sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Para analistas, 'diplomacia do carisma' de Lula projetou Brasil

Ao imprimir um tom "carismático e personalista" à sua política externa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contribuiu de forma decisiva para uma maior projeção do Brasil no cenário internacional, dizem especialistas ouvidos pela BBC Brasil.


A avaliação é de que a história pessoal do presidente, que ascendeu da pobreza ao cargo máximo da política do país, aliada à sua capacidade de negociação, ajudaram a "legitimar" as reivindicações do Brasil nos principais debates mundiais.


Mas os analistas também veem "excessos" em uma estratégia que, para muitos, privilegiou os "gestos e a retórica" em detrimento de resultados concretos.


"A contribuição do presidente Lula para a projeção do país é inegável. Na questão da imagem, saímos melhores, mas isso não é tudo em diplomacia", diz Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e atualmente diretor da Faculdade de Economia da Faap.


Em oito anos de governo, Lula foi frequentemente elogiado pela opinião pública internacional, que viu no líder brasileiro um "símbolo" e "porta-voz" das demandas dos países em desenvolvimento.


Na opinião de Ricupero, o estilo de Lula aplicado à diplomacia trouxe "perdas e ganhos" ao Brasil nos últimos oito anos.


O principal ganho, segundo ele, foi o fortalecimento do G20, grupo que reúne as maiores economias do mundo, e que a partir de 2008 passou a dar mais voz aos países emergentes.


"Claro que a conjuntura internacional, com a crise financeira, ajudou a mudar o status quo, dominado pelas grandes potências. Mas o presidente Lula teve o mérito de ser um dos principais porta-vozes da necessidade de mudanças no grupo", diz Ricupero.


Como perda, o ex-secretário da Unctad cita o "fracasso" das negociações com o Irã, que para ele foi fruto de uma "insistência sem qualquer respaldo internacional".


"Ali ficou claro o quanto o excesso de personalismo, o desejo de vitória a qualquer preço, pode ser também infrutífero. O resultado foi desastroso", diz o ex-embaixador.


LÍDER 'INTUITIVO'


Professor de história das Relações Internacionais da UNB (Universidade de Brasília), Amado Cervo diz que o perfil "intuitivo" e "menos racional" do presidente Lula, com seus discursos em prol da justiça e de defesa da negociação no lugar do confronto, fez do presidente uma "celebridade política" no circuito internacional.


"Sem dúvida Lula foi um líder com altíssima aceitação na opinião pública mundial. E é natural que o país tenha se beneficiado disso", diz Cervo.


Um dos principais legados de Lula para a diplomacia, na opinião do professor da UNB, está na projeção econômica e comercial do país.


Para Cervo, Lula foi uma espécie de "garoto-propaganda" não apenas da economia brasileira, mas também das empresas. "Ele se responsabilizou por essa tarefa como ninguém e acho que a estratégia funcionou bem".


Já do ponto de vista das relações políticas, o professor da UNB vê "excessos" na diplomacia lulista, como na tentativa de acordo com o Irã e a na condenação a Honduras.


"Minha avaliação é de que, em muitos desses casos, o presidente precisava agradar a certas alas do PT. E acabou dando passos maiores do que as pernas, como na aproximação com (Mahmoud) Ahmadinejad", diz Cervo.


DILMA


A figura do líder carismático, que fala de improviso e sempre com uma opinião sobre os mais variados assuntos, deverá ceder lugar a uma presidente mais racional, mais concentrada em resultados e comedida em seus comentários.


É assim que analistas e diplomatas veem a transição da diplomacia do governo Lula para a da futura presidente, Dilma Rousseff.


"Minha impressão é de que ela será mais comedida nos comentários e mais racional nas negociações", diz Cervo.O perfil mais técnico da nova presidente, aliado ao seu conhecimento de economia, também é apontado como diferença em relação ao perfil político e carismático de Lula.


"O presidente Lula é um superstar, mas isso não quer dizer que a presidente eleita não possa conquistar seus nichos. Diplomacia não é uma disputa de popularidade", diz Ricupero.BBC Brasil

Começos


Depois de dois mandatos como presidente, Luiz Inácio Lula da Silva deixa o posto com grandes realizações a seu crédito. Dilma Rousseff, que o sucederá, está ansiosa por aceitar o legado de Lula.


Neste caso não é questão de aceitar uma "herança maldita". Lula lega uma "herança bendita", fato que apenas seus mais recalcitrantes críticos deixam de reconhecer.O Brasil teve sorte em contar com Lula. Não é apenas questão de o país ter se beneficiado de circunstâncias internacionais favoráveis.


Na verdade, as condições internacionais estiveram longe de ideais para o Brasil, e foram ainda piores para o restante do mundo, desde que eclodiu a crise financeira mundial de 2008.


Em última análise, os líderes políticos constroem os seus próprios destinos.Lula deixou sua marca de maneira muito pessoal. Sucedê-lo será difícil.Pouquíssimos líderes mundiais contam com a poderosa combinação de qualidades que Lula ofereceu ao seu governo: experiência de vida no Nordeste e no Sudeste; origens trabalhadoras e experiência no piso da fábrica, no sindicalismo e na organização política; três fracassos eleitorais sucessivos antes do sucesso -e virtualmente nenhum deles reteve ao longo do processo o seu bom humor e a capacidade de falar a língua do povo.


As estatísticas falam por si. Duas delas são especialmente reveladoras. Enquanto o desemprego nos Estados Unidos era de 9,8% em novembro de 2010, no Brasil o índice foi de 5,7%, o mais baixo desde 2002. E 71% dos brasileiros aprovam o ataque de Lula à pobreza. Há problemas, claro.


Significa pouco dizer que Lula causa "inveja e ciumeira" aos Estados Unidos. O presidente eleito, na sua primeira entrevista ao "Washington Post", já usou uma linguagem menos preconceituosa.


Dilma Rousseff lembrou ao PT que um partido político que elegeu um operário e, em seguida, uma mulher "deposita um grande desafio em nossos ombros".Ela não tem a experiência de vida de Lula, isso é certo.Mas a presidente Rousseff levará para a Presidência uma postura forte, experiência administrativa e longo envolvimento no centro do governo Lula.


Dilma talvez tenha pago mais caro que Lula por sua oposição à ditadura militar.Manterá alguns dos ministros mais experientes do predecessor. Desfrutará, pelo menos por enquanto, de amplo apoio político. Sua agenda de governo inevitavelmente envolverá grandes empreitadas internacionais, com destaque para os preparativos da Copa do Mundo e da Olimpíada.Ao assumir, desejamos tudo de bom a ela e ao Brasil.


Por:Kenneth Maxwell - americano, brasilianista, colunista da Folha

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