no Twitter que os dois sistemas estavam completamente integrados. “A unificação dos sistemas de monitoramento viário Alerta Brasil 3.0 da PRF e Cortex da SEOPI, ambos do MJSP, levará à redução de custos e a criação de um sistema integrado com seis mil pontos de monitoramento no país”, afirmou Moro. “Às vezes, integrar exige só olhar para quem está do seu lado”. Hoje, inúmeras cidades fazem parte do sistema, que recebe também as imagens de concessionárias de rodovias estaduais, vias urbanas e rodovias federais. Questionado, o Ministério da Justiça não informou o número exato de parcerias com governos estaduais e municipais para o uso da ferramenta. Sobre isso, disse apenas que “é importante ressaltar que o sistema está sendo desenvolvido com o trabalho de técnicos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, além das contribuições dos usuários dos estados que aos poucos são inseridos no contexto do sistema”. E que o custo mensal da infraestrutura necessária para suportar o Córtex é R$ 30 mil. A Seopi, braço de inteligência do Ministério da Justiça hoje responsável pelo sistema, foi criada no início da gestão de Sergio Moro no Ministério da Justiça. O decreto número 9.662, editado pelo presidente Jair Bolsonaro em seu primeiro dia de mandato, atribui à secretaria a produção de serviços de inteligência. Assim, a Seopi age de maneira análoga a outros órgãos de inteligência como a Abin, a Agência Brasileira de Inteligência; o GSI, Gabinete de Segurança Institucional; e o Centro de Inteligência do Exército, o CIE. E, assim como eles, não são obrigados a passar por um controle externo do Ministério Público, congresso ou qualquer instância da justiça. ‘Não dá para dizer que o uso atual do Córtex é ilegal hoje em termos jurídicos, mas dá para afirmar que é profundamente problemático e potencialmente ilegal’. A missão do órgão é produzir inteligência para combate ao crime organizado. Um exemplo deste tipo de ação foi a transferência das principais lideranças da facção criminosa Primeiro Comando da Capital de presídios paulistas para penitenciárias federais, no início do ano passado. Além disso, como revela a existência do dossiê sobre os antifascistas, a Seopi vem sendo utilizada também com fins políticos. Por meio da secretaria, o ministério produziu em sigilo neste ano uma espécie de lista com nomes, endereços nas redes sociais e fotografias de 579 servidores públicos da área de segurança pública e três professores universitários, todos críticos ao governo Bolsonaro, ligados a movimentos antifascistas. O material circulou na PF, CIE e Palácio do Planalto. Após a existência do dossiê vir a público, Moro afirmou que o monitoramento de opositores do governo não acontecia quando ele era ministro. “A Seopi produz inteligência e operações, na minha época focadas em combate ao crime organizado, crime cibernético e crime violento”, afirmou o ex-ministro. “Esses relatórios ora controvertidos não são do meu período”. Na infame reunião ministerial do dia 22 de abril, Bolsonaro reclama bastante das informações de inteligência que recebia oficialmente. “O nosso serviço de informações, todos eles, são uma vergonha, uma vergonha!”, bradou o presidente no encontro. “Eu não sou informado! E não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir! E ponto final”. No total, a Seopi é composta por quatro diretorias e dez coordenadorias. Quando assumiu a pasta da Justiça após a saída de Moro, o ministro André Mendonça trocou nove das 13 pessoas que chefiavam estes órgãos. Os nomeados por Mendonça foram os responsáveis pelo dossiê contra antifascistas – e também cuidam do Córtex. Tecnoautoritarismo Não há uma lei, decreto, portaria ou qualquer norma oficial pública que regulamente o uso do Córtex dentro da Seopi. Perguntei ao Ministério da Justiça quais as normativas legais, os dispositivos de controle e quem fiscaliza seu uso. O governo se limitou a dizer que o Córtex opera de acordo com o Sistema Único de Segurança Pública, que determina o intercâmbio de informações entre órgãos, mas não estabelece limites e proteção à privacidade. “Não dá para dizer que o uso atual do Córtex é ilegal hoje em termos jurídicos, mas dá para afirmar que é profundamente problemático e potencialmente ilegal”, me disse Rafael Zanatta, advogado e pesquisador do Lavits, a Rede Latino Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade. “Eu também não sei, como pesquisador, o que eles fazem. Existe um problema fundamental aí de opacidade. Isso já é um ponto de partida muito problemático”. A Lei Geral de Proteção de Dados, que entrou em vigor em agosto de 2018, prevê o uso de dados pessoais dos cidadãos para atividades de segurança pública, segurança nacional e investigação criminal – mas não de maneira indiscriminada. “A LGPD deu um passo importante que foi separar isso em alíneas. Segurança pública é uma coisa, segurança nacional é outra, atividades de investigação é outra. Ter essa clareza e separação de poderes é muito importante”. A lei de proteção de dados prevê que o uso de dados para fins de segurança deverá ter regulamentação própria, que ainda não existe. Para o pesquisador, o livre compartilhamento de bases de dados sigilosos de entes governamentais diferentes foge ao princípio da finalidade e insere-se em uma discussão global sobre “tecnoautoritarismo”. “É um termo novo para um problema antigo. Essa preocupação das capacidades de vigilância e uso de tecnologias para segurança e vigilância é um tema clássico”, afirma. “Existe um processo muito amplo de contestação disso no mundo todo”. Na Europa e nos EUA, exemplifica, a adoção de novas tecnologias de vigilância é discutida publicamente, e há separação jurisdicional entre informações sob guarda de entes governamentais diferentes. O Ministério diz que a Seopi usou o Córtex nas operações de segurança das eleições em 2018, Operações Luz na Infância 5 e 6 (que resultou na prisão de mais de 90 pessoas acusadas de crimes sexuais contra crianças e adolescentes), assim como no “monitoramento nacional dos impactos da Covid-19 para a segurança pública.” E que “a integração de informações de monitoramento urbano permite a detecção de veículos com indicativo criminal registrado, como furto e roubo para emprego exclusivo nas atividades de segurança pública para repressão ao crime organizado e criminalidade violenta”.

sábado, 26 de setembro de 2020

Chamath Palihapitiya, Founder and CEO Social Capital, on Money as an Ins...

CAPITALISMO DE VIGILÂNCIA - o que é sexta-feira, 18 de setembro de 2020

>VERBETE DRAFT: O QUE É CAPITALISMO DE VIGILÂNCIA Isabela Mena - 27 MAR 2019 Muito além das velhas câmeras, no Capitalismo de Vigilância quem fornece os dados é também o alvo potencial da manipulação: você. COMPARTILHE Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é… CAPITALISMO DE VIGILÂNCIA O que acham que é: Uma releitura do livro 1984, de George Orwell. O que realmente é: Capitalismo de Vigilância (Surveillance Capitalism, no termo original, em inglês) é uma mutação do capitalismo que utiliza a imensurável quantidade de dados que usuários fornecem gratuitamente a empresas de tecnologias (como as que detêm redes sociais e buscadores) transformando-a em matéria-prima e produto final altamente lucrativos. O processo é conhecido: em seu navegar habitual, o usuário recheia a web com zilhões de informações sobre si mesmo como gostos (comida, música, cinema, roupas, viagens etc.); sentimentos (medo de saltar de paraquedas, alegria por adotar um gato, ansiedades etc.); projetos (comprar uma casa, fazer faculdade, morar fora etc.); hábitos online (assistir a vídeos na plataforma x, ouvir podcasts na y etc.) e off-line (ir para o trabalho de bike, ser onívoro, frequentar teatro etc.); posições políticas, sociais, religiosas e tudo o mais que couber na esfera comportamental humana. Todas essas informações são consideradas dados em estado bruto. O que as empresas de tecnologia fazem é extraí-los e refiná-los para que se tornem dados de predição de comportamento, ou seja, capazes de prever os próximos passos do usuário antes até dele mesmo. O passo seguinte é vendê-los a preço de ouro já que, com isso em mãos, é possível influenciar o comportamento humano. E vale lembrar: as empresas usam não apenas as informações que os usuários permitem (nas postagens que a maioria das pessoas faz, sem nem se dar conta disso), mas também as fornecidas em formulários, mesmo que sem consentimento e, ainda, aquelas ouvidas pelos microfones ou vistas pelas câmeras de celulares, computadores, caixas de som etc. (as empresas negam, mas não faltam indícios e reportagens a respeito dessa prática). O conceito de Surveillance Capitalism foi criado pela acadêmica norte-americana Shoshana Zuboff (leia no próximo item), embora, de certa forma, a questão em si não seja desconhecida. A importância de sua obra — na qual a conceituação mais usual de Capitalismo de Vigilância é “nova ordem econômica que considera a experiência humana como material cru gratuito para práticas comerciais ocultas de extração, predição e venda” — é fornecer uma visão de pesquisador, situar o tema em um contexto mais amplo e trazê-lo à discussão. Segundo Rafael Zanatta, advogado e membro do grupo de Ética, Tecnologia e Economias Digitais da USP, quando utiliza um tom mais ácido para definir Capitalismo de Vigilância, Zuboff diz que “é uma lógica econômica parasita na qual a produção de bens e serviços é subordinada à nova arquitetura global de modificação do comportamento”. “Em resumo, é uma expropriação dos direitos humanos mais basilares, como a autonomia e a liberdade”, afirma Zanatta. Ampliando mais o espectro, João Carlos Magalhães, pesquisador de doutorado no departamento de mídia e comunicação da London School of Economics(LSE), conta que, para Zuboff, a capacidade de modificação de comportamento dos usuários cria um novo tipo de poder — o chamado “instrumentarismo” —, algo comparável aos regimes totalitários do século 20. “Ela diz que ambos os tipos de poder têm como objetivo a negação total da liberdade. A diferença seria que o “instrumentarismo” visa não aniquilar fisicamente o outro, como o nazismo e o fascismo, mas ter uma espécie de ‘certeza total’ e científica sobre o indivíduo para poder melhor manipular seu comportamento.” Quem inventou: O conceito foi criado pela acadêmica norte-americana Shoshana Zuboff, da Escola de Administração de Harvard. Segundo Zuboff, a empresa pioneira no Capitalismo de Vigilância é a Google. Quando foi inventado: Em 2015, Zuboff publicou pela primeira vez o conceito em um paper intitulado Big Other: Surveillance Capitalism and the Prospects of an Information Civilization. Em 2018, ela publicou o livro The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power (sem edição brasileira). Já a Google, de acordo com a autora, deu origem ao Capitalismo de Vigilância, em 2001. Como atua: Por meio de um dos princípios básicos do capitalismo, que é separar a sociedade entre os que têm conhecimento e os que não têm (já que conhecimento e poder estão diretamente ligados). Em um texto publicado no The Guardian, em janeiro deste ano, o raciocínio de Zuboff em relação a esse ponto é colocado da seguinte forma por John Naughton, colunista de tecnologia do jornal inglês: “A combinação de vigilância do Estado e sua contrapartida capitalista significa que a tecnologia digital está separando os cidadãos em todas as sociedades em dois grupos: os observadores (invisíveis, desconhecidos e inexplicáveis) e os observados. Isso tem consequências profundas para a democracia, porque a assimetria de conhecimento se traduz em assimetrias de poder.” Quem usa: Como já dito, a Google é apontada como precursora do que logo se tornou o modelo padrão no Vale do Silício, adotado por quase todas as startups e aplicativos. Amazon, Apple e Facebook, segundo Zanatta, também são citadas dezenas de vezes no livro de Zuboff, assim como empresas que atuam em projetos de cidades inteligentes, como a Cisco. “Já as empresas chinesas como Alibaba e Tencent, tão importantes quanto, são citadas poucas vezes, talvez em razão da pesquisa de Zuboff ser mais localizada nos Estados Unidos e no Vale do Silício.” Magalhães diz que, como a capacidade de controlar o comportamento dos consumidores é atrelada à quantidade e qualidade dos dados que as organizações têm sobre eles, empresas pioneiras como Google, Facebook e Amazon são as representantes típicas (e mais eficientes) desse novo tipo de capitalismo. “O que muitos autores argumentam é que, na prática, todas as grandes empresas do mundo vão, mais cedo ou mais tarde, se tornar “data companies”, da Shell ao McDonalds”, afirma. “E é aí que está, inclusive, o frenesi em torno de conceitos como big data e data science: ninguém quer ficar pra trás de algo que parece ser uma transformação econômica revolucionária.” Efeitos sobre o consumidor: Transformar a relação (voluntária ou não) com as maiores empresas de tecnologia em dados preditivos, usados para sua própria manipulação e, por outro lado, oferecer benefícios como facilitar a comunicação e o acesso à informação. Dessa forma, o Capitalismo de Vigilância seria tanto um paradoxo como, também, uma relação perversa das grandes empresas com os indivíduos. Para Magalhães, o nó da questão é o consumo. “As empresas oferecem ótimos serviços por preços menores ou até de graça, como Facebook e Google. Ao serem aparentemente boas para o consumidor, esperam que aceitem os problemas éticos de fundo, muito mais graves e difíceis de serem notados.” Quem é contra: Em tese, são contra a prática todas as pessoas que a conhecem e a entendem como manipulativa, escusa e ilegal. Mas, na sociedade, a discussão sobre o tema ainda é incipiente. Já na academia, a ideia é muito nova, segundo Magalhães, para que exista uma literatura crítica, de fato. “O que ocorre é uma certa simplificação. Nem Zuboff nem outros autores que trabalham com conceitos parecidos conseguem provar ou mensurar essa suposta ‘manipulação’. Não há dúvidas de que as empresas tentam nos manipular por meio de técnicas de dados mas, se elas realmente conseguem fazer isso, é uma outra história”, afirma. Para saber mais: 1) Leia, no The Guardian, ‘The goal is to automate us’: welcome to the age of surveillance capitalism, entrevista de John Naughton, colunista de tecnologia jornal com Shoshana Zuboff. 2) Assista, na página do YouTube do The Intercept, ao vídeo The Rise of Surveillance Capitalism, um painel de discussão com Shoshana Zuboff e a jornalista Naomi Klein. 3) Leia na Intelligencer, da New York Magazine, Shoshana Zuboff on Surveillance Capitalism’s Threat to Democracy The Harvard Business School professor discusses her new book, um Q&A com a autora. Postado por blog do tata às 21:27 Nenhum comentário: Ex-executivo do Facebook diz que redes sociais estão destruindo a sociedade TECNOLOGIA Para Chamath Palihapitiya, elas trazem desinformação e são um problema global 1 min de leitura ÉPOCA NEGÓCIOS ONLINE ÉPOCA NEGÓCIOS ONLINE 15 DEZ 2017 - 15H38 ATUALIZADO EM 15 DEZ 2017 - 15H53 WhatsApp Facebook Twitter Linkedin Pinterest Copiar Link Facebook ; redes sociais ; social media ; (Foto: Reprodução/Facebook) (Foto: Reprodução/Facebook) Um ex-executivo do Facebook declarou que se sente “tremendamente culpado” por sua colaboração na criação de “ferramentas que destroem o funcionamento da sociedade”. A declaração polêmica foi feita por Chamath Palihapitiya, que ocupou o cargo de vice-presidente para o crescimento de usuários na gigante do Vale do Silício. SAIBA MAIS Em SP, Facebook inaugura seu 1º centro para inovação do mundo Em evento na escola de negócios da Universidade de Stanford, na Califórnia, o executivo, que saiu da companhia em 2011, declarou que as redes sociais são um problema global. “Elas estão corroendo os principais fundamentos de como as pessoas se comportam e se relacionam entre si”. A notícia foi dada pelos sites The Verge e The Guardian. As críticas de Palihapitiya não visaram apenas o Facebook, mas ao ecossistema como um todo. “Os laços baseados em feedbacks rápidos e cheios de dopamina estão dilacerando a sociedade”, disse referindo-se aos almejados likes das mídias sociais. “[Não trazem] Um discurso civil, cooperação, só desinformação e mentira”, disse. Os comentários do executivo foram feitos pouco tempo após Sean Parker, um dos primeiros investidores do Facebook, criticar a maneira como a empresa “explora a vulnerabilidade da psicologia humana, criando um looping de feedback de validação social”, durante um evento de mídia. Parte de seu discurso pode ser assistindo aqui. Parker declarou ainda que iria usar o dinheiro que ganhou com o Facebook para fazer algo de bom pelo mundo. Já Chamath Palihapitiya disse que não usa a rede social. “Não posso controlar todos os usuários, mas posso controlar os meus filhos, e eles não têm permissão para usar essa porcaria”. Diante dos alunos de Stanford, universidade de onde saíram vários executivos do Vale do Silício, ele pediu que tentassem entender a maneira como se relacionam com as mídias sociais. “Você não percebe isso, mas seu comportamento está sendo programado. Não foi intencional, mas agora você terá que decidir o quanto vai desistir da sua independência intelectual”, disse. >

�� O ESCÂNDALO DO FACEBOOK: Cambridge Analytica, Privacidade e mais... - ...

Shoshana Zuboff sobre a ameaça do capitalismo de vigilância à democracia O professor da Harvard Business School discute seu novo livro.

The Rise of Surveillance Capitalism

Shoshana Zuboff | The Age of Surveillance Capitalism

QAnon, por Fábio de Oliveira Ribeiro

 


Programados pela ganância, os algoritmos não se importam com o mal que estão fazendo à sociedade. Os interesses dela não podem ser e não são computados.

 

Por Fábio de Oliveira Ribeiro -12/09/2020

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QAnon

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Um programa da DW finalmente rompeu o silêncio da grande mídia sobre uma ameaça crescente que nasceu nos EUA se espalhou pela Europa e chegou ao Brasil: o QAnon.

Enquanto assistia o debate lembrei da cena final de um filme antigo.

 

Uma grande civilização não é conquistada antes de ser destruída por dentro.

 

Confesso que estou adorando ver o QAnon destruir os EUA por dentro. Suponho que esse processo de destruição ficará mais rapido quando o movimento conseguir se infiltrar no US Army, US Navy e US Air Force.

 

 

O mais fantástico é o papel que os algoritmos desempenham nessa história. Os donos do QAnon lucram espalhando desinformação, mas os donos das empresas de Big Data também auferem lucros com isso.

 

Programados pela ganância, os algoritmos não se importam com o mal que estão fazendo à sociedade. Os interesses dela não podem ser e não são computados. O mesmo não pode ser dito dos interesses daqueles que embolsam milhões de dólares todos os dias em razão da atividade frenética dos algoritmos.

A abundancia da prata de Potosí enriqueceu muito Império da Espanha nos séculos XVI e XVII. Resultado: os espanhóis se tornaram preguiçosos, arrogantes, vagabundos e arruaceiros acelerando o colapso de seu país.

Os EUA parecem estar condenados a ter um destino sombrio semelhante. O lucro fácil obtido com algoritmos pode ser considerado a prata de Potosí dos norte-americanos.

 

 

Uma coisa ficou evidente no programa da DW. A tentativa de invasão do Parlamento alemão por ativistas do QAnon provocou o início da reação política ao movimento naquele país. É provável que a Alemanha passe a monitorar o QAnon com mais atenção. A repressão aos ativistas violentos e o combate à desinformação serão intensificados na Alemanha.

 

Leia também:  Reforma administrativa é a estratégia do bode na sala, por Flávio Germano de Sena Teixeira Júnior

No Brasil o QAnon parece estar intimamente ligado à família Bolsonaro. Felizmente para nós, através do Inquérito das Fake News o STF já começou a desmantelar o “gabinete do ódio” e a minar o esquema financeiro criado para obter lucro mediante a distribuição de desinformação e o incentivo à radicalização política.

 

Nos EUA, apesar da prisão de Steve Bannon por causa de corrupção, o QAnon não está sendo reprimido pelas autoridades. Muito pelo contrário, o movimento tem sido elogiado por Donald Trump.

 

 

De maneira geral podemos dizer que o Estado norte-americano não foi criado e dimensionado para reprimir a obtenção de lucro, algo que naquele país equivale à busca da felicidade e/ou à salvação religiosa. Além disso, as empresas de Big Data destinam uma parte dos lucros que obtém com o QAnon para os dois grandes partidos políticos.

 

Esse círculo fechado de interesses mesquinhos reforçados pela ideologia dominante amplificará o efeito devastador desse movimento nos EUA? A conferir.

 

 

Facebook: a savana africana dos americanos brancos, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A violência que o Facebook espalha com lucro já transformou os EUA em um típico estado africano falido. Cegados, os norte-americanos brancos não conseguem ver isso.

 

Por Fábio de Oliveira Ribeiro -04/09/2020

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Facebook: a savana africana dos americanos brancos

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Eis aqui uma resposta provocativa ao artigo do NYT.

 

Assim que se autoperpetua, o poder está no princípio do fim. O que caracteriza a vida é a inevitabilidade de novos começos. Tudo que cresce, envelhece e se torna poderoso está prestes a morrer ou ser substituído por algo que ainda não nasceu.

 

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O telégrafo morreu com o nascimento do telefone. Os telefones fixos quase foram substituídos pelos telefones celulares. Ao se fundir com a computação em rede, a telefonia móvel permitiu que o Facebook se tornasse um gigante. Mas o Facebook obtém lucro com o Fake News, criando bolhas anti-sociais de barbárie.

 

 

Nenhuma civilização humana foi capaz de resistir à barbárie. O declínio e queda do Facebook serão um produto da civilização que ele começou a destruir. Ninguém sabe exatamente o que vai nascer. Compare a China com os EUA: onde Zuckerberg não tem liberdade, o veneno que ele produz não pode se espalhar.

 

Os chineses não precisam fazer nada para vencer os norte-americanos. Eles podem apenas observar o que o Facebook é livre para fazer nos EUA. A história tem uma forma de agir irônica e distorcida. Olhe de novo: o que você vê (o poder do Facebook) é o oposto do que você poderia ter visto.

 

A violência que o Facebook espalha com lucro já transformou os EUA em um típico estado africano falido. Cegados, os norte-americanos brancos não conseguem ver isso. Povos com séculos de experiência em guerras tribais endêmicas estão rindo muito. Eles chamam os EUA de África Branca.

 

 

O mais engraçado de tudo isso: os jornalistas não conseguem ver o que está acontecendo. O NYT enquadra o mundo de acordo com um modelo que não existe mais. Fazer isso apenas aplifica o erro. Apesar das aparências, Zuckerberg é impotente. Ele destruiu as próprias bases que permitem que o poder exista.

 

 

 

Similaridades entre o Walden de Thoreau e o de Skinner Similarities between Thoreau and Skinner's Walden Similaridades entre el Walden de Thoreau y el de Skinner Waldir Monteiro SampaioI; Paulo Roberto dos Santos FerreiraII IPsicólogo. Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Dourados. Estado do Mato Grosso do Sul. Brasil IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Dourados. Estado do Mato Grosso do Sul. Brasil

 


 

 

 

 

 

RESUMO

 

Uma importante contribuição da Análise do Comportamento consiste na sua proposta de planejamento e interpretação da cultura. Skinner apresenta uma proposição de planejamento cultural com a utopia, Walden Two. O autor afirma que existem proximidades entre algumas ideias apresentadas em Walden Two e no Walden, de Henry David Thoreau. No entanto, essa suposta semelhança permanece pouco explicada por Skinner, o que sugere a produtividade de uma investigação que tenha como objetivo identificar sistematicamente o seu alcance. A esse respeito, foi produtivo buscar a identificação de aspectos considerados importantes em uma proposta do mesmo gênero, possivelmente subsidiando uma apreensão mais aprofundada da sua perspectiva. Apresenta-se uma discussão que busca compreender melhor a relação entre o pensamento utópico dos autores.

 

Palavras-chave: Utopia; Comportamentalismo Radical; Economia; Governo; Sociedade.

 

ABSTRACT

 

An important contribution of Behavior Analysis is the proposal of designing and interpreting culture. Skinner presents a proposal of cultural planning in the utopia: Walden Two. B. F. Skinner states that there are some related ideas in Walden Two and in Walden by Henry David Thoreau. However, this alleged similarity remains poorly explained, which suggests a production of an investigation that aimed to identify these statements. In this regard, it was productive to search and identify aspects considered important in a proposal of the same genre, possibly subsidizing a deeper apprehension of its perspective. We present a discussion that aims better understand about the relationship between the utopian thinking of both authors.

 

Keywords: Utopian; Radical Behaviorism; Economy; Government; Society.

 

RESUMEN

 

Una contribución importante del Análisis del Comportamiento es su propuesta para el planeamiento e interpretación de la cultura. Skinner presenta una propuesta de planeamiento cultural con la utopía Walden Two. El autor afirma que existen proximidades entre algunas ideas presentadas en Walden Two y el pensamiento del escritor Henry David Thoreau en Walden. Sin embargo, estas supuestas semejanzas permanecen poco explicadas, lo que sugiere la necesidad de una investigación que tenga por objeto identificar sistemáticamente dichas similitudes y su alcance. En este sentido, fue productivo buscar la identificación de aspectos considerados importantes en una propuesta del mismo género, posiblemente subsidiando una aprehensión más profunda de su perspectiva. Se presenta una discusión que busca entender mejor la relación entre el pensamiento utópico de los autores.

 

Palabras clave: Utopía; Conductismo Radical; Economía; Gobierno; Sociedad.

 

 

 

 

 

O planejamento cultural e a interpretação das culturas têm recebido atenção especial de estudiosos da Análise do Comportamento (por exemplo, Grant, 2011; Holland, 1978; Place, 1997; Skinner, 1986; Todorov, & Moreira, 2004). Esses temas estão relacionados com a aplicação do modelo de seleção pelas consequências aos fenômenos culturais (Skinner, 1981), mas representam também as aplicações da interpretação comportamental apresentada por Skinner ao tratar da sua proposta de organização da sociedade (Skinner, 1948/2005; 1971/1976)i. De fato, parte da produção na área concentra-se em questões teóricas e empíricas acerca de fenômenos econômicos, políticos e de organização social. Segundo Place (1997, p. 650-651), isso apenas se tornou possível após as publicações de duas obras de Skinner: a utopia Walden Two (1948/2005) e Science and Human Behavior (1953/1965).

 

Walden Two tem servido de fonte para análises comportamentalistas radicais que investiguem aspectos da organização social da própria utopia ou que a usem como modelo skinneriano para uma comparação com o modelo atual, com implicações importantes para uma análise das gestões econômicas e políticas (por exemplo, Dittrich, 2004; Melo, 2008; Olarte Rodriguez, 2005; Wolpert, 2005). Um exemplo do papel que Wanden II desempenhou no pensamento subsequente é o de Ardila (2008) que, inspirado pela obra de Skinner, escreveu Walden III (Ardila, 1979) enfatizando o papel das crianças, família, trabalho, reforma do calendário, educação, sexualidade, envelhecimento e velhice, o exército, a função da ciência na sociedade, religião, ecologia e política internacional. Ardila (2004) apresenta como objetivo comparar os três Walden. Infelizmente, o autor não consegue alcançar o objetivo proposto de forma clara e produtiva, uma vez que sua preocupação no texto é outra, a se considerar que em sua maior parte ocupa-se de sua própria obra, além de apresentar afirmações como: "Entusiasmei-me com Walden três quando o terminei. Considero Walden três uma de minhas obras principais, que irá despertar controvérsias e críticas. [...] Walden três vendeu bem desde o princípio. [...]". Apesar disso, é importante considerar que Ardila (2008) identifica positivamente uma importante demanda de investigação que é a de comparar as obras de Thoreau e de Skinner. A despeito isso, essa demanda de forma alguma foi atendida pela sua avaliação que, como foi sugerido, concentrou-se em um enaltecimento de sua própria obra Walden III (Ardila, 2004). Persevera, portanto, como uma importante lacuna de conhecimento científico a ser preenchida por outra investigação a de apresentar uma comparação sistemática e objetiva das obras Walden, de Thoreau, e Walden II, de Skinner.

 

Em uma análise bastante produtiva do Walden II, Altus e Morris (2009) sugerem que a obra busca meios para maximizar a justiça social e o bem-estar por meio do equilíbrio entre: (a) a habilidade dos membros da comunidade para obtenção consciente desse bem-estar e da justiça social e (b) a habilidade da comunidade buscar os mesmos objetivos como forma de garantir a sua sobrevivência. Um segundo e interessante ponto identificado em Altus e Morris (2009) é o modelo apresentado por Skinner da busca de soluções para problemas de importância individual, social e cultural e que seria, segundo os autores, realizado contemporaneamente pela Análise Comportamental Aplicada. Um exemplo interessante da aplicabilidade do paradigma de organização social que Skinner estabelece é a sociedade real de Los Horcones (Olarte Rodriguez, 2005) criada em 1971 no México e explicitamente inspirada no Walden II.

 

Desse modo, fica clara a necessidade de um entendimento mais apurado do Walden II também pela sua importância como interpretação do programa skinneriano com implicações para a Análise Comportamental Aplicada. Assim, considera-se importante a investigação das proposições existentes na construção do pensamento skinneriano sobre os temas relacionados a economia, política e sociedade. Nota-se ainda haver produtividade em uma investigação que busque uma discussão sobre os diálogos possíveis entre o pensamento de B. F. Skinner e de H. D. Thoreau. Ponderando que a proposta comportamentalista radical é uma filosofia, ela está sujeita a estudos que busquem relacioná-la com outras filosofias e autores (Dittrich, 2011). No entanto, este tipo de investigação não se justifica apenas como uma especulação literária, mas pela possibilidade de identificar supostas proximidades existentes entre as ideias de Skinner e os textos de H. D. Thoreau. Isso porque o próprio Skinner (1948/1978 p. 1; 1973) considera a existência de similaridades entre suas ideias sobre os temas em questão e o pensamento do escritor americano do século XIX.

 

A justificativa mais facilmente identificável de um empreendimento de investigação como o que ora se apresenta é obtida do próprio Skinner, ao considerar explicitamente que sua proposição de utopia foi influenciada pela importante obra de Thoreau (Skinner, 1979, p. 299). A influência é consubstancializada por Skinner (1979, pp. 345-346), ao reproduzir cinco dos princípios citados por Thoreau em sua própria obra (Skinner, 1948/1978; Thoreau, 1854/1963). Não seria produtivo, portanto, realizar uma investigação para comprovar a influência da utopia de Thoreau sobre o autor de Walden II ao escrevê-lo. Mas há, é claro, uma multiplicidade de aspectos em ambas as obras e, possivelmente, das relações entre tais aspectos que poderiam ser explorados de forma sistemática e com grande potencialidade heurística para a área. No entanto, como foi demonstrado ao tratar de Ardila (1979, 2004), não há uma investigação suficientemente sistemática dessa relação entre o Walden e o Walden II. Evidencia-se, desse modo, a necessidade de uma investigação que busque uma interpretação, dentre as muitas possíveis, da relação entre as duas obras.

 

Henry David Thoreau (1817-1862) se ocupou de comentar vários temas, foi crítico do sistema baseado no lucro, do excesso de trabalho, da escravidão, além de feroz crítico do governo americano com suas tendências imperialistas e de defesa do consumismo desenfreado como base do sistema econômico. Em seu Walden, Thoreau (1854/1963) propõe um rompimento, mesmo que parcial, com a sociedade vigente e estabelece seu próprio modo de vida o que o aproxima do objetivo do gênero utópico.

 

Já Skinner, em Beyond Freedom and Dignity (1971/1976), afirma que apenas desenvolvendo uma tecnologia do comportamento o homem conseguirá conceber um modelo mais eficiente no combate aos problemas sociais e econômicos que o assola (p. 29). O autor ainda cita como problemas decorrentes do mau funcionamento da sociedade a poluição ambiental, a fome e a incapacidade sobre o controle de doenças etc. (p. 1). Diante de tais problemas, Skinner (1953/1965, pp. 11-22) considera que existe um avanço nas tecnologias capaz de possibilitar o controle efetivo do nosso mundo físico e biológico, mas pouco se tem avançando em relação aos modelos de educação, economia e política (p. 11), ou seja, pouco se avançou no desenvolvimento de uma ciência do comportamento.

 

Nesse sentido, ambos os autores se somam ao grupo daqueles que se puseram a questionar os problemas sociais e os colocaram em discussão em suas obras. Porém, duas delas permitem uma aproximação entre eles, pois, nelas, os autores se ocupam em discutir proposições sobre diversos pontos como economia política e sociedade. As propostas de Skinner e de Thoreau se apresentam como uma alternativa ao sistema capitalista que, segundo Wallerstein (1995/2001), se caracteriza por prezar o acúmulo e a maximização de bens que geram o capital que, por sua vez, move a economia. É também como um questionamento a esse modelo que Thoreau escreve Walden, or, Life in the Woods (1854/1963) e B. F. Skinner (1948/2005) constrói uma utopia comunitária baseada em uma perspectiva científica do comportamento humano.

 

Walden, or, life in the Woods (Thoreau, 1854/1963) tem sua primeira publicação no ano de 1854. Nele Thoreau descreve o tempo em que viveu afastado da sociedade, morando numa cabana à beira do Lago Walden. Nessa obra, Thoreau é incisivo em críticas à sociedade e faz importantes considerações acerca de temas como economia e modelo social. Já Skinner, quase um século depois, em 1948, escreveu um livro que empresta parte do título da obra de Thoreau. Walden Two (1948/2005) é a novela na qual o autor ilustra suas propostas de planejamento cultural tendo como base tecnologias comportamentais voltadas a produção de relações pessoais positivamente reforçadoras, e um modelo de educação e sociedade eficaz (Skinner, 1973, p. 2).

 

Considerando que a proposta skinneriana de planejamento cultural passa por uma perspectiva utópica, pelo menos em sua gênese, é interessante elucidar quais características presentes no gênero utópico são supostos essenciais para uma proposta social. A esse respeito, será produtivo buscar a identificação de aspectos considerados importantes em uma proposta do mesmo gênero, possivelmente subsidiando uma apreensão mais aprofundada da sua perspectiva. Sendo assim, a presente investigação teve como proposta identificar nas obras de ambos os autores, especialmente em Walden, or Life in The Woods e Walden Two, os aspectos considerados, respectivamente, por Thoreau e Skinner ao formular suas correspondentes propostas utópicas.

 

Dessa forma, procurou-se estabelecer os diálogos possíveis entre o pensamento filosófico de Thoreau e o Comportamentalismo Radical de Skinner. Como nota Dittrich (2011), esse tipo de investigação é importante, pois permite um diálogo do Comportamentalismo Radical com outras linhas de pensamento a fim de que se aponte quais outras filosofias a caracterizam e tenham importância histórica no seu desenvolvimento.

 

Para uma melhor análise, selecionou-se aspectos que envolvem características da economia, sociedade e governo apresentados por Thoreau e por Skinner. Esses temas foram tomados para discussão nessa investigação, pois se considera que possuem forte expressão na obra de ambos os autores e destacam-se na história do pensamento utópico e distópico de outros escritores (por exemplo, Bacon, 1616/1976; Huxley, 1932/2004; Morus, 1516/1997), além de serem imprescindíveis em qualquer reflexão contemporânea a respeito do planejamento cultural almejado pelo Comportamentalismo Radical.

 

 

 

Método

 

Anteriormente ao início da análise, cabe um breve esclarecimento sobre o método de análise conceitual utilizado. Foi realizada a leitura e análise de textos selecionados de Thoreau (1849/1963; 1854/1963; 1863/2012) e Skinner (1948/2005; 1953/1965; 1967; 1969; 1971/1976; 1973) segundo o seguinte critério: textos que apresentam críticas e propostas referentes à organização social de um modo geral, incluindo discussões nos âmbitos econômico e político. Por se tratar de um estudo histórico-conceitual centrado nas obras dos dois autores, Thoreau e Skinner, em um primeiro momento foi dispensada uma análise de comentadores. Essa análise foi feita posteriormente para que pudessem auxiliar no entendimento de conceitos recorrentes nas obras - como economia, governo, ação política e utopia - e para que se pudesse considerar análises já realizadas sobre o assunto.

 

A partir da leitura cuidadosa e realização de fichamento dos textos selecionados, identificou-se as informações que pertencem às categorias que estruturam a argumentação a seguir, como as já citadas categorias "economia", "governo", "ação política" e "utopia". Com base nessas informações assim obtidas, realizou-se a organização de todo o corpo de texto que compreende o itinerário de argumentação do artigo: Entre ficção e a realidade; B. F. Skinner sobre o Walden de Thoreau; Economia, Trabalho e acúmulo de bens; Governo; Ação Política; Sobre o objetivo final da utopia e a definição de "boa vida"; Três princípios gerais para deliberar uma "boa vida"; e Considerações Finais.

 

Entre a ficção e a realidade

 

A escrita utópica é utilizada para descrever uma nova sociedade que pode romper completamente com o modelo vigente ou se referir a uma sociedade futura na qual os pontos considerados negativos da sociedade atual são eliminados (Chauí, 2008). O texto utópico serve como um divulgador de ideias para a sociedade. Santo Agostinho escreveu Cidade de Deus, uma utopia baseada sob a vontade de Deus; Thomas More, em Utopia, ansiava por uma sociedade perfeita baseada em leis; Skinner escreve seu Walden Two como uma sociedade baseada nos princípios da ciência do comportamento (Skinner, 1967; 1969). Já Thoreau (1854/1963) escreve um texto onde busca discutir características consideradas por ele como ruins no modelo social e propor um planejamento que envolva o rompimento com o modelo estabelecido onde essas características sejam futuramente abolidas.

 

Ao publicar sua utopia Walden Two, em 1948, Skinner ilustra, em caráter ficcional, como a tecnologia comportamental poderia se aplicar de modo satisfatório no planejamento e gestão de uma sociedade. Ademais, Skinner (1979, p. 346) tem clareza de uma importante diferença entre a obra de Thoreau e a sua proposta, qual seja, a busca por soluções tecnológicas que uma utopia de grupo, diferentemente de uma utopia individualista, deve demandar: "[…] Walden described only a Walden for One. Thoreau asked only to be left alone as an individualist. The problems of society called for something more, and that was where a behavioral technology could make its contribution"ii (Skinner, 1979, p. 346).

 

Definido como uma comunidade imaginária, Walden Two tem cerca de mil pessoas sobrevivendo em um ambiente agradável onde possuem educação, arte e ciência e trabalham poucas horas por dia sem serem a isso compelidas (Skinner 1969, p. 29).

 

Skinner (1969, p. 30) afirma que utopias são ficções científicas, mas há formas de transformá-las em realidade. Com isso propõe que princípios estabelecidos em utopias podem ser aplicados à realidade, o que justifica utilizar-se dos conceitos e ideias apresentados em Walden Two para entender a aplicação das ideias do autor sobre as características estudadas neste trabalho.

 

B. F. Skinner sobre o Walden de Thoreau

 

Em dois trechos de suas obras, Skinner cita o Walden de Thoreau para tecer comentários sobre a sua novela utópica. No prefácio da edição americana de Walden Two (1948/1978 p. 01) Skinner afirma que os pontos a seguir são encontrados no seu Walden e no de Thoreau (1854/1963):

 

a) Nenhum modo de vida é inevitável. Examine o seu próprio de perto.

 

b) Se você não gosta dele, mude-o.

 

c) Mas não tente mudá-lo através da ação política. Mesmo que você consiga ganhar o poder, não poderá usá-lo mais sabiamente que seus predecessores.

 

d) Peça somente que o deixem em paz, para resolver os seus problemas a seu modo

 

e) Simplifique suas necessidades. Aprenda como ser feliz com menos posses (Skinner, 1948/1978, p. 1).

 

Ou seja, ao afirmar essas semelhanças Skinner está admitindo que essas características também existem no Walden de Thoreau e pode-se dizer que indicam de modo bastante direto a influência do autor sobre a utopia skinneriana.

 

Outro texto que nos indica a semelhança é Walden (one) and Walden two, no qual Skinner (1973) reconhece ter lido os escritos de Thoreau pela primeira vez na faculdade onde estudava literatura. Nesse mesmo texto, Skinner afirma que a diferença básica entre os dois waldens é que o de Thoreau é uma utopia para "um só" enquanto Walden Two é dedicado a uma vida social. Dessa forma considera-se possível e necessário promover um diálogo entre as ideias de Thoreau sobre os conceitos desenvolvidos por Skinner.

 

Economia, trabalho e acúmulo de bens

 

Em um de seus escritos Thoreau (1863/2012) crítica, como aponta o trecho a seguir, a irracionalidade de se escolher um trabalho pelo dinheiro que se ganha com ele e não pelo prazer e aprendizado que o indivíduo teria exercendo a função: "[...] se optar por me dedicar a certas ocupações que me rendem mais proveito real, mas menos dinheiro, a tendência será que me vejam como um indolente" (p. 126).

 

Em certos pontos, a semelhança entre o pensamento de Thoreau e a utopia skinneriana são latentes. Thoreau (1863/2012, p. 128) afirma que o objetivo de um trabalhador não pode ser somente ter um bom emprego e "ganhar a vida", mas sim fazer bem seu trabalho. Em seguida, escreve que os trabalhadores deveriam ser tão bem pagos, de tal modo que não trabalhassem por mera subsistência, e sim, pelo o que o autor chama de "fins científicos e até mesmo morais" (1863/2012, p. 128).

 

A princípio, e sob uma leitura superficial, essa afirmação pode levar à crença de que Thoreau insinua que um bom salário - mesmo que puramente no sentido pecuniário - levaria o trabalhador a uma elevação de seus objetivos e o faria passar a trabalhar para fins melhores, o que seria incongruente com o pensamento do autor, contrário ao acúmulo de bens.

 

Esse engodo se desfaz quando se percebe que Thoreau na verdade critica o fato de o dinheiro na sociedade ser concomitante e pré-requisito para a boa vida, ou seja, independentemente do modelo de vida que se tenha ele só será bom se o indivíduo dispuser de uma alta remuneração. O problema é que, em uma sociedade onde a boa vida é estabelecida pelo "acúmulo de bens", o cidadão jamais ficará satisfeito com o seu trabalho.

 

Skinner afirmou em Walden Two (1948/2005): "The profit system is bad even when the worker gets the profits, because the strain of overwork isn't relieved by even a large reward" (p. 45)iii, ou seja, como nunca estarão saciados os trabalhadores sempre exercerão suas funções apenas em busca de dinheiro e bens.

 

Em Walden Two, os trabalhadores recebem créditos por cada afazer exercido e devem obter 1.200 desses créditos no ano, o que significa quatro créditos por dia de trabalho, para terem acesso a todos os benefícios que a comunidade oferece. Cada trabalho necessário para a manutenção da comunidade equivale a uma quantidade de créditos disponíveis pra quem os exerce. Dessa maneira, trabalhos desagradáveis concedem um maior número de créditos que trabalhos mais desejáveis (por exemplo, um trabalho de limpeza de esgoto possui uma remuneração de créditos/trabalho maior (1,5 crédito por hora) por ser um trabalho menos desejável pelos membros da comunidade. Enquanto outros trabalhos - mais desejáveis - possuem remuneração de 1,0 crédito/trabalho por hora).

 

Constata-se, portanto que com a ausência do lucro em Walden Two - uma vez que os seus membros precisam de apenas 1.200 créditos trabalho por ano e não há função nem possibilidade de acúmulo desses créditos - o trabalho é realizado para o bem-estar da comunidade e não para o acúmulo de bens.

 

O trabalho em Walden Two se caracteriza apenas pelas atividades essenciais para sobrevivência e manutenção da comunidade, garantindo assim a conservação do modo de vida da cultura. Dessa forma, os seus membros trabalhariam apenas quatro horas por dia o que faz com que mantenham a boa vida possuindo tempo para atividades de lazer e estudo. Ter tempo para outras atividades é um dos pontos que Thoreau considera que o indivíduo precisa garantir para obter uma boa vida, para que não se porte como uma máquina, já que reconhece na forma tradicional como os homens trabalham um obstáculo para a realização de uma vida plena: "Actually, the laboring man has not leisure for a true integrity day by day; he can not afford to sustain the manliest relations to men; his labor would be depreciated in the market. He has no time to be anything but a machine "(1854/1963, p. 9)iv.

 

Para Thoreau, o trabalho precisa ser algo planejado e as atividades laborais precisam ser exercidas com autonomia. O trabalhador deve fazer as coisas a seu tempo e a seu modo, o trabalho não deve causar estafa ou ocupar longas horas (Thomas, 2010, p. 5). Isso permite afirmar que, para o objetivo de Thoreau - de trabalhadores realizando suas funções estimuladas por "fins científicos e morais" -, a sociedade precisaria estar organizada de maneira tal que o objetivo primordial não fosse o acúmulo de bens. É possível afirmar aqui a necessidade de um planejamento cultural onde os fins "científicos e morais" sejam possíveis.

 

Ambos os autores convergem, portanto, no que diz respeito à contrariedade ao sistema de acumulação de bens. Thoreau (1854/1963) expõe sua posição afirmando que a busca por bens - que nunca são suficientes - torna o trabalhador uma máquina sem tempo para lazer e ainda defende que a posse de grandes bens traz mais problemas que soluções. Já Skinner abole o sistema de lucros em Walden Two, consequentemente extinguindo o caráter infindável que cerca o conceito de trabalho na civilização capitalista.

 

Governo

 

Talvez uma das mais conhecidas e divulgadas ideias de Thoreau seja seu pensamento anarquista. É dele a frase "o melhor governo é o que menos governa" (1963/2012, p. 7). Ou seja, Thoreau concebe que as pessoas não necessitam de um governo, acredita, como mostra o trecho a seguir, que é necessário que os homens estejam preparados para viverem dessa maneira:

 

I heartily accept the motto, "That government is best which governs least"; and I should like to see it acted up to more rapidly and systematically. Carried out, it finally amounts to this, which also I believe "That government is best which governs not at all"; and when men are prepared for it, that will be the kind of government which they will have (p. 7; grifo nosso)v.

 

Dessa forma, vemos que Thoreau deseja um governo que menos governe, o que significa um governo menos intervencionista na vida dos indivíduos e que não os obrigue a apoiar causas com as quais não concordam. Essa forma reduzida deveria ser mantida até que os homens estivessem então preparados para uma ausência total de controle estatal. Nota-se o caráter de total rechaço do autor ao controle e as funções exercidas pelo governo uma vez que as considera arbitrárias e injustas.

 

Podemos chegar a essa conclusão ao contextualizar o texto de Thoreau (1849/1963), nele, o autor se ocupa de desenvolver críticas ao modo com que o governo americano obriga seus cidadãos a pagar impostos a serem utilizados em causas com as quais eles não concordam. No caso específico desse texto, o autor tecia críticas por ter sido preso por não pagar os impostos, já que discordava da guerra que o governo realizava contra o México.

 

Existe, em Walden Two, uma agência governamental, mas que em muito difere das encontradas atualmente na sociedade. A principal diferença é que o governo em Walden Two é exercido pela chamada Junta de Planejadores e por administradores. A Junta de Planejadores é responsável pelo estabelecimento da política na comunidade. Os planejadores, que trabalham em conjunto com os administradores, são pessoas responsáveis por cada área da comunidade, e inclui seis indivíduos que podem permanecer no cargo por no máximo dez anos e que não estão livres dos trabalhos aos quais todos na comunidade fazem. Os planejadores e administradores não possuem qualquer benefício extra por exercerem tal função.

 

Em Walden Two, as regras que devem ser seguidas pela comunidade também são desenvolvidas pela Junta de Planejadores. Walden Two é uma comunidade experimental, por esse motivo suas regras não são imutáveis, mas sim mudadas conforme as experiências obtidas. O objetivo é que as práticas descritas pelas regras passem a ser seguidas pelas suas consequências, até que a regra se torne então desnecessária para os indivíduos (Skinner, 1948/2005, p. 117).

 

Tanto Skinner (1965) como Thoreau (1849/1963) demonstram em seus escritos que a agência governamental tem muitos pontos negativos e que deve, sempre que possível, ter sua presença e participação diminuída e, no caso de Thoreau, até mesmo extinta. A magnitude como cada um dos autores concebe essa possibilidade, no entanto, é diferente.

 

Thoreau (1849/1963, p. 07) deseja um governo "que menos governe" até que os homens estejam preparados para um governo que "absolutamente não governe". Ou seja, dessa forma o autor assume a ausência total de governo como uma alternativa possível e necessária.

 

Já Skinner propõe que o governo exercido em Walden Two possua um caráter apenas de administração de questões extraordinárias e não possua nenhum poder de obrigar seus cidadãos a algo (p. 218). Skinner (1948/2005) propõe uma diminuição gradual ao mínimo governo possível, mas não reconhece a ausência total de administração como uma possibilidade: "As governmental technology advances, less and less is left to the decisions of governors, anyway. (…) The Managers Will suffice" (p. 256, grifo nosso)vi. Ou seja, Skinner afirma que os administradores sempre serão necessários, mas os planejadores não.

 

Pela definição de Glenn (1986) o governo é responsável pelo estabelecimento de políticas, pela criação de leis, pela proteção de seus membros a grupos externos, por renegar membros de seu próprio grupo, coletar impostos e gastá-lo e o governo em Walden Two não exerce nenhuma dessas funções com exceção do estabelecimento de políticas e leis. Mas, como já afirmamos, o objetivo em Walden Two é que as leis sejam mantidas pelas suas consequências, e não simplesmente por imposição na forma de regras. Dessa forma, notamos que a presença de um governo é extremamente reduzida de modo que só sirva para implantação provisória de práticas que necessariamente deixarão de ser impostas por uma agência de controle e que passarão a ser controladas por suas próprias consequências, sem a intervenção de um governo.

 

Assim como em Walden Two, Thoreau não considera que os homens estejam preparados para a ausência de governo, ao afirmar que primeiro deseja um governo que governe menos até que os homens estejam preparados a obter um governo que não governe de forma alguma. Nesse sentido, a ideia de Thoreau se aproxima da de Skinner já que em Walden Two o governo se inicia com a presença de Planejadores e Administradores e com uma administração muito mais incisiva do que a almejada num futuro no qual só administradores serão necessários.

 

Se iniciando com uma forma de governo muito menor que o estabelecido na sociedade tradicional, que é a que recebe as críticas de Thoreau, Walden Two, se encaixa no ensejo de Thoreau de obter um governo menos intervencionista com os seus cidadãos. No entanto, é claro que para Thoreau a ausência de governo é possível, enquanto Skinner não cogita essa possibilidade radical, uma vez que não abre mão dos administradores. Essa é, portanto, a divergência entre ambos no que diz respeito à forma de governo.

 

Ação Política

 

Thoreau não usou de movimentos políticos para mudar seu próprio modo de vida. Seu livro Walden, or life in the Woods (1854/1963) possui críticas ao modelo e sociedade no qual vivia, no entanto, para se ver livre dele não usou nenhum artifício político. Ao se refugiar à beira do lago Walden, Thoreau desvencilhou-se do sistema econômico e social em que vivia e repudiava. Um exemplo disso é que, como apontou Lerner (1962, p. 21), Thoreau percebeu que o sistema econômico criava para ele demandas irracionais por certos produtos passando então a tentar sair do controle desse tipo de imposição governamental.

 

Em Walden Two, Skinner sugere, como aponta o trecho a seguir, que a ação política é algo inútil na construção de um mundo melhor:

 

Political action was of no use in building a better world, and men of good will had better turn to other measures as soon as possible. Any group of people could secure economic self-sufficiency with the help of modern technology, and the psychological problems of group living could be solved with available principles of behavioral engineering (Skinner, 1948/2005, p. 10)vii.

 

Ao delinear um modo de vida a ser constituído, os envolvidos na construção da comunidade não se envolveram em ações de caráter político. Skinner, no trecho citado a seguir, propõe em Walden Two que a boa vida não pode ser alcançada por meio da ação política. Para isso é preciso conceber um nível diferente de ação, que se mantenha longe da política e do governo.

 

You can't make progress toward the Good Life by political action! Not under any current form of government! You must operate upon another level entirely. What you need is a sort of Nonpolitical Action Committee: keep out of politics and away from government (Skinner 1948/2005, p.180)viii.

 

Essa rejeição que Skinner apresenta à política é muito parecida com as ideias apresentadas por Thoreau (1854/1963). O próprio Skinner (1948/1969) afirma que o aspecto de que não se deve mudar seu modo de vida através de uma ação política também está presente no Walden de Thoreau.

 

Skinner (1948/1978, p. 1) pode ser acusado, como o foi por Villalobos (1981, p. 60) de leviandade ao afirmar que o princípio de "não tentar mudar seu modo de vida através da ação política" também é visto no Walden de Thoreau (1854/1963), pois, Skinner estaria desprezando o fato de Thoreau ser extremamente interessado por questões políticas inclusive por ter escrito o ensaio político A Desobediência Civil.

 

Há dois equívocos nessa afirmação. O primeiro deles é interpretar que Skinner insinuou que Thoreau não se interessasse por política. Skinner (1948/1978) afirmou que ambos concordavam com o seguinte mote "[...] não tente mudá-lo através da ação política". (p. 1). Em momento algum o autor atribui a Thoreau desinteresse por questões políticas. O segundo é que essa afirmação dá a entender que, por se interessar por temas políticos, Thoreau, então, não teria aberto mão da ação política em seu tempo à beira do Walden.

 

Há, nessa crítica, uma confusão de conceitos. Ao afirmar que Thoreau também abriu mão da ação política para mudar seu modo de vida, Skinner (1948/1978) se refere ao fato de, ao se refugiar à beira do lago Walden, Thoreau estabeleceu um modo de vida que o agradava e, para obtê-lo, não utilizou de nenhuma artimanha política, e não que Thoreau tentasse afirmar um rechaço a questões políticas. Aqui cabe uma distinção conceitual entre ambos os aspectos: ação política e pensamento político é tratado aqui como domínios diferentes. Apesar de desenvolvimentos contemporâneos buscarem entender o pensamento político como um tipo de ação política (por exemplo, Barker, 2000) tradicionalmente a ação política, o engajamento, sempre foi visto como distante daquele que é o pensamento político, sobre a forma como a sociedade e os sujeitos se organizam (Barker, 2000; Shepsle, 1985). Portanto, Thoreau nega o uso de uma ação política para a definição de um novo modo de vida o que não causa prejuízo para as discussões que o autor trata sobre o modo de administração do modelo governamental americano. Por tudo isso, formar uma crítica desconsiderando essa diferenciação soa, no mínimo, negligente. Sendo óbvio que Thoreau e Skinner pensavam sobre política e se interessavam por ela.

 

As ações de Thoreau bem como a proposta por Skinner em Walden Two são tomadas para alcançar aquilo que foi estabelecido como modo de vida ideal por ambos os autores, e para estabelecerem isso não passaram por nenhuma mediação política seja do Estado seja de instituições partidárias ou movimentos sociais. Ou seja, existe um consenso entre Skinner (1948/2005) e Thoreau (1854/1963) de que uma ação política envolvendo associações de pessoas em busca de mudanças em um nível de governo não é uma ação produtiva na busca do estabelecimento de seu modo de vida. Isso porque, como afirma Thoreau (1849/1963): "Quanto a adotar os métodos que o Estado propicia para remediar o mal, não sei nada sobre eles. Levam muito tempo, e a vida de um homem pode acabar antes de eles vingarem"(p. 18). Portanto a opção de não utilizar a ação política para estabelecer seu próprio modo de vida diz respeito principalmente a incapacidade do Estado em fazê-lo. Já para Skinner também existe um segundo motivo, o de considerar que nem todas as pessoas devem ser obrigadas a se interessar por política (Skinner, 1948/2005 p. 256).

 

Sobre o objetivo final da utopia e a definição de "boa vida"

 

É notável que as críticas de Thoreau são destinadas ao caráter aversivo do Estado e da Economia. Thoreau é contrário ao modelo corrente de trabalho, pois obriga os indivíduos a trabalharem horas por dia, e se não o fazem são punidos, seja com a fome seja com a cobrança de suas dívidas e dos impostos. Já o modelo econômico é considerado ruim, pois obriga seus cidadãos a sempre buscar mais acúmulo e não os apresenta um reforço que os sacie. E, por fim, é crítico do Estado principalmente nos pontos onde este exerce controle aversivo, como o não pagamento de impostos, escravidão e guerras.

 

Em diversos textos, Skinner aponta para a necessidade da construção de uma sociedade que não se baseie em punição como forma de controle de seus cidadãos. Em Walden Two não há o uso de punição como alternativa para um controle de seus habitantes. Skinner (1948/2005) considera, como aponta o trecho a seguir, que a punição é incapaz de coibir comportamentos indesejáveis (p. 244-245) do indivíduo e considera que, em Walden Two, existe um processo de mudança de uma sociedade baseada em punição como forma de controle onde o reforço de um indivíduo é a punição de outra pessoa para uma sociedade cooperativa.

 

Now, early forms of government are naturally based on punishment. It's the obvious technique when the physically strong control the weak. But we're in the throes of a great change to positive reinforcement from a competitive society in which one man's rewards another man's punishment, to a cooperative society in which no one gains at the expense of anyone else (Skinner 1948/2005, p. 245)ix.

 

Dessa maneira, nota-se que o objetivo da utopia skinneriana é a construção de uma sociedade positivamente reforçadora, ideia que também é vista em outros textos de Skinner (1953/1963; 1990).

 

De certa forma, o rechaço de ambos os autores ao modelo econômico e de Estado se dá principalmente pela dificuldade destes em se manter sem um controle coercitivo. Já sobre a ação política seu problema é que não importa o que os indivíduos façam pela política, ela pode mudar governantes e patrões, mas dificilmente mudará o sistema e, se o fizer, este não agradará a todos os sujeitos. A definição de boa vida, portanto, segue como parâmetro principal para ambos os autores a ausência de controle aversivo que contribua, por óbvio, para a sobrevivência da cultura e seus membros. A ausência de controle aversivo proporciona, e soma-se, às características já discutidas anteriormente como a diminuição de atividades desagradáveis ocasionando momentos de lazer e estudos, por exemplo.

 

Três princípios gerais para deliberar uma "boa vida"

 

Como em toda utopia, e nos Waldens não seria diferente, há a apresentação de ideias e conceitos novos sobre a forma de funcionamento da vida dos indivíduos que a compõe. A descrição desses conceitos é fundamental no texto utópico, pois caracteriza a forma de vida idealizada pelo autor. Foram algumas dessas novas propostas de modelo social que se analisou nas seções anteriores.

 

Afirmou-se que Thoreau e Skinner propuseram um novo modelo de economia, política e sociedade, na prática isso poderia significar então, que os autores apresentam em sua proposta, um modo fechado, uma receita para o estabelecimento de uma vida ideal. No entanto, vimos que, para ambos, a boa vida precisa ser planejada pelos indivíduos. Porém, as propostas apresentadas pelos autores não buscam delinear a maneira ou forma como cada indivíduo deve considerar uma boa vida, mas sim alertar para princípios básicos que permitam deliberá-la. Elencou-se três desses princípios presentes em ambas as utopias, são eles: a) economia e, conseguintemente o trabalho, sendo não baseados no acúmulo, mas na necessidade exigida para manutenção do modo de vida ideal estabelecido; b) ausência total (ou parcial) de um Estado e governo, valorizando a consciência individual; c) não utilização da ação política como forma para estabelecer o modelo de vida definida como ideal.

 

As propostas de Skinner e Thoreau são distintas em sua configuração (coletiva/individual), no entanto, ambas seguem padrões no que diz respeito a problemas de ordem econômica e social. Para ambos não há maneiras de se estabelecer uma boa vida baseando-se no trabalho pelo lucro, vivendo sobre a influência de um governo autoritário e não há, ainda, formas de estabelecimento da boa vida por meio de ação política. Há ainda ideais que podem ser encontrados em ambas as obras, mas que não foram objeto desta investigação, como o estabelecimento de um modo de vida sustentável ao meio-ambiente e que valorize um desenvolvimento intelectual.

 

O conceito de vida "satisfatória" se encaixa na visão de "boa vida", uma vez que o satisfatório para o indivíduo precisa ser a sobrevivência de sua cultura além do estabelecimento dos princípios acima citados.

 

Um questionamento pode ser levantado diante dos fatos discutidos nessa seção. Poderia o indivíduo estabelecer um modo de vida ideal, sem realizar os três princípios acima citados? A resposta deve surgir quando se levanta a seguinte discussão: existe possibilidade de, se mantendo na sociedade atual, o indivíduo trabalhar apenas para a manutenção de seu modo de vida e não pelo acúmulo? É possível se desvencilhar das imposições do Estado? Há outra forma de mudança senão pela ação política com sua morosidade e ineficiência?!

 

Uma resposta totalmente satisfatória a esses questionamentos demanda investigações específicas, no entanto, pode-se afirmar que dificilmente um indivíduo conseguirá estabelecer um padrão de trabalho que exija dele apenas o esforço suficiente para manter seu modo de vida desejado e enfrentará intempéries legais caso não cumpra obrigações exigidas pelo Estado como pagamentos de impostos e taxas.

 

Dessa maneira, os três princípios acima citados, mesmo que possuam natureza utópica, possibilitam o estabelecimento de um modo de vida deliberado pelos indivíduos. A discussão desses princípios justifica-se devido à possibilidade de princípios utópicos tornarem-se úteis e praticáveis na realidade ainda que de maneira parcial (Skinner, 1969).

 

Há uma divergência entre os autores que remete à raiz filosófica de suas ideias. Thoreau (1863/2012) realiza uma ode a consciência individual para que essa desperte e aja como agente precursora de uma mudança para um modelo de vida melhor. Nesse sentido, Thoreau atribui um importante papel a noções como as de livre arbítrio e de autogoverno internalista em sua interpretação e proposta utópica. Em contraposição, Skinner (1945, 1974) é crítico fervoroso da literatura da liberdade e de concepções internalistas de interpretação do comportamento humano. Nesse aspecto em particular, Skinner (1981) distancia-se bastante de perspectivas como a de Thoreau, apelando à seleção pelas consequências de aspectos filogenéticos, ontogenéticos e culturais dos comportamentos para explicar o agir dos indivíduos.

 

 

 

Considerações Finais

 

Os resultados da investigação demonstram as semelhanças e divergências existentes entre as ideias de H. D. Thoreau e B. F. Skinner com o objetivo de promover um diálogo entre os autores e esclarecer as possíveis divergências e convergências que possam ser estabelecidas entre eles na formulação de determinados conceitos presentes em suas obras.

 

O gênero utópico tem papel ímpar na história do conhecimento. Sua função corresponde à divulgação de propostas políticas e econômicas de um autor a respeito de aspectos da sociedade, seus valores e seu funcionamento. Grandes pensadores escreveram na forma de utopia como, por exemplo, Platão (A República), Francis Bacon (A Nova Atlântida), Thomas More (A Utopia) e, obviamente, o próprio Thoreau. Por sua vez, Skinner encontrou no gênero utópico uma forma de expor sua teoria comportamentalista radical de planejamento cultural no que diz respeito a sua aplicabilidade. Seu Walden II se integra em pontos cruciais, no que diz respeito ao funcionamento da sociedade, ao Walden de Thoreau. Ambos discordam, com a mesma intensidade, em critérios de natureza filosófica como aquela que diz respeito ao papel primordial da consciência individual na perspectiva de Thoreau (1849/1963; 1863/2012), em contraposição à importância indisputável do modelo de variação e seleção pelas conseqüências na interpretação de Skinner (1981).

 

A administração governamental, como demonstrado, possui um caráter de constrangimento para os autores. Thoreau (1849/1963) assumiu uma posição anárquica frente a esse tipo de controle governamental, sugerindo sua total abolição decorrente de um processo constante de diminuição de seu poder e de preparação dos homens para conviver na ausência desse controle. Já Skinner (1948/2005) atenuou bruscamente a agência governamental, também mediante um processo de diminuição gradual e, por fim, eliminou o caráter aversivo e atribuiu a ele apenas decisões de cunho administrativo. Embora outros autores (por exemplo, Martins, Carvalho Neto, & Mayer, 2013) sugiram que exista controle aversivo no Walden II, é fundamental considerar que a citação que fundamenta a conclusão dos autores reside no fato do autor descrever pontualmente o emprego de controle aversivo como medida de luta territorial em relação a outras sociedades. Não se trata, portanto, do emprego de controle aversivo entre os membros da comunidade Walden II. É possível dizer de forma bastante conclusiva que Skinner não descreve o uso de controle aversivo entre os membros de Walden II. Sobre a economia, que exerce papel fundamental em qualquer sistema que envolva consumo - seja para a subsistência ou mesmo para o acúmulo irracional - Thoreau e Skinner propõem um sistema que minimize as razões que tradicionalmente fortalecem as práticas de acúmulo, mas a sobrevivência. O modelo de economia proposto por ambos os autores é fundamental e garante os demais aspectos eleitos como fundamentais às suas correspondentes utopias. Diante da análise realizada notou-se que sem uma economia que não buscasse o acúmulo seria impossível o estabelecimento dos demais aspectos propostos por ambos os autores, como a diminuição/ausência de Estado e a instalação de um modelo trabalhista que não ocupe os cidadãos por muito tempo e que seja realizado buscando apenas sua sobrevivência.

 

Para essas mudanças, a ação política não deve ser usada como meio, pois, nesse caso, o indivíduo fica à mercê de um Estado e consegue poucas mudanças efetivas em sua vida. Todas essas críticas e propostas caminham em direção a um conceito de boa vida que, segundo os autores, precisa ser planejado, deliberado de acordo não somente com suas necessidades primárias, de sobrevivência individual, mas também da própria cultura incluindo tais práticas.

 

De modo geral, em ambos os autores há o reconhecimento de que o sistema que guia as práticas sociais no mundo capitalista - a crítica pode ser estendida a outros sistemas econômicos já desenvolvidos, mas aqui se concentra no capitalismo por ser o sistema sob o qual os autores redigiram suas críticas - não é produtivo e beneficia práticas injustas e não sustentáveis. Apesar de existir algumas características no Walden Two que possam se coadunar a características do sistema capitalista, como a possibilidade de comércio entre comunidades por exemplo, tais semelhanças não permitem categorizar de forma absoluta o texto skinneriano como a descrição de uma pequena comunidade capitalista, tal definição demandaria um grau de relativização indesejável a uma análise que se pretenda consistente.

 

Há diversas publicações científicas na análise do comportamento que usam Walden Two para discutir o pensamento skinneriano sobre questões sociais, econômicas, políticas entre outras. Mas percebe-se que pouco se fala de Thoreau sobre a construção da utopia de Skinner. Talvez porque essas semelhanças sejam consideradas como superficiais pelos comentadores ou ainda porque se considera que a análise da relação entre as duas utopias seja pouco produtiva.

 

A presente investigação permitiu considerar que a proposta skinneriana de Walden Two é congruente com as ideias de Thoreau para muito além dos pontos apresentados por Skinner (1948/1978 p. 1). Isso porque se viu que ambos apelam ao planejamento para a boa vida, contestando o direcionamento automático ao sistema socialmente estabelecido. Concluiu-se que o caráter experimental proposto por Skinner (1948/2005) e o poder decisório decorrente da liberdade individual proposta por Thoreau (1849/1963; 1854/1963; 1863/2012) possibilitam mudanças no modelo econômico e político outrora estabelecido. A grande contribuição e proposta dos autores consiste no planejamento delineado para a boa vida bem como para a manutenção da cultura e da própria sobrevivência. O fato é que como afirmou o próprio Skinner (1973, p. 3), "Thoreau's advice is still sound: the good life is to be reached by deliberate planning"x.

 

 

 

 

Maria Amalia Andery1

 

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

 

 

 

 

 

Em 1976, ao escrever o prefácio para uma nova edição de Walden II, Skinner discute as possíveis razões do crescente interesse pelo livro a partir dos anos 60 e afirma:

 

"Mas havia, eu penso, uma razão melhor para mais e mais pessoas começarem a ler o livro. O mundo estava começando a enfrentar problemas de uma ordem de magnitude completamente nova - a exaustão de recursos, a poluição do ambiente, a super-população e a possibilidade de um holocausto nuclear, para mencionar apenas estes. "(Skinner, 1976/1972, p. 58).(2)

Desde então não se pode dizer que esta constatação tenha se tornado superada. A esta lista inicial só poderíamos acrescentar uma infinidade de outros problemas: o empobrecimento das nações ricas, os problemas sociais, raciais, de desemprego e estaginflação, os nacionalismos emergentes, a miséria crescente do terceiro mundo com suas terríveis conseqüências sociais, a aparente falta de alternativa política e econômica tanto para os países ricos como os pobres, tanto para os países capitalistas como os socialistas.

 

A partir de 1948, com a publicação de Walden II, logo seguida da publicação de Science and Human Behavior, o compromisso de Skinner com a cultura e a sociedade se tornam marcas constantes de seu trabalho (talvez sua importância possa ser avaliada inclusive pela constante crítica externa à análise experimental que sofreu). A proposta de organização da cultura de Walden litem como um dos traços essenciais o que se pode chamar um impulso para o futuro. O que significa dizer, uma cultura caracterizada por uma maleabilidade que permita a uma sociedade identificar e solucionar seus problemas, ser criativa e produtiva nesta busca de soluções e mesmo ser capaz de antever seu futuro planejando-o com vistas a sua sobrevivência, de acordo com padrões dados.

 

A importância deste traço cultural - se é que se pode chamá-lo assim no esquema conceituai skinneriano possivelmente deriva de várias fontes. Em primeiro lugar, do determinismo ambiental. Se o comportamento dos indivíduos constrói a cultura e a mantém, e se este é determinado pelas suas conseqüências imediatas, torna-se fundamental que as práticas culturais e que os padrões comportamentais possam se adaptar a um ambiente constantemente em mudança, inclusive e principalmente, através da própria ação humana.

 

Em segundo lugar, e fortemente associado ao determinismo, está a noção, cada vez mais relevante na obra de Skinner, de que o modelo selecionista, a seleção pelas conseqüências, é fundamental para a explicação não apenas da evolução filogenética, mas também das mudanças individuais e culturais. Se são as conseqüências das práticas culturais que determinam, se não o seu aparecimento que pode ser aleatório, mas a sua manutenção num primeiro momento (aqui é importante ressaltar uma certa tendência a uma esclerose de práticas sociais, que foram algum dia importantes), é fundamental que este valor de sobrevivência para o grupo seja garantido pelo menos para aquelas práticas mais relevantes ao grupo. Isto significa que apenas aquelas culturas que puderem manter ou alterar suas práticas de acordo com seu valor de sobrevivência a longo prazo serão capazes de sobreviver. E terão mais possibilidade de fazê-lo aquelas que tiverem a maleabilidade necessária para efetuar estas avaliações e estas mudanças.

 

Toma-se assim de grande importância, para a análise experimental, de um lado, ocupar-se com a cultura, sua manutenção e as mudanças necessárias à sua sobrevivência, de outro, perguntar-se como garantir esta sobrevivência. Parafraseando Skinner: "Somos livres para ter um futuro?" ou melhor, "Nós, que nos chamamos de livres, teremos um futuro?", ou ainda, "Somos suficientemente livres do presente para ter um futuro?" (Skinner, 1973/1978, pp. 30-32).

 

A resposta de Skinner a esta questão aparentemente se mantém essencialmente a mesma desde a década de 40. A possibilidade de se garantir a sobrevivência da espécie está intrinsecamente relacionada à possibilidade de desenvolver uma cultura plena de contingências de reforçamento que possam colocar o comportamento não apenas sob controle das suas conseqüências imediatas, mas também de conseqüências de longo prazo. São necessárias práticas sociais que levem em consideração o controle do ambiente - físico e social - sobre o comportamento e que necessariamente precisam considerar as suas próprias conseqüências, para os indivíduos, o grupo e o ambiente.

 

Com isto, Skinner afirma não apenas um modelo selecionista que aleatoriamente leva à sobrevivência de alguns, mas afirma a possibilidade e a necessidade de se prever esta evolução e nela interferir. É a isto que se resume, em certa medida, o que aqui se convencionou chamar de um impulso para o futuro. Não se trata de enfatizar o futuro segundo um modelo teleológico que prevê uma determinação inexorável e que busca encontrar nesta determinação as razões e as alternativas de intervenção. Não se trata também de reviver modelos não deterministas que apoiam no acaso e na chamada livre escolha as possibilidades de intervenção, enfatizando razões idealistas como alternativas de solução para os problemas humanos.

 

Trata-se, pelo contrário, da tentativa de resgatar um sujeito determinado - pelo ambiente - capaz de conhecer os determinantes de sua ação e de assim manipulá-los. Skinner afirma:

 

"O fato é que evoluíram práticas culturais nas quais as contingências de reforçamento imediato geram comportamentos que têm conseqüências remotas e presumivelmente isto aconteceu em parte porque as conseqüências fortaleceram a cultura, permitindo-lhe resolver seus problemas e assim sobreviver. Que as conseqüências remotas, não importa quão importantes para a cultura, não estão, entretanto, tendo qualquer efeito presente épor demais evidente quando são feitos esforços para levar em consideração um futuro que não é efeito de comportamento presentemente reforçado. (...) Não podemos continuar a deixar o futuro para os efeitos colaterais ocasionalmente benéficos de uma forte preocupação com o presente. " (Skinner, 1973/1978, p. 224 e 228).

Este suposto - da necessidade de uma cultura caracterizar-se pelo impulso para o futuro - e a constatação, entrevista na citação acima, de sua inexistência em nossa cultura, levaram Skinner seguidas vezes a recorrer ao tema e a propor alternativas de ação ou, pelo menos, de análise (1948, 1952, 1969, 1971, 1974 etc...).

 

Na sua análise, tanto em 1948, como mais tarde, destacam-se alguns temas: o uso de controle aversivo, a não equanimidade de reforçamento positivo, as noções de liberdade e livre arbítrio, o controle exercido por regras, a delegação de poder e a perda de relações interpessoais, o reforçamento não contingente a certos comportamentos. É a mistura destes elementos que colocaria em risco a cultura hoje (e aqui se incluem, obviamente com pesos diferentes, países ricos e pobres, socialistas e capitalistas, democráticos e autoritários). São mudanças nestes parâmetros que criariam, para Skinner, uma nova cultura capaz de sobreviver e de garantir padrões mínimos de vida e de felicidade para seus membros. Referindo-se a Walden II, em 1973, Skinner escreveu:

 

"As especificações do futuro foram listadas em Walden II. Frazier tentou construir um mundo no qual Áas pessoas convivem sem brigas, se mantêm produzindo o alimento, abrigo, e vestimenta de que precisam, divertem-se e contribuem para a diversão dos outros na arte, música, literatura e jogos, consomem apenas uma parte razoável dos recursos do mundo e adicionam tão pouco quanto possível à sua poluição, não têm mais filhos do que aqueles que podem criar decentemente, continuam a explorar o mundo ao seu redor e a descobrir modos melhores de lidar com ele e vem a se conhecer com precisão, e, portanto, controlam-se efetivamente*. Ele fez isto construindo um ambiente social rico em reforçadores imediatos selecionados de modo tal a fortalecer os tipos de comportamento que tomam um futuro possível" (Skinner, 1973/1978, pp. 29-30).

Para Skinner, a chave da questão, como colocada em Walden 11, está na formação de uma cultura em que seus membros mantêm fortes relações interpessoais garantindo assim um controle maior por contingências de reforçamento do que por regras mediadas por instituições sociais. São todos envolvidos na produção efetiva dos bens que necessitam, com acesso contínuo, imediato e equitativo a estes bens e reforçamento contingente a seu comportamento produtivo; impedindo assim não apenas a exploração de uns pelos outros, mas também dificultando a passividade típica dos indivíduos que obtêm muitos reforçadores independentes de seu comportamento. Não estão sujeitos a praticamente nenhuma forma de controle aversivo, impedindo a distribuição não igualitária de bens ou de poder entre membros do grupo e diminuindo enormemente a chance de contra-controle, comportamento agressivo, ansiedade e medo. Como conseqüência, os indivíduos sentem-se livres e não desenvolvem ideologias e mitos que impeçam o auto-conhecimento e o auto-controle o que, em contra-partida, dificulta o conhecimento (e consequente possibilidade de previsão e controle) das relações entre sua ação e o ambiente. Uma cultura desenvolvida sobre estas bases geraria tecnologia que tende a libertar os indivíduos de trabalhos desagradáveis e repetitivos, tende a garantir tempo que pode ser produtivamente utilizado em outras atividades e gera um repertório de exploração do mundo e das capacidades humanas que torna o grupo maleável a mudanças, suscetível a transformações e capaz de enfrentar dificuldades.

 

Isto pode ser interpretado numa certa medida como um programa de ação, passível de ser executado. Em um artigo intitulado Human Behavior and Democracy, de 1977, Skinner afirma que:

 

"Alguns dos princípios comiimente observados na aplicação de uma análise experimental à vida cotidiana são importantes de ressaltar porque estão particularmente envolvidos no governo das pessoas pelas pessoas. De uma forma ou outra eles têm uma longa história. A própria substituição do controle aversivo pelo reforçamento positivo é, naturalmente, o cerne da luta pela liberdade. (...)

 

Reforçamento positivo tem um efeito fortalecedor não apenas sobre o comportamento do indivíduo, mas também sobre a cultura, criando um mundo que as pessoas não tendem a abandonar e que provavelmente defenderão, promoverão e aprimorarão. (...)

 

Um segundo princípio para melhorar o controle das pessoas pelas pessoas é o de evitar os reforçadores arbitrários. (...) Todos vivemos numa economia de fichas. O dinheiro foi inventado como reforçador condicionado porque tem muitas vantagens: é facilmente dado e recebido; o consumo dos reforçadores primários pelos quais é trocado pode ser convenientemente posposto; os valores reforçadores podem ser facilmente comparados etc... Mas o comportamento é mais rapidamente modelado e mantido por suas conseqüências naturais. O comportamento do trabalhador na linha de montagem que não tem outra conseqüência importante além do seu salário semanal sofre em relação ao do artesão que é reforçado pelas coisas produzidas. A separação de trabalhadores dos produtos naturais de seu trabalho era naturalmente o que Marx chamou de 'alienação Há um efeito semelhante quando sanções punitivas são delegadas a autoridades, porque reforçadores negativos, como multas ou prisão, alienam os cidadãos da censura direta de seus companheiros. (...)

 

Um terceiro princípio é bastante semelhante. Comportamento que consiste de seguir regras é inferior a comportamento modelado pelas contingências descritas na regra. (...)

 

Similarmente, aprendendo as regras da cultura somos capazes de lidar com pessoas efetivamente, mas nosso comportamento será mais sensível às contingências 'mantidas pelo povo quando somos diretamente censurados e elogiados, e as regras da cultura, como as instruções de operação de um equipamento, são esquecidas. (...)

 

Um quarto princípio não é tão amplamente reconhecido. Controle de pessoas por pessoas é provável de ser perturbado por reformadores 'não~contingentes\ Muitas coisas boas chegam a nós grátis. (...) Reformadores não contingentes são característicos de ambos - riqueza e bem-estar - e têm os mesmos efeitos problemáticos em ambos. Por reduzir o nível de privação eles se apropriam de muitas possibilidades de reforçamento e reforqadores de significancia biológica menor ganham espaço. Os resultados são algumas vezes produtivos. (...) Mais frequentemente, entretanto, eles são estupefacientes e danosos (...) Uma política de 'trabalho e bem-estar'pode resolver o problema do reforçador não contingente para o desempregado, mas não para o afluente. Reforçadores não contingentes impedem o grupo de desenvolver mais completamente as capacidades de seus membros e ameaçam a força da cultura e presumivelmente suas chances de sobrevivência.

 

Ainda um outro princípio diz respeito à extensão na qual uma cultura prepara seus membros para responder às suas contingências. Um ambiente social é extraordinariamente complexo e novos membros de um grupo não vêm preparados com comportamento apropriado. (...) um controle mais explícito é necessário agora. "(...) (Skinner, 1977/1978, pp. 11, 12, 13).

 

Se estes pontos revelam, numa certa medida, um programa para a transformação da cultura, revelam também ao menos a possibilidade de uma análise de aspectos cruciais de alguns dos grandes problemas atuais, que poderia nos auxiliar a compreender e a intervir na realidade.

 

Assim, com relação à discussão de modelos econômicos, por exemplo, um tema certamente central na proposta de mudanças urgentemente necessárias na nossa e aparentemente em todas as sociedades hoje, é possível uma tentativa inicial de análise:

 

1. A defesa liberal e mais modernamente neo-liberal do livre mercado, como modelo econômico, fica evidentemente abolida pela necessidade que emerge deste modelo de se construir toda uma série de instituições que têm o papel de mediar certas contingências, no mais das vezes aversivas, para garantir o aparente livre funcionamento do mercado, com suas aparentes liberdades de escolha do consumidor, do trabalhador, de preços. Também se revela o real papel destas instituições na manutenção de privilégios, para alguns ou muitos. Como conseqüência, se impede qualquer possibilidade de se reforçar contingentemente comportamento produtivo em larga escala, de se abrir mão de controle aversivo, subsidiário ou não a controle positivo do comportamento, também em larga escala, seja nas relações econômicas, políticas ou sociais.

 

2. Do mesmo modo se abre um enorme flanco de discussão para um possível estado de bem estar, uma vez que o controle aversivo do comportamento acaba por permanecer em tal estrutura do mesmo modo, ainda que em escala diferente. Os problemas relativos à não contingência de reforçamento sobre o comportamento produtivo, e a impossibilidade de se tornar realmente equitativo o acesso a reforçadores naturais e condicionados também emergem neste modelo como problemas que são, do ponto de vista skinneriano, insolúveis.

 

3. Também o modelo socialista tradicional, dependente de enormes burocracias que têm o objetivo de determinar comportamentos, produção etc, como tarefa do planejamento central, torna quase impossível a emergência de uma cultura que não seja fortemente controlada por condições aversivas, fortemente dependente de regras, e bastante insensível à emergência de certas contingências criadas nas relações interpessoais.

 

Por seu turno a análise revelaria com clareza e precisão alguns "dados" que a muitos parecem obscuros. Por exemplo, esclarece-se como a apropriação de riqueza no mundo capitalista, gerando riqueza de um lado e miséria de outro, é, sim, um determinante importante de alguns dos graves problemas atuais em países como o Brasil, só solucionáveis através de mudanças que deverão acontecer desde a base da sociedade. Mudanças que não poderão ser apenas mudanças na distribuição desta riqueza, entretanto, mas que necessariamente deverão envolver a construção de uma nova concepção de mundo materialista em que os indivíduos desempenhem um papel ativo e responsável - no sentido de que suas ações produzem as conseqüências que garantem a sua sobrevivência e a de seu grupo. Deverão envolver a garantia de que a todos será dado o acesso aos bens materiais socialmente produzidos, contingentemente a seu comportamento. Deverão envolver, ainda, a superação de um modelo de controle do comportamento baseado na punição e na ameaça de punição - institucional e pessoal - trazendo não apenas um novo modelo de relações sociais, mas um novo modelo de relações políticas e econômicas e até mesmo uma nova ética.

 

Isto se pretendermos ter um futuro, se não quisermos submergir à violência gerada pelo contra-controle daqueles que nada têm, ou à violência daqueles que puderam acumular o poder para controlar aversivamente.

 

Se é necessário construir (ou reconstruir) uma cultura, como parece indiscutível, capaz não apenas de resolver seus problemas presentes, mas também de ter "um impulso para o futuro", qual o papel que nos cabe aqui? Por onde começar? Para Skinner, de todos e de um só lugar: da transformação do ambiente social, este complexo conjunto de contingências mantidas pelos indivíduos e instituições. Diz Skinner:

 

"Frequentemente se diz que a questão final é, quem controlará os controladores. Mas a questão não é quem, mas o que. As pessoas agem para melhorar suas práticas culturais quando seus ambientes sociais induzem-nas a fazê-lo. Culturas que têm este efeito e que sustentam as ciências relevantes tem mais probabilidade de resolver seus problemas e de sobreviver. É uma cultura em evolução, então, que é mais provável de controlar o controlador." (Skinner, 1977/1978, p. 14).