quarta-feira, 22 de setembro de 2010
"Não há mais poetas como John Ford no cinema atual"
Peter Bogdanovich fala sobre Ford e documentário que dedicou ao cineasta
"Directed by John Ford", com depoimentos de John Wayne e Scorsese, integra a mostra que começa hoje no CCBB
DE SÃO PAULO
Quando Peter Bogdanovich, 71, decidiu ser cineasta, ouviu do pai apenas um conselho: "Procure os grandes e aprenda tudo com eles". Ele levou as palavras ao pé da letra. Não contente em ver e rever muitos filmes, bateu à porta de todos os grandes cineastas do período, munido de um gravador e de muita curiosidade.
Por sorte dele, era o início dos anos 1960 e seus professores foram nomes como John Ford (1894-1973), Alfred Hitchcock (1899-1980) e Howard Hawks (1896-1977). Um dos resultados dessa empreitada, "Directed by John Ford", iniciado em 1971 e só concluído em 2006, está na mostra do CCBB dedicada a Ford, que começa hoje.
O documentário de Bogdanovich tem depoimentos de colaboradores de Ford, como John Wayne, e de diretores fãs de seu trabalho, como Martin Scorsese.
Um dos grandes nomes da história do cinema, Ford fez clássicos como "No Tempo das Diligências" (1939) e "Rastros de Ódio" (1956). Bogdanovich provou-se bom aluno. Lançou em 1971 "A Última Sessão de Cinema", indicado a oito Oscars. Em entrevista à Folha, falou sobre o legado de Ford.
Folha- Quando o sr. conheceu John Ford?
Peter Bogdanovich - Conheci Ford em 1963, quando acompanhei por três semanas a filmagem de "Crepúsculo de uma Raça". Nós nos demos muito bem. Ele só reclamava que eu era muito curioso. "Jesus Cristo", dizia ele, "de onde você tira tantas perguntas?" (risos).
O que aprendeu com ele?
Muita coisa. Aprendi que o diretor deve ter completo controle do set e do filme. Ele tinha 69 anos, mas ainda era muito forte, muito vigoroso.
Qual o legado de Ford?
Provavelmente ele foi o grande diretor americano. Ford foi um intérprete dos costumes dos EUA e deixou algumas das imagens mais deslumbrantes do cinema. Tinha um extraordinário senso de composição. Ele tinha um olhar de pintor, um olhar extremamente poético.
O sr. já disse que a idade de ouro do cinema terminou com "O Homem que Matou o Facínora" (1962). Por quê?
O sistema ruiu naquele ano. Os estúdios entraram em crise. Desde então, não surgiram mais muito filmes como "O Homem...".
Mas o sr. mesmo fez bons filmes depois disso.
Obrigado. Surgiram bons cineastas nos anos 1960, como John Cassavetes (1929-1969), mas, no geral, o cinema não tem mais o vigor do passado. Não há mais poetas como John Ford. Não sei nos outros países, mas, nos EUA o cinema está em declínio. (MARCO RODRIGO ALMEIDA
Retrospectiva é uma experiência delirante na vida de um cinéfilo
CRÍTICO DA FOLHA
A assessoria do CCBB informa que não há no Brasil uma cópia sequer em película de filmes de John Ford.
Isso é um crime. E torna a retrospectiva do cineasta, que começa hoje e vai exibir 36 filmes de Ford, todos em película, um dos grandes acontecimentos cinematográficos do ano.
Doze filmes serão exibidos em cópias restauradas, incluindo "Rastros de Ódio" (1956), "Como Era Verde o Meu Vale" (1941) e "No Tem po das Diligências" (1939).
A mostra, que depois vai para Brasília e Rio de Janeiro, exibe ainda o ótimo documentário "Directed by John Ford", de Peter Bogdanovich, que traz impagável entrevista com o cineasta.
Poucas coisas são tão delirantes na vida de um cinéfilo quanto ver John Ford no cinema. Se algum diretor merece a tela grande, é ele.
Ford filmou por quase 50 anos. De "The Tornado", em 1917, a "Sete Mulheres" (1966), dirigiu quase 150 filmes e ajudou a definir o cinema como arte.
Ele filmou épicos históricos, faroestes, filmes de guerra, dramas sobre imigração e a Grande Depressão. Sua obra traçou um panorama da história dos Estados Unidos e do cinema de Hollywood, desde os filmes silenciosos.
Ford sempre foi um populista e um sentimental. Fez filmes de forte apelo popular, marcados principalmente por uma nostalgia pelos "velhos tempos".
Seu estilo visual, de um rigor estético absoluto e imagens grandiosas e de alto impacto, influenciou todo o cinema. Suas longas parcerias com Henry Fonda (1905-1982) e John Wayne (1907-1979) marcaram época.
Entre os destaques da mostra estão filmes do início da carreira de Ford, como "Bucking Broadway" (1917) e "O Último Cartucho" (1917).
Outro destaque é a "Trilogia da Cavalaria", com "Sangue de Herói" (1948), "Legião Invencível" (1949) e "Rio Grande" (1950), com John Wayne, que serão exibidos numa sessão tripla.
Mesmo para quem já conhece a obra de Ford, a mostra é uma chance raríssima de ver clássicos como "Rastros de Ódio", "As Vinhas da Ira" (1940) e "O Homem que Matou o Facínora" (1962) em uma sala de cinema.
Se não bastasse, o CCBB organizou também um "Curso John Ford". Serão quatro módulos, às quintas e sextas, com entrada franca, que analisarão a obra do diretor, suas influências e seu legado.
(ANDRÉ BARCINSKI)
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