terça-feira, 5 de outubro de 2010

Livro reconstrói vida de Louis Armstrong

Biografia recém-lançada recupera material inédito para traçar carreira de um dos artistas mais influentes do jazz

Escritor Terry Teachout teve acesso a 650 rolos de gravações, cartas, blocos de notas e pesquisas acadêmicas

LUIZA FECAROTTA
DE SÃO PAULO

Era o último dia de 1912, em Nova Orleans. Aos 11 anos, Louis Armstrong abriu a arca da mãe e furtou um revólver carregado com balas de festim. Na mesma noite, disparou um tiro, foi retido e levado a um reformatório.
Foi lá que se tornou o interno modelo. Integrava a banda de metais, tocava corneta para as filas e os toques que anunciavam a missa.
Uma das mais importantes influências do jazz, de peito estufado e mandíbula forte, o músico que nasceu na virada do século em uma área pobre de Nova Orleans foi alvo de Terry Teachout em "Pops - A Vida de Louis Armstrong".
Primeiro biógrafo a ter acesso a 650 rolos de fitas pessoais de gravações do jazzman, Teachout também recuperou blocos de notas e pesquisas acadêmicas para reconstruir a vida do trompetista, que deixou registros datilografados com apenas dois dedos. E pilhas de cartas.

VIDA E MORTE
Abandonado pelo pai, Armstrong foi criado por uma prostituta. Ajudava em casa revendendo carnes que achava no lixo. Entregou a roupa que a avó lavava, transportou carvão numa carroça e vendeu jornal.
Antes de comprar seu primeiro cornetim em uma loja de penhores, improvisava em uma trompa de lata.
No verão de 1919, se juntou à orquestra de um navio turístico a vapor que cruzava o rio Mississipi. E foi a bordo que aprendeu a ler partituras com precisão -com um sujeito que entendia "pouco de jazz , mas tudo sobre disciplina". No barco, também ganhou peso e passou a usar "calça para gordos".
Sempre manteve a atração por roupas sofisticadas. Na estrada, levava um camareiro para coordenar as 20 malas e passar os 200 lenços. Sua (quarta) mulher o vestiu com a mesma elegância quando foi enterrado, depois de sofrer um ataque cardíaco em 1971. Terno preto, camisa cor-de-rosa e prateada.
O jazzista agenciado por um empresário de lutadores de boxe acabou a vida cultuado pelo mundo.
Não dispensava maconha, fazia aquecimento com óperas italianas e insistia nas notas agudas. Para manter os lábios fortes, carregava uma pomada desenvolvida por um trompetista alemão. Tinha linguagem corporal invejável e combinava música e humor no palco.
Não costumava pegar no pé dos instrumentistas, mas dava sempre uma lição: é preciso sorrir. Certa vez, numa apresentação de Ano-Novo, mesmo com o lábio superior sangrando -por conta de uma doença genética que também o levou a ter voz áspera-, foi capaz de sorrir






Fitas reúnem intimidade do músico e piadas
DE SÃO PAULO

Um dos primeiros americanos a ter um gravador de fitas depois da Segunda Guerra, Louis Armstrong (1901-1971) registrava a si mesmo "contando piadas", "divertindo-se com os amigos", "relembrando o passado", discutindo com a mulher "em qualquer quarto de hotel".
Terry Teachout foi o único biógrafo, até agora, a ter acesso aos 650 rolos de fita que o artista deixou. "São tão íntimas e reveladoras que gradualmente passei a sentir como se o conhecesse", diz o autor à Folha.
Se o tivesse conhecido, porém, fuçaria detalhes sobre o seu relacionamento com o agente Joe Glaser, homem que fez de Armstrong uma estrela. "Glaser estava intimamente ligado ao crime organizado em Chicago, trabalhou para o Al Capone e não sabemos ao certo o quanto Armstrong sabia sobre ele. Isso é algo que eu gostaria de saber muito mais."
Para Teachout, o trompetista, admirado por figuras do calibre de Pollock, Renoir e Le Corbusier, "era um gênio amável".
"Fiquei fascinado pelo fato de que ele era tão fundamentalmente alegre e otimista, mesmo tendo nascido em meio à pobreza e lutado desesperadamente."

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