BLOG DO FAVRE
Formador de opinião
Estadão e O Globo investem contra Lula, o governo e o PT nos seus editoriais do dia. Um direito indiscutível a expressar e difundir suas opiniões, ainda mais que se trata de opiniões críticas e não louvadoras. A liberdade de imprensa é sempre em primeiro lugar o direito a expressar opiniões contrárias ao poder, qualquer seja este. Como o principio numero um da democracia é o direito a organização, expressão e manifestação das minorias.
Esse direito que os jornais exercem, sem nenhum assomo de restrição, configura uma conquista essencial do povo brasileiro, obtida após 21 anos de regime militar.
Ninguém questiona o papel da imprensa em apontar problemas, irregularidade ou desmandos. O que se questiona é a tentativa de utilizar essas denúncias, algumas aparentemente consistentes e outras não, para proceder a ilações visando objetivos eleitorais.
Ninguém questiona o direito dos jornais a opinar livremente e manifestar sua oposição ao governo ou a sua política. O que se questiona é a manipulação político-eleitoral por parte de alguns veículos de comunicação ou de alguns articulistas, sem assumir abertamente suas posturas.
Concordar obrigatoriamente com o conteúdo desses editoriais seria uma pretensão ditatorial do pensamento único, que ninguém poderia tolerar, a começar pelos próprios autores dos mesmos. Por isso o debate do seu conteúdo é tão importante, quanto o direito ao dissenso que eles comportam e reivindicam.
Esse é meu intuito com estas remarcas à seguir.
Estadão escreve: “Mas a verdade é que o paladino dos desvalidos nutre hoje uma genuína ojeriza por uma, e apenas uma, categoria especial de elite: a intelectual, formada por pessoas que perdem tempo com leituras e que por isso se julgam no direito de avaliar criticamente o desempenho dos governantes”.
A acusação dirige-se ao Lula e não tenho procuração para responder em nome dele. Mas me sinto interpelado pela pretensiosa arrogância contida nessa frase. Dedicando como muitos outros um tempo considerável a leituras, julgo-me no direito de avaliar criticamente a atuação não só dos governantes, mas de todos os atores da política nacional, incluída a imprensa. Pretender, porém, que a elite intelectual é exclusivamente aquela que se identifica com a oposição ao governo, recusando aos intelectuais que com o governo e o PT se identificam este rótulo, constitui uma pretensão inaudita. E não me consta que Lula manifeste particular ojeriza contra todos os intelectuais e sim seu desacordo com os que criticam virulentamente seu governo. Ele pode ter razão ou não. Mas não é um direito dele poder discordar? Porque os editorialistas do Estadão não estariam sujeitos a críticas?
Na afirmação do editorial do Estadão há também outra pretensão, a de considerar que os que são informados, os que leem, são os únicos em condições de avaliar criticamente o desempenho dos governantes.
Não faço da ignorância uma virtude, mas em democracia o principio é que versados em letras ou não, professores ou camponeses do Sertão, todos podem avaliar seus governantes.
O que o editorial embute é a ideia que a avaliação positiva da maioria da população ao governo Lula é produto de sua falta de leitura, de sua ignorância e por isso seria uma massa acrítica sujeita a manipulação. Para confortar essa tese, recusasse aos intelectuais partidários do governo, a etiqueta. Estadão pretende assim ser o detentor do pensamento intelectual, suprimindo dos que com sua orientação discordam do campo dos que trabalham e elaboram ideias, leem e se informam, como os outros. A argumentação do Estadão não é original e já estava presente nos pensadores oficiais das velhas monarquias para justificar o voto censitário, ou o próprio absolutismo real.
O editorial do Globo também crítica o presidente Lula e suas declarações sobre o papel de certos jornais. Segundo O Globo, Lula defende uma conceição autoritária da imprensa, “segundo a vulgata ideológica dos intelectuais orgânicos do lulopetismo, a imprensa é um instrumento de manipulação da sociedade”. A vulgata agradece ser reconhecida como parte da intelectualidade, mesmo carimbada de orgânica, porem, recusa a grosseira deformação de suas posições. A imprensa deve ter um comportamento ético e isento no tratamento da notícia, essa é a exigência da “vulgata lulopetista”. E não parece ser a opinião do editorial do Globo.
Para O Globo, o Brasil não pode pretender que sua imprensa tenha os mesmos padrões da imprensa Europeia, por exemplo. Segundo o editorial “Trata-se de outro equívoco tentar comparar a postura da imprensa brasileira diante de governos, candidatos e legendas com a de países onde práticas democráticas são seguidas há séculos e existem partidos enraizados na sociedade por gerações”.
Que nos diz O Globo com essa frase? Que na ausência de partidos enraizados na sociedade, a imprensa no Brasil deve ter um comportamento de substituição das funções deles? Mas precisamente, foi essa a acusação feita por Lula. Segundo o presidente “alguns jornais e revistas se comportam como se fossem um partido político…”.
O Globo confirma, mas justifica pela precariedade de nossos partidos e práticas democráticas, que a imprensa tenha uma postura engajada politicamente em favor de determinados governos, candidatos e legendas?
O editorial acrescenta “É gigantesca também a dificuldade de Lula e companheiros entenderem que veículos de comunicação podem não defender partidos e candidatos, mas princípios, e, em função deles, criticar ou elogiar partidos e candidatos”.
A identificação com a campanha da oposição é assumida aqui como subproduto da defesa de “princípios” que a levariam a elogiar “partidos e candidatos”. Ninguém nega esse direito do jornal O Globo manifestar publicamente sua identidade de princípios com este ou aquele candidato ou partido. Deveria faze-lo abertamente e não disfarçado no noticiário.
Assumindo assim, quase que abertamente, o papel de “formador de opinião” em prol de determinados princípios concordantes com os de alguns candidatos e partidos, O Globo pretende que esse papel de “formador de opinião” seja um monopólio da imprensa. O jornal não aceita que esse monopólio lhe seja contestado.
Lula não pretende e nunca pretendeu que a opinião pública seja ele e o seu governo, como subrepticiamente o editorial pretende. O “nos” utilizado no seu discurso em Campinas é representativo do, “vocês população brasileira”, vocês povo. Ele convocou à população a ser sua própria “formadora de opinião”, a recusar esse monopólio que descaradamente O Globo arroga para si no editorial.
Ser sua própria formadora de opinião implica ter a capacidade de analisar criticamente as informações, separar o joio do trigo, ouvir o contraditório e forjar assim sua opinião.
Porque algum democrata veria inconveniente nesse processo de formação da consciência cidadã? Não são esses os princípios mesmos que dão todo o sentido à liberdade de informação e de imprensa?
Luis Favre
Papo fundamewntalista dos golpistas
Editorial do jornal O Estado SP
A elite que Lula não suporta
Nas encenações palanqueiras em que o presidente Lula invariavelmente se apresenta como o protagonista da obra de criação deste país maravilhoso em que hoje vivemos, o papel de antagonista está sempre reservado às “elites”. Durante mais de 500 anos, as elites mantiveram o Brasil preso aos grilhões do subdesenvolvimento e da mais perversa injustiça social. Aí surgiu Lula, o intimorato, e em menos de oito anos tudo mudou. Simples assim.
Com essa retórica maniqueísta, sem o menor pudor Lula alimenta no eleitorado de baixa renda e pouca instrução – seu público-alvo prioritário – o sentimento difuso de que quem tem dinheiro e/ou estudo está do “outro lado”, nas hostes inimigas. Mas a verdade é que o paladino dos desvalidos nutre hoje uma genuína ojeriza por uma, e apenas uma, categoria especial de elite: a intelectual, formada por pessoas que perdem tempo com leituras e que por isso se julgam no direito de avaliar criticamente o desempenho dos governantes. Por extensão, uma enorme ojeriza à imprensa. Com todas as demais elites Sua Excelência já resolveu seus problemas. Está com elas perfeitamente composto, afinado, associado, aliado e, pelo menos em outro caso específico, o das oligarquias dos grotões maranhenses, alagoenses, amapaenses e que tais, acumpliciado.
Até por mérito do próprio governo na condução da economia (nem sempre a imprensa ignora os acertos do poder público…), os ventos favoráveis que hoje, de modo geral, embalam o mundo dos negócios, muito especialmente os negócios financeiros, não permitem imaginar que o “poder econômico” considere Lula um inimigo ou uma ameaça e vice-versa. É claro que em público o jogo de cena é mantido, com ataques, sob medida para cada plateia, aos eternos inimigos do povo. Mas na intimidade o presidente se vangloria, em seus cada vez mais frequentes surtos apoteóticos, de que hoje o poder econômico, nacional e multinacional, está submisso à sua vontade. Não é, portanto, essa elite que tem em mente nas diatribes contra os malvados que conspiram contra sua obra redentora.
A revelação de seu verdadeiro alvo Lula oferece cada vez que abre a boca. Como no dia 18, em Juiz de Fora: “Essa gente não nos perdoa. Basta que você veja alguns órgãos e jornais do Brasil (…) Porque na verdade quem faz oposição neste país é determinado tipo de imprensa. Ah, como inventam coisa contra o Lula. Olha, se eu dependesse deles para ter 80% de aprovação neste país eu tinha zero. Porque 90% das coisas boas deste país não é mostrado (sic).”
Então é isto. Imprensa que fala mal do governo não presta, extrapola os limites da liberdade de informar. Não é mais do que um instrumento de dominação das elites.
Assim, movido por sua arraigada tendência ao autoritarismo messiânico que é a marca de sua trajetória na vida pública, Lula parece cada vez mais confortável na posição de dono de um esquema de poder que almeja perpetuar para alegria da companheirada. Um modelo populista, despolitizado, referendado pela aprovação popular a resultados econometricamente aferíveis, mas que despreza valores genuinamente democráticos de respeito à cidadania, coisa que só interessa à “zelite”. Tudo isso convivendo com a prática mais deslavada do patrimonialismo, coronelismo, clientelismo, tráfico de influência, cartorialismo, aparelhamento e tudo o mais que Lula e seu PT combateram vigorosamente por pouco mais de 20 anos, para depois transformar em seu programa de governo. E em toda essa mistificação o repúdio às elites é a palavra de ordem e a imprensa, o grande bode expiatório.
O diagnóstico seguinte foi feito, com as habituais competência e sutileza, por um dos mais notórios fantasmas de Lula, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista publicada no Estado de domingo: “Achei que (Lula) fosse mais inovador, capaz de deixar uma herança política democrática, mostrando que o sentimento popular, a incorporação da massa à política e a incorporação social podem conviver com a democracia, não pensar que isso só pode ser feito por caudilhos como Perón, Chávez, etc. (…) Mas Lula está a todo instante desprezando o componente democrático para ficar na posição de caudilho.” Falou e disse.
Editorial O GLOBO
Lula e a visão autoritária da imprensa
É nos improvisos que o presidente Lula se deixa levar, fala o que não seria conveniente do ponto de vista político, mas transmite o que lhe vai no fundo da alma. Inebriado por índices recordes de popularidade, nunca antes alcançados neste país, Lula tem radicalizado na autoindulgência, como se o apoio popular o colocasse acima de leis e limites institucionais.
São exemplos desse desvio as sucessivas vezes em que o presidente age como chefe de partido, numa deplorável mistura de papéis, porém bem ao estilo de um governo que, na ocupação da máquina burocrática, exercita ao extremo a confusão entre interesses privados e a esfera pública.
É nessa zona cinzenta que a grande família de Erenice Guerra se aboletou, e corporações sindicais sentam praça nos cofres do Tesouro, ao lado de movimentos ditos sociais que atuam em estado de semiclandestinidade, em parte financiados pelo contribuinte.
À medida que se envolvia no projeto de eleger a sua desconhecida ministra Dilma Rousseff, enquanto mantinha e até elevava a popularidade, o presidente foi jogando às favas o equilíbrio. Principal atração dos comícios de sua candidata, Lula radicaliza na insensatez. Pode-se dar desconto pelo inevitável aumento de temperatura característico das campanhas eleitorais, mas não é possível ser condescendente quando se invade de maneira desvairada o campo vital das liberdades democráticas.
Até porque o ataque feito por Lula à imprensa, num comício em Campinas, sábado, não é um acidente de rota, um fato isolado no seu governo de quase oito anos; tampouco no seu partido, onde se destilam propostas formais para a “democratização da mídia”, o “controle social dos meios de comunicação”, eufemismos para designar a destruição da independência da imprensa profissional, assim como fazem os governos de Cristina Kirchner e Hugo Chávez, aliados preferenciais da diplomacia companheira no continente.
No sábado, Lula, como se tomado pelo espírito do Rei Sol, um Luis XIV tropicalizado, bradou: “Nós somos a opinião pública.” Em meio a ataques a “alguns jornais e revistas que se comportam como se fossem um partido político(…)”, Lula, na verdade, externou toda a dificuldade que ele, auxiliares diretos e líderes petistas têm de entender o papel da imprensa numa sociedade aberta. Há tempos emana do Planalto a visão de que o governo Lula acabou com os “formadores de opinião”, e agora se sabe que eles foram substituídos, segundo este contorcionismo intelectual, pelo presidente e seu grupo no poder. Numa reedição de um “pai dos pobres” de figurino getulista, o presidente teria hipnotizado as massas, alimentadas por um assistencialismo bilionário, e por isso elas só reproduzirão a opinião do seu redentor.
Mais do que uma tosca engenharia de raciocínio, porém, esta percepção lulista da imprensa deriva de um entendimento autoritário da função dos meios de comunicação: segundo a vulgata ideológica dos intelectuais orgânicos do lulopetismo, a imprensa é um instrumento de manipulação da sociedade.
E, sendo assim, precisa estar subordinada ao partido e ao Estado, os quais, no imaginário desses militantes, se confundem. É inconcebível para esses que a imprensa profissional — que precisa ser rentável para se manter independente, e o mais distante possível de verbas administradas pelos poderosos do momento —cumpra uma função pública, e disto têm consciência profissionais e acionistas das empresas de comunicação.
A visão maniqueísta lulopetista da imprensa leva a que se procure intrincadas conspirações por trás de reportagens de denúncia, um truque que também serve para jogar uma cortina de fumaça à frente de desvios éticos cometidos pela companheirada. Foi assim que o mensalão se tornou produto de uma imprensa “golpista”, bem como a ação dos aloprados.
Denunciado por um aliado desgostoso, Roberto Jefferson, do PTB, o esquema de coleta e lavagem de dinheiro sujo para alimentar uma bancada parlamentar governista gerou um processo que tramita no Supremo Tribunal Federal, depois de aceita denúncia da Procuradoria Geral da República contra essa “organização criminosa”. No escândalo da tentativa de compra de um dossiê falso contra o tucano José Serra, na campanha de 2006 para o governo de São Paulo, petistas proeminentes — os “aloprados”, nas palavras do próprio Lula — foram apanhados em flagrante delito.
Nada porém abala o discurso petista contra manobras “golpistas” da imprensa independente.
Mas não houve qualquer crítica quando, no primeiro governo FH, reportagem do GLOBO derrubou o então presidente dos Correios, Henrique Hargreaves, ao revelar que ele tinha um contrato com o Sebrae, do qual recebia sem trabalhar.
Não se ouviu, também, qualquer reclamação petista quando a “Folha de S.Paulo” relatou histórias de compra de votos de deputados federais a favor da emenda constitucional que permitiria a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Ou na revelação feita pelo GLOBO de que o esquema do mensalão, antes de José Dirceu, Delúbio e Genoino, fora acionado pelo PSDB mineiro no financiamento da campanha frustrada de reeleição do governador Eduardo Azeredo, delito também a ser julgado no STF. E nenhuma admoestação à imprensa partiu do PT na divulgação de cenas pornográficas de corrupção patrocinadas pelo DEM de Brasília.
Imprensa boa é imprensa chapa-branca, deduzse.
Outra prova cabal de como o PT se equivoca sobre o jornalismo profissional foi dada por José Dirceu, cassado no escândalo do mensalão e considerado pelo Ministério Público o chefe da tal “organização criminosa”.
Considerado líder importante no partido, até visto como herói por ter se imolado pela causa petista, Dirceu demonstra continuar com bom trânsito em Brasília, e continua a pontificar.
Na semana passada, ao doutrinar sindicalistas petroleiros na Bahia, o ex-ministro da Casa Civil de Lula comemorou o fato de uma provável vitória da “companheira de armas” Dilma Rousseff facilitar a execução do “projeto político” do PT, difícil de ser aplicado com Lula, pois o presidente em contagem regressiva para voltar a São Bernardo é algumas vezes maior que o partido, explicou. Do projeto, consta o de sempre: “democratização dos meios de comunicação” etc.
Além de considerar que a imprensa brasileira abusa do direito de informar — uma pérola do pensamento da esquerda autoritária —, Dirceu reclamou de uma suposta tentativa das redações de interferir na formação do futuro governo Dilma, algo digno de ficção.
Ora, isto não é função da imprensa.
A não ser que se entendam os meios de comunicação pela ótica do PT: não passam de instrumentos de manipulação política e social.
É gigantesca também a dificuldade de Lula e companheiros entenderem que veículos de comunicação podem não defender partidos e candidatos, mas princípios, e, em função deles, criticar ou elogiar partidos e candidatos.
Trata-se de outro equívoco tentar comparar a postura da imprensa brasileira diante de governos, candidatos e legendas com a de países onde práticas democráticas são seguidas há séculos e existem partidos enraizados na sociedade por gerações.
Deturpar a realidade em razão de cacoetes ideológicos não chega a preocupar.
Costuma acontecer na política e mesmo no mundo acadêmico. O perigo está quando se chega ao poder com este tipo de percepção distorcida.
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