domingo, 27 de março de 2011

ditadura - Marinha ordenou a morte de militantes no Araguaia em 1972

Documentos da Força mostram que operação pretendia "eliminar" integrantes da guerrilha contra a ditadura

Segundo historiador, "política deliberada de assassinatos" durante a repressão jamais foi admitida oficialmente

Reprodução

Corpos de guerrilheiros são cobertos em região próxima ao rio Araguaia em 1972

DE BRASÍLIA

Documentos escritos pelo Comando da Marinha revelam que havia a determinação prévia de matar os integrantes da Guerrilha do Araguaia, e não apenas derrotar o maior foco da luta armada contra a ditadura militar.
Os papéis, de setembro de 1972, relatam a preparação da Operação Papagaio, uma das principais ofensivas das Forças Armadas contra o grupo criado pelo PC do B entre Pará, Maranhão e a região norte de Goiás, que hoje é o Estado do Tocantins.
A documentação a que a Folha teve acesso faz parte do acervo da Câmara dos Deputados. Era confidencial até 2010, mas foi liberado para consulta pública.
"A FFE [Força dos Fuzileiros da Esquadra] empenhará um grupamento operativo na região entre Marabá e Araguaína para, em ação conjunta com as demais forças amigas, eliminar os terroristas que atuam naquela região", afirmam duas "diretivas de planejamento".
Uma delas é assinada por Edmundo Drummond Bittencourt, comandante-geral do Corpo de Fuzileiros Navais. A outra foi escrita pelo contra-almirante Paulo Gonçalves Paiva. Nas duas, a ordem de "eliminar" os guerrilheiros surge no item "conceito das operações".
Os textos também dizem que seriam feitas ações para "impedir os terroristas que atuam na margem daquele rio de transporem-no para a margem leste, eliminando-os ou aprisionando-os".
A oposição entre "eliminar" e "aprisionar" confirma que o primeiro se refere à morte dos militantes, disse o historiador Jean Rodrigues Sales, autor de "A Luta Armada Contra a Ditadura Militar" (ed. Perseu Abramo).
"No episódio de repressão à militância armada, a política deliberada de assassinatos jamais foi admitida de forma oficial", disse Sales.
Segundo Criméia Schmidt de Almeida, ex-guerrilheira e estudiosa do conflito, "realmente [ainda] não havia registro disso [determinação prévia para matar]".
Relatório do Exército de 1974, quando quase todos os militantes do PC do B na região haviam sido mortos, fala na "eliminação" das "forças guerrilheiras", mas não de seus integrantes.
Para Taís Morais, coautora com Eumano Silva de "Operação Araguaia" (Geração Editorial), "militar não escreve ordem que não deve ser cumprida".
As "diretivas" corroboram relatos de testemunhas do conflito, segundo as quais, nos anos seguintes, comunistas foram mortos mesmo depois de serem presos.
Em um dos papéis a que a Folha teve acesso, a Marinha fala em oito guerrilheiros mortos "em combate" durante a Operação Papagaio -argumento que sempre foi usado pelas Forças Armadas para justificar mortes de resistentes na região.
Ainda não foi produzida uma narrativa oficial sobre a luta armada durante a ditadura -um dos objetivos da Comissão da Verdade, que o governo quer instituir.
Procurado na terça-feira, o Ministério da Defesa afirmou que, por não ter tempo de encontrar os documentos, não os comentaria. (MARIA CLARA CABRAL, RANIER BRAGON, JOÃO CARLOS MAGALHÃES E MATHEUS LEITÃO)

Documentos trazem relatos de crimes políticos e texto de JK

DE BRASÍLIA

Dentre os documentos liberados pela Câmara, há relatórios sobre crimes políticos e funcionamento de órgãos de inteligência do governo, além de um papel manuscrito pelo presidente Juscelino Kubitschek.
Um deles trata de assassinatos por motivos políticos em Alagoas. Em 1967, um oficial da Aeronáutica constatou que 32 crimes do tipo foram cometidos desde 1947 naquele Estado.
Dentre eles, o de Edval Lemos, à época prefeito de Marechal Deodoro, "assassinado a mando de José Afonso de Mello", da família do atual senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL).
Um documento sobre o Conselho de Segurança Nacional, órgão de inteligência da época, diz como sua secretaria-geral recrutava e treinava funcionários. Ele foi produzido a pedido do deputado Márcio Moreira Alves, cujo discurso de 2 de setembro de 1968 acabou usado como pretexto para editar o AI-5.
Em outro papel, o SNI (Serviço Nacional de Informações) lista centenas de ligações telefônicas feitas por parlamentares da Arena, partido governista da época. Segundo o relatório, os telefonemas configuravam abuso de verbas públicas.
Há também um texto de próprio punho de JK que aprova a construção da Casa do Brasil em Roma (Itália). A casa abrigaria "serviços governamentais" e teria "stands para torrefação e degustação" de café.

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