domingo, 24 de outubro de 2010

Fritz Lang ilustra utopias e pesadelos do século 20

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Metrópolis" é o século 20.
É a ciência e o obscurantismo. O monumental e o miserável. O alto e o baixo. Os senhores e os escravos.
É o século da luta de classes que ali se anuncia. Século do comunismo e do nazismo. Das utopias que viram pesadelos. Das metrópoles que também viram pesadelos.
Tudo isso fala da atualidade do filme de Fritz Lang que Hitler e Goebbels, não por acaso, admiravam.
Há muitas razões, inclusive equívocas, para gostar de um filme. Mas algo aqui comunga com as ideias dos dois: "Metrópolis" é, por excelência, o filme do preto e branco, das sombras pintadas que discriminam com nitidez o claro do escuro, a luz da treva. De uma certa ordem rígida, absoluta, que devia andar de acordo com o pensamento dos nazistas.
No entanto, a ideia de duplicidade que Lang introduz na trama transtorna um tanto esse panorama unívoco. É uma ideia que o acompanha desde sempre, presente em praticamente todos os seus filmes. É como se dissesse: todo homem é duplo, comporta o seu contrário.
Em "Metrópolis", esse papel cabe a Maria, a líder dos operários, o anjo do subterrâneo onde vive a classe dos escravos, a que, por seu encanto e pureza, seduz de imediato o herdeiro do "mundo do alto", do paraíso terrestre.
Mas a tecnologia forjará seu duplo perverso, a falsa Maria, o que se poderia chamar de "agente provocador" que incita à revolta.
É esse ambiente de fricção, conflito, dúvida permanente sobre o outro que Lang evoca magistralmente neste que é seu filme mais próximo do expressionismo



Parque recebe "Metrópolis" restaurado
Clássico de 1927 de Fritz Lang terá música original executada pela Jazz Sinfônica ao ar livre hoje, no Ibirapuera

"A música talvez emocione até mais do que aquilo que se vê", diz o maestro João Maurício Galindo

Fabrizio Bensch - 12.fev.2010/Reuters

Exibição de "Metrópolis", de Fritz Lang, no Festival de Berlim deste ano, que reuniu cerca de 2.000 pessoas no portão de Brandemburgo, na Alemanha

ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO

O maestro João Maurício Galindo não se contém: "Nunca regi nada tão difícil na minha vida".
O curioso é que ele não se refere a nenhuma das peças do repertório. E sim a uma trilha sonora. "O problema é que se a orquestra atrasar um pouquinho o compasso, o filme não espera." Galindo e a Orquestra Jazz Sinfônica darão vida hoje à versão original do clássico mudo "Metrópolis" (1927), de Fritz Lang (1890-1976).
O filme chega à área externa do Auditório Ibirapuera em cópia restaurada, com 30 minutos inéditos. A versão, considerada um tesouro recuperado, foi exibida este ano durante o Festival de Berlim. A música também será a original do alemão Gottfried Huppertz.
Quando Galindo recebeu uma ligação de Leon Cakoff, diretor da Mostra, com o convite, sua primeira reação foi dizer não. Mas foi tomado pela lembrança da experiência de reger, ao vivo, a trilha sonora de "O Encouraçado Potemkin" (1925), de Sergei Eisenstein, há cinco anos, também na Mostra. Não resistiu.
O filme tem "partitura gestual": as notas tendem a acompanhar o ritmo da ação, os movimentos de câmera. Exemplo: em cena de briga no alto de uma catedral, as notas vão do agudo para o grave, produzindo um som que, instintivamente, qualquer um associa a queda.
Há, também, registros emocionais. Quando, após uma série de turbulências, os dois protagonistas se reencontram, é romântica a melodia. "A música talvez emocione até mais do que aquilo que se vê", diz Galindo. Trata-se, segundo o maestro, de uma música de caráter fortemente alemão e bastante moderna para a época.
"Há coisas que lembram muito o estilo de Mahler." Além dos 82 músicos, a apresentação terá um tecladista. Instrumentos raramente utilizados pela orquestra, como gongo e glockenspiel, serão levados ao parque. Até eles querem fazer parte da noite histórica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário