segunda-feira, 15 de novembro de 2010

MÍDIA & MERCADO - Fusões, aquisições e democracia

(*)

Guilherme Canela de Souza Godoi (**)

Em 1789, Luis XVI convocou uma reunião geral dos "Estados Maiores", em Versalhes. O Primeiro Poder era constituído de trezentos nobres. O Segundo poder, de trezentos prelados da Igreja. O Terceiro Poder, de seiscentos cidadãos. Alguns anos mais tarde, após a Revolução Francesa, Edmundo Burke olhou para o andar superior onde estava localizada a tribuna de imprensa dos Cidadãos, e disse: "Lá está sentado o Quarto Poder, e seus membros são os mais importantes de todos aqui dentro.[Jeffrey Archer, O Quarto Poder, p. 7]

I – Introdução

Considerada ou não o quarto poder, é inegável que a mídia é um ator central no mundo contemporâneo – como, aliás, o tem sido há bastante tempo. Tal qual o mundo em que ela está inserida, a mídia também vai se transformando ao longo dos anos. Duas tendências centrais do atual panorama mundial são também intrínsecas àquilo que vem ocorrendo no campo da mídia: mudança e complexidade. Por essas e outras, é um desafio e uma necessidade para os observadores da mídia o acompanhamento incansável deste ator mutante e complexo.

Uma das mudanças pela qual passa o setor de comunicações atualmente, talvez a mais $ignificativa, constitui-se no processo de fusões, aquisições, joint ventures, associações e outras variantes para designar o fenômeno de namoro e às vezes casamento dos grandes conglomerados de mídia. As discussões que serão propostas a seguir trarão um pouco mais de claridade a esse debate que já vem sendo travado no Brasil há algum tempo, inclusive por esse Observatório [veja remissão abaixo], mas que diante da divulgada paixão repentina entre os grupos Folha e Globo precisa, urgentemente, ser intensificado.

Antes de passarmos a questão específica das fusões fazem-se necessários alguns comentários sobre os conceitos abordados por esse artigo e pela pesquisa maior da qual ele é fruto.

O objetivo central da pesquisa submetida ao PIBIC/UnB/CNPq é estabelecer as relações entre três temas centrais da sociedade contemporânea: Comunicações, Globalização e Democracia. É importante sublinhar que o que se deseja não é uma análise em separado de cada tema – até mesmo pela impossibilidade de tal feito, visto que esses assuntos possuem campos de abordagem incalculáveis, bem como as mais extensas bibliografias existentes –; mas, sim, o ponto de interseção (para utilizar uma linguagem matemática) entre os mesmos. Para tanto é importante que se tenha claro como cada um desses conceitos está sendo aqui definido:

Comunicações – "usa-se o plural comunicações para que a palavra não se reduza à significação de ‘comunicação social’[...], nem à de ‘comunicação de massa’ [...], nem ainda se reduza à significação de ‘linguagem’ [...]. O que se pretende é abarcar esses diferentes significados e ir além deles para expressar o sentido integrador da convergência contemporânea entre telecomunicações, comunicação de massa e informática" [conforme definido por LIMA (1995), p. 4].
Globalização – não há um consenso sobre o que seja globalização, por isso mesmo não existe uma única definição desse processo. Além do mais, esse é um processo multifacetado que envolve uma série de características. Para efeito deste trabalho, definimos globalização levando-se em conta três aspectos do processo: a) Tecnológico (o surgimento de novas tecnologias, bem como a integração do espaço mundial em virtude desse fato); b) Econômico, especialmente no que diz respeito à formação de grandes conglomerados transnacionais que acabam por atravessar fronteiras nacionais e assumir uma importância tão grande ou maior do que a dos Estados nacionais; c) Cultural-político, principalmente em suas conexões com a influência na identidade das sociedades e na mudança do local da política (enfocando as conseqüências para a democracia) [como sugerido por IANNI (1997), pp. 17-27 e ORTIZ (1997), pp. 274-275]. Tendo-se isso em mente cabe aqui expressar algumas definições de globalização que representam como o conceito é aqui utilizado:
[...] um complexo de processos e forças de mudança, que, por conveniência,pode ser sintetizado sob o termo "globalização". Como argumenta Anthony McGrew (1992), a "globalização" se refere àqueles processos, atuantes numa escala global , que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado. A globalização implica um movimento de distanciamento da idéia sociológica clássica de "sociedade como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se encontra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço" (Giddens, 1990, p.64). Essas novas características temporais e espaciais, que resultam na compressão de distâncias e de escalas temporais, estão entre os aspectos mais importantes da globalização a ter efeito sobre as identidades culturais. [HALL (1998), pp. 67-68]

A globalização "financeira" se traduziu em mudanças, tanto operacionais como institucionais. Houve três transformações: a revolução telemática criou o mercado 24 horas; surgiram novos atores, como os fundos mútuos de investimento e os fundos de pensão; criaram-se novos instrumentos, como a securitização e os derivativos. No plano institucional, o FMI, que nascera em 1944, com 44 membros, tem hoje 181. No comércio, a globalização assumiu várias formas: o surgimento de blocos regionais, como a União Européia, o Nafta e o Mercosul; a explosão das multinacionais [grifo meu]; o conceito de "fábrica global" como gerentes e trabalhadores de um país, tecnologia ou financiamento de outros, para vendas a terceiros.[CAMPOS (1998), p. 294]

Democracia – como já foi exposto, talvez seja sobre o conceito de democracia que se tenha produzido (e se continua produzindo) a mais vasta literatura. Não é objetivo deste trabalho utilizar um conceito único e fechado do tema; mas, sim, a partir de algumas idéias de democracia, aferir qual é o impacto da nova configuração das comunicações advinda do processo de globalização em algumas das características que a definem. Aceitemos, então, apenas para termos um parâmetro, o que diz Touraine sobre a questão:
A definição de democracia como a livre escolha, em intervalos regulares, dos governantes pelos governados ilustra claramente o mecanismo institucional sem o qual ela não existe. [...] A democracia existe realmente quando a distância que separa o Estado da vida privada é reconhecida e garantida por instituições políticas e pela lei. Ela não se reduz a procedimentos porque representa um conjunto de mediações entre a unidade do Estado e a multiplicidade dos atores sociais [grifo meu]. É preciso que sejam garantidos os direitos fundamentais dos indivíduos; é preciso também que estes se sintam cidadãos e participem da construção da vida coletiva. Portanto, é preciso que os dois mundos – o Estado e a sociedade civil – que devem permanecer separados, fiquem também ligados um ao outro pela representatividade dos dirigentes políticos. Essas três dimensões da democracia – respeito pelos direitos fundamentais, cidadania e representatividade dos dirigentes – complementam-se; aliás, é sua interdependência que constitui a democracia. [TOURAINE (1996), pp. 42-43].

A hipótese básica com a qual se trabalhou é a seguinte: com o processo de globalização, as características de pluralidade de meios de informação (comunicações de massa, telecomunicações e informática), bem como do advento de gigantescos conglomerados transnacionais, não levaram a uma igual diversidade e pluralidade na propriedade daqueles meios. Ao contrário, esses acabaram por se concentrar sob o poder de pouquíssimos conglomerados [ver Lima (1998b)], o que provoca um efeito maléfico sobre o processo democrático. [Para uma idéia preliminar daquilo que se está pretendendo abordar aqui, vale exemplificar esses "grandes conglomerados" com o caso da Microsoft. Segundo a Folha de S.Paulo de 17/07/99 (Dinheiro, p. 12), a Microsoft, "a maior fabricante de softwares no mundo, se tornou ontem a primeira companhia a superar US$ 500 bilhões em valores de mercado na história. Ao final do pregão na Bolsa de Nova York, o valor da Microsoft no mercado chegou a US$ 507,5 bilhões. Esse montante é superior ao PIB (Produto Interno Bruto) de todos os países da América Latina, com exceção o do Brasil, de US$ 700 bilhões."]

Nos primeiros meses da pesquisa foi importante acompanhar alguns acontecimentos centrais para a definição do processo de concentração da propriedade. Entre eles, destacam-se a privatização do sistema Telebrás, a concessão das empresas-espelho, o andamento das concessões de TVs a cabo, o processo mundial de fusões, a convergência tecnológica e a legislação no setor.



II – Comunicações, Globalização e Democracia

Tendo-se em mente a hipótese inicial aqui apresentada, poderemos verificar, pelo quadro abaixo, que a tendência do mercado midiático global é a do aparecimento cada vez mais intenso de grandes corporações de mídia, após processos gigantescos de fusões, os quais são corroborados pela lógica neoliberal-desregulamentadora da globalização e pela "necessidade" de sobrevivência num capitalismo concorrencial avassalador [sobre as posições do discurso neoliberal diante do surgimento dos novos conglomerados de empresas ver LIMA&MOTTER (1996)]. Isso se faz ainda mais presente no mercado de comunicações, onde os investimentos passaram a ser da ordem de dezenas de bilhões de dólares especialmente após a corrida pela convergência das diversas tecnologias do setor.

Empresas
Data da Fusão
Valor em Bilhões de Dólares

MCIWorldCom/Sprint
10/99
129

SBS Communications/Ameritech
05/98
72

Bell Atlantic/GTE
07/98
71

AT&T/TCI
06/98
70

Vodafone/Airtouch
01/99
66

AT&T/MediaOne
04/99
63

MCIWorldCom
10/97
43

Quest/West
06/99
40,5

Viacom/CBS
09/99
35

Olivetti/Telecom Italia
05/99
33

Bell Atlantic/Nynex
04/96
31

TOTAL
-
653,5




Portanto, é uma conseqüência do mundo globalizado e da lógica a ele subjacente o surgimento destes novos conglomerados de mídia (ou de comunicações). Nas palavras de Thompson:

A globalização da comunicação tem sido também um processo estruturado e desigual que beneficiou mais a uns do que a outros, e que incluiu mais rapidamente algumas partes do mundo nas redes de comunicação global do que a outras. [...] A globalização da comunicação no século XX é um processo dirigido principalmente por atividades de conglomerados de comunicação em grande escala. As origens destes conglomerados remontam à transformação da imprensa no século XIX, [...]. A mudança na base econômica dos jornais, precipitada pela introdução de novos métodos de produção, colocou em movimento um processo a longo prazo de acumulação e concentração nas indústrias da mídia. Ao longo do século XX, este processo assumiu cada vez mais um caráter transnacional. Conglomerados de comunicação expandiram suas operações para outras regiões fora de seus países originais; e parte dos interesses financeiros e industriais, dentro de explícitas políticas globais de expansão e diversificação, foi canalizado para a aquisição substancial de ações nos setores de informação e de comunicação. Através de fusões, compras ou outras formas de crescimento corporativo, os grandes conglomerados assumiram uma presença sempre maior na arena global do comércio de informação e comunicação.[THOMPSON (1998), pp. 143-144]

Veja-se que pluralidade de empresas (em quaisquer áreas e mais fortemente na área de comunicações) sempre foi uma das qualidades mais exaltadas pela democracia liberal capitalista em contraposição aos monopólios estatais dos países totalitários comunistas, nos quais a mídia era um instrumento de opressão do Estado. No entanto, caminhamos para um futuro no qual, em escala global, não teremos mais do que dez megaempresas controlando todo o setor de comunicações [ver LIMA&MOTTER (1996), p. 14]. O que terá ocorrido com a democracia liberal? O jornalista Clóvis Rossi, em entrevista ao autor, fez comentários nesse sentido:

[...] o problema, do ponto de vista democrático, é bem mais complexo do que a mera fusão e incorporações no âmbito das empresas de comunicações. O problema é geral. Cada vez diminui o número de organizações em cada setor da economia, com o que vai se reduzindo o que, a meu ver, é a grande virtude (talvez única) do capitalismo: a concorrência. Se o processo de concentração de propriedade continuar no ritmo em que vem vindo ultimamente, talvez se possa fazer a esse novo capitalismo concentrador a mesma crítica que os capitalistas fizeram sempre ao comunismo, qual seja a de que o fato de haver um único proprietário dos meios de produção (o Estado) era intrinsecamente contrário à democracia. Essa observação genérica vale, creio, para o setor de comunicações, embora ao menos no Brasil ainda não haja uma concentração tão enorme, exceto, talvez, na TV. Não há um jornal hegemônico, não há uma rádio hegemônica, não há um provedor hegemônico. Enfim, há espaços, portanto, para o exercício democrático. [Para a entrevista completa ver GODOI (1999), p. 108].

Essa oligopolização do setor de comunicações, na esteira da globalização, pode ser constatada a todo momento. Não foi diferente com a privatização da Telebrás, ainda que não o pareça à primeira vista. A revista CartaCapital (19/08/98, nº 80, pp. 60-64), logo após a privatização, com base num estudo da consultoria LAFIS, registrou que "os mecanismos formais de controle não impediram que as três unidades estrategicamente mais importantes da antiga Telebrás ficassem com um único grupo: a Aliança Panamericana, nome dado à união entre a norte-americana MCI, a espanhola Telefónica e a Portugal Telecom, anunciada em março de 1998".

Um outro ponto deste processo é a questão da convergência tecnológica. Os conglomerados de comunicações estão a caminho de passar por um mesmo cabo: a voz da telefonia, os som e imagem da televisão, os dados da Internet. Além de estarem, por uma lógica economicamente sábia, diversificando suas atividades para os setores de música, cinema, produção [ver McCHESNEY (1999), "Media firms have great incentive to merge, acquire, and globalize. It is when the effects of sheer size, conglomeration, and globalization are combined that a sense of the profit potential emerges. When Disney produces a film, for example, it can also guarantee the film showings on pay cable television and commercial network television, it can produce and sell soundtracks based on the film, it can create spin-off television series, it can produce related amusement park rides, CD-roms, books, comics, and merchandise to be sold in Disney retail stores. Moreover, Disney can promote the film and related material incessantly across all its media properties."]. A seguir acrescento um quadro [adaptado de LIMA (1998b), pp. 50-51] que procura mostrar a convergência das comunicações entre os conglomerados nacionais de mídia.



EXPANSÃO DE SETE GRUPOS DE MASS MEDIA NO BRASIL

[Adaptado de LIMA (1998b), pp. 50-51]

1. Grupo O Estado de S.Paulo

Empresa
Áreas de atuação
Sócios

BCP e BSE
Banda B de telefonia celular
Bell South, Banco Safra, Splice e Bell South Latin America




2. Grupo Folha de S.Paulo

Universo On Line
Conteúdo e acesso à Internet
Grupo Abril, Morgan Stanley

Sem nome definido
Jornal de conteúdo econômico
Globo




3. Organizações Globo

Sistema Net
TV por assinatura
Microsoft, Multicanal e RBS

Multicanal
TV a cabo
Antônio Dias Leite e Garantia Participação e

Investimento

SKY
TV por assinatura via satélite
News Corp. ( do empresário Rupert Murdoch), MCI e Televisa

Victori Comunicações
Comunicação de dados
Bradesco, Stet, Victori Internacional

Teletrim
Paging
Bradesco, Stet, Victori Internacional

Class
Lançamento e exploração de serviço de satélite
Victori, Matra

Vicunha (Maxitel)
Banda B de telefonia celular
Vicunha, Bradesco e Stet

Virtua
Serviço de Internet Via Cabo
Inserido no sistema Net

Sem nome definido
Jornal de conteúdo econômico
Folha




4. Grupo Jornal do Brasil

TV Cidade
TV por assinatura
SBT e Bandeirantes

Globalstar do Brasil
Telefonia móvel via satélite
Loral e Dasa




5. Grupo RBS

Sistema Net
TV por assinatura
Globo e Multicanal

Sky
TV por assinatura
Globo, News Corp., Televisa

CRT
Operadora de telecomunicações
Telefónica de Espanha

Telebrasil Sul
Telesp Fixa
Telefónica de Espanha, Portugal Telecom e Iberdrola

Via Móvel 1
Trunking
International Wireless Communications

ZAZ
Produção de conteúdo e acesso à Internet
Telefónica




6. Grupo Abril

Sistema TVA
TV por Assinatura
Chase Manhattan, Canbras (Bell Canada), Tv Filme, Hearst Corporation, Capital Cities/ABC, Falcon International Comunications

Link Express
Internet Via Cabo
Tv Filme

Universo On Line
Provedor de acesso à Internet
Grupo Folha, Morgan Stanley

Ajato (ou @jato, como é a propaganda)
Serviço de Internet Via Cabo
Integrado ao Sistema Tva




7. Grupo Sílvio Santos (SBT)

SBT Online (SOL)
Provedor de acesso à Internet
-

Tv Cidade
Operadora de Tv à Cabo
Band, JB, 1 empresa EUA




No bojo desta concentração sem precedentes da propriedade está cravada a questão democrática. Se há uma concordância em que a mídia influi no processo democrático, somos levados a concluir que uma menor quantidade de atores (empresas de mass media), decorrente da concentração da propriedade, levará a sérias conseqüências para a democracia. No entanto, antes de finalizar as observações sobre a questão democrática, introduzo aqui um exemplo (estereotipado, é bem verdade) do poder dos empresários de mídia no cenário político nacional. O exemplo está contido no seguinte trecho de uma entrevista do ex-ministro Maílson da Nóbrega à revista Playboy (edição de março de 1999):

PLAYBOY: Mas, voltando na história, que traz tantas dicas para o presente, como o senhor se tornou ministro da Fazenda?

MAILSON: Em dezembro de 1987 eu era o secretário-geral do Ministério da Fazenda e o ministro era o Luiz Carlos Bresser Pereira. Um belo dia ele se demitiu e o presidente José Sarney me convidou para assumir interinamente. Ele me disse: "Vai tocando enquanto decido o que fazer". Como eu estava dentro da máquina, comecei atuando como se fosse o ministro. Tinha um grande problema com os exportadores, por exemplo. O governo queria acabar com a isenção do imposto de renda na exportação. Os exportadores reclamaram. Fiz uma bruta reunião em Brasília com todos os interessados e chegamos a uma solução. A negociação foi um grande sucesso e naquela noite fui convidado pelo [jornalista] Paulo Henrique Amorim para fazer um pingue-pongue ao vivo no Jornal da Globo. A entrevista repercutiu pra burro. No outro dia o presidente me ligou dizendo que tinha gostado muito. Daí começaram as especulações de que eu seria efetivado. Uns dias depois, o presidente me convidou para ir ao Curupu, uma ilha no Maranhão onde ele tem uma residência de praia. Fui num avião da FAB e, quando cheguei a São Luís, estava uma festa. Os jornais e as TVs tinham lá seus enviados especiais porque todo mundo especulava que ali ia surgir o convite. Conversei umas 6 horas com o presidente. Ele me convidou, mas disse que nada poderia ser anunciado ainda porque precisava aparar algumas arestas.

PLAYBOY: Disse quais eram?

MAILSON: Não, mas a aresta era o [presidente das Organizações Globo] Roberto Marinho, que tinha outro candidato para o cargo, o Camilo Calazans [um quadro da área econômica com a mesma origem de Mailson, o Banco do Brasil].

PLAYBOY: Quem lhe contou?

MAILSON: Eu deduzi. Naquele dia, de volta a Brasília, fui ver os noticiários e não tinha saído nada no Jornal Nacional. Nada. E eu tinha visto a equipe da Globo em São Luís. Falei com o repórter. Aí fiquei com a pulga atrás da orelha. Conversei com algumas pessoas e todas me disseram que só podia ser porque Roberto Marinho estava trabalhando por outro nome.

PLAYBOY: O senhor reagiu, se articulou?

MAILSON: Sinceramente, não. O presidente tinha dito que o problema era dele. Continuei tocando. No dia 5 de janeiro [de 1988], o presidente me ligou perguntando: "O senhor teria algum problema em trocar umas idéias com o Roberto Marinho?" Respondi: "De jeito nenhum, sou um admirador dele, até gostaria de ter essa oportunidade".

PLAYBOY: Nunca tinha conversado com ele até essa data?

MAILSON: Não. A Globo tinha um escritório, em Brasília, no Setor Comercial Sul. Fui lá e fiquei mais de 2 horas com o doutor Roberto Marinho. Ele me perguntou sobre tudo, parecia que eu estava sendo sabatinado. Terminada a conversa, falou: "Gostei muito, estou impressionado". De volta ao Ministério, entro no gabinete e aparece a secretária: "Parabéns, o senhor é o ministro da Fazenda". Perguntei: "Como assim?" E ela: "Deu no plantão da Globo" [o Plantão do Jornal Nacional].

PLAYBOY: Quanto tempo o senhor levou da sede da Globo para o Ministério?

MAILSON: Uns dez minutos. Ou seja, em dez minutos o Roberto Marinho ligou para o presidente, estou supondo, porque o presidente nunca me contou nada. Imagino que conversaram e o presidente deve ter dito que então eu seria o ministro. E aí valeu o instinto jornalístico do Roberto Marinho e ele tocou no plantão.

PLAYBOY: O senhor ainda não tinha a confirmação do próprio presidente?

MAILSON: Logo tocou o telefone e era o presidente me chamando ao Planalto. Cheguei lá e ele já estava com o ato de nomeação pronto. Assinou na minha frente. Daí foi tudo divulgado. Naquele dia fui dormir com aquela sensação: "Meu Deus do céu, como?" Pode soar um pouco piegas, mas parecia um negócio de conto de fadas, considerando minha origem, a trajetória, tudo. Fui dormir entre tenso e alegre.

Assim, a questão democrática relacionada com uma mídia ainda mais poderosa devido à concentração, envolve muito mais do que o cerceamento da pluralidade de informação, do direito do consumidor, do jogo político, do padrão cultural, da tradição. Ou seja, são multifacetadas as influências de uma mídia concentrada no cenário democrático, assim como a própria democracia envolve muitos ângulos de apreciação. Fecho esses comentários com as observações sobre mídia, democracia e mercado de Touraine e McChesney:

A passagem do indivíduo consumidor para o indivíduo sujeito não se opera pela simples reflexão ou pela difusão de idéias, mas apenas pela democracia, pelo debate institucional aberto e pelo espaço dado à palavra, em particular, à palavra dos grupos mais desfavorecidos, porque os detentores do poder e do dinheiro exprimem-se mais eficazmente através dos mecanismos econômicos, administrativos ou midiáticos que estão sob seu controle do que sob a forma do discurso ou protesto. [...] Assim se explica a ligação estreita entre democracia e liberdade de associação e de expressão que permite às demandas pessoas chegarem à vida pública e às decisões políticas. Se a mídia, em vez de fazer parte do mundo da multidão, portanto, do espaço público, vier abandoná-lo para se tornar, antes de tudo, empresa econômica cuja política é comandada pelo dinheiro ou pela defesa dos interesses do Estado, a democracia ficará privada de voz. [TOURAINE (1996), p. 206.].

In my view, private control over media and communication is not a neutral or necessarily a benevolent proposition. The commercial basis of U.S. media makes depoliticization, apathy and selfishness rational choices for the citizenry, and it permits the business and commercial interests to have inordinate influence over media content. In short, the nature of the U.S. media system undermines self-government. Accordingly, for those committed to democracy, it is imperative to reform the media system. The first task for changing the media system is to put control of the media on the political agenda – exactly where it belongs in a democratic society. To assist in that process, I intend to sketch out ownership and subsidy patterns of the commercial media system and to argue that these present a direct threat to the ability of the United States to have a viable democratic media culture [McCHESNEY (1999)].

III – Conclusões

Procurou-se fazer um amplo levantamento de dados com o objetivo central de compreender como continua se configurando a propriedade no setor de comunicações no Brasil e no mundo. Nesse sentido, a percepção até o momento é a de que a propriedade está ficando cada vez mais concentrada e, portanto, menos democrática. E essa concentração abrange as mais diversas áreas do setor de comunicações.

Quem critica quem nessas condições? Como fica o consumidor? Como fica o discurso daqueles que acreditavam que o avanço tecnológico (diversificação dos meios) permitiria uma maior democratização da propriedade? Infelizmente, as respostas a essas perguntas são as mais negativas possíveis.

Veja-se que no caso Globo-Folha, o silêncio notado por este Observatório em sua última edição [veja remissão abaixo] não parece ser ilógico diante da situação apresentada neste artigo, isto é, todos os outros grandes órgãos de imprensa ou televisão deste país também possuem algum tipo de associação semelhante – ou até mesmo mais intensa – àquela anunciada pelos grupos supramencionados. Novamente, colocamos a questão: quem critica quem?

E mais: é também $ignificativo o caso da fusão entre a MCI e a Sprint para o cenário brasileiro. Poderemos verificar como a agência reguladora Anatel se comportará diante desse gigante. Desvincular-se-á a MCI da Embratel ou da Intelig? Pagará ela seus débitos com a Receita Federal? É interessante ressaltar, para verificar o poder sem proporções dessas empresas, a intervenção do próprio presidente dos Estados Unidos, a pedido da MCI, na recente discussão por ocasião da multa aplicada pelo fisco brasileiro [ver matéria publicada no caderno de economia de O Estado de S.Paulo em 25/10/99].

Espera-se, entretanto, que pesquisas semelhantes a essa contribuam para que as atuais tendências no campo das comunicações não se transformem em algo como o pesadelo orwelliano do Grande Irmão, no qual só há uma teletela.

Encerro com as palavras de Sartori sobre a influência dos meios de comunicação na democracia:

Como para ter uma democracia precisamos, em certa medida, de um governo do povo, vamos perguntar imediatamente: em que momento vemo-nos diante de um "povo governante", do demos no ato ou papel de governar? A resposta é: nas eleições. [...] Dizemos, para rematar, que as eleições devem ser livres. É verdade, mas não é o bastante, pois, num sentido básico, a opinião também deve ser livre. Eleições livres sem direito à opinião nada significam. Dizemos que o povo deve ser soberano. Mas uma soberania vazia que nada tem a dizer, sem opiniões próprias, é mero ratificador, um soberano de nada. [...] Nas democracias de hoje, são os meios de comunicação de massa que desempenham o papel mais amplo e mais central na formação da opinião pública. [...] Resumindo tudo numa única frase, diríamos que o mundo é – para o público em geral – a mensagem dos meios de comunicação. [SARTORI (1994), pp. 123,124 e133]

(*) O presente artigo é fruto de um plano de trabalho que vem sendo desenvolvido dentro do programa PIBIC/UnB/CNPq, cujo título é "As Comunicações no Processo de Globalização & Os Rumos da Democracia". Um versão ampliada deste artigo foi apresentada no V Congresso Internacional de Estudantes de Relações Internacionais do Cone Sul.

(**) Graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM) da Universidade de Brasília.

Referências Bibliográficas

CAMPOS, Roberto – Na virada do milênio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998

GODOI, Guilherme Canela de Souza – As comunicações no processo de globalização e os rumos da democracia. Relatório final apresentado ao PIBIC/UnB/CNPq. Brasília: agosto de 1999.

HALL, Stuart – "Globalização, compreensão tempo-espaço e a identidade. Em direção ao pós-moderno global?", in: A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 2ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. pp. 67-76

IANNI, Octavio – "A política mudou de lugar", in: DOWBOR, Ladislau; Octavio Ianni e Paulo-Edgar A. Resende (orgs.) – Desafios da Globalização. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. pp. 17-27.

LIMA, Venício A. de – Comunicações, tecnologia e globalização. Projeto Individual de pesquisa submetido ao CNPq, julho, 1995

LIMA, Venício A. de e Paulino Motter – "Novas tecnologias de comunicações, neoliberalismo e democracia", in: Comunicação & Política – v. III, n. 1, Nova série, janeiro-abril 1996. Rio de Janeiro: Centro brasileiro de Estudos Latino-Americanos, CEBELA. pp. 12-19.

LIMA, Venício A. de – "Globalização e políticas públicas no Brasil; a privatização das comunicações entre 1995 e 1998" – in: Revista Brasileira de Política Internacional, ano 41, nº 2, 1998a. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. pp. 118-138.

LIMA, Venício A. de – "Globalização e política de comunicações no Brasil: novos e velhos atores", in: Contato: revista brasileira de comunicação, arte e educação, ano 1, n. 1, out./dez., 1998b. Brasília: Senado Federal, Gabinete do Senador Artur da Távola. pp. 45-61.

McCHESNEY, Robert W. – "Corporate Media Versus Democracy", in: Revista Eletrônica Ciberlegenda . 1999.

ORTIZ, Renato – "Mundialização, cultura e política", in: DOWBOR, Ladislau; Octavio Ianni e Paulo-Edgar A. Resende (orgs.). – Desafios da Globalização. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. pp. 270-275.

SARTORI, Giovanni – "Democracia governada e democracia governante", in: A teoria da democracia revisitada. V. 1. São Paulo: Editora Ática, 1994. pp. 123-180

THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

THOMPSON, John B. A Mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

TOURAINE, Alan – O que é a democracia? Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: Vozes, 1996

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