Jornais, candidaturas e eleitores em 2010
MARCUS FIGUEIREDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Este trabalho apresenta os resultados iniciais da cobertura dos três maiores jornais nacionais: a Folha, "O Estado de S. Paulo" e "O Globo".
Nosso objetivo é observar como a mídia impressa cobriu os acontecimentos que envolveram os principais candidatos a presidente.
Na eleição de 2002 nos ocupamos apenas dos candidatos; na de 2006 introduzimos o acompanhamento do Lula-presidente e do Lula-candidato. Neste ano, logo percebemos que o presidente Lula seria um ator relevante, assumindo o papel de patrocinador e principal cabo eleitoral de Dilma Rousseff.
A pesquisa cobriu todos os pré-candidatos testados nas pesquisas e os candidatos.
Mas aqui apresentamos apenas o tratamento que a mídia impressa conferiu ao presidente Lula e aos candidatos José Serra e Dilma Rousseff.
A segunda inovação que introduzimos foi a distinção entre matérias neutras e equilibradas. Nas pesquisas anteriores esses dois comportamentos estavam juntos.
Esta distinção tornou nosso objetivo mais completo. A ideia de matéria equilibrada revela uma ambição acadêmica e metodológica. Os principais trabalhos nesta linha de pesquisa sempre usam os adjetivos positivo, neutro e negativo para as matérias jornalísticas, como indicadores do comportamento da imprensa, definindo-os como bons ou ruins para o objeto da observação. Matérias positivas ou negativas podem ter duas origens: intencionais ou inerentes ao fato reportado ou analisado.
As matérias equilibradas são aquelas que o fato reportado/analisado leva em conta em sua narrativa múltiplas considerações, incluindo as de natureza positiva e negativa. Este é o tipo de matéria digna de um espaço público, onde o reportado ou o analisado contempla o contraditório, que genuinamente informa e não apenas tenta sempre formar a opinião pública.
A orientação da nossa pesquisa sempre foi nesta direção: não qualificamos as matérias tendo por referência a intenção de quem a produz.
Este é um trabalho de outra natureza, que poderá ser feito quanto nossos dados estiverem totalmente disponíveis. O que apresentamos aqui já é o bastante para observarmos as diferenças e semelhanças de comportamento entre os três jornais.
A COBERTURA
De 1º de setembro de 2009 a 31 de outubro de 2010, o Doxa analisou 57.168 matérias. Ao longo do período observamos 36,9% de matérias positivas, contra 33,3% negativas. As matérias neutras e equilibradas somam 15% e 14,8%, respectivamente.
Esta distribuição variou bastante considerando os jornais e os subperíodos da campanha. Considerando-se o saldo (matérias positivas -matérias negativas) da cobertura nos quatro períodos da campanha (2009, 2010 até o 1º turno, 1º turno e 2º turno), Serra sempre obteve o mais alto saldo positivo, seguido por Lula e por Dilma.
Mas, por mais incrível que possa parecer, ao final do 1º turno, Dilma e Lula tinham saldo de 1%, e Serra, 0%. Nos 30 dias do 2º turno, Serra obteve saldo positivo de 9%, seguido de Lula, com 5%, e Dilma chegou ao final do 2º turno com saldo negativo de 1%.
A origem deste quadro aparentemente esdrúxulo está no comportamento de "O Estado", cujas matérias, ao longo dos dois turnos, apresentaram saldos positivos para Serra e negativos para Lula e Dilma, como se observa nos gráficos dos saldos desses três personagens.
Olhando de um satélite, apesar dos altos e baixos de cada um, na topografia "desenhada" pelo geógrafo de "O Estado" Serra seria o vencedor, e Dilma Rousseff e seu patrocinador, os perdedores.
A Folha foi o jornal mais crítico em relação a Serra, especialmente a partir de julho até o final da campanha.
"O Globo" ora se comportava como o "Estado", ora como a Folha, dependendo do personagem. Sobre Serra, o "Globo" e o "Estado" tiveram o mesmo comportamento; sobre Lula e Dilma; "Globo" e Folha andaram, basicamente, de mãos dadas.
EQUILÍBRIO DESEJADO
Acima chamei a atenção para a necessidade do espaço público jornal ser o mais equilibrado possível em nome da difusão democrática da informação. A difusão equilibrada da informação não implica o controle do conteúdo da informação, mas sim a igualdade de acesso ao espaço difusor. O controle ao acesso e ao conteúdo à mídia só existe hoje sobre o rádio e a TV durante o período eleitoral. Jornais e web são declarados territórios totalmente livres, salvo em casos de natureza moral.
Sem entrar neste debate, chamo a atenção apenas sobre o aspecto mercadológico. Jornais vivem de publicidade, assinantes e consumidores eventuais. Em ocasiões especiais os leitores procuram informação e orientação sobre as polêmicas a serem decididas, caso típico de momentos eleitorais. Se um jornal pende para um lado, o risco é a perda de receita ou ficar restrito aos seus anunciantes e assinantes, tornando-se um "panfleto".
Se este é seu objetivo, sua autopromoção pode tornar-se fraudulenta, com ares de propaganda enganosa, pois procuramos informação, mas só encontramos "panfletos". Por outro lado, um jornal pode tomar uma posição e defender uma causa. Certamente encontrará o seu público. A não declaração de suas preferências políticas e eleitorais é que beira à fraude midiática. Neste particular o "Estado" tem sido nobre, pois sempre faz um editorial apoiando o candidato de sua preferência. Sem este tipo de atitude só o especialista é capaz de perceber rapidamente de que lado o jornal está.
Estas atitudes -posições veladas ou abertas- não os eximem de ter um padrão equilibrado diante das disputas. Nesta eleição observamos que os três jornais tiveram baixa frequência de matérias equilibradas, especialmente no período da campanha. No geral observamos a média de 15% de matérias equilibradas. É muito pouco para quem se enaltece de ser guardião da democracia.
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MARCUS FIGUEIREDO, 69, é professor de ciência política da Uerj, coordenador do laboratório Doxa e autor de "A Decisão do Voto: Democracia e Racionalidade".
fsp
Folha fez cobertura mais crítica a candidatos
Pesquisa do Iesp aponta que jornal teve o noticiário mais incisivo tanto em relação a Serra como em relação a Dilma
Apesar das diferenças entre Folha, "Globo" e "Estado", a evolução da cobertura é similar, pois acompanha o noticiário
DE SÃO PAULO
Levantamento sobre a cobertura da campanha eleitoral feita pela mídia impressa revela que a Folha foi, dos grandes jornais brasileiros, o mais crítico em relação aos dois principais candidatos à Presidência da República.
A pesquisa, realizada pelo Doxa (Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, abrange as edições da Folha, de "O Globo" e de "O Estado de S. Paulo" de 1º de setembro de 2009 até 31 de outubro de 2010, totalizando 57.168 matérias, entre reportagens, notas, editoriais e artigos de colunistas e convidados.
Levando em conta todos os textos publicados no período com menções positivas e negativas a Dilma Rousseff (PT) e a José Serra (PSDB), de acordo com os critérios dos pesquisadores, a petista teve um empate na Folha, contra um saldo positivo de 0,54% em "O Estado" e de 5% em "O Globo"; já o tucano teve um saldo de menções negativas na Folha de 2,8%, contra 11,5% de saldo positivo no "Globo" e 14,75% de saldo positivo no "Estado".
Em relação ao governo Lula, a Folha ocupou uma posição intermediária entre os dois concorrentes, com um saldo de 3%: "O Globo" apresentou a cobertura mais positiva à gestão do atual presidente (6%), e "O Estado", a mais negativa (-1% de saldo).
LEVANTAMENTO
Coordenado pelo cientista político Marcus Figueiredo, o levantamento do Doxa atribui valores positivos, negativos, neutros ou equilibrados a cada matéria publicada.
Os textos positivos são aqueles que reproduzem declarações do candidato ou de outras pessoas que o favorecem -incluindo nessa conta bons resultados nas pesquisas. As reportagens negativas trazem ressalvas, críticas e ataques ao candidato, ou pesquisas desfavoráveis.
Os textos neutros são descrições que não fazem avaliações de ordem moral, política ou pessoal do mesmo. Já as matérias equilibradas são aquelas que ressaltam o contraditório: contêm, ao mesmo tempo, menções positivas e negativas aos políticos.
Segundo Marcus Figueiredo, "o comportamento da mídia impressa foi como esperávamos. Os jornais foram críticos, especialmente em seus espaços nobres como a primeira página, suas colunas e editoriais. No cômputo geral, "O Globo" e "O Estado" foram mais pró-Serra, inclusive em suas reportagens".
Os gráficos publicados ao lado mostram a evolução da cobertura eleitoral nos três jornais. A despeito das diferenças entre os três veículos, é possível constatar que as tendências gerais são muito semelhantes, pois acompanham o noticiário.
Por exemplo, a crise na escolha do candidato a vice de Serra multiplicou as menções negativas ao tucano; o mesmo ocorreu com a campanha de Dilma em setembro, com o escândalo que derrubou a então ministra da Casa Civil Erenice Guerra.
O LABORATÓRIO
Criado em 1996 com o objetivo de investigar os processos eleitorais e de formação da opinião política, o Doxa analisa as coberturas da imprensa desde 2000.
Nesta eleição o Doxa deixou de acompanhar o "Jornal do Brasil", que no início da campanha encerrou suas atividades impressas.
Em seu lugar passou a ser objeto de acompanhamento o jornal "Valor Econômico", mas cujos resultados estão sendo analisados. Os resultados completos da pesquisa do laboratório devem ser apresentados em breve.
Devido a crise aguda do Iuperj, o Doxa deixou de apresentar os resultados durante a campanha, como sempre fez. Superada a crise, com a integração de toda a equipe do Iuperj pelo Iesp (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), o Doxa passa a apresentar seus resultados iniciais. A pesquisa sobre a eleição de 2010 pode ser vista no novo site www.doxa.iesp.uerj.br
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